quarta-feira, janeiro 16, 2013
A largada que ninguém viu - ROSÂNGELA BITTAR
Valor Econômico - 16/01
Nos momentos finais do ano passado o governo reiterou que as mudanças na sua organização para enfrentar os problemas que se acumularam nos dois primeiros anos de gestão, fazer um eficiente terceiro ano e preparar a campanha da reeleição começariam após a eleição da nova direção do Poder Legislativo, em fevereiro. Os fatos não seguiram as previsões e as transformações estão ocorrendo neste momento.
A melhor percebida é a nova atitude da presidente Dilma Rousseff. Ela assumiu a coordenação política, administrativa e o comando da economia do seu governo. Com o vice-presidente e presidente de honra do PMDB, Michel Temer, faz a articulação com o Congresso. Convoca técnicos e autoridades da gestão para debater problemas que são verdadeiras "bombas" de neve, como o dos apagões de energia. E, com os empresários, recebidos um a um, e não mais em grupos de 30, trata do que considera crucial na economia, hoje: os investimentos privados. Tenta convencê-los que o governo, apesar do bombardeio de críticas à equipe econômica, é crível.
Desde que voltou das férias de fim de ano, Dilma vem marcando audiências para os mais importantes empresários do país. Na quinta-feira reuniu-se com Rubens Ometto, da Cosan, Murilo Ferreira, da Vale, Marcelo Odebrecht, da Odebrecht. No dia seguinte, esteve com Luiz Trabuco, do Bradesco, Rodolpho Tourinho Neto, do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon) e ex-ministro de Minas e Energia entre 1999 e 2001, e Bruno Lafont, do Grupo Lafarge, da área de cimento.
Tête-à-tête com empresários já é mudança radical
Hoje estarão na sua agenda os empresários Eike Batista e Jorge Gerdau. Amanhã, Antonio Portela Álvarez, do Isolux Corsán. Por que a presidente tem feito reuniões com cada um, em separado? Porque pediram. Não querem mais ser recebidos em manada, pretendem falar as coisas sem testemunhas, com franqueza, inclusive sem a presença de ministros.
Com eles, a presidente exerce também um papel de ministra da Economia, além do seu próprio. Há uma agenda não escrita do governo para este ano e é para ela que Dilma quer atraí-los. A concessão das rodovias em abril, o leilão de petróleo em maio, depois as iniciativas para ferrovias em junho, o leilão do trem-bala em agosto, os editais dos aeroportos em setembro. Os empresários terão que dizer se querem, como querem, com que interesse enfrentarão as ofertas. Não se chega a exigir uma definição de investimentos, mas especula-se à vontade.
A presidente sabe que sua equipe econômica está desgastada, é alvo de críticas agora até dos economistas mais próximos, um deles verdadeiro conselheiro-mor dos governos Lula e Dilma, o ex-ministro Delfim Neto. Por isso está se apresentando pessoalmente a estas conversas mesmo que eventuais trocas de ministros fiquem realmente para depois.
Em artigo publicado ontem no Valor, Delfim usou adjetivos fortes para se referir ao expediente usado pelo Tesouro Nacional para fazer um superavit forçado no fim do ano. Qualificou a "contabilidade criativa" e seus feiticeiros como "deplorável", "alquimia", "truques contábeis", "esperteza", "quebra de seriedade", "custo devastador", "gases venenosos".
Há quem afirme que suas críticas se dirigem só ao secretário do Tesouro, Arno Augustin, hoje ministro interino da Fazenda - o titular está em férias. Não importa. Embora artífice, Augustin não leva sozinho o ônus, Mantega, inclusive, assumiu a condução da manobra e a justificou plenamente.
O recado de Delfim desgastou publicamente um integrante do grupo dos cinco homens fortes de segundo escalão que atuam como braços da presidente, o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Em alguma medida, o petardo atinge um dos economistas prediletos da presidente Dilma, também do grupo dos cinco: Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Nos debates internos do governo, Barbosa é o principal defensor da redução do superávit primário e do aumento do gasto público como ferramenta para estimular o crescimento da economia, o que a manobra radical do ano passado teria em vista.
Até onde as informações já circularam neste início de ano, o núcleo duro da assessoria de Dilma está vulnerável não apenas nesse, mas em outros flancos. Deixou a Casa Civil da Presidência o superassessor Beto Vasconcelos, que fazia dobradinha com Arno nas reuniões que discutiram os editais de concessões, sendo ambos porta-vozes radicais do PT e irascíveis no trato com os empresários. Beto disse a amigos que está saindo para um projeto acadêmico, mas outros interlocutores atribuem seu afastamento à oportunidade de curar-se de um excessivo desgaste.
A coordenação da política econômica, exercida pessoalmente pela presidente, tem também a função de suprir as lacunas surgidas nessa instância de discussões em esfacelamento.
No grupo dos homens de ouro está Bernardo Figueiredo, presidente da EPL, a empresa de planejamento e logística, fortíssimo condutor da maioria dos processos de concessões. Alvejado por denúncias, na virada do ano, encolheu-se um pouco até passar a onda, e foi, do chamado grupo dos cinco, quem mais conseguiu se preservar até o momento. Pois em tempo recorde foi destruída a reputação de Luís Inácio Adams, o advogado-geral da União, mentor de todos os processos jurídicos do governo, candidato número um a uma indicação da presidente para vaga no Supremo Tribunal Federal, abatido por ligações com o número dois da AGU, José Weber Holanda, envolvido no escândalo de tráfico de influência no governo em associação com a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha.
Além desses acontecimentos não esperados, que estão se antecipando ao dia D das mudanças, há os velhos calcanhares que, esses sim, podem ficar para quando o carnaval passar. O caso do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, continua na agenda. Ele pode sair por razões de saúde, ou, como tem admitido, para preparar-se para disputar o governo do Maranhão - embora já tenha se recusado a sair para ser eleito presidente do Senado, mas há gosto para tudo. E as outras zonas de instabilidade de sempre que, ora diz-se que nelas a presidente vai mexer, ora que apenas vai sobrepor eficiência às tarefas atribuídas aos inoperantes históricos do governo. O estilo presidencial pode até atiçar um fogo brando, mas a fritura está na praça.
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