terça-feira, janeiro 01, 2013

As surpresas de 2012 e suas implicações - ILAN GOLDFAJN


O Estado de S.Paulo - 01/01


Feliz ano-novo, querido leitor. Estou em férias no sul do México, terra dos maias. Daqui atesto que um novo ciclo - denominado baktun pelos maias - está apenas começando. Nada de fim do mundo.

No Brasil, e no mundo, a sensação é, de fato, de uma transição entre ciclos econômicos mais longos. Típicas dessas transições são as surpresas que nos acompanham. Abaixo relaciono as mudanças que caracterizaram o ano velho e suas implicações para o novo ano.

O risco de ruptura na zona do euro diminuiu. No entanto, não foi abolida a volatilidade. Graças ao Super-Mario (Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu), o risco de quebra na zona do euro diminui. A promessa de fazer "o que for necessário" para manter a zona do euro funcionando deu resultado. A disposição de comprar títulos soberanos (espanhóis, italianos, etc.), quando e se necessário, permitiu reduzir os juros cobrados e viabilizar o financiamento dos países periféricos. A melhora no ambiente financeiro, no entanto, pode levar as autoridades dos países a postergar novamente os duros ajustes necessários e a uma volta da desconfiança dos mercados. Ou, inversamente, a persistência nos ajustes pode levar à fadiga e a novos protestos nas ruas. Os problemas na Europa não acabaram, mas o fim do euro está mais longe.

Não houve recessão global, mas sim crescimento mais baixo, que deve continuar. Falou-se muito no mergulho duplo (nova recessão) nos EUA e no mundo. Todavia nada disso ocorreu. Observou-se mais do mesmo: nem recessão nem aceleração, apenas o crescimento baixo se consolidando. O mundo completou meia década (2007 a 2012) perdida desde o início da crise do subprime, que levou à crise financeira internacional. Tudo indica que continuará perdida por mais alguns anos. A desalavancagem (redução das dívidas) é um processo lento, que ainda precisa terminar. Nos EUA o setor privado já sacudiu a poeira e as dívidas (como a melhora nas bolsas e no mercado imobiliário sinalizam), mas deixou tudo na mão do setor público, que ainda precisa se ajustar. Os debates do abismo fiscal e limites do teto da dívida no Congresso americano são sinais do imenso desafio à frente.

A China ameaçou com um "hard landing", mas o crescimento estabilizou-se em torno de 7,5%-8%. Enquanto a China desacelerava, a sensação de queda livre dominou as expectativas. Sem esse motor do crescimento mundial, temia-se sobre o futuro global, especialmente nas economias emergentes, e na América Latina em particular. Mas a parada brusca (hard landing) não ocorreu, no segundo semestre o crescimento estabilizou-se e até ensejou uma recuperação no final do ano. Os sinais são de um crescimento menor, mas ainda forte, na China nos próximos anos.

As commodities resistiram bem aos problemas globais. Esperamos que permaneçam nesse patamar relativamente alto. Com o risco de ruptura na Europa, recessão nos EUA e parada brusca na China, o preço das commodities podia se ajustar de forma contundente, ameaçando o ganha-pão de vários países da América Latina. A região respirou aliviada e agradeceu apresentando um crescimento sólido, com notáveis exceções.

O crescimento no Brasil decepcionou (em torno de 1%) em 2012. Retomada moderada parece o mais provável. Apesar da queda dos juros, de incentivos fiscais, quase fiscais, monetários e cambiais, não ocorreu a vigorosa retomada que tanto se esperava. Persistir é o moto de alguns, aguardando a volta da "normalidade" do crescimento da última década no Brasil. Outros já se debruçam sobre as causas estruturais da falta de crescimento (ausência de reformas, confiança abalada no futuro, perda de dinamismo global, etc.). O fato é que a taxa de investimento voltou a cair no ano passado, ao invés de subir, condição necessária para o crescimento sustentável. Enquanto isso, delineia-se uma retomada lenta e decepcionante (terceiro trimestre com um crescimento anualizado de 2,5% e o quarto trimestre, espera-se, em torno de 3%). Entretanto, os riscos são elevados. Os problemas estruturais podem ameaçar o crescimento por mais tempo, a exemplo do baixo crescimento do México na década passada (seria o caso de um "se eu fosse você" soberano).

Apesar da desaceleração do PIB, o desemprego apresenta recorde de baixa e os salários, de alta, no Brasil. O equilíbrio é frágil. O PIB mais fraco normalmente levaria a um enfraquecimento no mercado de trabalho, o que não ocorreu no ano passado. O crescimento forte da economia em setores com uso intenso de mão de obra explica a tendência. A resistência das empresas a demitir, e ter de recontratar mais adiante, explica a força do mercado de trabalho no atual ciclo. Mas é bom ter claras as perspectivas. A dicotomia entre o crescimento fraco do PIB e a força do mercado de trabalho não se pode perpetuar. Algo terá de mudar. A retomada do PIB, mesmo que moderada, sustenta o emprego e os salários. Um PIB persistentemente fraco ameaça a força de trabalho e seus subprodutos: consumo, a nova classe média e melhoras socioeconômicas, incluindo a distribuição de renda.

A taxa Selic chegou a 7,25%, o câmbio elevou-se acima de R$ 2 por dólar. O crescimento fraco deve manter esses estímulos na economia. A inflação permanece elevada. A perspectiva de retomada da economia no ano passado não permitia vislumbrar facilmente que a taxa de juros Selic chegaria a patamares tão baixos (juros reais de 1,5%) nem que o governo precisaria induzir uma desvalorização do câmbio de quase 20%. Para a frente, a perspectiva de uma retomada apenas moderada da economia não permitirá a retirada desses estímulos este ano. A inflação elevada (5,7% em 2012) põe limites à depreciação cambial. Os fundamentos da economia brasileira demandam uma apreciação cambial, na ausência de poupança doméstica que substitua a externa. Uma depreciação excessiva pode levar a uma inflação corretiva, para alinhar o câmbio real.

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