sexta-feira, janeiro 18, 2013
Credor e conselheiro - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 18/01
A foto na primeira página da edição de ontem deste jornal, de autoria de Márcio Fernandes, registra uma cena que seria constrangedora para o prefeito paulistano Fernando Haddad, não fosse pelo "pequeno detalhe" de todos conhecido - e por ele reconhecido. Haddad aparece com a cabeça ligeiramente inclinada e o olhar absorto. Sentado à sua esquerda, as sobrancelhas arqueadas e o indicador estendido de quem enfatiza um ponto de vista, o ex-presidente Lula. Ao lado, a vice-prefeita Nádia Campeão e ex-assessores presidenciais lotados no instituto que leva o nome do primeiro companheiro. Fora de quadro, uma dezena de secretários municipais petistas ou da chamada cota pessoal de Haddad. Ele os convocou na véspera para, não se sabe se por iniciativa própria ou de Lula, ouvi-lo durante mais de uma hora, no que, segundo o anfitrião, tratou-se de "uma visita de cortesia". Ela foi precedida por uma conversa a portas fechadas com Haddad.
Na sua versão, o ex-presidente, de volta das férias, pediu que se encontrassem. Convidado a vê-lo no Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura, "ele se colocou à disposição", relatou o prefeito, obviamente invertendo os papéis de cada um no episódio. Fernando Haddad - eis o "pequeno detalhe" - está à disposição de Lula desde quando este o pinçou do Ministério da Educação e do celibato eleitoral para devolver ao PT o governo da maior cidade brasileira, perdido em 2004. Replicando em São Paulo a formidável experiência com Dilma Rousseff no plano nacional, Lula partiu da premissa de que, diante de um eleitorado com amplos setores de classe média refratários ou hostis ao petismo, concorrer com nomes batidos como o da ex-prefeita Marta Suplicy ou do senador Aloizio Mercadante seria um desatino.
À clarividência de Lula - que fez a amuada Marta afastar-se da campanha, até ser apaziguada com o Ministério da Cultura -, seguiu-se uma competente operação de propaganda, explorando a boa estampa do candidato "moço de família" - uma espécie de atualização do "Lula paz e amor" de 2002 -, e a decisiva reconquista dos redutos petistas no sul da cidade, onde a candidatura Celso Russomanno vinha fazendo perigosos estragos. Para usar um clichê, o ex-presidente não mediu esforços para erguer o seu segundo poste, em dois anos, na praça política brasileira. A parte que tocou a Haddad, além de exibir moderação, empatia e conhecimento dos problemas de sua cidade, foi fazer rigorosamente tudo o que o seu mestre mandasse - como participar do beija-mão a Paulo Maluf, que exigiu que fosse público e no seu próprio palacete. Em protesto, a ex-prefeita Luiza Erundina desistiu de integrar a sua chapa. No fim, o estrago foi contido e deu tudo certo.
Como poderia o novo titular da Prefeitura deixar de fazer as vontades de quem o levou até lá? Ciente de ser seu credor, Lula o escolheu como ator coadjuvante do espetáculo de sua rentreé política pelo portão principal, depois de uma amarga temporada de confinamento nos porões da corrupção. Já não bastassem as condenações dos mensaleiros de sua intimidade, como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino, ao fim de um julgamento no STF de que foi o ostensivo sujeito oculto, eis que a Polícia Federal detona um esquema de venda de facilidades na administração federal, arrastando aos holofotes a sua namorada Rosemary Noronha, a Rose, a quem ele entregara a chefia da representação da Presidência da República em São Paulo. Completando o inferno astral de Lula, o Estado revelou que o operador do mensalão, Marcos Valério, o acusou ao Ministério Público de ter se beneficiado pessoalmente do tráfico de recursos ilícitos.
Na sequência da reabilitação de sua imagem e reafirmação de sua autoridade, Lula tem encontro agendado daqui a uma semana com a presidente Dilma, ministros e dirigentes petistas.
Quem sabe ele possa dar à sua voluntariosa sucessora conselhos tão sensatos como os que distribuiu a Haddad e sua equipe sobre a conveniência de fazer parcerias e o imperativo de não deixar as coisas pela metade. A nova administração, ensinou, "deve sair maior do que entrou". É do que a presidente precisa se compenetrar, enquanto é tempo.
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