segunda-feira, janeiro 14, 2013

Doença totalitária - DENIS LERRER ROSENFIELD


O Estado de S.Paulo - 14/01


A morte é o fim de um ciclo de vida individual, algo próprio da condição humana e animal em geral. No caso humano, ela é intensamente vivida sob a forma de uma angústia diante da finitude, o que dá ensejo a concepções religiosas prometendo outra forma de vida, a da beatitude diante de Deus. Estabelece-se assim, religiosamente, um nexo entre o finito e o infinito, o temporal e o eterno, mesmo sob o império do término das condições de vida terrenas.

No caso de líderes totalitários, o dirigente-mor é investido de um manto de eternidade, no qual se terminam identificando a sua pessoa física, mortal, com a político-jurídica, avessa a qualquer forma de temporalidade e finitude. Na pessoa do líder totalitário se confunde a sua vida com a do seu regime político, como se sua morte equivalesse à morte do regime nele identificado. O medo de seus herdeiros e discípulos é que com o fim da vida do líder máximo esteja sendo sinalizado, se não concretizado, o fim de sua forma de exercício do poder.

O segredo é a forma dada a essa doença totalitária. Os "companheiros" temem, antes de mais nada, a transparência, pois ela seria uma maneira de tornar público o que está acontecendo. Dirigentes totalitários abominam, sobretudo, a prestação pública de contas de suas ações, pois execram a democracia baseada na liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, assim como o exercício de Poderes Legislativo e Judiciário autônomos e independentes. A "Suprema" Corte venezuelana é "mínima", sendo nada mais que uma porta-voz do supremo Hugo Chávez.

A doença de Chávez é um exemplo particularmente elucidativo de sua natureza totalitária. Acometido de câncer, optou pelo segredo de Estado e por se tratar em Cuba, país sem nenhuma capacitação médica para esse tipo de tratamento. Entre sua vida pessoal e a preservação do regime, escolheu esta última. Diante da morte, seu maior medo é a prestação pública aos cidadãos de seu país, que têm todo o direito de saber o que está acontecendo com seu presidente.

Em vez disso, os cidadãos venezuelanos e a opinião pública mundial têm direito aos "comunicados" lidos por lideranças chavistas, que estão comprometidas com a mentira, e não com a verdade. Acreditar nas "informações" chavistas equivale a acreditar na existência de vida na Lua.

A melhor analogia cabível no caso seria compará-las com a doença - e morte - de Stalin, também tratada sob o maior sigilo. Ademais, o líder soviético tinha tanto medo de sua morte, digamos, política que os mais próximos, quando de sua última crise, temiam chamar médicos e tocar no seu corpo. O maior segredo consistia na doença do líder totalitário, considerado em sua "imortalidade" e "onisciência".

Aliás, Stalin deve estar ruborizado com a falta de tato de seus discípulos bolivarianos. Não conseguem nem mesmo respeitar a Constituição por eles mesmos elaborada nos mínimos detalhes. Fazem uma coisa e dizem outra, quando não dizem coisas distintas e contraditórias entre si. Deve o finado líder soviético estar pensando que bolchevismo em República de bananas não pode mesmo dar certo!

Até para mentir eles são incompetentes. Para justificar suas ações, suas aparições públicas são equivalentes a uma ópera-bufa. Considerar, por exemplo, a posse do presidente para novo mandato, na data aprazada, como uma mera "formalidade" significa dizer que toda a Constituição é, na verdade, uma mera formalidade. Formalidade essa que será seguida ou não conforme os dirigentes totalitários assim o decidirem.

Nesse contexto, a ida do assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República brasileira a Cuba para se inteirar da saúde de Chávez e se informar das condições de sua sucessão adicionou um toque de ridículo ao que já é, de per si, hilariante. Voltou afirmando a "constitucionalidade" da violação constitucional em curso na Venezuela.

Inteirar-se da constitucionalidade de uma medida com Fidel e Raúl Castro e com o vice-presidente venezuelano, Nicolás Maduro, equivale a diagnosticar uma doença com curandeiros ou mágicos. Os irmãos Castro nem sabem o que significa uma Constituição, têm um desconhecimento e desprezo total pelo Estado Democrático de Direito. Os bolivarianos são seus pequenos aprendizes, embora o dano causado por eles seja enorme. São pequenos em estatura política e moral, porém grandes em seus malfeitos.

Por muito menos o Paraguai foi suspenso do Mercosul, por não ter, supostamente, obedecido à "cláusula democrática" em vigor no correspondente tratado. Tal ação, liderada por Chávez e orquestrada por Maduro, contou com todo o aval e o apoio do governo brasileiro.

Acontece que, no caso paraguaio, a Constituição do país foi plenamente respeitada, enquanto no venezuelano ela está sendo claramente pisoteada. Por um mínimo de coerência, o Brasil deveria propor a suspensão da Venezuela do Mercosul, visto o absoluto desrespeito à sua própria Constituição. O que acontece, porém? O governo dá mais uma vez aval à subversão democrática chavista.

Hugo Chávez está entre a vida e a morte. Se constitucionalmente caberia estabelecer se sua ausência é temporária ou permanente, tal diagnóstico só poderia ser feito por uma junta médica independente e agindo por motivos científicos. Em vez disso, temos os "comunicados" bolivarianos que usam a mentira como instrumento de governo. Uma junta médica independente poderia dar transparência a um processo político desse tipo. Contudo o que mais temem os totalitários é a verdade.

Enquanto isso, atabalhoadamente resolvem seus conflitos e disputas internas de poder estabelecendo as condições de manutenção de um regime que vive da figura de seu líder máximo. Ganham tempo tratando politicamente da doença de Chávez. Dão um golpe na Constituição por eles mesmos elaborada e tipicamente, seguindo a cartilha totalitária, acusam os outros de estarem tramando um golpe.

A exploração totalitária da doença não tem limites!

Nenhum comentário:

Postar um comentário