segunda-feira, novembro 19, 2012

Tudo em javanês - J. R. GUZZ0

REVISTA VEJA



O artigo 13 da Constituição em vigor determina que "a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil". É um mandamento de utilidade duvidosa, considerando-se que todo mundo sempre soube que aqui se fala o português — até 1988, aliás, o Brasil não tinha nenhum "idioma oficial" estabelecido em lei, e jamais se notou problema algum por causa disso durante os 500 anos anteriores. Tudo bem: numa Constituição que tem 250 artigos e mais uma prodigiosa quantidade de "incisos" — só o artigo 5o tem 78 —, umas palavras a mais ou a menos não vão machucar ninguém. Mas, já que nossa lei mais importante determina que o português é a língua oficial do país, obrigatória nos atos públicos, no ensino, nas placas de trânsito e assim por diante, imagina-se que ela deveria ser falada e escrita corretamente, ou pelo menos de maneira compreensível, por todos os que tenham a responsabilidade de resolver alguma coisa. Eis aqui, porém, mais uma questão na qual se faz, na vida prática, justamente o contrário do que a lei manda fazer.

O curioso é que esse tipo de postura comece justamente onde menos deveria começar — nas nossas altas cortes de Justiça. É o caso, como milhões de brasileiros estão sentindo justamente agora, e com direito a transmissão ao vivo, da linguagem utilizada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão. Nunca, em toda a sua história, o STF viveu um momento de maior prestígio. Nunca tantos brasileiros viram com os próprios olhos o tribunal em ação. Nunca ele foi tão aplaudido por mostrar-se independente, capaz de condenar gente poderosa na máquina do governo e provar que não se assusta com ameaças ao tomar suas decisões. Deveria ser uma oportunidade de ouro, assim, para a população entender como a Justiça pode de fato funcionar no Brasil. A chance foi desperdiçada. O STF realizou seu trabalho essencial, sem dúvida — mas os ministros fizeram tanta questão de falar "difícil" durante o julgamento que acabaram se tornando perfeitamente incompreensíveis para quem os via e ouvia.

Os dez ministros do STF sabem muito bem que três quartos da população brasileira não são capazes de entender direito o que leem — que esperança poderiam ter, então, de que alguém conseguisse entender o que estavam dizendo? Falou-se, no julgamento, em "vértice axiológico", "crivo probatório" e "exordial acusatória". Ouviram-se as palavras "subsunção", "vênia" e "colendo". Apareceu o verbo "infirmar". Em certo momento, um dos ministros falou em "egrégio sodalício". Que raio de língua seria essa? Latim não é, mesmo porque os ministros não sabem falar latim. Não é nenhum idioma estrangeiro que se conheça. Também não é português. Os sons lembram vagamente a língua falada no Brasil, e as palavras utilizadas estão nos dicionários do nosso idioma oficial. Mas, se nem o 1% mais instruído da população nacional entende algo desse patuá, o resultado prático é que o julgamento mais importante da história do STF acabou sendo feito numa linguagem desconhecida. Daria na mesma, no fundo, se tivessem falado em javanês — tanto que foi indispensável, para os meios de comunicação, armar uma espécie de serviço de tradução simultânea para as pessoas ficarem sabendo se o réu, afinal, estava sendo condenado ou absolvido.

O português tem cerca de 200.000 palavras — mais do que o suficiente, portanto, para Suas Excelências encontrarem termos de compreensão mais fácil. Decidiram fazer justo o contrário: não perderam uma única oportunidade de substituir toda e qualquer palavra clara por outra que ninguém entende. Para que isso? Uma sentença não fica mais justa porque é escrita nessa linguagem torturada. É óbvio que num congresso de física molecular, cirurgia neurológica ou prospecção de petróleo os participantes têm de usar termos técnicos em sua conversa; são até obrigados a isso, para trabalhar com eficiência. Juristas podem fazer exatamente o mesmo, nos seus encontros profissionais. Mas magistrados exercem uma função pública — e isso exige que falem para o público, e não apenas para si mesmos. Um dos mais antigos princípios do direito universal determina que ninguém pode alegar, em sua defesa, que desconhece a lei. Mas para conhecer a lei é indispensável que o cidadão entenda o que está escrito nela - e nossos juristas, com o seu linguajar, fazem o possível para tomá-la incompreensível. Imaginam, com isso, que estão exibindo sua sabedoria para o mundo. Estão apenas mostrando sua recusa, ou incapacidade, de se expressar no idioma oficial do país.

Obama, o Robin Hood canastrão - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA



O negro venceu de novo. E o mundo dos bonzinhos se tornou um pouco mais racista. A maioria das celebrações pela reeleição de Barack Obama nos Estados Unidos destaca o segundo mandato de um negro na Presidência do país. Os “progressistas” continuam exaltando Obama pela cor de sua pele. Isso é racismo. A burrice politicamente correta conseguiu criar mais uma pérola: os progressistas retrógrados.

Eles não enxergam bem por trás dos estereótipos. Se enxergassem, continuariam gostando do que veem. Por trás do estereótipo do presidente negro está o governante bondoso, em mais uma camada dos clichês que constituem Obama. E os politicamente corretos amam os clichês, que tornam o mundo mais simples e os liberam da desagradável tarefa de pensar. A modernidade é assim: esconda-se atrás de um bom slogan e será um virtuoso.

Existe uma turma boa levando vida de herói desse jeito doce. O consagrado economista e prêmio Nobel Paul Krugman gostou tanto de ser o anti-Bush que não largou mais a vida fácil de alertar o mundo contra a maldade dos republicanos, dos capitalistas selvagens, das elites poderosas.

Virou quase um José Dirceu de Princeton, um Luiz Inácio do New York Times. Nesse coro da bondade estão outros conhecidos acadêmicos providenciais, como o também Nobel Joseph Stiglitz, sempre tirando da manga uma declaração que faça o populismo esquerdista parecer profundo. Isso para não falar nos americanos que ganham a vida sendo antiamericanos, como o teórico Noam Chomsky, ou dos patrulheiros “éticos” de Hollywood, como Oliver Stone, que chegam a façanhas como tentar transformar Hugo Chávez em ídolo das Américas.

Obama é um produto desse lixão chique, desse aparato infernal de boas intenções exibicionistas e inconsequentes. E qual é a solução dessa esquerda festiva para os Estados Unidos (e também para a Europa)? Gastar dinheiro. Torrar a grana do Estado, que não é de ninguém. Almoço grátis para todos. Nem bem foi reeleito, o presidente democrata já avisou que aumentará os impostos “dos ricos”. Como é hipócrita, a esquerda. Lá vai ela de novo enfiar a mão no bolso de quem produz, de quem poupa, de quem investe. E para quê? Para alimentar a insaciável máquina da burocracia estatal, que promete um bem-estar social inviável e produz basicamente o bem-estar dela mesma - e da consciência rasa dos “progressistas”.

O mundo, pelo visto, vai à falência com o sono tranquilo e um sorriso nos lábios. O golpe demagógico dos populistas é um sucesso. Por onde passa, Obama faz seu discurso vazio, repleto de clichês de humanismo, mero pretexto para suas caras e bocas ensaiadas com marqueteiros “modernos”. Um completo canastrão, sem ideias nem liderança, aclamado não pelo que diz, mas pelo que parece. O público não ouve uma palavra, só vê o estereótipo do símbolo social, do redentor negro. Obama é prêmio Nobel da Paz. Nem é preciso dizer mais nada.

Fez estrondoso sucesso um vídeo de Obama enxugando as lágrimas durante a campanha. Reeleito, qual foi sua primeira declaração? “Eu amo a Michelle.” Os brasileiros sabem bem o que é isso, com seu culto inesgotável ao filho do Brasil e à mãe do PAC, ou da pátria, ou sabe-se-lá-de-quem. Depois do melodrama, Obama veio com a parte séria, anunciando a medida que provém da única vocação concreta dos populistas: tomar dinheiro da iniciativa privada. Bondosos do mundo inteiro aplaudem, sem entender por que os países ricos estão cada vez mais perto da bancarrota.

Enquanto isso, no Brasil, o desorientado ministro da Fazenda, que já inventou até uma equação ligando o PAC ao PIB (nem Paul Krugman engoliria essa), admite ao país: o governo não cumprirá a meta fiscal em 2012. Como se sabe, Guido Mantega é um ministro de oposição, que critica as mal-dades do Banco Central e dá presentinhos com o IPI dos carros e das geladeiras. Desta vez, não deu para discordar das raposas monetárias: o superavit primário - que segura a estabilidade econômica - já era.

Nem tudo está perdido. Se os bonzinhos começarem a admitir que gastam o dinheiro que não têm, das duas uma: ou os povos vão à falência muito bem informados ou finalmente param de votar nesses Robin Hoods de circo.

Presídio - assunto do dia - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 19/11


O assunto do dia refere-se aos presídios, depois que o ilustre ministro da Justiça declarou que preferiria a morte a, se condenado, ter de cumprir pena em uma das nossas cadeias. A declaração, em termos absolutos, foi pública e solene. Era natural que repercutisse como nenhuma outra que tenha sido feita pelo mesmo ao longo de quase dois anos; sua declaração foi objetiva e não podia deixar de ressoar no estrangeiro; mas ainda estava por acontecer alguma coisa mais chocante: para trazer os "presídios medievais" aos tempos de hoje, a lei orçamentária vigente consigna ao Ministério competente R$ 312,4 milhões, dos quais foram gastos apenas R$ 63,5 milhões, deixando no desvio, por conseguinte, nada menos do que R$ 258 milhões. E agora, José? Mais de R$ 250 milhões deixados sem aplicar em presídios enquanto estes permanecem em condições "medievais". Muitas coisas poderia dizer a respeito desse quadro inacreditável, mas prefiro ficar na simples enunciação dos fatos, uma vez que ela fala por si mesma e tanto estigmatiza a autoridade relapsa quanto o governo leniente. Como foi divulgado, com a verba deixada a mofar poderiam ser construídas oito prisões que não seriam "medievais", sem falar na adequação física das penitenciárias, na liberdade vigiada por monitoramento eletrônico e na construção de novos estabelecimentos penais nos Estados, quando todos, menos o Piauí, têm excesso de presos e falta de vagas. Enfim, estamos em uma situação que se diria esquizofrênica.
Passando das instalações materiais ao funcionamento das prisões, não ignoro suas deficiências, a começar pelo elemento humano, dado que a população carcerária carrega consigo uma condenação e cada um de seus componentes tem a sua queixa e sua revolta; também não é fácil selecionar os funcionários que devem atuar dia e noite em todos os variados setores de uma prisão; a própria proximidade entre as duas comunidades, a despeito das grades que as separam, não impede uma ou outra situação indesejável; por fim, os governantes também têm sua quota de responsabilidade, uma vez que fazer uma prisão, por melhor que seja, não consagra um administrador, ao passo que erguer um hospital, escola, estádio esportivo, ou mero chafariz na praça, será mais lembrado do que uma prisão ainda que pós-medieval.
A propósito, na presidência Sarney, seu ministro da Justiça, depois de sumário levantamento acerca da situa-ção carcerária de cada Estado, levou ao presidente plano modesto, dadas as condições difíceis do erário, que consistia em fazer um presídio em cada Estado, e em cada Estado foi feito um; era pouco? Sem dúvida, era o mínimo, mas o possível, e devia ser o primeiro passo. Parece que o plano não teve continuidade, pois, caso contrário, passado um quarto de século, a situação carcerária evidentemente teria de ser outra. Se ao longo desse período se prosseguisse a construção, ano a ano, de um presídio em cada Estado, hoje sobrariam vagas; se a construção fosse de um estabelecimento por Estado, durante o perío- do de cada quadriênio governamental, seriam seis.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 19/11

Compra isenta de imposto de brasileiros no exterior cai
Com a redução no ritmo das compras dos brasileiros no exterior, que cresceram menos de 1% nos nove primeiros meses do ano, as aquisições isentas de impostos registraram queda.

De acordo com dados da Global Blue, companhia especializada em serviços financeiros para turistas, a retração foi de cerca de 4,5%.

Em 2011, as compras dos brasileiros isentas de impostos haviam crescido 26%, ante o ano anterior.

A baixa nos gastos fez com que o Brasil passasse do sexto para o sétimo lugar entre os países que mais pedem reembolso, de acordo com Simon O'Connell, analista da Global Blue.

"O país teve um forte crescimento por vários anos, até 2012, quando houve uma ligeira queda."

O Brasil foi o único, entre os dez principais mercados da empresa, que reduziu o volume de compras neste ano.

Na outra ponta, apareceram China e Rússia, que alavancaram o crescimento da Global Blue. Neste ano, a companhia espera registrar expansão de 28%.

Itália, Portugal, Espanha e Reino Unido são os destinos de compra preferidos pelos brasileiros na Europa, de acordo com levantamento da companhia.

A Espanha é o único país no qual o Brasil aparece na lista dos cinco principais consumidores. O ranking é encabeçado por Rússia, China e Japão. Os brasileiros são responsáveis por 4% das compras.

Frase
"O país registrou um forte crescimento [nas compras com isenção de taxas] por vários anos, até 2012, quando houve uma ligeira queda"

SIMON O' CONELL
analista da Global Blue

Consumo liberado
"Tem crescido a venda de artigos de moda e acessórios de grifes de luxo nas nossas lojas nos aeroportos", diz José Carlos Rosa, diretor-geral da Dufry no Brasil, que afirma não poder divulgar números sobre a operação das unidades "free shopping".

"Segue a tendência no mundo, embora vestuário e acessórios ainda não estejam no topo das vendas." Os mais vendidos, aqui e no exterior, ainda são perfumaria e cosméticos. As vendas no país estão "mais ou menos como em 2011. A economia reduz a cadência do crescimento".

O brasileiro compra mais na chegada do que na saída, diferentemente do que ocorre em outros países, diz.

"No embarque, é para uso próprio ou presentear estrangeiros, como cachaça." O fundo americano Advent é o principal acionista da empresa.

CAMA, MESA, BANHO E SALA
A Trussardi iniciará sua expansão por franquias com a abertura de uma loja em Ribeirão Preto, prevista para as últimas semanas de dezembro. Em três anos, a meta é inaugurar mais 20.

A empresa pretende também ampliar seu modelo "loja dentro de loja", que usa mobiliário e comunicação de marca padronizados para sofisticar o atendimento que é feito aos clientes em multimarcas, segundo Mauro Preti, diretor-geral da Trussardi.

"Serão 40 destes espaços no Brasil até 2016", diz.

Ao longo das inaugurações, a oferta de produtos vai crescer. "A marca estava concentrada em cama e banho. Vamos para toda a casa, com produtos como vasos, bandejas e velas."

FOCO NAS TROVOADAS
Sergio Chaia deixa a presidência da Nextel Brasil e lança um livro no dia 28 sobre a sua experiência à frente da operadora.

A coluna apurou que a saída já vinha sendo discutida nos últimos meses entre a matriz e o executivo. A NII deve anunciar hoje o desligamento de Chaia, que ainda não definiu seu próximo passo profissional.

Ao assumir a companhia, há quase seis anos, a empresa era uma operadora de rádio de nicho, com cerca de 1 milhão de usuários. Hoje tem 7.000 funcionários, 4,2 milhões de clientes e está entrando no 3G.

Lições de "como ter um estilo de liderança mais humano, sem abrir mão de resultado" entraram em "Será que é possível?", segundo ele.

"Acredito que seja possível harmonizar a vida corporativa, a pessoal e a espiritual", disse ele à coluna.

"Foco mais nas trovoadas do que no sol. É bom pensar se estamos sendo os líderes que gostaríamos de ser e se lideramos a nossa própria vida", afirmou.

A obra tem dicas como "terceirizar fraquezas". "Sou péssimo em detalhes. Então, tenho de ter no time um tarado por detalhe."

O livro é uma compensação às duras decisões que um CEO tem de tomar? "Não é compensatório, é integrador. Quando tenho de demitir, o que é sempre doloroso, analiso como gostaria que fizessem comigo."

Escritório... 
O mercado de escritórios corporativos em Brasília está com oferta baixa de edifícios classe A, segundo a CB Richard Ellis. A cidade possui apenas cerca de 300 mil m² de prédios desse nível e a vacância está abaixo de 10%, de acordo com a consultoria.

...em Brasília 
Até o final do ano, no entanto, a cidade deve receber mais 100 mil m². Dos edifícios comerciais da capital do país, 54% são ocupados pelo governo. Pouco mais de 50% possuem ar condicionado central. Hoje, há 16 edifícios corporativos em oferta em Brasília.

Pouco, mas melhor que nada - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 19/11


É justa a estupefação diante da notícia de que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) passou a exigir que os provedores de internet no Brasil forneçam uma velocidade instantânea mínima de 20% do que foi contratado pelo usuário para o serviço de banda larga fixa ao longo do dia. Ora, então essas empresas não são obrigadas, como quaisquer outras, a entregar exatamente o que vendem? Em países desenvolvidos, a velocidade instantânea (isto é, aquela que é medida em qualquer momento) aproxima-se da taxa contratada. Nos EUA, por exemplo, os provedores oferecem 96% da velocidade prevista em contrato, mesmo no horário de pico. No Brasil, esse índice mal chega a 10%, embora o cliente tenha de pagar 100% da conta. Em vista disso, as metas estabelecidas pela Anatel são pífias, mas espera-se que sejam um mecanismo para impor transparência ao setor de internet.

A pressão dos órgãos oficiais sobre os provedores costuma ser eficaz, como prova o exemplo dos EUA. A Federal Communications Commission (FCC), que regula telecomunicações no país, age com rigor para obrigar as empresas a cumprirem o que está no contrato. Um caso relevante é o da Cablevision, que em 2011 entregava somente 54% da velocidade contratada no horário de pico e, neste ano, passou a fornecer 120%. A velocidade fornecida por todos os provedores americanos subiu em média dez pontos porcentuais em um ano. Já no caso brasileiro, até que entrassem em vigor as novas regras da Anatel, não havia exigências claras e abrangentes de qualidade para o serviço, salvo o previsto no artigo 54 do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia - que prevê apenas o ressarcimento ao assinante "em caso de interrupção ou degradação da qualidade do serviço".

Antes da decisão da Anatel sobre os 20% os contratos de internet no Brasil previam o fornecimento de ao menos 10% do acertado com o cliente. Esse tipo de acordo é comum na Europa, sede de diversas empresas que atuam no País, mas lá o patamar mínimo assegurado em contrato diz respeito a casos excepcionais, em que o fornecimento é comprometido graças a problemas técnicos na rede. Já no Brasil o patamar mínimo não é a exceção, mas a regra, porque os provedores sabem que, no horário de pico, sempre haverá degradação de sinal e de velocidade, graças ao excesso de usuários no mesmo tronco de acesso à internet - ou seja: as empresas venderam mais acessos do que sua capacidade permitia. Agora, elas terão de fazer melhorias na arquitetura de rede para elevar o patamar básico de velocidade. Mantida a praxe, porém, é lícito supor que os provedores passem a considerar o mínimo de 20% como seu novo teto informal, razão pela qual a Anatel e os clientes deverão ser mais vigilantes.

O instrumento para fiscalizar os provedores será um equipamento instalado nas conexões de internautas voluntários, o que já foi feito em 11 Estados. A Anatel vai divulgar os resultados mensalmente, a partir de dezembro. Outra forma de medir a velocidade da conexão é uma ferramenta online fornecida pela própria Anatel. Além disso, as operadoras são obrigadas pela Anatel a oferecer, em seus sites, um programa para que seus clientes possam fazer a medição. No caso da banda larga móvel (para notebooks, tablets e celulares), a aferição começará a ser feita em primeiro lugar no Estado do Rio de Janeiro, estendendo-se paulatinamente a todo o Brasil até 2013. Também nesse caso, além de equipamentos específicos, haverá ferramentas online.

A determinação da Anatel é um passo relevante para remover os provedores de internet da atitude despreocupada que sempre mantiveram e obrigá-los a investir mais no aperfeiçoamento dos serviços, sob pena de perder contratos. É verdade que as metas poderiam ser mais ousadas - até 2014, a velocidade mínima instantânea deve atingir 40%, e a velocidade média tem de chegar a 80%. Mas é importante que os consumidores tenham conquistado instrumentos técnicos e legais para exigir das empresas algo um pouco menos distante daquilo pelo que pagam.

ESCALA MUNDIAL - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 19/11

A cada 9 minutos e 48 segundos uma pessoa é assassinada no Brasil. É o "cronômetro" mais acelerado entre os dez países de maior PIB do mundo. Nos EUA é registrada uma morte a cada 34 minutos; no Japão, uma a cada 813 minutos e no Canadá, uma a cada 861 minutos.

ESCALADA

O ranking foi feito pelo IAB (Instituto Avante Brasil), dirigido pelo jurista Luiz Flávio Gomes, com base em dados do Ministério da Saúde e da ONU. O Brasil, que ocupa a 20ª posição no ranking mundial da violência, deve fechar o ano com 53,8 mil homicídios, de acordo com projeção do instituto. Ou 27 por grupo de 100 mil habitantes.

ESCALADA 2

Nos números das dez maiores economias do mundo projetados e compilados pelo IAB, a Rússia, que aparece na 67ª posição mundial de violência, registra 11 homicídios por grupo de 100 mil habitantes.

AINDA PIOR

E a cada 11 minutos e 21 segundos uma morte é registrada no trânsito brasileiro.

DOIS EM UM

Joaquim Barbosa, que assumirá a presidência do Supremo na quinta-feira, consultou Celso de Mello, o decano da corte, para que ele assumisse o comando das sessões do mensalão. Mello declinou. Argumentou que vários presidentes do tribunal acumularam funções de presidente e de relator de um processo ao mesmo tempo.

NA CRACOLÂNDIA

A futura primeira-dama da capital paulista, Ana Estela Haddad, visitou alguns centros de atendimento a idosos e usuários de drogas na sexta-feira, a convite da vice-prefeita Alda Marco Antonio (PSD-SP). Estiveram na Tenda Mauá, no Complexo Prates e na Morada São João.

TERRINHA À VISTA

Em viagem oficial a Portugal, a ministra da Cultura, Marta Suplicy (PT), almoçou na última sexta com o secretário de Estado da Cultura português, Jorge Barreto Xavier. Na pauta, coproduções de filmes, direitos autorais e economia criativa.

NETA DE FRANCISCO
Wanessa, filha de Zezé Di Camargo, gravou seu novo DVD no fim da semana, no HSBC Brasil. Preta Gil cantou uma música com ela. Na plateia, o cantor Leo Maia e a atriz Thammy Miranda, filha de Gretchen.

VIVER É MELHOR QUE SONHAR

Pedro Neschling dirige e atua no espetáculo que escreveu, "Como Nossos Pais". A peça, que tem no elenco Vitória Frate, entre outros, estreou no teatro Sesi Vila Leopoldina.

ALTO-FALANTE

A voz de Fernanda Torres lendo um texto sobre o parque do Xingu e os irmãos Villas Bôas aparecerá no final da minissérie "Xingu", a ser exibida entre 25 e 28 de dezembro na Globo. A atração é a versão televisiva do longa de mesmo nome, dirigido por Cao Hamburger, e terá cenas inéditas.

ABRAM AS CORTINAS

Com o fim da novela "Avenida Brasil", na qual interpretou o vilão Santiago, Juca de Oliveira, 77, já tem novos planos de trabalho. Está escalado para um outro folhetim e voltará aos palcos. "Vou fazer um monólogo do Geraldinho Carneiro, uma adaptação de 'Rei Lear', de Shakespeare", diz o ator.

MULTIMARCAS

Fause Haten diz que continua palpitando em suas coleções. Tudo multimídia. "Dou ideias e vejo as peças por Skype quando não estou em São Paulo. Supervisiono. O Renato [Paiutto] é o estilista mesmo." Depois de cantar no desfile da marca que leva o seu nome, ele lança CD e faz figurino da peça "Alô, Dolly".

CLOSET COM UM CLIQUE

As sócias Rosana Sperandeo, Isabel Humberg e Mariana Medeiros criaram há cinco anos a loja virtual de roupas OQVestir. O site foi o único brasileiro do segmento indicado ao prêmio Fashion Global Awards da WGSN neste ano.

CURTO-CIRCUITO

O Lide Futuro promove o evento "Like - The Future", na quinta, às 19h, na Villa Bisutti, na Vila Olímpia.

O DJ Thiago Mansur toca em Washington, na quarta, no clube Opera House, e em Miami, na sexta, no SET Club. Dia 24, assume como residente na balada Lavo de Nova York.

A Riachuelo inaugura na quarta, às 20h, exposição com fotos de Ayrton Senna feitas por Keith Sutton, na galeria Tripolli.

A produtora Cine, de Raul Doria, inaugurou escritório em Recife (PE).

Gestão mais eficiente - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 19/11


Levantamento periódico da Confederação Nacional dos Transportes avalia o estado das estradas brasileiras, classificando-as de ruins a ótimas. A avaliação considera não apenas a pavimentação e a sinalização, mas se o traçado oferece condições adequadas de segurança para os usuários. Dos quase 96 mil quilômetros de rodovias avaliados, 15.400 estão sob concessão e 80.300 permanecem sob gestão pública. Nas rodovias sob concessão, pelo critério da CNT, 86,7% se mantêm nos conceitos bom e ótimo; nas que estão sob gestão pública o percentual não passa de 27,8%. São Paulo, que tem suas principais estradas sob concessão, chega a apresentar quase 50% das rodovias no conceito ótimo. Rio de Janeiro vem a seguir, com 20,6%, e, em terceiro, o Paraná, com 18%.

Em péssimas condições estão as principais estradas do Acre (38%), Roraima (25,5%) e Amazonas (22,5%).

Os números falam por si. Nas estradas sob concessão, os usuários pagam pedágio, mas têm como retorno, na maior parte dos casos, uma substancial melhora na qualidade das rodovias. Os concessionários precisam cumprir contratos, fiscalizados por agências reguladoras com poder para puni-los no caso de desrespeito às cláusulas acordadas. É claro que nem todas as rodovias têm um movimento em trechos longos que possibilite a cobrança de pedágio suficiente para custear as obras necessárias de modernização, ampliação e manutenção, e ainda remunerar o gestor. Como não é fácil fixar valores, as concessões devem ser submetidas a leilões, disputados entre interessados devidamente habilitados e capacitados a essa tarefa.

A experiência acumulada nessa atividade já permite que os interessados façam suas projeções com mais segurança (e mesmo assim a autoridade governamental poderá compará-las com seus parâmetros de referência). O governo federal hoje reconhece a importância deste modelo para melhorar a infraestrutura de transportes no país. Não foi assim no primeiro mandato do governo Lula - pois a "privatização" era apontada como vilã -, mas a realidade dos fatos acabou prevalecendo, felizmente.

Algumas mudanças no modelo original ocorreram, nem sempre com bons resultados. Ao retomar o programa de concessões, e na tentativa, um tanto demagógica, de se diferenciar de seu antecessor, o governo Lula preferiu privilegiar mais o valor do pedágio do que a realização de obras de recuperação, ampliação e modernização.

De fato, a competição entre consórcios capacitados deveria ser estimulada para que o usuário das rodovias sob concessão pague o valor mais adequado para os serviços. Por outro lado, os compromissos dos concessionários devem ser bem definidos, para desestimular candidatos que oferecem tarifas irrealistas no leilão sabendo de antemão que terão que renegociá-las para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, alegando o surgimento de fatores imprevistos.

Crescer não é fácil - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Valor Econômico - 19/11


A chamada da coluna de hoje tomei emprestada do livro escrito por meu irmão, Jose Roberto, e publicado recentemente pela Editora Campus. Nele estão presentes alguns dos artigos escritos por ele sobre o crescimento econômico no Brasil. José Roberto é um observador qualificado das coisas da economia no Brasil e o título de seu livro é bastante atual nestes anos de Dilma Rousseff.

Estamos chegando ao fim de 2012 sem que os analistas consigam ter uma visão clara do crescimento nos próximos doze meses. Os mais otimistas falam em algo entre 4 a 4,5%; os mais pessimistas não acreditam em um crescimento muito acima de 3%. Eu, que me colocava no primeiro grupo, estou agora em dúvida e, se pressionado, falaria em 3,5%, no máximo. Minhas incertezas sobre o ritmo do crescimento da economia brasileira estão centradas em duas questões principais.

A primeira tem a ver com a onda de pessimismo que tomou conta das empresas nas principais economias de mercado do mundo e que levou a uma queda acentuada dos investimentos. Esse movimento aprofundou-se nos últimos meses com a questão do ajuste fiscal de mais de 4% do PIB já contratado para 2013 nos Estados Unidos. Sabemos que, quando o chamado espírito animal dos empresários entra na geladeira, a volta dos investimentos só ocorre muito tempo depois de superadas as fontes de insegurança. Se tudo der certo nas negociações políticas que serão comandadas pelo presidente Obama nas próximas semanas, somente no segundo e terceiro trimestre do ano próximo é que poderemos ter a normalização dos investimentos.

Será no front do investimento, privado, que a batalha pelo crescimento econômico terá lugar

E o Brasil entrou claramente para o clube das economias de mercado com seus empresários assustados com o futuro e pouco dispostos a grandes desembolsos para a compra de máquinas e equipamentos. Com isso, falar em 4,5% de crescimento do PIB para o ano fechado de 2013 me parece um pouco exagerado. No máximo poderemos ver esse nível de crescimento a partir do segundo semestre.

Mas existem outras questões internas, independente dessa verdadeira greve de investimentos que ocorre no mundo ocidental, e que também tem travado nosso crescimento. A primeira delas é representada por uma série de gargalos, no lado da oferta, e que vêm criando atritos cada vez mais graves no funcionamento de vários mercados importantes. Com isso, as respostas às medidas de estímulo ao consumo que formam o eixo principal da política econômica do governo Dilma - e que fizeram o sucesso dos anos Lula - estão sendo cada vez mais débeis. Os principais itens desse grupo de redutores do crescimento são: a taxa de desemprego muito baixa, principalmente nos segmentos de melhor formação profissional, gargalos na infraestrutura e que provocam custos crescentes de produção no Brasil e um endividamento dos consumidores que já chegou ao limite de sua renda disponível.

Para mostrar ao leitor do Valor como estão agindo esses limitadores de crescimento apresento o gráfico com a expansão do crédito ao consumo nos últimos anos. Até meados de 2011, tínhamos um crescimento anual real de 10%; depois dessa data ele está estagnado. Com isso uma das forças auxiliares importantes dos anos Lula deixou de agir sobre o consumo das famílias e, daqui para frente, seu crescimento vai estar relacionado diretamente com a renda real. Outra implicação importante desse fato é o aumento da dependência do consumo à estabilidade da inflação. Toda vez que houver uma aceleração não prevista na taxa de inflação - como ocorreu recentemente com o choque de preços agrícolas - a massa de salários perde valor real e o consumidor não consegue honrar seus compromissos financeiros. A inadimplência sobe e o consumidor e os bancos pisam no freio.

Essa diferença estrutural entre os anos Lula e agora não foi devidamente entendida pelos formuladores da política econômica do governo e ainda vai dar muita dor de cabeça à nossa presidenta. É preciso entender que nos próximos anos será no front do investimento, principalmente privado, que a batalha pelo crescimento econômico terá lugar. E para ter êxito nessa missão o governo vai precisar rever tanto sua agenda de ações como seu comportamento em relação ao setor privado.

No caso da política econômica o foco principal precisa ser mudado - como disse acima - para o lado da oferta de bens e serviços, com ações que melhorem as condições produtivas das empresas brasileiras, principalmente no setor industrial. No caso do comportamento do governo em relação ao setor privado será preciso mostrar mais respeito pela preservação de contratos e aceitação da legitimidade da busca de lucros nas atividades empresariais. Essas mudanças não parecem fáceis de acontecer dado o histórico dos primeiros dois anos do mandato da presidenta Dilma Rousseff.

Mas como diz meu irmão José Roberto, crescer não é fácil não.

Armistício fiscal - EVERARDO MACIEL

O Estado de S.Paulo - 19/11


A competição é inerente à condição humana. Quando exasperada, pode resultar em conflitos, que, no limite, se convertem em guerras, onde pontifica o recurso à violência, qualquer que seja sua forma, sem nenhum respeito às convenções legais.

Carl von Clausewitz (Da Guerra), renomado pensador austríaco, afirmou que "a paz é continuação da luta, mas por meios diferentes". Uma leitura dessa célebre frase permite entender que a competição subsiste, indistintamente, em tempos de guerra ou de paz. A pretensão de supremacia, inerente à guerra, cada vez mais assume novas feições, cuja sutileza mascara seu elevado potencial ofensivo. São as guerras econômicas, praticadas por Estados e corporações, mediante práticas fiscais, cambiais, comerciais, etc.

No contexto das guerras econômicas locais, a guerra fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e, em menor escala, a do Imposto sobre Serviços (ISS) assumem especial interesse.

A guerra do ISS está muito longe de uma solução. Por ora, o combate se opera por meio de medidas francamente inconstitucionais, patrocinadas por algumas prefeituras que exigem o cadastramento de prestadores de serviços localizados fora de sua jurisdição, com exigências rigorosamente absurdas e, não raro, de cumprimento impossível. A vítima, no momento, é o contribuinte, sem efeito algum sobre as entidades responsáveis pela guerra fiscal.

No campo do ICMS, a guerra fiscal assumiu proporções escandalosas com contornos multifacetados, que incluem a indústria, o porto e o comércio, abrangem todos os Estados e se expressam por meio de exóticos modelos de concessão.

A Lei Complementar n.º 24, de 1975, que atribuía ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) poderes para decidir sobre a concessão de favores fiscais, no âmbito do ICMS, tornou-se letra morta, sendo abertamente desobedecida, sobretudo porque suas sanções caducaram em virtude de legislações supervenientes posteriores.

O Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, firmou jurisprudência sobre a inconstitucionalidade da guerra fiscal, já se encontrando em tramitação súmula vinculante dispondo sobre a matéria, cuja aprovação terá efeitos devastadores sobre investimentos realizados com base em leis inconstitucionais.

Esses fatos levaram o Senado a criar uma comissão, integrada por especialistas, para apreciar a competição fiscal ilegal e outras questões relacionadas ao federalismo fiscal. Ao concluir seus trabalhos, a comissão apresentou anteprojetos de normas constitucionais e infraconstitucionais, com o objetivo de subsidiar a discussão da matéria no Congresso Nacional, sem a pretensão, todavia, de esgotar o tema.

Além da guerra fiscal, as propostas abrangeram a edição do Código do Federalismo Fiscal, a integração das administrações tributárias (cadastro único) e as mudanças nos critérios de rateio das transferências intergovernamentais (Fundo de Participação dos Estados - FPE; quota-parte municipal do ICMS; Fundo do IPI; royalties do petróleo) na repartição horizontal da renda (princípio do destino mitigado e comércio eletrônico interestadual) e nos gastos públicos estaduais e municipais (renegociação da dívida com a União e vedação de pisos nacionais de remuneração de servidores).

As propostas tiveram como pressupostos: apreciação conjunta, que propicie compensações cruzadas nos ganhos e nas perdas dos entes federativos; implementação gradual, para evitar repercussões abruptas nas finanças daqueles entes; e desconcentração horizontal das rendas públicas, privilegiando as entidades com menor capacidade fiscal.

É muito preocupante, entretanto, ver que se aproxima o final da sessão legislativa sem que haja uma deliberação sobre o rateio do FPE, especialmente quando se sabe que as novas regras deverão entrar em vigor no início de 2013, sob o risco de serem suspensas as transferências daquele Fundo, o que corresponderia à completa insolvência da maioria dos Estados brasileiros.

A decisão do Supremo foi tomada em fevereiro de 2010. Não há razão que explique a mora legislativa.

O Congresso aprovou novo disciplinamento, ainda pendente de sanção presidencial, dos royalties do petróleo. A nova regra aponta para uma distribuição de receitas, cuja soma alcança 101% (sic) dos recursos, não vincula as transferências a investimentos - sabendo-se que é temerário destinar receitas instáveis a despesas de custeio - e produz um colapso nas finanças dos atuais beneficiários.

Não se pode, além disso, aguardar a aprovação pelo STF da súmula vinculante relativa à guerra fiscal, porque os custos da solução, para todos, serão bem maiores que os atuais.

Tem de haver maior empenho do Congresso Nacional para enfrentar esses temas. De igual forma, o governo federal tem de abandonar sua atitude olímpica em relação à Federação, pois questões irresolutas findam sempre recaindo sobre os ombros da União.

O encaminhamento desses problemas exige disposição para o diálogo, com participação efetiva da União. Não se deve, aliás, esquecer de que uma guerra não se encerra com outra guerra e muito menos com incúria, mas com o armistício que precede a paz.

Feriados generosos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 19/11

Quase 2 milhões de veículos devem ter deixado São Paulo ao longo deste feriado ultraprolongado, segundo estimativas da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). São pelo menos 4 milhões de pessoas dispostas a aproveitar os seis dias seguidos de folga propiciados por um calendário permissivo.

Na capital paulista, soma-se ao feriado nacional da Proclamação da República (15 de novembro) o do Dia da Consciência Negra (20 de novembro), data comemorativa instituída em centenas de cidades. De quinta-feira até amanhã, muita gente não terá trabalhado.

A gazeta, aliás, foi muito facilitada neste ano. Apenas dois dos oito feriados nacionais caíram no fim de semana. O paulistano, por exemplo, poderá ter aproveitado nada menos que 16 dias úteis transformados oficialmente em descanso: seis feriados nacionais, dois municipais e um estadual, além de sete pontos facultativos.

Tantos dias parados têm seu preço. De acordo com cálculos do economista Gabriel Leal de Barros, da FGV do Rio de Janeiro, serão R$ 173 bilhões a menos para a economia do país em 2012. A cifra se aproxima de 4% do PIB nacional.

O prejuízo, na realidade, pode ser ainda maior, pois nessa conta não estão consideradas as "pontes", habituais quando o feriado ocorre na terça ou na quinta-feira -neste ano, serão ao todo quatro dessas ocasiões no Brasil.

O turismo interno, é verdade, ganha com essas oportunidades de viagem, mas o comércio e, sobretudo, a indústria se veem prejudicados. Para diminuir as perdas e evitar que as máquinas parem, muitas empresas até preferem pagar a mais para seus empregados trabalharem nos feriados.

Outros países, como China e Portugal, resolveram cortar o número de feriados nacionais. O Brasil deveria seguir o mesmo caminho e começar pela supressão de alguns pontos facultativos, que elevam a lista de "feriados" federais, na prática, de oito para 15.

Um segundo passo seria, como em alguns países, deslocar os feriados de terça e quinta-feira para segunda ou sexta. Em contrapartida, datas comemorativas que coincidissem com sábados e domingos poderiam ser transferidas para um dia útil, como nos EUA.

A vantagem, além de derrubar as "pontes", é que não haveria diferença, entre um ano e outro, no total de dias de labuta e de descanso -algo racional para a economia e benéfico para o trabalhador.

Mexer com feriados pode ser uma pauta impopular aos olhos de muitos, mas ajudaria o país a crescer mais.

O PSDB pode ter uma utopia? - RENATO JANINE RIBEIRO


Valor Econômico - 19/11


Daqui a menos de um mês, completará quinze anos o discurso mais ambicioso de Fernando Henrique Cardoso, em que ele disse que o mundo vivia "um novo Renascimento, um novo Humanismo". E que essa novidade, em vez de beneficiar só as elites, engendraria um cidadão globalizado, um cidadão do mundo. (Valeria a pena o Instituto FHC comemorar a data com um debate).

Dá então para dizer que o ex-presidente propôs uma utopia, mesmo sem usar esta palavra? O termo "utopia" nunca foi bem-visto nos círculos conservadores, para onde tem rumado o público do PSDB. E "utopia" em mesmo um sentido negativo, porque se ligou, sobretudo com o comunismo, a uma mudança imposta de cima para baixo. Um único princípio, a abolição da propriedade privada, serviu para mudar todos os aspectos da vida humana, inclusive a mais pessoal. Mesmo com boas intenções, o resultado foi lastimável. Daí que, hoje, muitos receiem mudanças radicais, planejadas, efetuadas a frio.

Mas há outro lado na palavra "utopia": quase tudo o que surgiu de bom nos dois últimos séculos foi, antes, concebido como utópico. Ou que nome dar aos malucos que defendiam a igualdade dos seres humanos, quando era dogma a desigualdade entre plebeus e nobres? Só um louco proporia para as mulheres os mesmos direitos dos homens; por defender isso, Olympe de Gouges foi guilhotinada. Ou alguém sensato acharia que negros, índios e não-ocidentais poderiam se igualar aos brancos? Não. Tudo o que é igualdade soava a delírio - a "utopia". O quase centenário Albert Hirschman, amigo por sinal de FHC, dedica um belo livro à "retórica reacionária", segundo a qual toda proposta de melhorar o mundo, na verdade, o piora. Pois é: se déssemos ouvidos aos anti-utopistas, nada faríamos para melhorar as coisas, porque todo esforço consciente nessa direção só as piora; só que, assim, não teria acabado a escravidão nem o colonialismo.

Tudo de bom nos últimos séculos nasceu como utopia

Em suma, nem toda utopia resulta em coisa que preste. Mas nada surge de bom que não tenha passado pela utopia.

É claro que o Renascimento - o dos séculos XV e XVI - não foi só a utopia. Foi também Maquiavel, com o advento da ciência política, o filósofo cujo "Príncipe" o ex-presidente prefaciou há dois anos. Mas o espírito do discurso de FHC está na ideia, não de um conhecimento cético e sem ilusões sobre o que o homem faz (a descoberta de Maquiavel), mas na proposta de um mundo justo e feliz (a invenção de Thomas More). Daí, a pergunta: podemos ter uma utopia tucana? Pode um partido que almeja mobilizar a sociedade, empolgar o poder, mudar o País, conseguir isso sem algum sonho, alguma utopia?

Em 2010, quando Fernando Henrique lançou seu livro "Relembrando o que Escrevi: da Reconquista da Democracia aos Desafios Globais", participei do debate de lançamento. Discutimos como um presidente "acidental", para usar a expressão dele próprio, conseguiu firmar sua autoridade e ser um dos chefes de Estado mais bem sucedidos de nossa história. Quando ele foi eleito, Conceição Tavares disse que certamente seria "enrolado" por Antonio Carlos Magalhães. Pois é, aconteceu o contrário... Agraciado pelo dedaço de Itamar Franco, tendo a seu favor basicamente a retórica, a persuasão, a capacidade de falar e articular, Fernando Henrique conseguiu alçar-se a um nível inigualado por seus companheiros de partido. Da fortuna, ou da sorte, fez virtude, ou competência pessoal. Mas, nos seus herdeiros de partido, sinto falta do elemento renascentista, da utopia, do projeto. Nesse debate de 2010, depois de se discutir o futuro da sociedade, um ex-colaborador seu que estava na plateia perguntou se não deveríamos rever os benefícios da Previdência para caberem no respectivo orçamento. Fiquei espantado, não porque a pergunta fosse errada, mas porque aparentemente o ex-ministro não tinha noção do que são fins, o que são meios. Os fins estão no projeto de sociedade que tenhamos. Os meios são as contas para chegar lá. Ele dava mais importância às contas.

O que pode estar na utopia tucana? Não é fortuito que Fernando e Ruth Cardoso fossem tão próximos de Manuel Castells, que teorizou os potenciais de conhecimento e transformação social da Internet. Não é fortuito que, nos últimos anos, revoluções tenham sido potencializadas pelas redes sociais. A difusão de conhecimento pela Web e, mais que isso, a produção de conhecimento novo se tornaram fatores essenciais no mundo que desponta. A globalização de que FHC fala é, mais que dos mercados, a da rede. Aí entra a educação, assunto sobre o qual pensadores tucanos ou próximos do PSDB se destacam no País. Considero que a prática do governo petista na educação - mais precisamente, a ênfase nos indicadores de avaliação - está mais perto da teoria tucana do que daquilo que dizem os próprios petistas. Há um vasto manancial de ideias à espera de uma política. Em seu favor, têm os educadores tucanos um senso da realidade e da relação custo-benefício que nem sempre vemos no PT; por exemplo, enfatizam o papel do ensino técnico e, sobretudo, pensam em como ter o maior rendimento possível pelo dinheiro investido. Embora qualquer governo, inclusive os petistas, tenha de procurar o máximo rendimento, o fato é que a doutrina petista não aprofunda essa direção. Resumindo, na educação, a prática do PT é melhor que a teoria dele (ou do que a prática tucana), enquanto a teoria peessedebista é superior à prática do seu partido. Quem souber desatar esse nó tem forte chance de ganhar a parada. E, como a educação é hoje a maior chave para a emancipação social, saber tratar dela pode ser um trunfo. Uma utopia, em suma, realizável, ainda que difícil.

O bonde 14- JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 19/11


Quando vejo, na TV, propaganda de caros aparelhos que fazem o corpo tremer, o traseiro rebolar e a banha derreter fico com a impressão de que chegamos a um modelo de sociedade em que vivemos sob a ilusão de que vamos para a frente ficando no mesmo lugar. O bonde já chacoalhava, com a vantagem de que ia pra frente, por muito menos: cinquenta centavos ou aquele passe amarelo da CMTC, que se podia comprar em cartela. Sacolejava-se à vontade. Ainda guardo um passe que sobrou do acervo de passes de minha mãe, esperando o bonde voltar. Vi o retorno do bonde em Roma, muito bom. Em Milão, senhoras de casaco de pele iam de bonde ao La Scala, para a ópera, quando lá estive. Em Amsterdã, o motorneiro parou o bonde bem na porta da casa em que ia me hospedar, para que desembarcasse e não me perdesse. A civilidade viajava de bonde.

Aqui, também. O bonde 14, em 1961, era um bonde aberto, dos antigos, que nem as jardineiras da roça. Subia a Consolação, entrava na Rua Maria Antônia e seguia adiante até o fim da Avenida Higienópolis. Naquele tempo, rico ainda tomava bonde e pobre também, acotovelando-se uns nos outros. Os automóveis mal começavam a separar de fato as classes sociais, isolando os ricos e a classe média.

O último bonde voltava para a cidade pouco depois das dez horas da noite, para passar na frente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), no número 289, na hora em que terminassem as aulas dos cursos noturnos. O motorneiro sempre se adiantava, com segundas intenções. Parava bem na porta da Faculdade, travava o veículo e o largava ali. Ia para o bar do seu Antonio, na esquina da Rua Dr. Vila Nova, tomar um cafezinho, à espera dos estudantes que saíam atrasados. Sobretudo os do professor João Cunha Andrade, comunista e poeta, que se estendia além do horário em suas aulas de História da Filosofia, bajulando Sócrates e desancando Platão. Não ouvia o sinal. Ou se fingia de surdo, empolgado com as idéias de gente tão antiga, ditas para gente tão moça.

Na Xavier de Toledo, perto do Theatro Municipal, desciam os últimos passageiros. Vários de nós ainda tinham uma caminhada pela frente, para pegar outros bondes e ônibus para os bairros e o subúrbio, nos Correios ou no Parque Dom Pedro. Ainda dava tempo para um último bate papo e uma xícara pequena de chocolate quente na antiga Leiteria Americana.

Por ali, era frequente encontrar Lívio Xavier, colaborador semanal do Suplemento Literário do Estadão, que morava na frente. Ou Henrique L. Alves, meu conhecido, tradutor de autores poloneses para o Clube do Livro, de Mário Graciotti, autor de livros sobre poetas negros como Cruz e Souza e Batista Cepelos. Na Leiteria terminava cedo a boemia literária dos passageiros de bondes. As ruas da capital paulista ainda tinham um cheiro caipira de batata doce assada.

Vivendo com o lixo - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 19/11


RIO DE JANEIRO - Há dez anos, dei-me conta de que o aparelho de fax em minha bancada de trabalho só estava servindo para ocupar espaço -suficiente para acomodar os quatro volumes do "Lello Universal", os três do "Webster's Dictionary" e os nove da "História da Literatura Ocidental", de Otto Maria Carpeaux. Sei disso porque foi o que botei no lugar quando me livrei do bicho.

Custei a perceber que há muito ninguém me mandava mensagens por fax nem eu para ninguém. Não havia motivo para conservar o objeto que, apesar de meio úmido de maresia, ainda funcionava bem. Assim, dei-o para minha faxineira, que o aceitou empolgada -até concluir que, também para ela, aquele aparelho já era inútil, derrotado pelo e-mail. Perguntei-lhe outro dia o que tinha feito com o fax. Não se lembrava.

É o que vivo me perguntando: para onde vão esses aparelhos depois que morrem? Com os eletrodomésticos, é diferente: antes de ir para o ferro-velho, um liquidificador pode atravessar gerações, mesmo que bata abacate, amendoim e gelo de hora em hora. Mas celulares, torres, teclados, monitores, notebooks, mouses, baterias, pilhas têm de ser regularmente jogados fora, destino que também já atinge iPods, Kindles, Nooks etc. -esses, não por desgaste, mas por já superados. E para onde vão as embalagens de plástico disso tudo?

Por mais que os órgãos do ambiente lutem para que as empresas que produzem ou vendem lixo eletrônico o recebam de volta e lhe deem um fim adequado -chama-se a isto de "logística reversa"-, parte de seus componentes tóxicos continua entre nós, no ar ou na água. Donde não se espante se, numa dessas, seu café ou limonada vier temperado com mercúrio, chumbo, berílio, cádmio ou arsênico.

Afinal, para onde quer que se mande esse veneno -reciclado ou não, ele não tem como deixar o planeta.

Segurança máxima - VERA MAGALHÃES -


FOLHA DE SP - 19/11


Se depender das avaliações técnicas do governo paulista, José Dirceu iniciará o cumprimento da pena imposta pelo STF na penitenciária José Augusto César Ribeiro, em Tremembé. O Bandeirantes considera improvável a ida do ex-ministro para centros de ressocialização, como o de Limeira. Em regra, esses estabelecimentos acolhem condenados a menos de 10 anos -Dirceu recebeu punição 10 meses maior pelo mensalão, embora deva ficar menos de 2 anos em regime fechado.

Histórico O presídio de Tremembé conta hoje com 409 detentos -a capacidade oficial é para 239. Marcos Valério, operador do mensalão, esteve no local por três meses, em 2008, acusado na Operação Avalanche, da PF.

Proteção "É adequado para quem não tem perfil de fuga e nem envolvimento com o crime organizado. É preciso preservar a pessoa, que ficaria exposta numa cadeia", diz um perito do governo no sistema carcerário.

A ordem... A decisão está sujeita a manifestações do Judiciário e dos advogados do caso. O sentenciado pode opinar. José Rainha, do MST, preferiu o CDP da capital.

... dos fatores Oficialmente, a Secretaria de Assuntos Penitenciários só se pronunciará após a solicitação judicial de vaga no sistema prisional de São Paulo.

#prontofalei Da mulher de Dirceu, Evanise Santos, em seu Twitter, após flagrante fotográfico do ex-ministro no litoral da Bahia durante o feriado. "Defendo a liberdade de expressão. Mas sou totalmente contra a invasão de privacidade."

Liga da Justiça O futuro presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, já marcou seu primeiro encontro com a ministra Eliana Calmon, ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça. Será no dia 26. À ocasião, deverão discutir a linha de atuação de Barbosa na sua gestão à frente do CNJ.

Ilha O PMDB avalia que a recém-criada EPL, com atribuições de planejamento em diversos setores, fará mais sombra sobre a esquálida Secretaria de Assuntos Estratégicos, de Moreira Franco.

Sem cabide Na reta final da tramitação da MP da estatal, o PT tentou derrubar artigo que exige experiência profissional e diploma de ensino médio para contratações. O destaque, contudo, foi retirado após acordo de líderes.

Cronômetro O adiamento de sessões para a análise do relatório preliminar do Orçamento 2013 tem o objetivo velado de forçar a liberação de emendas parlamentares pelo governo. O documento será analisado amanhã, prazo máximo no cronograma desenhado pelo Planalto.

Cofre A bancada petista na Câmara vai arbitrar outra disputa por cargos em 2013: Além de Carlos Zarattini, Devanir Ribeiro postula a relatoria do Orçamento.

Piquete A CUT promete levar 300 militantes, quarta-feira, aos gabinetes dos deputados. A central protesta contra o projeto que trata do fim do fator previdenciário.

Frisson Há no PPS um clima de encantamento com a eventual candidatura presidencial de Eduardo Campos. Conterrâneo do neto de Miguel Arraes, Roberto Freire tem elogiado o governador. O namoro está no radar de Aécio Neves, que quer manter o partido na órbita do PSDB.

Veja bem O PT paulistano refuta acordo para revezamento na presidência da Câmara com o bloco de Gilberto Kassab, como deseja o prefeito. "Nossa proposta baseada na proporcionalidade é bem recebida pelos partidos", diz José Américo, nome petista para o comando da Casa.

com FÁBIO ZAMBELI e BRENO COSTA

tiroteio

Eles estão vivendo com a intensidade do eterno os últimos momentos de impunidade. Ou, então, acreditam no calendário maia.

DO LÍDER DO PSDB NO SENADO, ÁLVARO DIAS (PR), sobre o feriado descontraído de José Dirceu, em Camaçari (BA), e de Paulo Maluf, em Campos do Jordão.

contraponto

Existe amor em Brasília

Durante sessão da Câmara, no início do mês, Marco Maia (PT-RS) foi interrompido por Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido pelas intervenções polêmicas e de tom crítico.
-Presidente, eu queria elogiá-lo e também fazer um apelo. Gostaria que o senhor colocasse em apreciação a MP que trata da remuneração dos militares.
O petista, irônico, respondeu:
-Vou analisar seu pedido. E o elogio, qual era mesmo?
Bolsonaro, sem jeito, arrematou:
-Está curioso com meu elogio? O senhor sabe, como militar temporário que foi, que está no nosso coração.


Democracia na China? - LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

FOLHA DE SP - 19/11


Desenvolvimento econômico está criando uma imensa classe média que demanda ser ouvida


Na última semana, a China escolheu seus novos dirigentes de forma meritocrática e autoritária, não obstante o incrível desenvolvimento econômico por que passou nos últimos 30 anos.

Tenderá a China a se transformar em uma democracia? Minha resposta é afirmativa, mas o processo de democratização deverá ser lento.

A democracia seria impossível se o país continuasse uma sociedade estatista. Mas o estatismo de Mao Tse-Tung foi, afinal, a primeira fase da revolução capitalista chinesa; foi a fase da revolução nacional, que transformou o país em uma verdadeira nação, e foi a fase de sua industrialização pesada.

Depois veio a extraordinária fase da abertura econômica. Hoje a China é um país tecnoburocrático-capitalista, como são todos os países ricos e de renda média do mundo. Por enquanto, é uma sociedade mais tecnoburocrática do que capitalista, mas está em plena mudança.

Nenhuma revolução nacional e industrial aconteceu em país algum no quadro de uma verdadeira democracia, mas depois que a revolução capitalista se completa em cada país, seu Estado tende necessariamente a se tornar democrático.

A principal exceção a essa regra é Cingapura, mas a transição democrática lá deverá ocorrer em breve.

A China está longe do nível de desenvolvimento de Cingapura, mas as modificações que já aconteceram na sua sociedade e na política vêm sendo muito grandes e apontam no sentido da liberalização do regime.

O Partido Comunista continua a ser partido único, e seu poder está colocado fora de discussão, mas isto não significa que exista lá um sistema político monolítico.

Conforme assinalou Jamil Anderlini em um excelente artigo no "Financial Times", as elites dentro e fora do Partido Comunista podem ser divididas entre as "reformistas" e as "autoritárias" -e as primeiras estão avançando.

Mesmo o jornal "Diário do Povo" -porta-voz oficial do Partido Comunista- disse em um editorial há duas semanas que "a sociedade vem tomando consciência do seu direito de saber e participar e a garantia dos direitos civis avança, mas a democracia na China não alcançou o nível que muita gente espera".

Este debate não terá solução a curto prazo. A China continua voltada para sua própria estratégia nacional de desenvolvimento, em que o Estado mantém o controle dos setores monopolistas e das finanças administrando ou planejando suas atividades, ao mesmo tempo em que atribui a um mercado livre o setor competitivo da economia.

Entretanto, esse desenvolvimento está criando uma imensa classe média que demanda ser ouvida.

As manifestações nesse sentido estão se multiplicando. Essa nova classe média e mesmo as classes populares já estão sendo ouvidas a nível local, mas nas grandes cidades o nível local perde identidade, e é preciso pensar em uma participação política mais ampla.

Conseguirão os chineses realizar essa transição sem uma crise maior?

Não é possível assegurar nada a respeito, mas o pragmatismo e a busca de "harmonia social" (expressão chave para os chineses) que têm caracterizado a política chinesa sugerem que sim. Há um objetivo maior, o desenvolvimento econômico, mas o avanço político, o social, e mesmo ambiental não estão sendo nem serão desconsiderados, porque a sociedade assim exige.

PT & icebergs - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 19/11

Não, não é o processo do mensalão e nem a ascensão de Joaquim Barbosa à presidência do Supremo Tribunal Federal esta semana que vão tirar o sono da turma do partido que ocupa o Palácio do Planalto. Tanto é que a presidente, ao se referir à Ação Penal 470 em entrevista ao jornal El País, ficou na declaração padrão, de que “acata” o resultado do julgamento. Tampouco o relatório da CPI do Cachoeira a ser apresentado esta semana pelo deputado Odair Cunha (PT-MG). Tudo isso é passageiro. Os problemas são de outras ordem. O principal deles, na visão dos estrategistas ligados à presidente, é manter a população segura de que Dilma Rousseff é uma excelente gestora, capaz de entregar o propalado desenvolvimento, deixando o país longe da crise econômica que abala o mundo e da qual nem a poderosa China escapa.

Na última semana, em Cádiz, Espanha, Dilma, mais uma vez, lembrou a todos os chefes de Estado presentes à Cúpula Ibero-americana as maravilhas da economia nacional e da criação do mercado interno brasileiro. Pontuou que desenvolvimento se faz com justiça social e investimentos, não com ajustes fiscais drásticos e cortes para todos os lados. Basicamente repetiu o que vem dizendo há dois anos, a respeito do que considera equivocado na forma de os europeus tratarem da crise. Foi enfática ao dizer que as medidas evitam a quebradeira financeira, mas não geram confiança nem Produto Interno Bruto.

Talvez a presidente esteja certa em sua análise externa, mas vale observar que, por aqui, o cenário não é essa calmaria toda. Quem tiver o cuidado de ler as seções de economia dos jornais brasileiros verá que as incertezas estão por toda parte. O Correio, por exemplo, mostrou ontem a nebulosidade do setor energético, no qual os problemas são de toda ordem. As encomendas da Petrobras feitas a empresas brasileiras para permitir a exploração do pré-sal estão atrasadas. A própria regulamentação do sistema de partilha, anunciado há mais de três anos, ainda não produziu seus efeitos. Os leilões de áreas de exploração estão travados. No quesito energia elétrica, tudo está em suspenso por enquanto, à espera da definição do novo modelo em discussão no Congresso Nacional. O tempo está passando e, com ele, as perspectivas de votar tudo ainda este ano vão se reduzindo.

Politicamente, há quem diga nos bastidores do PT que esse gargalo na infraestrutura é o maior iceberg que o partido precisa atravessar para chegar bem em 2014. E o maior problema é que ele se dá justamente no setor energético, de onde Lula pinçou a sua sucessora, apresentando-a como uma grande gestora. Se o setor de energia não destravar nos próximos dois anos, ficará fácil, na avaliação até mesmo de petistas, a oposição construir um discurso que ponha Dilma — e por tabela o PT — numa saia mais justa que o julgamento do mensalão.

Enquanto isso, na política…

Cresce o zum-zum-zum de que Dilma Rousseff convidará o ex-deputado Ciro Gomes, do PSB, para o Ministério de Ciência e Tecnologia, cargo que já foi ocupado por Eduardo Campos no governo Lula, logo que estourou o escândalo do mensalão. Assim, a Secretaria de Portos, onde está o ministro Leônidas Cristino, ficaria vaga para negociar com o PSD ou mesmo para ampliar o espaço do PMDB. O movimento teria ainda o objetivo de tirar fôlego de Leônidas, citado como uma possível opção para o governo do Ceará daqui a dois anos.

Assim, dizem alguns, Dilma estaria fazendo dois movimentos: primeiro, põe na vitrine o grupo do PSB que tem luz própria e anunciou que irá apoiá-la daqui a dois anos. Em segundo, atrapalha os socialistas na criação de um quadro que possa atrapalhar os planos do PT de conquistar o governo cearense daqui a dois anos. Afinal, enquanto a economia não der sinais de que não abaterá a nau petista, é preciso preparar o terreno da política com muito cuidado para não fortalecer potenciais adversários futuros. Esse trabalho requer tanta habilidade quanto contornar um iceberg.

Guarani Kaiowá de boutique - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 19/11


Adultos condenados a infância moral seguramente viram pessoas de mau-caráter


As redes sociais são mesmo a maior vitrine da humanidade, nelas vemos sua rara inteligência e sua quase hegemônica banalidade. A moda agora é "assinar" sobrenomes indígenas no Facebook. Qualquer defesa de um modo de vida neolítico no Face é atestado de indigência mental.

As redes sociais são um dos maiores frutos da civilização ocidental. Não se "extrai" Macintosh dos povos da floresta; ao contrário, os povos da floresta querem desconto estatal para comprar Macintosh. E quem paga esses descontos somos nós.

Pintar-se como índios e postar no Face devia ser incluído no DSM-IV, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

Desejo tudo de bom para nossos compatriotas indígenas. Não acho que devemos nada a eles. A humanidade sempre operou por contágio, contaminação e assimilação entre as culturas. Apenas hoje em dia equivocados de todos os tipos afirmam o contrário como modo de afetação ética.

Desejo que eles arrumem trabalho, paguem impostos como nós e deixem de ser dependentes do Estado. Sou contra parques temáticos culturais (reservas) que incentivam dependência estatal e vícios típicos de quem só tem direitos e nenhum dever. Adultos condenados a infância moral seguramente viram pessoas de mau-caráter com o tempo.

Recentemente, numa conversa profissional, surgiu a questão do porquê o mundo hoje tenderia à banalidade e ao ridículo. A resposta me parece simples: porque a banalidade e o ridículo foram dados a nós seres humanos em grandes quantidades e, por isso, quando muitos de nós se juntam, a banalidade e o ridículo se impõem como paisagem da alma. O ridículo é uma das caras da democracia.

O poeta russo Joseph Brodsky no seu ensaio "Discurso Inaugural", parte da coletânea "Menos que Um" (Cia. das Letras; esgotado), diz que os maus sentimentos são os mais comuns na humanidade; por isso, quando a humanidade se reúne em bandos, a tendência é a de que os maus sentimentos nos sufoquem. Eu digo a mesma coisa da banalidade e do ridículo. A mediocridade só anda em bando.

Este fenômeno dos "índios de Perdizes" é um atestado dessa banalidade, desse ridículo e dessa mediocridade.

Por isso, apesar de as redes sociais servirem para muita coisa, entre elas coisas boas, na maior parte do tempo elas são o espelho social do ridículo na sua forma mais obscena.

O que faz alguém colocar nomes indígenas no seu "sobrenome" no Facebook? Carência afetiva? Carência cognitiva? Ausência de qualquer senso do ridículo? Falta de sexo? Falta de dinheiro? Tédio com causas mais comuns como ursinhos pandas e baleias da África? Saiu da moda o aquecimento global, esta pseudo-óbvia ciência?

Filosoficamente, a causa é descendente dos delírios do Rousseau e seu bom selvagem. O Rousseau e o Marx atrasaram a humanidade em mil anos. Mas, a favor do filósofo da vaidade, Rousseau, o homem que amava a humanidade, mas detestava seus semelhantes (inclusive mulher e filhos que abandonou para se preocupar em salvar o mundo enquanto vivia às custas das marquesas), há o fato de que ele nunca disse que os aborígenes seriam esse bom selvagem. O bom selvagem dele era um "conceito"? Um "mito", sua releitura de Adão e Eva.

Essas pessoas que andam colocando nomes de tribos indígenas no seu "sobrenome" no Face acham que índios são lindos e vítimas sociais. Eles querem se sentir do lado do bem. Melhor se fossem a uma liquidação de algum shopping center brega qualquer comprar alguma máquina para emagrecer, e assim, ocupar o tempo livre que têm.

Elas não entendem que índios são gente como todo mundo. Na Rio+20 ficou claro que alguns continuam pobres e miseráveis enquanto outros conseguiram grandes negócios com europeus que, no fundo, querem meter a mão na Amazônia e perceberam que muitos índios aceitariam facilmente um "passaporte" da comunidade europeia em troca de grana. Quanto mais iPad e Macintosh dentro desses parques temáticos culturais melhor para falar mal da "opressão social".

Minha proposta é a de que todos que estão "assinando" nomes assim no Face doem seus iPhones para os povos da floresta.

Capitão América - DORRIT HARAZIM


O GLOBO - 19/11


NOVA YORK. — É de se supor que o general David Petraeus, fosse ele francês, teria a vida bem menos encalacrada. Não é de hoje que os franceses olham com comiseração para alguns aspectos da vida americana. E a vigilância em torno da conduta amorosa de pessoas públicas nos Estados Unidos sempre despertou curiosidade quase antropológica do outro lado do Atlântico.

A França é o país de Dominique Strauss-Kahn, ou DSK, defenestrado da direção do Fundo Monetário Internacional no ano passado, acusado de ter atacado sexualmente uma camareira de hotel em Nova York. O episódio atrapalhou seus planos de disputar a presidência do país como candidato do partido socialista, mas não esfarelou de todo o seu poder. Sua estatura como eminência nacional só ruiu quando ficou claro que ele também integrava uma rede de prostituição de altíssimo calibre, coisa de 13 mil dólares por soirée, envolvendo juízes, jornalistas, advogados da elite.

A linha de defesa escolhida pelos advogados de DSK para o julgamento que entra numa fase decisiva no final deste mês não poderia ser mais francesa: as autoridades estariam “criminalizando o desejo”.

— Sempre pensei que pudesse conduzir minha vida como quisesse. E isso inclui um comportamento inteiramente livre e consensual entre adultos — declarou o acusado em seu primeiro pronunciamento público sobre as bacanais organizadas para seu desfrute.

Considera-se adepto legítimo, embora tardio, da Libertinage, a escola de comportamento que desde o século 17 encontra abrigo particularmente fértil na França e que, entre outros, elege como objetivo de vida o prazer pessoal, rompendo com a estrutura moral vigente. “Mas afastei-me demais das normas de nossa sociedade”, acrescentou o acusado. “Fui ingênuo”, concuiu.

Também só poderia ser francês o diplomata abordado no auge da Guerra Fria por um agente soviético disposto a aliciá-lo através de chantagem. A arma da KGB era um lote de fotos com cenas de sexo entre o diplomata e uma mulher que não era a titular. Segundo a versão embelezada que passa de geração em geração, o chantageado teria colocado os óculos para melhor apreciar as imagens e apontado para duas delas: “Fico com essa aqui e mais essa outra”, teria dito, satisfeito. Chantagear um francês por comportamento sexual rende pouco.

Na América de David H. Petraeus, 24 dos 50 estados consideram adultério um crime — inclusive a Virginia, estado de residência do general. E, pelo código militar de 1947, integrantes das Forças Armadas dos Estados Unidos envolvidos em relação extraconjugal devem responder a uma corte marcial. Já a tentacular Central Intelligence Agency (CIA), que Petraeus comandou até a semana passada, quando seuaffair com Paula Broadwell veio a público, é regida por normas que não seguem nem o código civil nem o militar do país. Como em todas as grandes agências de inteligência do mundo, essas normas seguem critérios de segurança nacional. E é por brecha nesse quesito que o caso todo foi parar na Casa Branca — ou pior, demorou para chegar lá.

Como general de quatro estrelas, David Petraeus tinha dois apelidos além do Peaches (Pêssegos) de seus tempos de adolescência: Rei David e Capitão América. Chegara aos 60 anos de idade como o militar mais admirado, condecorado, paparicado pela mídia e invejado pelos pares. O único, por sinal. Num país em constante busca de um herói, Capitão América lhe caía como uma luva. Ao encerrar a carreira militar para assumir o comando da CIA, catorze meses atrás, fora uniformemente saudado como brilhante, tanto na condução da retirada dos Estados Unidos do atoleiro iraquiano como no comando de uma saída para a guerra no Afeganistão. Não importa que as duas afirmações ainda haverão de merecer sérios reparos — a imagem do general era essa, ponto. Mesmo na chefia da CIA, já sem uniforme e de cabelo pintado, essa aura o acompanhou.

O problema do rumoroso caso Petraeus, que já foi comparado a uma cebola, tantas são as camadas que a cada dia revelam novas camadas cada vez menos edificantes, não está no comportamento do homem. Descontando-se as peculiaríssimas circunstâncias pelas quais o FBI é acionado para investigar um punhado de e-mails anônimos e acaba descobrindo que numa das pontas está Capitão América, resta uma questão grave. A única, por sinal, que seria levada a sério até mesmo na França. Como e por quê o presidente dos Estados Unidos e comandante e chefe das Forças Armadas do país foi o último a saber (depois, inclusive, da senhora Petraeus) que o chefe do maior serviço de inteligência do mundo estava sendo investigado há seis meses pelo FBI?

Supõe-se que o ocupante da Casa Branca soubesse manter sigilo, se achasse próprio, quando informado do romance extraconjugal de seu homem de confiança. Afinal, David Petraeus não era ministro da Pesca. Comandava o serviço de inteligência de um país em guerra e inúmeras frentes de alerta (o ressurgimento da al-Qaeda na Líbia, a insurgência islâmica no Iêmen, a guerra civil na Síria, a ameaça nuclear no Irã, os rumos da Primavera Árabe), sem falar na eclosão do conflito aberto entre Israel e palestinos que mobiliza todo o Oriente Médio desde sexta-feira.

Manter Barack Obama deliberadamente alheio ao caso Petraeus até 24 horas após sua reeleição, na terça feira 6 de novembro, alimenta várias teorias conspiratórias da direita derrotada. Nenhuma delas, contudo, tem mais força do que os fatos, e estes indicam uma falha grave na cadeia de comando da nação.

Nem o general Charles de Gaulle, que era monógamo por vocação, nem o presidente francês François Mitterrand, que foi bígamo por convicção, aprovariam.

Em defesa da classe C - LÙCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 19/11



Ah, o desprezo pela turba.

Na semana passada, o Partido Republicano ganhou um presente de seu candidato derrotado à presidência. Num telefonema com doadores de campanha, gravado no viva voz, Mitt Romney explicou que perdera a eleição porque Barack Obama comprou os votos. "Deu presentes", disse, para minorias étnicas, como latinos e negros. E deu anticoncepcionais a jovens universitárias. Como exemplo de um presentão para a baixa classe média, Romney citou a reforma do seguro saúde, a iniciativa doméstica mais importante do primeiro mandato de Obama. Acesso à assistência de saúde como privilégio e não direito na maior economia do mundo? Os republicanos quase se pisotearam na correria para declarar sua falsa indignação com o defunto político ainda quente: que horror insultar o voto de latinos e jovens! Afinal, são os eleitores sem os quais o partido está fadado à extinção.

O desprezo por metade do país, "os tomadores", já havia sido revelado naquele vídeo gravado secretamente, em que, diante de um grupo de doadores milionários, Romney disse que nem adiantava fazer campanha para quem se beneficia de programas de governo. Seu plano de governo era dar outro tipo de presente. Trilhões de dólares de redução de imposto de renda para a fatia do país que contribuiu para a sua campanha. Mas, rei posto, rei morto e o leitor há de me fazer prometer que só vou usar a palavra "mitt" aqui no futuro se estiver me referindo à luva de jogador de beisebol.

O desprezo expressado por, perdão, é a última vez, Mitt, me fez pensar em outro tipo de desprezo, que, se fosse capturado em gravação, traria desconforto a muita gente que se diz em outro território do espectro político brasileiro. É o desprezo pela classe C, os 30 milhões que galgaram degraus para sair da pobreza.

Uma pesquisa recente revelou que mais da metade dos brasileiros da classe A e B não se conforma em comprar os mesmos produtos agora acessíveis à classe C e até sugere que deveria haver versões de produtos para rico e para pobre. O ressentimento é enorme no caso de viagens aéreas. Como se os aeroportos lotados fossem culpa de quem leva a família de férias pela primeira vez. Não preciso ser gravada em segredo: minha última viagem ao Brasil foi infernal, com uma família de cinco falando a noite inteira e tirando fotos com flash. Quando coloquei os pés num avião pela primeira vez, aos 19 anos, graças a uma passagem rachada entre duas pessoas da minha família, eu vinha de uma classe média cujo acesso à educação era maior, uma classe média que sonhava com menos gadgets e mais visitas ao Louvre. Ou seja, quando embarquei, já era produto de uma classe média que não costumava falar aos berros em avião.

Mas é na cultura e na mídia que está havendo o desconforto mais consequente.

Na década de 90, entrevistei, para uma revista americana, o talentoso Gilberto Braga. A reportagem era sobre o sucesso da telenovelas brasileiras no exterior. Para ilustrar o poder da telenovela, Gilberto comentou que as empregadas domésticas não tinham mais namorado e sim uma "relação". Mas Gilberto não desprezava seu espectador. Trabalhava num ambiente em que podia colocar dramas freudianos em horário nobre e usar certo tipo de jargão sofisticado. Não escrevo com o dedo ao vento para saber qual a direção do mercado. Mas, numa viagem ao Brasil em que ouvi muitas queixas sobre a banalização da nossa cultura, imposta pela ascensão da classe C, ouvi o seguinte de uma pessoa em posição executiva privilegiada na produção de TV: temos que atingir um público mais diverso mas não estou procurando baixaria. O problema é que boa parte do que se produz não é para a classe A, B, ou C. É pura autorreferência e desdém pelo público. A pessoa prefere ser congratulada por seus pares no restaurante caríssimo que frequenta do que produzir conteúdo relevante.

Há 10 anos, visitei o poeta e romancista português Vasco Graça Moura em sua quinta, perto de Lisboa. Nos anos 80, ele havia sido executivo da TV portuguesa e comprava nossas telenovelas. A palavra elitista cairia sobre ele como uma luva. Ele me recebeu em sua vasta biblioteca, fumando uma cigarrilha e completava o traje impecável com um foulard de seda. Fiz uma pergunta idiota. Como o senhor conciliava o seu enorme apetite intelectual com a programação de telenovelas? O premiado tradutor de Goethe e Dante deu uma baforada e disse: "Minha filha, a chegada das telenovelas brasileiras foi boa para a literatura portuguesa. Nossos romances estavam empacados no pós-estruturalismo. De repente, voltamos a contar histórias, com começo, meio e fim".

Prefiro ser acordada num voo para o Brasil, se isto é sinal de que tenho chance de contar histórias para mais brasileiros. Enquanto torço para que eles tenham acesso à educação que me permitiu chegar aqui.

Educação e emprego - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 19/11


Realizada em São Paulo na semana passada, a Olimpíada do Conhecimento do Senai reafirmou a sua condição de maior e mais importante evento da educação profissionalizante do Brasil.

Durante cinco dias, 700 alunos disputaram provas em 54 ocupações profissionais. Simultaneamente, competiram no torneio WorldSkills Americas, com a participação de 24 países das Américas e do Caribe. Ano que vem, os nossos campeões participarão da etapa global dessa "Copa do Mundo" da educação profissional, em Leipzig, na Alemanha.

Há razões para nos orgulharmos de nossos estudantes. Em 2011, em Londres, durante a mesma competição internacional, eles conquistaram seis medalhas de ouro, três de prata, duas de bronze e sete certificados de excelência. Classificaram-se em segundo lugar, superando concorrentes de países desenvolvidos como Japão, Suíça e Cingapura.

Por trás desse bom desempenho está a presença da indústria nacional, responsável, em última instância, pela qualidade do ensino oferecido pelo Senai. É, porém, um esforço isolado -praticamente uma ilha de excelência, que não encontra a necessária sinergia com a política educacional brasileira nem apoio para disseminar-se e, assim, alcançar todos aqueles que poderiam conquistar oportunidades de melhores empregos e salários por meio de um diploma técnico.

Os equívocos começam já na definição da matriz educacional que privilegia e incentiva o bacharelado. Apenas 6,6% dos jovens brasileiros entre 15 e 19 anos optam pelo ensino profissionalizante. Na média dos 34 países da OCDE, são 42%, com picos de 55% no Japão, 53% na Alemanha e 40% na França e na Coreia do Sul.

O mais preocupante é que o sonho da universidade se frustra para a grande maioria -apenas 14% dos nossos jovens chegam aos cursos superiores, contra a média de 40% nos países da OCDE. Feitas as contas, constata-se que 86% deles, cerca de 20 milhões, ficam fora das universidades e não conquistaram uma formação profissional. São condenados a empregos de segunda classe, a subempregos.

Diante do risco iminente de um "apagão" de mão de obra no país, fatal para a competitividade das empresas, o Brasil se defronta com o desafio de capacitar, até 2015, 7,2 milhões de trabalhadores com cursos técnicos e de média qualificação para atuar em 177 ocupações, segundo alerta do Mapa do Emprego Industrial, produzido pelo próprio Senai.

O governo parece não ter tempo nem interesse em priorizar essa questão. Ignora que as nações que superaram a pobreza e se tornaram economicamente fortes, socialmente mais justas e soberanas são exatamente as que investiram com seriedade e consequência na educação de sua juventude.