terça-feira, março 19, 2013

Visões parciais - JOSÉ PAULO KUPFER

O Estado de S.Paulo - 19/03

Um marciano minimamente versado em economia brasileira enfrentaria, no momento, sérios embaraços para produzir um relatório sobre alguns dos debates econômicos em curso naquele peculiar pedaço ensolarado, banhando pelo Atlântico Sul, do planeta vizinho a Marte. Acostumado a ouvir queixas sobre o peso desproporcional da carga tributária, é bem possível que o coitado encontre dificuldades para entender tantas desconfianças e temores em relação aos pacotes de desonerações fiscais expedidos pelo governo.

Em especial com relação à desoneração de tributos federais nos produtos da cesta básica, algumas reações dão a impressão de que se sustentam em visões parciais dos possíveis impactos da medida. Na verdade, uma coisa é criticar a limitada amplitude do corte pontual ou temporário de tributos e o objetivo implícito de usar desonerações como forma de tentar segurar no grito a inflação - ações que, se produzem algum efeito no curto prazo, contribuem para promover distorções e desequilíbrios ao longo do tempo. Outra é avaliar os efeitos da descompressão fiscal na economia real e no orçamento das famílias. Misturar uma coisa com a outra pode resultar num creme indigesto.

É claro que renúncias fiscais, qualquer que seja a forma que assumam, podem significar perda de arrecadação e estímulo ao consumo. Se as desonerações forem repassadas aos preços, a redução de tributos produzirá corte na arrecadação do governo e aumento na renda das pessoas para consumo. Segundo os críticos, é o caminho para mais expansionismo fiscal e, no fim das contas, para mais pressões inflacionárias.

Ocorre que não é possível saber se a sobra de renda acabará encaminhada ao consumo ou tomará o rumo da poupança. Do mesmo modo, é impossível determinar de antemão se a arrecadação pública encolherá, com a perda de tributos, ou aumentará, com a eventual elevação do consumo acima do nível anterior, compensando renúncia de arrecadação.

Além disso, se estimativas apontam para perdas de arrecadação acima de R$ 60 bilhões em 2013, com as desonerações vigentes ou já anunciadas, não significa que, automaticamente, faltarão recursos para as necessidades do governo ou para a execução de uma política fiscal ordenada, até porque é possível cortar outras despesas. Sim, o volume de dinheiro que deixará de ser arrecadado equivale a um terço da meta de superávit fiscal previsto, mas também está próximo da economia com pagamento dos juros da dívida pública no ano.

Nem mesmo o pressuposto de que as desonerações provocarão redução de preços, base dos raciocínios que levam ao temor de que promoverão estímulos indesejados ao consumo, está assegurada. Os tributos, no Brasil, são calculados por dentro dos custos e estão embutidos nos preços finais de comercialização. É impraticável, por isso, decompor o que é tributo e o que é margem de venda no valor pago pelo consumidor. Se o repasse da desoneração será maior, menor, total ou nenhum dependerá das condições do mercado.

As desonerações em tributos sobre produção e venda, entre nós, funcionam como um "aumento" de margem, a ser queimado ou não na definição do preço. É como uma sanfona, da qual o vendedor se vale para baixar preços, no caso de mercados deprimidos, mantendo alguma margem. Foi o que se deu na área de veículos, com os descontos do IPI.

Se, porém, o mercado estiver aquecido e a demanda forte, nada impede que o vendedor se aproprie de parte ou até integralmente da desoneração, ampliando sua margem, sem necessidade de aumentar o preço. A "surpresa" causada pelo aumento de itens da cesta básica, depois do anúncio das desonerações, só foi surpreendente para quem não compreende como o mecanismo funciona quando os tributos, como se dá no Brasil, vêm embutidos no preço.

Difícil entender, de todo modo, como desonerações fiscais podem ser mais prejudiciais do que benéficas, numa economia em que a carga tributária é sabidamente excessiva. Mais ainda em se tratando de produtos da cesta básica, geralmente menos elásticos a preços. Será que alguém vai consumir mais açúcar, arroz ou sabonete do que precisa só porque seus preços recuaram?

Parece que promover cortes, mesmo pontuais, na carga tributária, como no caso atual, é bom, mas é ruim. Tudo bem pesado, no entanto, o que há de ruim no modo como o governo passou a reduzir a incidência de tributos sobre custos de produção ou na venda final de produtos não suplanta o que pode haver de bom nas medidas de desoneração.

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