sábado, janeiro 05, 2013

A previsão do passado - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 05/01


Cabe a nós, o povo, insistir na compatibilização da escrita constitucional com a realidade nacional


Grande exemplo histórico da previsão errada, no passado, foi a de Napoleão Bonaparte, ao invadir a Rússia dos czares. Acreditou que obrigaria a monarquia russa a se render, assim que conquistasse Moscou. Não conquistou. A desastrada profecia otimista parecia aceitável, em começos do século 19.

Mais incompetente foi Adolf Hitler. Quase na metade do século 20, pretendeu dar realidade ao sonho de Bonaparte. Seu fracasso foi pior que o francês. Também desconsiderou o inimigo insuperável: o "general" inverno.

Se tomarmos o passado como base de previsões novas, precisa-mos saber que os enganadores do povo dispõem de novos instrumentos. Por isso, o primeiro cuidado a adotar está em defender, em debate livre, as soluções democráticas, para garantia da adesão voluntária.

Contraponto do parágrafo precedente será a composição heterogênea do povo brasileiro, no nível ainda alto do analfabetismo, nas distâncias significativas entre as duas primeiras linhas da sociedade e as outras. Compreendem os mais ricos ou de maior preparo cultural e o elevado percentual numéricos das demais categorias.

A derrocada argentina no combate sobre as Malvinas é mostra recente da imprudência dos falsos profetas, comuns em pretensas lideranças "milagrosas".

A contar de tais exemplos, podemos tentar prever o futuro do Brasil, na difusão de seus fundamentos essenciais, desde o art. 1º da Carta (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana), sem descuidar dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, do pluralismo político. Temos de dar conteúdo real ao art. 2º da Constituição. Ali se lê, quanto aos poderes da União, da independência de uns frente aos outros; da harmonia, que deveria ser imperativa entre eles. É o que está escrito na Carta.

Nós, porém, sabemos que se trata de uma impropriedade do texto, pois regra da harmonia substancial não se mostra na realidade da República, dos Estados e municípios.

Cabe a nós, o povo, insistir na compatibilização da escrita constitucional com a realidade nacional. Possibilitará, ainda que a prazo, a instalação de mecanismo sério, dos direitos vigentes na relação entre níveis de governo.

Os elementos complementares da previsão programática já estiveram presentes na coluna. Convém reiterá-los, junto com os direitos e garantias fundamentais, bem como os deveres individuais e coletivos que lhes correspondem, no equilíbrio do seu exercício extensivo a todos e a cada um de seus habitantes. Programa essencial para tal fim -insistentemente afirmada no passado- é a extensão desses valores, acoplados aos deveres consequentes.

O passo inicial consiste em lutar pela igualdade de todos perante a lei, precedida pela obviedade de que, assim como a segurança e a garantia da propriedade, não é definitiva no Brasil de hoje.

Superar obstáculos e transformar a previsão sonhada em realidade exigem, em primeiro lugar, que cada ser vivente do país saiba de seu direito. Que se entusiasme com a defesa. Que o reclame como valor jurídico e não como favor do poderoso.

Cada desigualdade que for eliminada será um passo para melhor. A luta será digna, ainda que ultrapasse o espaço de uma vida, ante o relevo da obra. Parece quixotesca, mas vale a pena.

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