quinta-feira, janeiro 17, 2013

De mudança para Patagônia - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 17/01


Para ver o futuro, basta observar o passado. Como a vida existe há mais de 1 bilhão de anos, quase tudo o que ocorre já ocorreu de modo semelhante. Quer saber por que as florestas desaparecem? Estude o passado: elas já surgiram e desapareceram da região amazônica várias vezes. O raciocínio vale para o aquecimento global. Para tentar prever as consequências do atual aquecimento, pesquisadores estudam grandes episódios semelhantes que ocorreram. A novidade é que identificaram um rápido evento de aquecimento global, muito semelhante ao atual, que se iniciou por volta de 250 milhões de anos atrás.

Ele foi causado pelo rápido aumento na quantidade de gás carbônico na atmosfera, graças à liberação de carbono sequestrado no subsolo. Essa liberação repentina (ao longo de mil anos) provocou um efeito estufa e um aumento na temperatura da atmosfera e dos oceanos. O interessante é que o ritmo de aumento foi semelhante ao que vem ocorrendo desde 1950, quando começamos a extrair e queimar combustíveis fósseis.

Para estimar o aumento da temperatura ao longo do tempo, os cientistas utilizam a quantidade de um isótopo de oxigênio que se acumula na apatita, um componente das partes sólidas dos animais. Coletando animais marinhos de diversos estratos, iniciando com fósseis de 253 milhões de anos e terminando nas camadas de 245 milhões de anos, os cientistas determinaram a temperatura dos oceanos durante esse episódio de aquecimento e resfriamento que durou aproximadamente 8 milhões de anos.

No início desse período, a temperatura na superfície dos oceanos estava pouco abaixo da atual, de 22°C a 24°C. Com a liberação do gás carbônico em alguns milhares de anos, ela subiu de 25°C a 30°C, intervalo semelhante ao que encontramos nos trópicos. Mas ela continuou a subir e se estabilizou em aproximadamente 34°C, 4°C acima da atual, com pico de até 40°C, por volta de 254,6 milhões de anos atrás. Você acha pouco um aumento de 4°C a 6°C? Então continue a ler.

Uma vez determinada a variação de temperatura ao longo desse período, geólogos e paleontólogos examinaram fósseis de animais e plantas, escolhendo diversas regiões em que fosse possível determinar a biodiversidade dos fósseis durante esse intervalo.

Para mapear o que estava acontecendo em todo o planeta, foram feitos levantamentos em regiões próximas ao equador e em mais distantes. Os resultados mostram que, logo após o aumento de temperatura, a diversidade de fósseis na região do equador diminuiu bruscamente, o que indica que milhares de espécies se extinguiram rapidamente. Os peixes praticamente desapareceram do equador e as plantas terrestres, incapazes de fazer fotossíntese nas altas temperaturas, também desapareceram. Esse desaparecimento em massa de seres vivos já era conhecido como Grande Extinção do Fim do Cambriano. Agora sabemos que ela foi causada por um rápido aumento de temperatura causado pela liberação de gás carbônico.

Por mais de 5 milhões de anos, enquanto durou a alta temperatura, a vida se abrigou perto dos polos. Peixes, plantas e vertebrados terrestres sobreviveram nas regiões mais frias, Sibéria e Antártida, como mostram os registros fósseis. Esse efeito estufa só se dissipou há 247 milhões de anos e, então, os fósseis indicam que a vida recolonizou a região tropical.

O que ocorreu é semelhante ao que ocorre hoje: trópicos perdendo biodiversidade e calotas polares derretendo. O que ainda não estamos observando de maneira radical é o desaparecimento da vida nos trópicos e sua mudança para as regiões menos quentes. Por outro lado, nosso aquecimento começou há somente 150 anos e, no passado, a extinção de espécies e a migração dos sobreviventes levou milhares de anos.

Por mais sugestivo que seja este estudo, é preciso cautela com as comparações. No fim do Permiano, quando isso aconteceu, o mundo e a vida eram muito diferentes. Os mamíferos nem sequer haviam aparecido e os continentes não haviam se separado. Por outro lado, é impressionante que a temperatura já era muito semelhante à atual, o que demonstra que a maior parte dos seres vivos foi selecionada para sobreviver em intervalos muito pequenos de temperatura. Pequenos aumentos ou diminuições podem ser catastróficos.

Esse estudo sugere que é necessário levar a sério aumentos de 2°C a 4°C na temperatura. Pequenas mudanças podem transformar os trópicos em um deserto desabitado por milhões de anos. E é claro que a região subtropical, mesmo aquecida, não será capaz de abrigar e alimentar 11 bilhões de pessoas. Prevenido é um amigo meu que está construindo uma casa de veraneio no sul da Patagônia.

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