quinta-feira, março 28, 2013

A volta do mercado - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 28/03

Quase não apareceu no noticiário, mas foi um sinal importante. Faz alguns dias, o governo americano informou que vendera mais um lote de ações da GM, papéis que havia adquirido em 2009 para capitalizar a companhia e, assim, impedir o colapso da indústria automobilística. A General Motors se tornara Government Motors, no feliz achado da revista “Economist”. Agora, está sendo reprivatizada, e isso depois de ter passado por uma dura reestruturação imposta pelo acionista então dominante, o governo.

Considerando que a administração federal também adquiriu ações de bancos e companhias seguradoras à beira da falência e sem esquecer que o Federal Reserve (Fed, o banco central) saiu comprando todo tipo de títulos, inclusive podres, não há dúvida: o governo interveio, gastou dinheiro do contribuinte e controlou a crise, que teria sido muito pior sem a intervenção estatal na economia.

Estão vendo? Eis a prova da falência do mercado bem no coração do capitalismo — foi o comentário comum na ocasião.

Segue a crise, passa o tempo e o que se passa? Hoje, quando se pergunta quem pode ameaçar a recuperação da economia americana, a resposta sai na hora: o governo ou, melhor, Washington na acepção ampla do conceito, incluindo a Casa Branca e o Congresso.

Durante meses, os políticos americanos deixaram o mundo em suspense. Sucederam-se datas fatais. Se o Congresso não votasse até amanhã esta ou aquela lei, o governo ou daria calote nos seus títulos da dívida, estocados nas reservas financeiras de todos os países; ou não poderia gastar um centavo a mais, e assim daria o cano nos funcionários e fornecedores; ou ainda entraria em vigor um drástico corte de gastos e aumento de impostos. Era o abismo fiscal, lembram-se?

É verdade que Congresso e Executivo nunca deixaram a coisa acontecer. No último momento, deputados e senadores, republicanos e democratas, mais os assessores do presidente Obama, conseguiam um arranjo. Foram tantas datas fatais superadas que o mundo até se acostumou.

Mas é verdade também que nada está resolvido. Foi tudo empurrado para mais uma data fatal. As questões estruturais, os crescentes e insustentáveis gastos públicos com aposentadorias e saúde, mal têm sido tocadas. Segue o impasse entre republicanos e democratas sobre como lidar com os contas governamentais.

Ainda recentemente, o Fed reduziu suas previsões de crescimento, citando a falta de um programa de ajuste de médio e longo prazo.

E entretanto, a economia americana continua apresentando o melhor desempenho entre os desenvolvidos. O Produto Interno Bruto se expande ao ritmo pouco acima de 2% ao ano, podendo alcançar 3% em 2014, com o desemprego em queda. Pode não ser brilhante, mas comparem com a Europa.

O que explica isso? “A América que funciona” — diz a capa da “Economist” da semana anterior.

O setor privado funciona. No meio dessa confusão toda, produziu, por exemplo, uma mudança drástica — a extração comercial de petróleo e gás das rochas de xisto. É um clássico do empreendedor privado: investimento em pesquisa, transformação de conhecimento em tecnologia efetiva e a capacidade de colocar o negócio para funcionar.

Isso já trouxe uma novidade global e, pois, geopolítica: a China ocupou o lugar dos EUA como a maior importadora mundial de óleo.

Outro fator da recuperação americana está nos governos estaduais e prefeituras. Como cita a reportagem de “Economist”, administrações locais tratam de ajustar suas contas e turbinar investimentos em infraestrutura. Alguns estados aplicaram reduções expressivas de impostos para atrair empresas e trabalhadores qualificados. Outros combinaram cortes e aumentos de impostos e tarifas (como pedágios e contas de água e luz). Para financiar investimentos, encontra-se de tudo: privatização direta, Parcerias Público Privadas e gasto estatal, ora com fundos privados, remunerados, claro, ora direto com o dinheiro do contribuinte.

Tem coisa que dá certo, coisa que não funciona, mas parece que o conjunto de iniciativas locais cria um movimento nacional no sentido de mais intensa atividade econômica.

Certamente, há questões estruturais que continuam dependendo da política de Washington, mas há uma lição a tirar do que já se viu. Primeiro, que o governo é decisivo em determinados momentos. Segundo, que é no setor privado que se encontra o tal “espírito animal”. E terceiro, que vale especialmente para o Brasil de hoje, o governo não pode querer dizer aos empresários quando, onde e como devem investir. Se os negócios dependem do governo, o empreendedor esquece essas coisas de inovação, risco, aplicação de capital próprio, para buscar o favor oficial. Não decola.


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