sexta-feira, janeiro 11, 2013

Dois irmãos num tempo de trevas - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 11/01


Volta a meia, entra em discussão as relações entre o intelectual e o artista com o poder, o poder que realmente é poder, ou seja, o poder econômico e político, que geralmente estão entrelaçados.

Acredito que a questão nunca foi posta com tanta clareza durante o nascimento do nazismo na Alemanha, após a primeira guerra mundial. Destaque especial, entre outros, para os irmãos Mann, vindos de uma família do norte da Alemanha, Lübeck, que durante muito tempo foi sede da Liga Hanseática que dominou o Báltico e grande parte da Europa, com o famoso lema "Navegar é preciso", frase de Pompeu que muitos atribuem a Fernando Pessoa e até a Caetano Veloso.

Em 1925, Heinrich Mann escreveu "Intelecto e Ação", em que diz com clareza e simplicidade: "um intelectual que se liga ao grupo no poder trai o intelecto".

E em artigo seguinte, é mais explícito: "Para ser capaz de realizar, nenhuma hesitação é possível; realizar é achar-se no pleno domínio de si mesmo. De outro modo, é claro que aquele que duvida perderá sua coragem em face dos novos contemporâneos que não têm dúvidas sobre coisa alguma. A sociedade os apóia, são os seus salvadores. Não havendo esperado isso, o estado mental daquele que duvida agora lhe parece anárquico. Começa a se sentir alienado em relação ao mundo, ele, o homem que certa vez o dominou. Retira-se, sua casa se transforma numa ilha com um fosso ao redor. A atividade e os gestos da vida continuam durante alguma tempo, mas realmente só em função do passado, já são pó antes que ele os reduza a isso, ou seja, ao mesmo pó".

Heinrich sempre ficou à sombra de seu irmão mais famoso, que ganhou o Nobel e é considerado um segundo Goethe nas letras alemãs. Mesmo assim, ele emplacou um sucesso internacional que o cinema consagrou, "O Anjo Azul", adaptação de seu extraordinário romance, "Professor Unrat oder das Ende eines Tyrannen", que fez de Marlene Dietrich uma das maiores estrelas do século 20.

Por sua vez, antes mesmo de comprar briga com o poder que surgia na Alemanha depois de Versalhes (os nazistas fizeram uma pilha de seus livros para queimá-los em praça pública), Thomas Mann escreveu seu "Um Apelo à Razão":

"Há momentos de nossa vida em comum em que a arte não consegue se justificar na prática; em que a urgência interior do artista lhe falha, em que as necessidades mais imediatas de nossa existência o fazem engolir o próprio pensamento; em que a crise e a desgraça gerais o abalam demasiado, de tal modo que tudo aquilo que chamamos de arte, a feliz e apaixonada preocupação com valores eternamente humanos, chega a parecer ocioso, efêmero, um bem supérfluo, uma impossibilidade mental."

Em contexto bastante diverso, mas com as mesmas desconfianças a respeito da arte e da atividade intelectual, Jean Paul Sartre, que também ganharia o Nobel mais tarde, num estudo sobre Faulkner (outro premiado com o Nobel), declarou que "a arte é uma generosidade inútil".

Também em outro contexto, outro gigante das letras alemãs, Schopenhauer ameaçava uma linha de pensamento paralelo: "No momento em que se começa a falar, se começa a errar. Meu segundo lema é: assim que nossos pensamentos conseguiram se moldar em palavras, eles não mais são sentidos pelo coração e, no fundo, deixam de ser sérios".

Os dois irmãos, apesar da amizade que os unia, acabaram se separando, Heinrich ficou para enfrentar a Alemanha que passara a desprezar, Thomas, embalado pelo sucesso internacional de "A Montanha Mágica" e "Morte em Veneza", iniciou uma diáspora pessoal que incluiu a Itália, os Estados Unidos e, finalmente, a Suíça, onde morreu aos 80 anos em Zurique.

De qualquer forma, os dois irmãos de Lübeck marcaram o período entre as duas guerras mundiais, são referências para se compreender a natureza humana no que ela tem de mais contraditório: a aspiração do belo e do bem em confronto com a realidade que Heinrich mostrou em "Anjo Azul", mostrando a repugnante decadência física e moral do Professor Unrat.

Por sua vez, Thomas teve a lucidez para retomar o tema do "Doktor Faustus" e mostrar a humanidade enferma num sanatório suíço numa montanha realmente mágica.

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