quarta-feira, abril 17, 2013

Males da corporação - RODRIGO RIBEIRO

O GLOBO - 17/04

A questão dos cartórios é grave e contribui para aumentar a fenda entre Judiciário e sociedade


A Constituição extirpou do sistema jurídico do país as amarras impostas à sociedade pelo regime militar, definitivamente enterrado com a promulgação da nova Carta, em 88. E, de maneira geral, varreu para o lixo da História dispositivos que — deliberadamente ou não — contribuíam para blindar a Justiça brasileira contra as boas luzes da transparência. A criação do Conselho Nacional de Justiça, em 2004, pela Emenda 45, consolidou os esforços daqueles que, de dentro da magistratura, ou fora dela, mas imbuídos do mesmo propósito, pugnaram pela criação de instrumentos de regulação e mesmo de moralização das atividades judicantes. As seguidas intervenções do CNJ em temas de interesse da sociedade, principalmente nas questões de cunho correcional, são evidência de que se buscam com seriedade caminhos para sintonizar os tribunais com as demandas da sociedade.

Mas, ainda assim, o Judiciário conserva com teimosia desvãos institucionais inaceitáveis, que contribuem para anabolizar na sociedade um sentimento de desconfiança em relação a esse Poder, justamente aquele em que é maior a responsabilidade de zelar pelas regras legais. Infelizmente, há exemplos abundantes de iniciativas nesse sentido, como a recente aprovação da criação, desnecessária, dispendiosa e até moralmente condenável de novos tribunais federais de recurso, proposta não por acaso bombardeada pelo presidente do Supremo, Joaquim Barbosa. E, vicejando à sombra de um corporativismo que avança inclusive para além do corpo organizacional da Justiça, mas a ele adjacente, a arrogante permanência de cartórios extrajudiciais ao largo dos dispositivos de fiscalização e controle de suas atividades.

Esta questão dos cartórios privados é uma das mais graves entre aquelas que, permanecendo como renitente resistência aos princípios da transparência e da moralidade que deveriam reger o funcionamento da Justiça e de seus organismos auxiliares, contribuem para aumentar a fenda entre Judiciário e sociedade. A série de reportagens que O GLOBO publicou recentemente, sobre o que o jornal apropriadamente definiu como caixa-preta mantida pelos tabeliães, é evidência exemplar dessas distorções. Mas não é só: é pacífico que, para fins de legitimar propriedade, a legislação determina que a posse só é assegurada pelo registro da coisa. E, no caso dos imóveis, um bem que está na base do patrimônio do cidadão, nem sempre é fácil conseguir o título devidamente carimbado. Quem nunca enfrentou essa pantagruélica via-crucis?

Ter um cartório é atividade altamente rentável. Somente no Rio e em São Paulo estima-se que ela movimenta em torno de R$ 5 bilhões por ano. É um dinheiro que alimenta uma rede refratária a qualquer controle. E, não bastasse, bafejada por agrados do poder público: no apagar das luzes de 2012, os cartórios privados foram autorizados a reajustar a tabela de custas, com índices que, em alguns casos, chegam a 50%. Ou seja, em vez de enquadrar esses órgãos, premia-lhes o serviço caro e burocrático. Ainda há muito o que passar a limpo nesse sistema.

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