terça-feira, janeiro 15, 2013

Melancolia - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 15/01


Após a fase de exaltação e entusiasmo que se seguiu à queda do Muro de Berlim (1989), difundiu-se no Ocidente uma sensação melancólica de decadência e de falta de perspectiva - vai que é o tal mal du siècle.

Um dos livros que nos anos 90 tentaram transmitir o otimismo fluido do período anterior foi O fim da história, do americano Francis Fukuyama. Agora, após a crise de 2008, a imprensa mundial, especialmente a dos Estados Unidos, publica abundância nunca vista de artigos, de todas as tendências, que chamam a atenção para a decadência dos Estados Unidos.

Há algumas semanas, esta Coluna comentou ensaio patrocinado pela Kauffman Foundation em que o professor Robert J. Gordon, da Northwestern University (Evaston, Illinois, Estados Unidos) conclui que o crescimento econômico nas economias maduras está com os dias contados. Longo ciclo de estagnação, diz ele, parece inevitável. Esse paper (http://www.nber.org/papers/w18315) é objeto de debates no meio acadêmico e em artigos de revistas especializadas. A propósito desse trabalho, o economista André Lara Resende assinou excelente artigo no suplemento EU&Fim de semana, do jornal Valor Econômico (Além da Conjuntura, 21/12/2012).

Neste domingo, no diário espanhol El País, o Prêmio Nobel de Literatura (2010) Mario Vargas Llosa comenta outro livro de impacto (Civilization, editado em português pela Planeta com o título Civilização: Ocidente X Oriente). Na obra, o professor Niall Ferguson (Universidade Harvard) adverte que a Civilização Ocidental enveredou irremediavelmente para a decadência. Tomam-lhe a dianteira os povos do Oriente, sobretudo o da China, que passa por impressionante transformação.

Vargas Llosa endossa as críticas de Ferguson ao mundo ocidental - principalmente à voracidade de banqueiros e homens de negócio, que apressam a destruição, e ao hedonismo que permeia os costumes. Mas lamenta o que entende como importante omissão do autor. No seu "pessimismo elegante", Ferguson não consegue enxergar na Civilização Ocidental, afirma Vargas Llosa, sua decisiva qualidade autorredentora: sua grande capacidade de autocrítica e de renovação, que tem origem na ampla liberdade de pensamento e de expressão.

À análise de Vargas Llosa, talvez pudesse ser acrescentado o fato de que hoje, quando se intensifica o processo de globalização, talvez não faça mais sentido dividir a cultura, a atividade econômica e a civilização entre Ocidental e Oriental. Neste mundo onde tudo se intercambia e se canibaliza, é duvidoso concluir que a supremacia cultural (conceito por si só duvidoso) esteja mudando de hemisfério.

A China tem 30 milhões de praticantes de piano e outros 10 milhões, de violino, instrumentos criados e desenvolvidos no Ocidente. A tecnologia lá absorvida proveio do Ocidente. A maioria de sua produção é feita por empresas multinacionais nascidas neste lado do mundo. E, lá, os conceitos de administração moderna são os mesmos ensinados nas grandes universidades americanas e na Europa.

Enfim, nesta aldeia global, alvorada e decadência provavelmente já não podem ser vistas como fenômenos meramente locais.

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