domingo, janeiro 27, 2013

Descaminhos do ‘país do futebol’ - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/01


A matriz da crise de talentos é a mesma em todos os clubes, triste constatação de uma realidade em que fenômenos como Neymar são um ponto fora da curva



O Brasil pentacampeão do mundo nunca foi um primor de organização fora dos campos. Mas dos estádios para dentro a excelência dos seus craques, por décadas produzidos em grandes fornadas pelos clubes, transformou o futebol brasileiro em referência mundial, garantia de um padrão de alta qualidade técnica em competições nacionais e internacionais. Porém, a pouco mais de um ano de sediar a Copa do Mundo, o “país do futebol” parece cada vez mais longe de honrar o título: a seleção principal amarga um vexatório 18º lugar no ranking da Fifa, sua pior colocação na lista da entidade; as divisões de base vão mal das pernas em todos os torneios internacionais que disputam, e os jogadores brasileiros, salvo poucas exceções, já não são tão valorizados no mercado da bola.

A desorganização, crônica doença decorrente do pouco apreço dos clubes por profissionalismo, já não impera apenas para fora das quatro linhas e entrou em campo. As causas dessa preocupante realidade são tão visíveis quanto as suas perigosas consequências. Elas começam nas divisões de base, um celeiro que os clubes cada vez mais tratam com um desapreço inaceitável. Em sua maioria, os candidatos a craques chegam às agremiações despreparados para uma carreira profissional, e é dessa maneira que, em geral, acabam chegando aos times principais, fruto de pífios trabalhos de base — que deveriam ser o alicerce da caminhada desses jovens.

Em recente entrevista ao GLOBO, o técnico do Flamengo, Dorival Jr., foi ao ponto: “Nunca fomos formadores no Brasil. Sempre revelamos jogadores que, simplesmente , apareciam sem que se soubesse exatamente como. E não melhorávamos esses jogadores. Nos últimos anos, ficamos estagnados. Éramos os primeiros do mundo, o espelho. Aí perdemos nossas referências, (...) os clubes nunca se preocuparam em melhorar os jovens”.

A realidade que Dorival encontrou no Flamengo é a mesma matriz da crise de talentos dos clubes brasileiros (triste constatação de uma realidade em que fenômenos como Neymar são um ponto fora da curva, quando antes o país os produzia em grande escala). Pior, os movimentos dos entes envolvidos nessa engrenagem (dirigentes, técnicos, os dois em desacordo com o princípio de que, no futebol, o jogador ainda é a grande atração, e, em boa parte, os próprios atletas) não parecem levar a mudanças. Ao contrário, o quadro se torna cada vez mais preocupante.

As decorrências são palpáveis. Em junho, a pouco mais de quatro meses, o Brasil sediará a Copa das Confederações. Enquanto isso, a seleção é uma incógnita, ainda um espaço de experiências com um novo formato de comissão técnica. A seleção sub-20 acaba de ser precocemente desclassificada no Sul-Americano. E os clubes gramam para descobrir, em incipientes estruturas, novos craques (que, por sua vez, logo se transformarão não em ídolos, mas em moedas de troca). Tudo errado.


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