domingo, janeiro 13, 2013

O sexto sentido - CARLOS AYRES BRITTO

ZERO HORA - 13/01


Ajuda-nos a entender que o dia tem a cor dos nossos olhos



Em condições comuns ou habituais de existência, temos cinco sentidos. Sabemos seus nomes de cor e salteado: visão, tato, paladar, olfato e audição. O que não sabemos, também em regra, é que podemos manter com eles uma interação mutuamente benfazeja e por iniciativa nossa. Não deles.
Explico. A vida humana é um gravitar em torno desse quinteto de sentidos. Não pode ser diferente. Usamo-los a todo instante e tão imemorialmente que o fazemos por modo automático. Sem emoção ou banalizadamente. E muito raramente paramos para estudar as respectivas natureza e funcionalidade. Senão para aperfeiçoar a natureza, ao menos a funcionalidade. E com essa garantida melhora de individualizado desempenho, melhorar a nossa própria vida. As duas coisas a interagir por modo reciprocamente proveitoso (já antecipamos isso). Espécie de gangorra da felicidade.
Com efeito, não temos que ficar tão somente à mercê ou na dependência dos nossos sentidos. Eles também têm muito a aprender conosco, e a fórmula é simples. Basta mais e mais contemplá-los. Prestar atenção em seu particularizado dinamismo, que é precisamente observar cada um deles em ação (Nietzsche chegou a dizer que "o papel da escola é ensinar a ver"). Atuando em concreto, portanto. Mas prestar atenção sem nenhuma tensão. Sem cobrar ou exigir nada. Por modo acrítico ou valorativamente neutro, como faz uma testemunha isenta. Ou como quem se disponibiliza inteiramente para a própria Existência, o que implica suspensão de todo ceticismo ou incredulidade. Apenas contemplando, contemplando, contemplando, porque a contemplação é um misto de atenção e descontração. O observador em postura atenta, como quem está acordado, e simultaneamente em postura descontraída, como quem está dormindo. É o que se chama, hoje, de meditação. Dando-se o nome de meditante a quem se posiciona assim em estado de contemplação.
Pronto! O resultado é que a nossa contemplação agrega valor a cada qual dos sentidos. Eles ficam receptivos, acesos, agudos. Muito mais sutis. Como talvez falasse Caetano Veloso, eles ficam mais livres, leves e soltos, como convém a quem opta por se libertar de todo condicionamento mental. E se ficam assim sem lenço e sem documento (Caetano, de novo), é porque apreciam se pegar destinatários da nossa contemplação. Em pleno processo de resgate da sua identidade como seres viventes. Não como uma coisa qualquer, porém como personalizados entes que verdadeiramente são. Donde a reciprocidade da agregação de valores a quem os vê assim contemplativamente. Ou meditativamente. Ou holisticamente, como se lê em espiritualistas do mais respeitável acatamento, como Eckhart Tolle, Eva Pierrakos e J. Krishnamurti. Ou em físicos quânticos da elevada estatura científica de uma Danna Zohar.
Enfim, um mais detido e respeitoso relacionamento com os nossos próprios sentidos é um bom começo para evitar o mecanicismo da operatividade deles e da nossa própria existência. Ajuda-nos a entender que o dia tem a cor dos nossos olhos. Que somente o olhar que se renova é que vê a vida a se renovar. Que todo aquele que não monta bem no estribo dos cinco sentidos perde o bonde do sexto. Sexto sentido que já corresponde àquele terceiro olho de que fala desde sempre o zen-budismo, certamente porque, sendo o único olho que não é visto, no entanto é o único a ver tudo.


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