quarta-feira, janeiro 09, 2013

Custo de energia: uma oportunidade perdida - CRISTIANO ROMERO


Valor Econômico - 09/01


São, sem dúvida, louváveis os esforços do governo da presidente Dilma Rousseff para reduzir custos de produção e, assim, estimular investimentos e o aumento da competitividade da economia brasileira. O problema é que o calendário político, agora apertado, levou o governo a adotar medidas marcadas pela pressa, pela necessidade de gerar ganhos e produzir resultados imediatos.

O polêmico pacote do setor elétrico é, talvez, o melhor exemplo. O problema não está na acusação de que o governo rompera contratos, mas justamente no caminho escolhido para reduzir preços e renovar prazos de concessão de usinas hidrelétricas. O modelo adotado por Brasília sacrificou a competição no setor privado.

Não houve quebra de contrato, uma vez que a adesão à renovação das concessões foi oferecida em bases voluntárias. Como lembra o economista Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, algumas empresas, como a Cesp e a Cemig, não aceitaram as bases oferecidas pelo governo. Optaram por continuar na situação atual, estabelecida em contrato, até que vençam os prazos de suas concessões.

No setor elétrico, governo sacrificou a concorrência

A queda dos preços das ações de empresas do setor elétrico não decorreu da ruptura dos contratos, mas da frustração da expectativa, por parte dos investidores, de que a renovação das concessões seria feita em bases mais vantajosas que aquelas oferecidas pelo governo. É natural que tenha sido assim. O preço das ações passou a refletir a nova realidade regulatória.

Especialista em regulação, tendo presidido a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em parte dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, Schymura diz que não faz mesmo sentido o Brasil ter uma energia tão cara, sendo que sua matriz energética é baseada em recursos hídricos. Trata-se, claramente, de um gargalo que afeta negativamente a competitividade das empresas locais.

Estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) revelou que a tarifa média de energia elétrica paga pela indústria brasileira é 50% superior à média de um conjunto de 27 países. A diferença chega a 134% quando a comparação é feita com os outros Brics (Rússia, Índia e China). A comparação com os sul-americanos é igualmente desvantajosa - o custo de energia no Brasil é, em média, 67,5% superior.

Reduzir o preço da energia no país é, portanto, uma necessidade imperiosa. A questão é saber se a presidente Dilma adotou a melhor estratégia para atingir esse objetivo. O governo optou por arbitrar a gordura a ser retirada dos preços da eletricidade. Cortou alguns encargos, transferindo parte da conta ao Tesouro Nacional, e reduziu a taxa de remuneração das empresas que desejarem renovar as concessões por mais 30 anos. Isso permitirá queda de 16% a 28%, a partir de fevereiro, nas contas de energia de residências, do comércio e da indústria.

A vantagem dessa opção é que o preço da energia cairá imediatamente, beneficiando igualmente empresas e população, com impacto benéfico na inflação já no curto prazo. "É compreensível o sentimento de urgência do governo, quando se considera o péssimo desempenho do investimento e os fracos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos trimestres", diz Schymura. Ele acha, entretanto, que a pressa está levando o país a sacrificar uma oportunidade histórica de diminuir o custo da energia via mercado.

O governo poderia deixar os prazos das concessões expirarem e, em seguida, licitar novos contratos. Nesse modelo, o mercado definiria os preços em bases até mais vantajosas que as arbitradas por Brasília. Consumidores residenciais e empresariais sairiam ganhando.

"A competição é uma mentalidade, uma forma de abordar os problemas econômicos. Sempre que o governo passa por cima do mecanismo da concorrência para arbitrar preços, ele enfraquece esses princípios", sustenta Schymura, que trata do tema na próxima Carta do Ibre, a ser divulgada nesta quarta-feira. "Uma das grandes vantagens da concorrência é revelar quanta gordura existe de fato nos atuais preços. É possível, inclusive, que novas licitações das concessões do setor elétrico levassem a quedas do custo de energia ainda maiores, embora não fossem ocorrer de forma imediata."

Schymura informa que os formatos de leilões públicos têm sido objeto de um dos ramos mais sofisticados da pesquisa microeconômica. Cada modelagem é uma chance de se evoluir e testar as formas que gerem mais vantagens para o Estado e a sociedade. "É pena que uma oportunidade significativa como a da expiração das concessões do setor elétrico seja desperdiçada, com o governo optando por colher de forma rápida e não competitiva a almejada redução de custo", observa ele.

Há o risco adicional de outros setores de infraestrutura, escaldados pela experiência do setor elétrico, acharem que o governo arbitrará preços também em suas áreas. Isso pode levar grandes grupos empresariais (principalmente, as empreiteiras) a atuar na órbita do governo, fazendo lobby para obter vantagens preferenciais, uma vez que não prevalecerá a concorrência. Um incentivo à corrupção e à ineficiência.

"Em setores de infraestrutura em que há monopólios naturais, nos quais é um contrassenso estabelecer uma competição no mercado, como no caso de estradas, da transmissão e da distribuição de energia elétrica, é importante que se crie a chamada "competição pelo mercado". Isto significa fazer leilões que tenderão a estabelecer preços e condições de exploração competitivos do serviço de infraestrutura", aposta Schymura.

As medidas que a presidente Dilma tem adotado em vários setores da infraestrutura para reduzir gargalos partem do reconhecimento de que o modelo de crescimento econômico, baseado apenas em crédito e consumo, pode ter se esgotado. Este é o lado pragmático da presidente, que não hesita em admitir que o país não conseguirá ser justo socialmente se não tiver uma economia competitiva. Há o lado, porém, intervencionista, da mão pesada na condução da macro e da microeconomia, que cria insegurança e afugenta investidores.

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