sábado, janeiro 12, 2013

Em Havana, sem lágrimas - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 12/01


"Protetorado", informam dicionários, é a definição para as situações em que um Estado é posto sob autoridade de outro, geralmente muito mais forte, sobretudo na política externa.

Exemplos atuais dessa convenção são as Ilhas Malvinas, dependentes do Reino Unido. Ou Porto Rico, assim reconhecido por algumas agências governamentais dos EUA, exceto pelo Departamento de Estado.

Assiste-se a uma inovação nos trópicos - uma subversão do conceito pelo qual o dominador tende a ser o maior e o mais forte: o governo de uma pequena e pobre ilha caribenha passou a ter influência política e militar decisiva sobre uma nação continental sul-americana, com um território oito vezes maior, o triplo de população e uma economia assentada sobre extraordinárias reservas de petróleo.

Essa foi a proeza política concretizada por Cuba dos irmãos Raúl e Fidel Castro na Venezuela de Hugo Chávez.

Alguns historiadores contemplam o fenômeno com assombro. É o caso do mexicano Jorge Castañeda, autor de uma relevante biografia de Che Guevara: "Ser protetorado de uma potência não é muito saudável. Ser de uma ilha empobrecida e envelhecida, com menos da metade de habitantes que o próprio país, é aberrante" - ele escreveu no jornal "Reforma", da Cidade do México, ao analisar as cenas de realismo mágico protagonizadas pelos chavistas em Caracas.

"Algum dia", acrescentou, "alguém terá de explicar como o rumo de uma Venezuela repleta de reservas petrolíferas, com quase 30 milhões de habitantes e uma sociedade civil vibrante e organizada determinou-se sob as ordens de um senhor de nome Ramiro Valdés Menéndez, de 80 anos de idade, durante anos chefe da repressão de Havana, que chegou ao México em 1955 e partiu para Cuba a bordo do Granma, acompanhando Fidel e Raúl Castro e Che Guevara - faz mais de meio século."

Menéndez virou uma espécie de embaixador plenipotenciário de Havana para assuntos venezuelanos. Comanda uma equipe de "especialistas" em operações de espionagem e controle de população civil, a quem Chávez entregou os serviços de emissão de documentos nacionais de identidade, de fiscalização biométrica nos aeroportos, de cadastro eleitoral e registro de votação.

Um dos poucos a ostentar o distintivo de "comandante da revolução", Menéndez é o mais experiente na cúpula militar encarregada dos interesses de Cuba na Venezuela, onde também se destacam os generais Julio Casas Regueiro, ex-chefe de segurança de Fidel e mais recentemente representante de Raúl Castro no Ministério das Forças Armadas; Leonardo Andollo Valdés, vice-chefe do Estado Maior; Erminio Hernández Rodríguez, Humberto Francis Pardo e Alejandro Ronda Marrero (na reserva). Não há números precisos, mas estima-se que sejam responsáveis por operações diversas - desde inteligência militar a assistência social - nas quais estão diretamente envolvidos cerca de 15 mil cubanos, com residência temporária na Venezuela.

As cenas de realismo mágico protagonizadas pelos chavistas em Caracas, na quinta-feira, tiveram um roteiro escrito em Havana. Ali, há exatamente um mês, isolou-se um presidente enfermo, incomunicável. Nesse período, sua grave doença foi tema de 27 informes oficiais - e nenhum permite qualquer conclusão sobre vida ou morte.

Reza o acordo político selado em Havana, sob supervisão do governo Castro, que Hugo Chávez continua vivo. E continua governando, com reconhecimento de governos como o de Dilma Rousseff. Detalhe relevante, acrescentado esta semana pela corte constitucional venezuelana: só Chávez pode decidir sobre sua ausência. Se e quando isso acontecer, a decisão será tomada em Cuba. Sem lágrimas.

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