sexta-feira, janeiro 25, 2013

Qual política comercial? - JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES

O ESTADÃO - 25/01


Aparentemente, o governo brasileiro decidiu sair de sua plurianual apatia no campo dos acordos internacionais de comércio e retomar negociações com a União Europeia (UE) visando a firmar um amplo acordo de livre-comércio a ser concluído até 31/12, quando cai automaticamente, sem chances de renovação, o Sistema Geral de Preferências com a Europa. Por outro lado, o Itamaraty está examinando a conveniência, ou não, de negociar um acordo de comércio com o Canadá.

Se, de um lado, essas iniciativas parecem indicar a retomada de uma política comercial mais ativa e atual, com o objetivo de fazer face à perda de dinamismo e competitividade do comércio exterior brasileiro, por outro, seja na Presidência, no Itamaraty ou no Ministério da Fazenda, o governo vem adotando medidas no campo diplomático e da política industrial que sinalizam orientações ou contrárias ou inconsistentes com um eventual acordo de livre-comércio com a UE.

No campo setorial, há um ressurgimento da política de "compre brasileiro" imposta às grandes empresas nacionais do tipo Petrobrás e Vale. O Brasil não é o único país que busca favorecer o fornecedor nacional nas compras governamentais ou nas compras de grandes empresas privadas, como a Vale. Mas há uma diferença entre as políticas americana ou chinesa de "compre nacional" e a brasileira. Se aquelas buscam conciliar o fornecimento do mercado interno com a competitividade internacional do produto, os simplórios mecanismos adotados pelo Brasil só fazem reduzir drasticamente a competitividade da empresa em razão do aumento de custo na montagem da cadeia produtiva.

Não responsabilizemos só os governantes pelo mau uso de certos instrumentos da política industrial. Com frequência, associações empresariais privadas fazem lobby no governo para serem beneficiadas com políticas protecionistas de reserva de mercado nacional, seja por meio de isenções ou reduções tributárias, seja pelo aumento das alíquotas dos impostos de importação. O caso mais conspícuo é o do setor automotivo, em que governo e privados buscam obsessivamente nacionalizar a cadeia produtiva via mecanismo de conteúdo local. O resultado está à vista: o Brasil é o quarto maior produtor de veículos de quatro rodas, mas só consegue exportar para o Mercosul e o México, além de não dispensar uma proteção tarifária mínima de 35% e suportar uma carga tributária sobre o preço do veículo de ordem superior a 60%!

No campo financeiro, o intenso uso de recursos do BNDES, com juros favorecidos, em projetos selecionados administrativamente parece indicar a ressurreição do princípio de intervenção desenvolvimentista do setor público ante o exame mais neutro das demandas e ofertas de mercado internacional de investimentos diretos produtivos.

No campo diplomático, o País, embora contrariado, parece "conformar-se" com as tendências centrífugas das políticas comerciais e econômicas dos vizinhos andinos, que acabaram de acordar com o México a criação do Arco do Pacífico. Em vez de buscar atrair Chile, Peru e Colômbia a integrarem suas economias à poderosa e emergente economia brasileira, preferiu o governo manifestar seu descontentamento com o Arco do Pacífico pelo alargamento horizontal do Mercosul com a programada incorporação da Venezuela, da Bolívia e, parece, em breve, do Equador.

Curiosamente, os novos sócios do Mercosul têm primado pelo silêncio sobre seus objetivos de incorporar-se ao bloco. Com exceção dos discursos de caráter político, as autoridades venezuelanas e bolivianas nada disseram, em público, de sua disposição de integrar suas economias às dos sócios fundadores do bloco. Ao contrário, os objetivos econômicos do bolivariano socialismo do século 21, bem como a política de ressurreição da Bolívia pré-colombiana indigenista, não são, nem na letra nem no espírito, compatíveis com o articulado fundacional do Tratado de Assunção.

Não é preciso entrar no mérito das aspirações bolivarianas e indigenistas. Basta salientar que elas são inconsistentes e contraditórias com os compromissos do Tratado de Assunção. Desde que ele foi firmado, em 1991, o mundo econômico mudou e a América do Sul, ainda mais, política e economicamente. Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile, Peru e Colômbia adotam como modelo de desenvolvimento o equilíbrio macroeconômico com inclusão social e, em graus diversos, abertura da economia à concorrência externa. Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela parecem coincidir na escolha de um modelo em que a inclusão social é conseguida pela adoção de políticas populistas e dispendiosas, a médio e longo prazos não sustentáveis num quadro político em que o "caudilhismo" latino-americano, tão em moda nos séculos 19 e 20, parece ressurgir com roupagem "formalmente democrática". Não será o caso de revistar as premissas político-comerciais que levavam o Brasil a liderar o projeto de integração regional a quatro e pensar, agora, num modelo de integração a sete, com incorporação de três novos sócios andinos? A partir de abril o Paraguai deve voltar ao Mercosul. Seu Parlamento não deu sinais de que mudará de posição sobre a entrada da Venezuela no clube. Em algum momento, o Parlamento brasileiro deverá pronunciar-se pela entrada da Bolívia.

No campo das relações bilaterais, o governo brasileiro tem sabido manter a calma nas complicadas negociações comerciais com a Argentina. Porém é evidente que esse país, pressionado por uma crise cambial sem perspectiva de solução, decidiu abandonar os princípios de livre-comércio que regiam as relações com o Brasil para adotar o sistema de administração pública do comércio, buscando, com métodos antiquados e personalistas, garantir saldos na balança comercial não só com o nosso país, mas com o resto do mundo.

Em resumo, a intenção de negociar um acordo de livre-comércio com a UE se choca de frente com essa multiplicidade de iniciativas políticas e decisões diplomáticas. Como diz o povo, não dá para assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. O governo brasileiro tem pouco tempo para decidir que caminho deve tomar.

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