quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Ônibus gratuito - MARCELO MITERHOF

FOLHA DE SP - 28/02

O Brasil precisa adotar a prática de subsidiar pesadamente a operação dos transportes coletivos


A coluna passada tratou dos lentos avanços no transporte coletivo, o que é em certa medida surpreendente, pois, dado seu impacto sobre o bem-estar cotidiano da população, boas iniciativas no setor são recompensadas eleitoralmente.

Nesse sentido, lembrei que a alta popularidade da ex-prefeita Marta Suplicy nas periferias de São Paulo se deve em boa parte à criação do Bilhete Único. Porém, a necessidade de elevar as receitas para subsidiar essa e outras políticas públicas se refletiu em sua rejeição nas regiões mais ricas da cidade.

Por isso, defendi que -além de fortalecer o planejamento, o que permite melhor avaliar as opções existentes e seus custos- as decisões sobre o transporte público deveriam ser submetidas mais diretamente à população, por exemplo em orçamentos participativos.

Assim, seria mais fácil avaliar a adoção de subsídios públicos operacionais, que são cruciais para a eficiência dos transportes coletivos.

Em 2011, participei de um seminário sobre tecnologias de motorização de ônibus no qual o representante de uma montadora disse que no Brasil, ao contrário do resto do mundo, a empresa não aposta em motores elétricos ou híbridos. A razão é que aqui em geral não há subsídios para a operação dos ônibus.

Essa era uma preocupação com a política industrial. Mas o caso aponta para os problemas que a rara presença de subsídios traz para o transporte coletivo no país. Por exemplo, o tipo de veículo mais comum no Brasil é feito de chassis de caminhão com carroceria de ônibus. Isso faz, por exemplo, com que pessoas com dificuldade de locomoção tenham que subir altos degraus para entrar nos ônibus.

Alguns grupos têm na comercialização de ônibus novos e usados um negócio mais importante do que a atividade de transportar pessoas.

Isso significa que usar um modelo de alta qualidade, durável e mais caro tende a ser pior negócio do que usar outros mais simples, baratos e que podem ser depreciados em poucos anos -e revendidos em seguida-, sob uma tarifa suportável pela população mais pobre.

Como entendem técnicos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), uma ONG que trabalha com mobilidade urbana à qual me referi na semana passada, sem subsídios é difícil otimizar o transporte público, pois o impacto na tarifa o faz perder competitividade. Por exemplo, ter uma motocicleta pode sair mais barato do que andar de ônibus ou metrô.

Os malefícios são diversos: mais acidentes, engarrafamentos e poluição. Com problemas tão generalizados, o subsídio vai além de uma política social de favorecimento dos usuários dos transportes coletivos.

Nesse sentido, gostaria de ver em prática uma opção radical: tarifa zero para o transporte coletivo, que seria financiado totalmente por impostos. Entre eles pode haver uma taxa municipal que incida juntamente com o IPTU, um adicional sobre o IPVA de veículos de regiões metropolitanas para financiar metrô e trens e ainda um tributo que capture o que as empresas já gastam com o vale-transporte. As transportadoras seriam remuneradas pelos quilômetros rodados.

Num transporte público eficiente não há desperdício. As pessoas se deslocam porque precisam. É diferente, por exemplo, de manter tarifas de eletricidade muito baixas, o que tende a prejudicar a conservação de energia. No transporte de passageiros, se alguém quer somente passear num ônibus pela cidade -algo bem incomum em comparação a esquecer lâmpadas acesas-, esse é um uso justificável.

O planejamento, a alocação da oferta de transporte, a definição dos tipos de veículo, a fiscalização e outras questões operacionais poderiam ser feitos por uma agência reguladora, que atuaria em conjunto com prefeituras e governo estadual, que seriam os responsáveis pelos investimentos em infraestrutura.

Uma iniciativa assim seria mais fácil de começar numa cidade média, sem transporte de passageiros sobre trilhos, mas nada impede de ser adotada em regiões metropolitanas, integrando ônibus, metrô, trens e meios alimentadores.

Essa é apenas uma ideia. O importante é que o Brasil precisa adotar a prática internacional de subsidiar pesadamente a operação dos transportes coletivos para ter um sistema eficiente. Espero que um prefeito perceba que essa é uma iniciativa à espera de um líder, que mostre o quanto isso faz diferença para a população.

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