sexta-feira, abril 26, 2013

A leitura nua e crua da ata do Copom - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 26/04

A mensagem da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem, é: o Banco Central não negligenciará com a inflação futura. A variação do IPCA de 2013 está dada e deve ser apenas um pouquinho menor do que a do ano passado (5,84%). O foco, agora, é buscar com a taxa Selic a convergência da inflação para a meta de 4,5% em 2014, último período do governo Dilma Rousseff e ano das eleições presidenciais.

Não foi essa, porém, a primeira leitura do mercado, que considerou a ata "chocha", "murcha" e "neutra" e derrubou os juros futuros. Mas é isso que, na visão do comitê, estaria escrito no Parágrafo 34: "O Copom destaca que, em momentos como o atual, a política monetária deve se manter especialmente vigilante, de modo a minimizar riscos de que níveis elevados de inflação como o observado nos últimos 12 meses persistam no horizonte relevante para a política monetária" (grifo da coluna).

Foi o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, que em um evento público, ontem em São Paulo, traduziu o texto da ata sem rodeios nem atenuantes: "Cresce em mim a convicção de que o Copom pode ser instado a reforçar o uso do instrumento de política monetária, a Selic", disse, depois de ter combinado com o presidente da instituição, Alexandre Tombini.

Os juros, que caíam, passaram a subir, antecipando elevações mais fortes da taxa Selic a partir de maio. É importante lembrar que o comitê tem atribuído relevância à sua comunicação, não como elemento acessório, mas como parte integrante da política monetária.

O BC, portanto, não quer ver os juros futuros derretendo. Ao contrário, esforça-se para manter essa chama acesa.

Mesmo que a inflação mensal dos próximos meses caia, ela só ficará abaixo de 6% no acumulado de 12 meses a partir de meados do segundo semestre deste ano. Como em junho de 2012 a variação do IPCA foi pequena (0,08%), taxa que não deve se repetir neste ano, haverá, aí, uma corcova passageira no índice de 12 meses. A expectativa, tanto do relatório Focus quanto do BC, é de que no segundo semestre a inflação seja sistematicamente menor do que foi no ano anterior.

O recado do BC é de que não ficará "menos vigilante" com os preços a despeito do esperado alívio no índice de inflação dos próximos meses. Alguns alimentos começaram a ceder - os preços da carne e do tomate estão em queda - mas as expectativas para 2014 estão bem desancoradas. Desde a ultima reunião do comitê os prognósticos do mercado para o IPCA do próximo ano subiram de 5,50% para 5,70%. A mira do Copom já se deslocou para lá.

A recuperação do crescimento, na avaliação do comitê, está em franco progresso. Nesse capítulo, foram retiradas da ata as ponderações que constavam do texto anterior, da reunião de março, a respeito da inflação resultar das limitações da oferta. Subtraiu-se, também, a referência ao fato de a ação da política monetária estar circunscrita à gestão da demanda. Ou seja, limpou-se o texto dos considerandos para deixar claro que cabe ao BC tomar conta da inflação, e que a economia começa a reagir. Hamilton disse que espera para 2013 um crescimento mais próximo do PIB potencial, em torno de 3,1%.

Os adjetivos usados na ata de março para caracterizar a inflação também desapareceram, tornando o texto mais incisivo, embora continue a chamar a atenção para as incertezas internas e, principalmente, externas que cercam o cenário prospectivo para a inflação e recomendar que a política monetária seja administrada com "cautela".

Num governo onde poucos se preocupam com os rumos da inflação, cabe ao Banco Central afiar seus instrumentos para sustentar o poder de compra da moeda.

Quando, em agosto de 2011, o Copom vislumbrou a possibilidade de aproveitar a fresta da crise externa e derrubar a taxa de juros no país, ele sugeriu e recebeu o apoio explícito da política fiscal. Aquele foi o período de maior contração fiscal deste governo e os juros básicos puderam cair 525 pontos, de 12,5% para 7,25%.

Diante da derrubada da atividade econômica - fruto do endurecimento monetário e fiscal - o governo começou a afrouxar o gasto público. Hoje, não há mais âncora fiscal na política de controle da inflação. Ao contrário, ela é fortemente expansionista.

Do lado cambial, a margem de atuação do BC também é pequena dada a fragilidade da indústria. Esta é demandante de medidas protecionistas e de tarifas de importação que o governo provê, acirrando mais as pressões inflacionárias. Sobrou o Copom e a Selic para dar conta do recado, em meio a uma profusão de declarações oficiais de toda a ordem e matiz que ora derrubam e ora fazem subir os juros futuros.

O mercado, no entanto, têm criticado a comunicação, questionado a credibilidade e cavado divergências no âmbito do próprio comitê. Embora a ata divulgada ontem seja obra de toda a diretoria do Banco Central, viu-se, na fala de Carlos Hamilton, sinais mais fortes do que o documento divulgado algumas horas antes.

O BC teve que explicar que o pronunciamento do diretor havia sido feito a quatro mãos com Tombini, assim como o conteúdo das palestras de outro diretor, Luiz Pereira Awazu, em Washington, no fim de semana, também foi previamente acertado com o presidente do BC. Seria um fato totalmente incomum se fosse o contrário: um diretor, no dia da divulgação de um dos principais documentos do comitê, discursar em público em seu próprio nome e distoante do entendimento do Copom.

O mercado, que operava com juros em queda, passou a considerar uma elevação de 0,5 ponto percentual da Selic em maio. A ata, porém, não se compromete com nada. Apenas deixa as portas abertas.

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