quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Foxy lady - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 13/02

Valdemar sente a cabeça latejando, prestes a explodir, como se um celular vibrasse dentro dela


VALDEMAR ACORDA ainda fantasiado de sultão. Sente a cabeça latejando, prestes a explodir, como se um celular vibrasse dentro de seu cérebro. Vira-se para o lado, na esperança de encontrar um copo d'água e uma aspirina na mesinha de cabeceira, mas não encontra sequer a mesinha de cabeceira: aquele não é seu quarto. Seu quarto não tem paredes cor-de-rosa. Nem lençóis de oncinha. Vira pro outro lado, na esperança de que sua mulher, Judith, lhe explique como foram parar ali, mas a pessoa com quem divide a cama não é sua mulher, e sim um ruivo vestido de noiva, que o encara com o que, na falta de palavra mais forte, vamos chamar de pânico.

- Quem é você?! - pergunta Valdemar.

- Quem é você?! - retruca o ruivo, arrancando o véu e a grinalda.

- Eu perguntei primeiro! Quem é você e o que que eu tô fazendo na sua casa?!

- Minha casa?! Cê acha que a minha casa tem parede cor-de-rosa e lençol de oncinha, parceiro?!

- Ué? Pra quem se veste de noiva...

- Olha quem fala, com esse teu saião aí!

- Que mané saião, amigo! Isso aqui é bata! Bata de sultão, entendeu?!

- Entendi. Não entendi é o que que eu tô fazendo aqui nessa cama.

Os dois olham em volta. Se encaram. Ficam quietos por intermináveis segundos, até que o ruivo rompe o silêncio.

- A última coisa que eu lembro é do bloco do Caroço, lá no Tremembé.

- Tremembé? Não, não, eu tava no cordão do Carcamano, no Bexiga. Eu lembro que tocou "Balancê", lembro que eu puxei um trenzinho, depois eu não lembro de mais nada. Que loucura, que perigo, podia ter acontecido alguma coisa séria comigo!

- Tipo acordar num quarto rosa, com lençol de oncinha, do lado de um ruivo vestido de noiva?

Eles se calam outra vez. Olham pro chão. Olham pro teto -espelhado. Valdemar toma coragem:

- Escuta, cê não acha que a gente... A gente...

- Que isso, parceiro?! Tá louco?! Eu sou espada!

- Eu também! Mas sei lá...

- Sei lá o escambau! Comigo não tem sei lá, não! Eu sei! Posso não lembrar de nada, mas eu sei! Eu sou espada!

- Beleza, calma... Perguntei só por perguntar. E agora, que que a gente faz?

- Você, eu não sei; eu vou voltar pro Tremembé.

O ruivo sai do quarto. Valdemar o segue. Pegam o elevador. Dão numa portaria. Atrás do balcão dourado, sob o logotipo do Foxy Lady Motel, um funcionário lhes sorri.

- Boa tarde, seu Valdemar, boa tarde, dr. Ubiratan. Precisa se preocupar com o pernoite, não, que o pessoal da televisão já pagou. E mandaram avisar que se não der pra ver o programa mais tarde, vai ficar na internet.

O ruivo sai correndo, gritando. Valdemar sente a cabeça latejando, prestes a explodir, como se um celular vibrasse dentro de seu cérebro -e é quase isso, pois leva a mão ao turbante e encontra o telefone enfiado numa dobra do tecido. Trinta e sete ligações não atendidas, todas da Judith, que faz agora a 38ª tentativa.

- Alô, Judith? Calma, Judith! Espera! Eu te explico chegando em casa! Não! É meio estranho, tem que ser pessoalmente! Segura as pontas! E, ó, pelamordedeus, não liga a televisão!

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