sábado, março 16, 2013

De votos e devotos - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 16/03

A eleição do papa nada mais é que uma escolha pelo voto, mas não se confunde com outras


O processo eleitoral que acabou de ser cumprido com a escolha do papa Francisco merece referência jurídica por suas características especiais. Não se confunde com outros, também eleitorais, mas distintos dos procedimentos religiosos.

Servem de exemplo países em que há eleição indireta do chefe do Executivo. O legislador escolhe entre eleitos pelo povo, candidato ou candidatos para os cargos componentes das funções propriamente governamentais.

A eleição do papa é nada mais que uma escolha pelo voto, mas não se confunde com nenhuma das outras. Sua principal distinção reside na qualificação dos eleitores, no número restrito, no fato preliminar de que são exclusivamente retirados do grupo de cardeais da religião católica romana, antes da instauração do processo eleitoral.

O papa reinante nomeia, segundo seu próprio critério, os cardeais, quando se criem novas cátedras cardinalícias ou faleçam os antecedentes ocupantes.

Não tem semelhança com a escolha em nações, nas quais a mais comum tem sido a da base essencial da linha familiar do soberano. É o caso do trono britânico, cujos componentes não governam, ou dos reinados em países árabes, também por transmissão familiar do soberano que reina e governa.

A sucessão do papa se distingue de todas as outras pelo número restrito dos eleitores, estranhos à massa do povo, participantes do chamado colégio dos cardeais, no qual, em tese, cada componente é também candidato em potencial.

Até a gestão de Bento 16 e durante séculos, o novo papa era eleito quando o antecedente falecia. As candidaturas não são preanunciadas, embora se destaquem possibilidades de concorrentes em países de predominância católica. A inscrição cabe somente a titulares do cardinalato católico.

A circunstância de que o Vaticano é um Estado dentro do Estado italiano não se confunde com o predominante enquadramento religioso da escolha do papa, que não altera a avaliação final do resultado.

No Estado italiano, é operante o sistema misto; a linha administrativa do Estado não fica aos cuidados do presidente da República, mas do primeiro-ministro.

A relação entre os votantes e a massa de seus correligionários, embora de segmentos variados do catolicismo, é apenas teórica. Cada cardeal não consulta os fiéis de seu país, para avaliar as preferências.

Havendo vários cardeais do mesmo país, é aceitável que suas preferências não sejam uniformes nem mesmo próximas. O voto é secreto, decidido na hora da manifestação de cada eleitor.

No tempo da sucessão por morte, os procedimentos eram mais fáceis. Hoje, temos um papa emérito (Bento 16) e um papa eleito (Francisco). Embora, em tese, aquele não esteja no exercício do papado, será impossível impedi-lo de manter contatos políticos, se o desejar. No futuro, é possível que sejam dois ou mais os papas renunciantes.

Com a complicação gerada pelas mudanças sociais, técnicas e políticas da vida, a divisão entre funções religiosas e dos negócios gerais da igreja (econômicos, sociais e políticos) aumentarão. O governo do dia a dia do Estado Vaticano e suas ramificações mundiais exigirão aperfeiçoamento alheio à verificação, pelo pontífice. A dinâmica da vida distanciará o voto dos devotos.

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