segunda-feira, março 04, 2013

Atenção: a reserva pode ser inútil - LUCIA MARIANO DA ROCHA SILLA

O GLOBO - 04/03

O Ministério da Saúde investiu milhões de reais na criação do Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea e na Rede de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical Públicos, para atender pessoas que necessitam de um transplante de medula óssea e que não têm doador familiar. A inclusão dos Bancos de Sangue de Cordão Umbilical Públicos no programa de registro aumentou a chance dos brasileiros de encontrar doadores compatíveis. A meta é a de que todos os que precisem sejam transplantados.

A existência de bancos de sangue de cordão umbilical privados é proibida em alguns países da Europa devido a questões ligadas à bioética. No entanto, naqueles países há equipes capacitadas para coletar as células-tronco de um grande número de recém-natos. Mesmo com a acelerada implantação de 13 bancos públicos no Brasil, ainda não dispomos de equipes de plantão 24 horas para atender diversas maternidades em uma única cidade.

Até o momento, com as evidências existentes, não há razão para que um determinado cordão fique reservado apenas a seu dono ou família, já que apenas 4% do inventário de um banco de sangue de cordão umbilical serão efetivamente utilizados. Do ponto de vista científico, não foi ainda definida a importância das células-tronco de cordão na medicina regenerativa, pois as células-tronco adultas, disponíveis em todos nós, parecem ser igualmente eficientes. Assim, não se justificam os congelamentos alardeados pelo setor privado.

Células-tronco mesenquimais são um tipo particular de células-tronco, de produção relativamente simples e barata, presente em quase todos os órgãos e tecidos do nosso corpo e na "parede" do cordão umbilical. Estas últimas parecem ter propriedades superiores e vantagem na regeneração tecidual. Alguns bancos de sangue de cordão umbilical privados do centro do país estão incluindo no "cardápio de possibilidades", oferecido em folhetos de marketing, a possibilidade de também congelar o cordão além das suas células. Com isto, o setor privado deve pelo menos dobrar os ganhos com o armazenamento.

Nos EUA, há evidências de que transplantes realizados com cordão de bancos privados vão significativamente pior dos que de públicos, possivelmente porque nos primeiros as condições de coleta, embalagem, congelamento e armazenamento são inferiores e heterogêneas. No Brasil, os bancos de sangue de cordão umbilical públicos tendem a ser melhores, principalmente por atenderem as normativas.

Não existem, até o momento, evidências que justifiquem o investimento de recursos para reservar o cordão umbilical de crianças para o futuro. E a reserva pode ser inútil, pois o produto pode ter deteriorado.

Lucia Mariano da Rocha Silla é presidente da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea e coordenadora do Centro de Tecnologia e Terapia Celular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

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