sábado, fevereiro 23, 2013

Se balançar muito, o tripé desmonta... - JOSEF BARAT

O ESTADO DE S. PAULO - 23/02

Por décadas, a inflação foi o flagelo que assolou a sociedade brasileira. Um tributo forçado e injusto, que penalizou os mais pobres e favoreceu a concentração da renda. Não era sustada porque governo e empresas ganhavam com ela. O governo gerava recursos para investimentos nas infraestruturas, com base na emissão de moeda. A inflação bancava boa parte do crescimento, que se dava, porém, em mercados restritos, com salários reais erodidos e apropriação desigual da riqueza.

Crescer a qualquer custo fez a alegria dos que acreditavam que importava mais crescer do que ter uma moeda estável, mercados mais amplos e atenuar a pobreza endêmica. O Estado era "for- te",grande investidor e resguardou a indústria da competição externa com reservas de mercado, proteções tarifárias e intervenções no câmbio. O País cresceu até que, nos anos 80, as crises fiscal e da dívida, o drástico declínio dos investimentos públicos e a perda de credibilidade internacional impusessem duas décadas de estagnação e inflação alta.

É nesse contexto que se deve entender o alcance do Plano Real, após várias tentativas frustradas de estabilização. Foi possível consolidá-lo graças à conjugação de moderna instrumentação macroeconômica com um arcabouço legal e institucional de apoio. Três foram os instrumentos: adoção de metas de inflação, geração de superávit primário e regime de câmbio flutuante. Com o objetivo de controlar a inflação no longo prazo, o anúncio prévio de uma meta sinalizava que o Banco Central se comprometia a viabilizar o seu cumprimento, valendo-se de juros, câmbio e controle da base monetária. As metas tiveram duas importantes funções: oferecer transparência para a condução da política monetária, reduzindo incertezas.e coordenar expectativas dos agentes econômicos e do mercado financeiro.

No resultado das contas públicas, o superávit primário propiciou recursos pai a o pagamento dos juros e quitação de parte do montante da dívida. O trauma do passado era o do total descontrole, pois o resultado entre receitas e despesas nunca era positivo. O governo cobria a diferença via emissão de moeda e ampliava o endividamento por meio da "rolagem" da dívida. Assim, para estancar a pressão inflacionária era preciso conter as despesas visando a resultados positivos, ou seja,gerar um superávit para cobrir o custo dos juros da dívida do governo. Com o câmbio flutuante, as operações de compra e venda de divisas funcionaram sem intervenções sistemáticas. O valor das moedas estrangeiras flutuou tão simplesmente de acordo com a oferta e a demanda no mercado de câmbio. Em suma, foi esse o tripé que deu sustentação de longo prazo à estabilidade monetária.

Três importantes mudanças institucionais serviram ainda de apoio: a Lei n.° 8.987/95, que dispôs sobre o regime de concessão e permissão na prestação de serviços públicos; a Lei Complementar n.° 101, que estabeleceu a responsabilidade fiscal impondo a transparência e o controle dos gastos públicos relativamente à capacidade de arrecadação de tributos; e a criação das agências reguladoras para controle e fiscalização dos contratos de concessões. Foram avanços consideráveis para modernizar a administração pública, ampliai" a capacidade de investimento nas infraestruturas com participação privada e gerar um ambiente de segurança jurídica. Ainda no governo FHC, ao tripé foi acrescentado o apoio de programas sociais visando à redistribuição de renda. O governo Lula, apesar de algumas balançadas, o manteve em Linhas gerais. Ampliaram- se as reservas cambiais, o crédito e os mecanismos de redução da pobreza.

No momento, manifestos desejos de volta ao passado se contrapõem à necessidade de abrir novas perspectivas para o futuro. Cabe refletir sobre os imensos riscos de menosprezar a inflação, sobre- valorizar a capacidade intervencionista do governo e proteger a falta de competitividade com reservas de mercado, câmbio e medidas pontuais e descoordenadas de desoneração de custos. Se balançar muito agora, o tripé desmonta...

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