quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Commodities mais manufaturas - MARCELO MITERHOF

FOLHA DE SP - 07/02


É arriscado basear o desenvolvimento apenas em setores intensivos em recursos naturais


A coluna retrasada tentou mostrar que a Argentina tem desde o pós-Guerra uma história de intensa rivalidade política, que persiste na democracia atual e que tem entre suas raízes a oposição entre o setor agrário, especialmente poderoso em razão da idealização de um dourado período primário-exportador, e os sindicatos e a burguesia industrial, fortalecidos a partir de Perón.

Hoje, usarei o exemplo argentino para refletir sobre os limites do desenvolvimento baseado na exportação de commodities. Dois aspectos chamam a atenção.

Primeiro, como visto na coluna anterior, na virada do século 19 para o 20, a Argentina teve um esplendor fornecendo produtos agropecuários para um mundo em que a potência hegemônica, a Inglaterra, era grande compradora deles. A crise de 29 desarticulou esse modelo. A potência sucessora, os EUA, é competidora de países como o Brasil e a Argentina no fornecimento mundial desse tipo de bens.

Quer dizer, é arriscado basear o desenvolvimento apenas em setores intensivos em recursos naturais. Os avanços só costumam dar certo por um tempo limitado quando uma potência industrial é carente desses produtos. A razão é que a indústria é a principal geradora e difusora de inovações, comandando o desenvolvimento produtivo e sendo menos acessível à competição de novos produtores.

Uma competitividade elevada em produtos primários pode se esvair rapidamente pela replicação de sua produção em outros lugares ou pela introdução de técnicas na indústria que prescindam ou tornem mais eficientes o uso de um recurso natural.

Segundo, é notável na experiência argentina a constatação de que o país tinha no início do século 20 altos níveis de urbanização e de escolarização da população. Contudo, sua industrialização foi menos profunda que a brasileira.

Isso sugere que a estratégia de pavimentar o caminho para o desenvolvimento, qualificando a mão de obra e criando uma infraestrutura eficiente, entre outros elementos das clamadas reformas, não é condição suficiente para trilhá-lo.

O capitalismo é, como Marx e Keynes o caracterizaram, uma economia monetária de produção, em que a moeda tem um papel central e distintivo do que ocorre em outros sistemas econômicos.

Isso faz com que a demanda seja sua principal alavanca, algo que pode ser dado exogenamente pelas exportações ou criado pelos gastos públicos, estabelecendo as condições que incentivarão o investimento para aumentar os demais fatores

-aqueles considerados como premissas por outras visões do pensamento econômico- que levam ao desenvolvimento.

A experiência argentina é útil quando a emergência da China, uma potência consumidora de produtos primários, recolocou a possibilidade de retomar o desenvolvimento baseado na exportação de commodities.

Há riscos óbvios nessa estratégia, como a China ampliar a produtividade agrícola à medida que sua população se urbaniza ou conseguir outros fornecedores. Ou ainda o seu consumo de minério de ferro cair à medida que país se torne autossuficiente em sucata, um insumo mais barato do aço.

De qualquer forma, a ascensão chinesa permitiu a Brasil e Argentina reduzir expressivamente a principal restrição que limitou suas industrializações voltadas ao mercado interno: o balanço de pagamentos.

Antes, a política econômica, em vez de estar centrada no ciclo de negócios, baseava-se na administração da restrição externa e de seus impactos inflacionários.

Agora, num momento de crise internacional, que reduz a demanda pelas exportações, é factível que a elevação do gasto público alavanque a demanda interna para reativar a atividade econômica.

Portanto, não se trata de relegar a segundo plano a agropecuária e o extrativismo. Além da importância econômica, eles foram cruciais, por exemplo, para interiorizar o Brasil. Porém é preciso aproveitar a época de bonança para alavancar a indústria e garantir o crescimento sustentado. Além de serem incluídos no padrão de consumo moderno, os brasileiros precisam de mais empregos de qualidade crescente -algo que a indústria proporciona, com desdobramentos nos serviços.

Nos anos 30, a restrição de divisas impulsionou a industrialização brasileira: ao dificultar sobremaneira as importações, incentivou a produção local. Seria inovador retomar uma política de industrialização num período favorável de balanços de pagamentos. O resultado deve ser mais robusto.

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