sábado, janeiro 19, 2013

Os amores difusos - IVAN MARTINS

REVISTA ÉPOCA



Não há um só jeito de amar, e nem uma única pessoa


Não é preciso ser moderno para perceber que a nossa vida comporta amores simultâneos. Podem ser paixões dilacerantes e sombrias, como nos filmes, ou pode ser algo mais suave – um sentimento de atração que, mesmo não consumado, faz da vida um lugar melhor para os envolvidos.

Todos conhecem esse tipo de sentimento.

Há gente que nós temos vontade de ver todos os dias, cuja presença nos deixa naturalmente mais alegres. Temos prazer enorme em abraçar gente assim e a conversa com elas é mais íntima, mais fácil, mais interessante. Uma alma destituída de malícia diria que isso é amizade, mas eu tenho certeza que se trata de uma forma de erotismo – sem posse, sem dor, sem pressa, mas é desejo que resiste ao tempo. Essa não é uma forma de definir o amor?

A principal qualidade dessa sensação é ser plural.

Não nos sentimos enamorados de todo mundo, mas tampouco temos esse tipo de apego por uma única pessoa. São várias. Pode ser a ex-namorada do colégio, a amiga da faculdade, a prima. Pode ser a garota da livraria ou a moça do bandejão que virou sua amiga. A lista não será grande, mas é uma pena, porque se trata de um sentimento bom. Não é gostoso ficar feliz quando toca o telefone?

Os amores difusos fazem parte da esfera de sentimentos que começa na pessoa que você escolheu e vai se expandindo num círculo para incluir outras pessoas de quem você precisa. Família, amigos, amores. Nenhum casal é uma ilha. Ao redor do compromisso que mantém duas pessoas ligadas há uma vasta teia de ligações, com diferentes graus de densidade, que vinculam o casal ao mundo. Os amores difusos são uma parte especialmente delicada dessa teia. Você não sai transando com essas pessoas, embora pudesse fazê-lo. Você não sofre por essas pessoas, embora possa ter acontecido. Essa relação navega entre o encantamento e a amizade, tem um pouco das duas, e fica a centímetros de se tornar inteiramente uma delas. Movemo-nos entre sutilezas.

O que você faz com alguém que ama difusamente é ter momentos de troca e carinho, que carregam uma ponta secreta de expectativa. Se um dia você bebe demais e diz sinceridades comovidas, ela pode rir, beijar você ou ficar brava e mandar que se comporte – mas tudo seguirá como antes. Nessa relação há espaço para ser você mesmo.

Isso nada tem a ver com relações abertas, porém.

Admitir a existência de carinho e desejo fora da sua relação amorosa é apenas uma manifestação de sanidade. Tentar viver todas essas sensações é uma besteira. Criar arranjos matrimoniais que acomodem esses múltiplos sentimentos é ainda mais fútil. A melhor solução para quem deseja correr atrás de todos os seus desejos não é um namoro ou um casamento aberto. É estar sozinho. Assim se conquista total liberdade, sem culpas ou constrangimentos.

Ando convencido que a nossa vida afetiva tem uma espécie de centro e que nele só cabe uma pessoa de cada vez. As nossas grandes aventura emocionais, a nossa verdadeira história íntima, são escritas ao redor dessa exclusividade. Pode ser uma paixão que não deu certo ou um casamento fabuloso de 20 anos, mas continua sendo uma narrativa entre duas pessoas. O resto é tumulto.

Os amores difusos pertencem a outra esfera, e por isso não colidem.

Eles são menos viscerais, mais leves, nos lembram que podemos experimentar diferentes alegrias na mesma existência. Sugerem que o grande amor romântico – esse que nos devora vivos, ou nos envolve suave como um lençol de linho – é apenas uma das experiências do afeto. Há outras, essenciais. Elas preenchem a existência com outra espécie de luz, igualmente necessária para mostrar nosso caminho.


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