sexta-feira, abril 12, 2013

Margaret Thatcher: é complicado... - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 12/04

O movimento punk não surgiu com Thatcher; ambos são fruto da penúria generalizada dos anos 70


Só não existe uma estátua de Margaret Thatcher para competir em magnitude com a monstruosidade erguida em homenagem a Winston Churchill na frente do Parlamento, porque o Establishment britânico jamais en­golirá o que considera ser a vulgari­dade das origens pequeno-burgue­sas da ex-primeira-ministra morta nesta semana.

Para se ter uma ideia da animosi­dade que a aristocracia nutre por Maggie, basta dizer que a rainha Elizabeth nunca manteve segredo de que os 11 anos de convivência com ela representaram um verda­deiro martírio para a soberana, obrigada a receber Thatcher todas as terças-feiras nas audiências de prestações de contas entre ambas.

Bem, qualquer ser minimamente sociável dificilmente escolheria a ex-primeira-ministra para passar o fim de semana no Guarujá, ou, qui­çá, a chamaria para flanar diante das vitrines do shopping JK. Além de ser a personificação mais refina­da da antipatia, a mulher represen­ta a imagem da crueldade para uma inteira geração. Mas não passa de maniqueísmo típico da turma que precisa apaziguar suas emoções in­fantis tratar Margaret Thatcher co­mo aquela governanta má de conto de fadas, que só causa fogo e caos.

Cheguei à Inglaterra para morar em 1976 e encontrei uma pocilga em que a juventude não tinha perspectiva de carreira. Todo o mundo e seu vizinho pareciam estar desempregados; imigrantes eram xingados nas ruas, quando não ata­cados fisicamente e culpados aber­tamente pelo desemprego recorde.

Os serviços públicos davam vergo­nha e/ou nojo. As filas eram enor­mes e as brigas com funcionários públicos, corriqueiras. O país vivia refém dos sindicatos --a cada dia pa­rava um serviço essencial.

A Inglaterra já estava moribunda, seja pela inércia de império acomo­dado, seja pela crise do petróleo. Não foi Thatcher que trouxe o problema. Até enten­do a lamúria do manifesto que Morrissey, ex-The Smiths, emitiu nesta semana, alegando que a "dama de ferro" "não tinha um pingo da hu­manidade".

Note que o movimento punk não surgiu por conta do governo That­cher. Ambos são fruto da mesma árvore de penúria generalizada.

Goste-se ou não dela, estamos fa­lando de uma mulher --repito, de uma mulher-- que conseguiu liderar o Partido Conservador contra a vontade da elite que conduz o país desde 1066 e que teve coragem de dobrar os sindicatos, coisa que os trabalhistas nunca tinham feito.

Além disso, mandou o maridão superbem-sucedido, Dennis, para casa vestir chinelos enquanto ela dava conta do recado.

Que eu saiba, quem sugere que se faça isso é o best-seller "Faça Acon­tecer", de Sheryl Sandberg, a superexecutiva do Facebook, considera­da a porta-voz do novo feminismo.

Maggie destruiu as pesquisas mé­dicas nas universidades, as artes, a cultura e a educação? Sim. Mas já estava tudo indo pro brejo mesmo.

A política de austeridade, de corte de gastos e a prestação de contas no receituário keynesia­no que ajudou a impor, taxando o consumo, não os ganhos, privati­zando serviços já sucateados e dan­do autonomia ao Bank of England, o Banco Central da Inglaterra, são medidas que reergueram o país.

É claro que sua figura dickensiana de vilã intragável com aquela ex­pressão de harabishueba (merda no bigode) não será esquecida tão cedo. Mas julgá-la por ser ami­ga de Pinochet ou por massacrar os pobres garotos argen­tinos indefesos sem pensar duas vezes é tentação à qual não podemos ceder tão facilmente diante do imenso novelo da histó­ria.

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