domingo, fevereiro 10, 2013

Olegário - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

O ESTADÃO - 10/02

Não se via mais homem fantasiado de mulher no Carnaval. Não tinha mais graça.

O nome do bloco é Os Safados, e existe há 50 anos. Na sua formação inicial tinha 36 componentes, todos amigos, que saíam vestidos de mulher. Como haviam combinado jamais aceitar gente nova no bloco, e como a vida é o que é, depois de 50 anos sobravam apenas 13 do grupo original. Só 13 se não contassem, claro, o Olegário, que ainda vivia, mas mal podia andar e morava numa clinica.

– Com 13 não dá.

– Dá é azar.

– Vamos convidar alguém pra sair conosco. Pra completar 14.

– Nunca. Onde fica a nossa tradição? Tem que ser do grupo original.

Só havia uma solução. Convencer o Olegário a sair com o bloco. Foi uma comissão falar com ele, na clínica. Todos o cumprimentaram com entusiasmo.

– E aí, Lelé?

– Você parece ótimo!

– Está até rosado!

Olegário sempre respondia da mesma maneira.

– Que nada. Com um sopro eu me vou.

Olegário nem quis ouvir a proposta de sair com o bloco.

– Eu, desfilar numa cadeira de rodas? Esqueçam.

Não adiantou insistirem. Não adiantou lembrarem o passado e as tradições dos Safados. Nem como o Olegário era sempre o mais animado do grupo, o que passava meses planejando a sua fantasia.Mais ou menos justa, com seios falsos e decote ou sem decote...

– Pô, Lelé!

– Esqueçam.

– Mas você está tão bem!

– Que nada. Com um sopro eu me vou.

Decepcionado, o grupo se reuniu para discutir o que fazer. Desfilar só com 13 mesmo. Ou não desfilar, pela primeira vez em 50 anos. Já eram um anacronismo. Não se via mais homem fantasiado de mulher no Carnaval. Não tinha mais graça. Se continuassem, seria só pela tradição do bloco. Mas com 13?

Foi quando o Nestor teve uma ideia.

– Eu resolvo isso.

Não foi fácil convencer sua mulher.

– Mas Nestor, é o meu melhor vestido. O do batizado da Amelinha!

– Eu sei. Mas é por uma boa causa.

Voltaram à clinica do Olegário, levando o vestido. O Nestor não disse nada, só estendeu o vestido preto cravejado com brilhantes no colo do Olegário, cujo rosto se iluminou.

Depois, a única coisa que o Olegário disse foi:

– Onde nós vamos nos reunir?

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