FOLHA DE SP - 30/04
Sou fascinado pela afirmação de que 'ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância'
"As crianças nascem más, elas melhoram crescendo, pois a cultura pode civilizá-las." Ao ler essa frase, apareceu-me a velha questão da "verdadeira essência" da nossa espécie.
Rousseau, filósofo suíço, século 18, achava que nossa natureza era originalmente boa, e que a cultura a corromperia (o "bom selvagem", como se os nascidos na selva não tivessem cultura).
Hobbes, filósofo inglês, século 16, acreditava na infinita capacidade de violência do ser humano, obrigado a contê-la para viver na civilização (na cidade, encontrando desconhecidos sem poder matá-los, como seria seu impulso de origem).
A frase não segue Hobbes, portanto. Ela seria mais o inverso perfeito da crença de Rousseu. Nossa espécie teria uma essência má, que a bondade da cultura amorteceria... um pouco.
Que maldade é essa? O que é o mal? O tema é vasto. Vamos pensar apenas na maldade humana. Ela teria a ver com infligir dano e sofrimento de maneira intencional e injusta (se você mata em legítima defesa, não praticou o mal).
No entanto, encontrar justificativa para a prática do mal é a coisa mais comum, não à toa Hannah Arendt escreveu sobre a banalidade do mal ao perceber que o nazista Adolf Eichmann acreditava que seu trabalho de extermínio de judeus era completamente justificado como o correto exercício do dever, e que não conflitava com o bom chefe de família que ele era.
A ética contempla os costumes. Depois do julgamento de Nuremberg não mais se justificam atos danosos pelo "cumprimento de ordens" --assim como, na época em que foi composta, "Nega do Cabelo Duro" não ofendia ninguém.
Lembrei-me dos pecados capitais: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. O curioso é que eles não são pecados em si, mas "capitis" (cabeça) de pecados, daí "capitais". Todos temos, como Hobbes observou, capacidade para eles, mas só quando a partir deles causamos dano/sofrimento intencional, cometemos pecado (ou crime), fazemos o mal com eles.
Mas, fazer o mal com a preguiça? Sim, pela omissão, pelo dane-se. A ganância está contida na avareza; a humilhação dos outros na soberba; os vícios na gula; a maledicência na inveja; o estupro na luxúria e assim por diante.
E a maldade das crianças, onde reside? Numa tira de quadrinhos (C. Schulz), o pequeno Linus, no recreio, fica fascinado com uma coleguinha linda, vai se aproximando dela devagar e finalmente, quando está junto a ela, não se contém e... Dá-lhe um soco no nariz! Maldade?
Não. Falta de instrumentos adequados para expressar a intensidade dos sentimentos que lhe assoberbavam. Como um bebê que chora por não saber falar.
Sou fascinado pela afirmação de Sócrates de que "ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis."
Ela sugere que poderíamos prevenir o mal através do cultivo de instrumentos de expressão mais eficientes de nossos desejos e insatisfações. Do maior conhecimento de si mesmo e do outro. De maior sabedoria, que leva à consideração e à compaixão.
Sem excluir as leis e a cadeia, claro.
Sucede, contudo, que o Humanismo nâo humaniza (v. George Steiner).
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