sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Bento, o Arregão - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 15/02

Alguém se lembra de que Cristo padeceu na cruz? Que mensagem de resiliência Bento 16 nos deixa?


Fala a verdade: em latim? Mas justo o papa que abriu conta no Twitter, inaugurando uma via direta de comunicação com os fiéis, foi pedir demissão em uma língua morta, para que o menor número possível de pessoas na sala pudesse decifrar o que ele estava dizendo? Do que tinha medo, de que alguém gritasse lá do fundo: "Schettino, torni a bordo!", em alusão ao comandante do Costa Concordia que deu no pé enquanto seu navio naufragava?

Está certo que até o exorcista-chefe do Vaticano, monsenhor Gabriele Amorth (pois é, desdenham de Tupã e têm um espanta chifrudo de plantão), no cargo há 25 anos, andou dizendo que "o Diabo age dentro do Vaticano".

Já faz tempo que o inquilino mudou-se para lá. Não foi pouco escândalo a quebra fraudulenta do Ambrosiano em 1982, banco do qual o Vaticano era sócio, e que deixou um rombo de US$ 1 bilhão, um banqueiro encontrado enforcado em uma ponte de Londres e um mafioso envenenado na prisão.

Agora é a vez do "Vatileaks", padres pedófilos e um rombo de US$ 18,4 milhões nos cofres da igreja. E vem o papa lavar roupa suja no seu último dia de missa e querer nos convencer de que está muito cansado para continuar. Sinto muito, mas derrotismo por parte de quem deveria zelar por um rebanho de mais de 1 bilhão de fiéis tem limite.

E o poder simbólico da resiliência? Que mensagem de perseverança Bento 16 nos deixa? Muito conveniente exigir todo tipo de sacrifício do fiel e depois exibir publicamente tamanha frouxidão. Camarada não só abandona o voto feito (que deve ter sido bem ponderado, posto que João Paulo 2º não morreu exatamente do dia para a noite) como sai de cena mordido. Isso sim é intelectual. Que gosto!

E o pessoal ainda exalta seu gesto. "Nossa, que exemplo, que humildade!" Vem cá, será que alguém se lembra de que Cristo padeceu na cruz para salvar, entre outros, um certo religioso que ora aponta seu dedinho trêmulo e besunto de superioridade moral para falar em "hipocrisia religiosa"?

Sobre o tópico hipocrisia, vale lembrar, em vez de entregar os casos à justiça comum, o então arcebispo Joseph Ratzinger, que durante 23 anos comandou a Congregação para a Doutrina da Fé, entidade encarregada, entre outros, de investigar os crimes cometidos por padres, remanejou párocos que voltaram a repetir as mesmas ofensas contra novas vítimas, deixou famílias sem resposta ou indeniza­ção e simplesmente anistiou religiosos implicados em crimes.

A relação de confiança entre católicos e párocos ficará para sempre abalada por conta dessa política de abafa. E a questão indenizatória está longe de ser resolvida.

O antecessor de Bento, João Paulo, era um misógino que se autoflagelava para expiar suas culpas. Dificilmente um exemplo de equilíbrio, diria. Do jeito que esses senhores colocam, ou bem se é católico ou se é humano.

Bem, pessoalmente, opto por ser fiel a mim, da forma mais digna e transparente possível, caminhando no sentido contrário das farsas, da impostura e das trevas que me foram impostas pela herança de uma educação católica. O que significa impedir que esses malucos de batina queiram me afastar de Cristo sentenciando que minha homossexualidade não se encaixa no conceito que eles fazem de amor.

Na teoria, a prática é outra. Um sujeito que tanto pregou o resgate de valores tradicionais sai sob uma das bandeiras menos edificantes da contemporaneidade: a da transitoriedade que a tudo achata e iguala. E o exemplo de que, mesmo em tempos da transparência da internet, ainda há quem tome o caminho medieval de agir às escuras. Já vai tarde, Bento 16.

Nenhum comentário:

Postar um comentário