quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Enviado especial ao passado? - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 14/02

Crônica de momentos comuns em meio a um evento extraordinário na história do Vaticano


ROMA - Pablo Ordaz, o correspondente de "El País" em Roma, recordou tempos atrás conversa entre um cardeal e um jornalista, que queria saber sobre um dado conflito na igreja. O purpurado começou respondendo assim: "Já tivemos algo parecido no século 13".

A renúncia do papa me remeteu justamente ao século 13, ou mais exatamente a 1294, quando Celestino 5º renunciou, no que a maioria dos historiadores considera o único ato comparável ao de Bento 16, por ter sido um abandono espontâneo.

Na via de Porta Angelica, diante da entrada para o inacessível Vaticano, a ruazinha estreita convida, diante do noticiário sobre a "guerra civil" na igreja, a pensar em conspirações medievais, punhais ao alto, traições, venenos.

Mas é só a cabeça que voa ao passado. Os olhos veem cenas absolutamente triviais. É uma senhora que sai levando sacolas de supermercado. É um jovem padre que cruza a rua, saindo do Vaticano, em um Audi, moderníssimo, ainda que pequeno. Mas Audi é Audi, não é exatamente o burrico que usava Pedro, o primeiro papa.

Nem os apenas dois seguranças usam os coloridos trajes da Guarda Suíça, o digamos Exército do Vaticano. Vestem negro e passariam por cidadãos comuns, agasalhados para o inverno romano, suave ontem.

Por falar em Exército, é inescapável, ao ver a tremenda mobilização midiática em torno do Vaticano, voltar à pergunta de Stálin quando lhe disseram que a igreja se oporia à ocupação dos católicos países bálticos: "Quantos Exércitos tem o papa?".

É, o papa não tem (mais) Exércitos, mas ajudou a derrubar o comunismo, graças ao fato de que o Vaticano "ainda exerce poder cultural enorme", como escreveu ontem neste mesmo espaço a notável analista que é Julia Sweig.

Será mesmo, Julia? Às vezes, meu ceticismo profissional me faz duvidar. Caminho pelo entorno da praça São Pedro, pensando em que, se Jesus expulsou os vendilhões do templo, como conta a Bíblia, eles agora estão se vingando. O que mais cerca o Vaticano não são Exércitos adversários, mas lojinhas de lembranças.

Nelas, para cada imagem de Bento 16 que se vende, vendem-se dcrossi@uol.com.brde seu antecessor, João Paulo 2º, contam as balconistas da Galleria Aurora, a dois passos da praça. Dizem também que, nos últimos dias, não vendem quase nada, de um ou do outro. "Talvez estejam esperando o sucessor", especulam.

Salvo entre o público que faz fila para entrar na basílica, para ver a última celebração do papa, ninguém entre os habitantes de sempre do entorno da imponente catedral acredita muito em apenas cansaço, razão alegada para a renúncia.

Mais razoável é a versão de Marco Tosatti para "La Stampa" de ontem: "A tendência [do papa] a somatizar os problemas e dificuldades da igreja". Cansou.

Aí, sim, volta-se a séculos passados, de intrigas e manobras palacianas. Mas vem o padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, e avisa que Bento 16, no dia 28, exatamente às 17h, pega um helicóptero e vai-se embora para sempre. Bem século 21, ainda que sem graça.

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