terça-feira, fevereiro 12, 2013

Suco em Túnis - VLADIMIR SAFATLE

FOLHA DE SP - 12/02


Tudo estava preparado para que nada mais acontecesse. Desde que os islamistas do Al Nahda ganharam a primeira eleição pós-revolução tunisiana, o jogo parecia armado.

Bastaria que eles controlassem por alguns anos suas demandas de islamização da sociedade, enquanto construíam paulatinamente políticas sociais capazes de minorar a extrema pobreza de grande parte da população. O impacto da melhoria econômica seria um capital valioso para o partido consolidar-se no poder, tendo então mãos mais livres. Mas a astúcia da história conta com o fato de o bom-senso político não ser a coisa mais bem partilhada do mundo.

Sem o esperado combate direto à pobreza e deixando os salafistas atuarem de maneira cada vez mais brutal, o Al Nahda permitiu que a oposição laica se unificasse, despertando um sentimento de desconfiança em relação à religião que se confunde com a formação da Tunísia moderna.

Os debates sobre laicidade atravessam a história tunisiana como em nenhum outro país árabe e têm raízes em sua própria tradição. Dificilmente encontraremos outro país onde poderíamos ver, na TV, o artífice da independência (no caso, Habib Bourguiba) bebendo suco de laranja em pleno dia, no Ramadã, mostrando ostensivamente não respeitar o preceito do jejum. A metáfora era clara: "Precisamos de menos religião e de mais desenvolvimento econômico".

Agora, com o assassinato do líder esquerdista Chokri Belaid, a Tunísia esta às portas da crise institucional. Diante da primeira greve geral desde 1978, o primeiro-ministro, Hamadi Jebali, afirmou que dissolverá seu governo para formar outro, composto basicamente por "tecnocratas apolíticos". No que foi pronta-mente desautorizado por seu próprio partido.

É difícil saber o que ocorrerá. O Al Nahda governava com uma coalizão de dois partidos laicos (Ettakatol e Congresso pela República). O primeiro já abandonou o governo. Sozinho, será impossível aos islamistas fazerem frente a uma oposição unida e mobilizada.

Uma revolução é um processo em que vários sistemas de freios são testados. Primeiro, quando o governo Ben Ali caiu, seus asseclas procuraram se conservar no poder, no que acabaram por ser todos rechaçados. Depois, como eram o grupo político mais organizado, os islamistas souberam se aproveitar da baixa participação popular na primeira eleição livre, assim como da dispersão da oposição, para subirem à cena.

Mas eles não esperavam que, pouco mais de um ano depois, fossem obrigados a ouvir a população gritando: "O povo quer uma nova revolução". No fundo, os islamistas esqueceram que muita gente quis tomar suco de laranja com Bourguiba naquele dia.

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