segunda-feira, fevereiro 11, 2013

O preço da interferência - RAUL VELOSO

O GLOBO - 11/02

Inflação baixa e crescimento alto do PIB são objetivos de sempre dos governos. É só deixar a economia de mercado funcionar sem maiores amarras, que, em princípio, todos ganham. Como exceções, a literatura identifica situações em que os mercados falham e o governo deve intervir. No Brasil, contudo, os governos tendem a interferir demasiadamente no funcionamento normal da economia, mesmo que haja custos elevados - pouco visíveis a curto prazo - para a sociedade pagar.

O governo avisou que protegeria a indústria, que enfrenta forte concorrência externa, mesmo com custos expressivos para o País. Mais recentemente, desvalorizou-se o real em cerca de 25%. No Banco Central, a resistência a continuar a desvalorizar a moeda é natural, em face do efeito desfavorável sobre a inflação.

Fica, assim, a dúvida sobre qual será efetivamente a nova política cambial, inibindo investimentos e outras decisões de prazo mais longo. Por outro lado, ao encarecer as importações de máquinas e equipamentos, a desvalorização da moeda penalizou diretamente os investimentos do País. Só que, desde a crise de 2008-2009, a produção industrial não decola, demonstrando que o modelo de proteção se esgotou.

Em várias situações, o governo se perfila contra o lucro supostamente excessivo das empresas privadas. Deve-se ressaltar que é a expectativa de lucro que move a economia de mercado para a frente. É correto procurar evitar lucros realmente excessivos, mas o caminho é incrementar o grau de competição nos vários setores e estimular ganhos de produtividade. Já a guerra contra qualquer lucro é ruim para o País, pois afugenta os investidores, e nem a economia - ou o emprego - crescem.

Implantar empreendimentos de infraestrutura de transportes sob concessão privada com cobrança das menores tarifas imagináveis é outra peça da estratégia governamental, desde o início do Governo Lula. Para tanto, o governo fincou pé em taxas reais de retorno irrealistas entre 5 e 6,5% ao ano nos cálculos de valor presente das receitas e despesas dos negócios em pauta. Há algum sinal de mudança disso, pois, segundo acaba de anunciar o ministro da Fazenda, nas próximas concessões a taxa não será mais 5,5%, e sim um mínimo de 10% ao ano, mais próxima do que indicariam as práticas de mercado para empreendimentos do gênero. O resultado de taxas irrealistas e de outras práticas inadequadas é que, em matéria de expansão de investimentos, quase nada aconteceu de 2003 para cá. Daí o País não se ter beneficiado da expansão de capacidade e dos ganhos de produtividade que tendem a ser maiores em infraestrutura. Paralelamente, o governo tenta evitar o desgaste político das mudanças de preços relativos, especialmente quando são para cima, como no caso das taxas de juros e dos preços dos serviços de utilidade pública, sem falar, ainda, nos preços de derivados de petróleo e do álcool. Para ele, o único preço básico cujo aumento é aceitável é a taxa de câmbio, sem falar nos salários.

Só que os preços relativos entre bens e serviços precisam mudar, com razoável flexibilidade para cima e para baixo, a fim de sinalizar aos consumidores quando é preciso ajustar o consumo, e aos produtores, quando e como devem ajustar a produção. Na falta de ajuste fiscal, a taxa de juros tem de subir para controlar a demanda agregada e combater a inflação. Se há excesso de oferta de dólares, isso deve ser sinalizado via apreciação cambial para que os agentes se adaptem às novas condições. É como deveria funcionar o sistema de mercado em qualquer País. Para manter a popularidade em alta, o atual governo tem interferido em várias fixações de preços relevantes. No setor financeiro, forçou-se a rápida redução das taxas de juros e dos spreads bancários, ainda que isso implicasse perda significativa de valor das empresas e maior risco de crédito. No caso de petróleo, os preços ficaram congelados durante período prolongado, exaurindo a capacidade de investimento da Petrobras. E, no caso de energia elétrica, acaba de ser imposta uma redução expressiva nas respectivas tarifas, com pesados prejuízos para as empresas e para o orçamento público.

No tocante ao petróleo, como o setor foi parcialmente reestatizado com a exigência de a Petrobras participar com pelo menos 30% da exploração no pré-sal, o resultado prático do congelamento será, simplesmente, a incapacidade de o Brasil continuar expandindo sua produção de petróleo. Em energia elétrica, o risco de paralisação dos investimentos é alto.

Finalmente, diante da insistência governamental em não conter os gastos correntes, os investimentos públicos voltaram a desabar. E o resumo para os privados é que o ambiente de negócios se deteriorou consideravelmente. Não é à toa que o investimento total cai há cinco ou seis trimestres seguidos. Assim, ainda que o emprego esteja alto, o menor crescimento do PIB hoje significará menos emprego à frente. O passado brasileiro nos ensina que o preço da interferência indevida do Estado, principalmente em um processo neoestatizante, é quase sempre cruel.

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