domingo, maio 12, 2013

A extremófila - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

ESTADÃO - 12/05

Há organismos que nascem e crescem em lugares que até pouco tempo eram considerados impossíveis para a vida, como em torno das ventas vulcânicas no fundo do mar. Esses organismos têm um nome: extremófilos.

Eles amam os extremos. Dependem dos extremos para viver. Ou o caso da Verinha só se sentem realmente vivos perto dos extremos. Na turma havia até uma certa desconfiança de que a Verinha nascera numa rachadura do fundo do mar. Só isso explicaria sua atração pelos extremos.

Não se tinha notícia de um namorado da Verinha que não tivesse no mínimo ou o dobro ou a metade da sua idade. Uma vez namorara um homem tão mais velho do que ela que o traíra com seu bisneto. Outra vez encontraram a Verinha com um novo namorado num restaurante, comemorando com champanhe o nascimento do primeiro pelo pubiano dele, o que significava que ele já podia tomar champanhe.

O romance acabou logo em seguida quando a Verinha fugiu para Paris com a avó do rapaz, que fizera análise e descobrira que era lésbica, e que também foi abandonada quando Verinha conheceu um estudante basco que planejava se atirar de paraquedas sobre a embaixada espanhola com dinamite amarrada no corpo e, claro, não pode resisti-lo.

Por tudo isso, todos estranharam quando a Verinha começou a sair com o Miro. O Miro era mais ou menos da sua idade. Nem muito mais velho nem muito mais moço. Funcionário público. Gostava de futebol mas não era fanático por nenhum clube. Lia pouco. “Seleções”, alguns livros de autoajuda. Também não era muito de cinema. Lamentava que não aparecessem mais filmes do Charles Bronson.

Bebia com moderação, gostava de dormir cedo e, em matéria de política, não tinha opinião formada. Votava em quem parecesse mais honesto. Sua filosofia era que, se todos no Brasil apenas fizessem o seu trabalho corretamente, como ele na repartição, este país tinha jeito sim.

Pediram explicações à Verinha. – Por que o Miro? – Cansei – disse, simplesmente, a Verinha.

Era difícil de acreditar. Uma extremófila cansada dos extremos? A Verinha acomodada? A Verinha dormindo cedo, depois de sexo protocolar? A Verinha concordando que a sabedoria está sempre no meio-termo. como gostava de dizer o Miro? A Verinha moderada?! Impossível. E começaram as especulações. O Miro seria um extremista disfarçado. Seu exterior de pão de ló esconderia um coração de Al Qaeda. Ou ele era alguma coisa extrema na cama, alguma coisa que a Verinha não encontrara em moços, velhos, lésbicas ou acessórios.

Mas não. Miro parecia ser exatamente o que parecia ser. Qual era a explicação? Não havia explicação racional. Até que um dia alguém notou a expressão no rosto da Verinha enquanto o Miro descrevia o novo método de arquivamento que inventara para o escritório. A adoração, o quase êxtase, no rosto da Verinha. Era isso! Era a explicação!

– Vocês já notaram como o Miro é chato? – É, coitado. – Não, o Miro é muito chato. O Miro é extremamente chato.

O Miro é, provavelmente, o homem mais chato do mundo! Claro. Uma extremófila não se contentaria com alguém apenas normal. Tinha que ser alguém radicalmente normal. Um chato até as últimas consequências.

E até hoje, quando o Miro diz coisas como “Eu, se não durmo minhas oito horas por noite, fico imprestável” a Verinha olha em volta, radiante, desafiando alguém da turma a produzir um chato mais chato do que o seu.

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