segunda-feira, janeiro 28, 2013

Pisada na bola - GEORGE VIDOR

O GLOBO - 28/01


Basta ver o que acontece na Argentina para se ter ideia do que significa perda de credibilidade da política econômica



A equipe econômica iniciou uma contraofensiva para tentar desfazer a avaliação quase generalizada nos meios financeiros que aponta para uma deterioração das finanças públicas. A manutenção de superávits primários expressivos, em valores equivalentes a mais de 3% do Produto Interno Bruto, sempre foi considerada um dos vértices do tripé que possibilitou a transformação benigna dos chamados fundamentos macroeconômicos do país. Esses superávits pavimentaram o caminho para a redução das taxas de juros, dando partida a um ciclo de redução do endividamento público líquido, especialmente quando comparado ao PIB. Esse índice recuou para a faixa de 35% - o que é invejável diante dos percentuais das dívidas de países europeus mergulhados na crise - pois de tudo que o setor público teria a pagar a credores, são descontados vários créditos, entre os quais as reservas cambiais acumuladas pelo Banco Central. Reservas, aliás, que teriam sido acumuladas em decorrência da recuperação de credibilidade da economia brasileira junto ao mercado financeiro internacional e à reação das exportações a partir da desvalorização sofrida pelo real em 1999.

Ou seja, os vértices se interligam, e daí a preocupação nos meios financeiros quanto ao risco de deterioração na trajetória das finanças públicas. A contraofensiva do governo envolve uma discussão retórica sobre se em 2012 o governo maquiou a contabilidade para melhorar os resultados. Como foi uma conta de chegar, formalmente se conseguirá cumprir as metas de superávit primário, porém nada convincente. O argumento que o governo vem tentando usar a seu favor é que efetivamente a relação dívida líquida/PIB permaneceu em queda, ainda que pequena, no ano de 2012.

A redução das taxas básicas de juros contribuiu muito para isso, e com espaço que ganhou no conjunto do orçamento, o governo pôde abrir mão de impostos e ampliar programas de assistência social. No entanto, já no início do segundo semestre, pelo andamento dos superávits mensais, percebia-se que as metas originais não seriam atingidas. E com o mau exemplo vindo de cima, estados e municípios também ficaram à vontade para não dar sua quota parte na composição do superávit consolidado do setor público.

A justificativa para o descumprimento é que a economia desacelerou e sem estímulos ao consumo o país cairia em recessão, o que teria sido pior.

FMI aceita descontar investimentos

O governo tem autorização legal para descontar do cálculo do superávit primário um determinado valor carreado para investimentos. Essa prerrogativa foi negociada ainda no governo Fernando Henrique nos tempos dos acordos com o Fundo Monetário Internacional e tinha uma razão: para atingir o superávit primário proposto em um ambiente orçamentário muito apertado, o setor público vinha sacrificando investimentos, entre os quais vários que poderiam levar a economia a uma recuperação mais rápida. Um projeto piloto foi aprovado, selecionando-se investimentos que poderiam entrar nessa conta. Desde então, mesmo sem os acordos com o FMI, a prerrogativa foi mantida, e de fato tem sido usada como exceção.

Meses atrás a equipe econômica admitiu que usaria a prerrogativa em 2012. Até aí fazia parte da regra do jogo. A contabilidade criativa começou a se enrolar com repasses adicionais de títulos do Tesouro ao BNDES - emissões caracterizadas como empréstimos, e que não têm impacto sobre a dívida líquida, pois geram um crédito em igual valor para as contas públicas - que possibilitariam ao banco antecipar pagamento de dividendos à União, antes do encerramento do exercício e da apuração final do lucro da instituição financeira. E como se tratava de uma conta de chegar, o Tesouro sacou grande parte do que havia acumulado (excedentes de superávit primário) no chamado Fundo Soberano, com uma venda, não usual, de ações da Petrobras para a Caixa Econômica Federal e o BNDES, a fim de não reduzir a participação governamental no capital da empresa estatal.

Foi demais. Ou como se diz na linguagem do dia a dia, uma pisada na bola.

Agora só com um teste São Tomé

Os mercados cobram agora retratos mais realistas das finanças públicas. O governo parece que percebeu o elevado custo da perda de credibilidade da política econômica (não é preciso ir longe para ver o que acontece em função disso; basta acompanhar o que está acontecendo na vizinha Argentina, onde os índices oficiais viraram motivo de galhofa). Ainda não é tarde, mas para reconquistar o espaço perdido a política econômica terá de passar por um rigoroso teste São Tomé em 2013

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