domingo, janeiro 27, 2013

Aperte o cinto, os modelos sumiram - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 27/01


A persistência da crise e a falta de propostas alternativas criam um vazio político incômodo a muitos


DAVOS - Sexta-feira de manhã, Tony Blair, ex-premiê britânico, sai do Centro de Congressos, o QG dos encontros anuais do Fórum Econômico Mundial, um dos maiores convescotes do planeta.

Está absolutamente sozinho, sem guarda-costas, sem aspones, sem jornalistas a aporrinhá-lo. A solidão de Blair talvez seja uma metáfora para o espírito de Davos-2013: os modelos ou sumiram ou perderam o brilho.

Blair foi o executor de uma Terceira Via, apontada como modelo intermediário entre o liberalismo puro e duro e as tendências estatizantes da social-democracia convencional.

De encontros da Terceira Via participaram Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

Hoje, tanto como Blair, a Terceira Via é uma via morta. Nem há uma segunda nem uma quarta. Mesmo a primeira e única via -o capitalismo, hegemônico no planeta há 20 anos- já não exibe o triunfalismo dos anos pré-crise de 2008.

Um editorial do "Guardian" alusivo a Davos-2013 chega a classificar o encontro como "o clube dos fracassados". Mas faz questão de dizer que não se deve confundir "fracassados" com "perdedores".

Os executivos de Davos surfam comodamente na crise global: "Como demonstra o economista Emmanuel Saez, de Berkeley, o 1% mais rico dos americanos viu sua renda crescer 11,6% em 2010, enquanto a dos restantes 99% subiu apenas 0,2%", diz o jornal.

O problema é que exibir opulência se tornou incômodo, diante da crise. O próprio Fórum na pesquisa sobre Riscos Globais, lançada às vésperas do encontro-2013, coloca "a severa disparidade de renda" como um dois maiores riscos planetários, ao lado da "insustentável dívida pública".

Desigualdade era tema da esquerda, não dos executivos (a não ser da boca para fora).

Ocorre que, se a esquerda não conseguiu até agora sair dos escombros do Muro de Berlim, a direita ainda não sacudiu a poeira do Lehman Brothers, o banco cuja quebra, em 2008, foi a detonadora da maior crise do capitalismo, desde o colapso de 1929.

É um insulto ao capitalismo, por exemplo, que um de seus maiores símbolos, o automóvel, esteja conhecendo retrocessos históricos mesmo em países que o cultivam com lascívia, como a Itália: no ano passado, foram licenciados apenas 1,4 milhão de unidades, nível igual ao de 1979, quando o Muro de Berlim ainda estava inteiro.

Nem é o caso de repetir os dados avassaladores sobre desemprego, especialmente dos jovens.

Tampouco é o caso de tomar a China como modelo alternativo. Capitalismo de partido único, com forte intervenção estatal, pode até funcionar durante um certo tempo, maior ou menor conforme as circunstâncias.

Mas se há algo que se firmou no planeta nos últimos 20 anos, pouco mais ou menos, foi o apego às liberdades públicas.

Até o governante de um país que não tem bom histórico nessa matéria, o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev, diz que, "com a internet em toda parte, não se pode silenciar nenhuma notícia".

Só falta agora romper o silêncio sobre vias alternativas, se é que são necessárias.

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