sábado, março 30, 2013

Reformulação de poderes e funções - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 30/03

A extraordinária alteração da vida reclama a vinda de um novo Montesquieu, que separou os três poderes


Mesmo o leitor mais distante dos livros sabe que o brasileiro é submetido a três instituições ou pessoas que tocam a máquina governamental. São os que mandam, os que não mandam tanto, mas fazem uma parte das leis, e os que não mandam, nem fazem a lei e interferem na discussão dela em casos examinados nos limites da questão discutida.

O quadro geral das matérias enfrentadas pelo Estado se multiplicou. Tornou a multiplicar-se desde a segunda metade do século 20, com tempo curto, muito curto, para absorção de tantas alterações, como nunca houve na história do ser humano sobre a Terra. A sistematização dos poderes partiu, porém, de Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, em 1748, com a tripartição dos poderes. Montesquieu defendeu o equilíbrio entre os três ramos da governabilidade, mas, de lá para cá, a tripartição foi substituída. Há um poder (o Executivo generalista) e duas funções setoriais (o Legislativo e o Judiciário).

O equilíbrio interno do Estado foi distorcido em favor do Executivo, graças ao domínio da máquina (e, portanto, do cofre). Pode privilegiar ou sacrificar interesses da cidadania, que a favoreçam ou não. Na atual pré-campanha eleitoral antecipada, o desequilíbrio aparece com clareza. Compreende-se, nos que mandam, a percepção de que podem trocar vantagens ou posições com os outros, acentuando seu predomínio.

É razoável a pergunta: como ficam as relações entre os dois grupos que não mandam e deles com o grupo que manda? Se o cálculo não erra, posto o sistema entre o Sol e a Terra, resultará no eclipse total no direito dos desprovidos de força para intervir na criação das leis e na execução delas. A maior parte da população tem problemas sérios ao negociar seus interesses em face do Poder Executivo e aí estão os desapropriados e os caloteados para espelhar a verdade.

A esperança da solução a ser obtida, no dia a dia da Justiça, não parece auspiciosa. O tempo normal entre o acionamento inicial da máquina judiciária e o pronunciamento final dos processos não é compatível com a prestação da Justiça.

Duas constatações são importantes. A culpa dos atrasos do Judiciário não se concentra apenas em sua conta de débito. A operação da máquina estatal tem encontrado no poder que legisla normas que facilitam o calote, sem limites.

O problema acrescido ganha força, quando chegamos ao ato final de nomeação dos que julgam. É praticado pelos que mandam. Claro que há intervenientes na escolha, pelos órgãos dos dois outros segmentos, mas o último critério é do Poder Executivo. O que lhe abre imensa margem de manobra. Opera na República, nos Estados e, de certo modo, até nos municípios sob os mesmos impulsos e condições.

Montesquieu levou 14 anos aprimorando seu livro "O Espírito das Leis". Não poderia prever mudanças e alterações radicais ocorridas na vida dos países e de todos -nem que tivesse vivido até 1900. A extraordinária alteração da vida, em seus aspectos individuais e coletivos, agravados por complexidade que cresce a cada dia que passa, reclama a vinda de um novo Montesquieu. O motor do carro governamental precisa de outro mecânico, para passar dos poderes formais aos fatos das funções inovadas e operativas.


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