ZERO HORA - 30\10
Meu amigo Daniel superou 40 dias de luto da separação, aguentou no osso o divórcio, chorou horrores e debulhou suas lágrimas em copos de bourbon, parou de atender ao telefone e se trancou no quarto.
No 41º dia, ele ressuscitou. E voltou a sair e se divertir. Já estava esquecendo o quanto amava sua ex. Já estava esquecendo que foi amado pela ex.
Um homem somente apaga um amor no momento em que encontra outro. Daniel se enamorou por uma bancária. Badalou vários finais de semana com Heloísa, ria com a franqueza de um adolescente.
Apaixonado? Sim, mas seria o último a saber. Todo apaixonado é o último a saber que está apaixonado. O mundo inteiro sabe, menos o próprio apaixonado. Não adiantava contar a Daniel que ele estava apaixonado, ele jamais me escutaria. O apaixonado é surdo também.
Para comemorar a nova fase de sua vida, Daniel convidou Heloísa para almoço em restaurante francês nos fundos de um casarão.
Ele pediu cordeiro com purê de beterraba; ela, filé mignon com acompanhamentos silvestres.
Ele pediu um vinho chileno; ela avisou que não poderia beber (pois ainda iria trabalhar), e se contentou com uma Coca-Cola.
– Coca-Cola light?
– Não, senhora, só temos Zero – avisou o garçom.
– Ok, não vou me desesperar por um detalhe – replicou.
O casal soltou os braços sobre a toalha para diminuir a distância das cadeiras, ambos se olhavam firme e forte numa hipnose infindável, hipnose à moda antiga, de relógio de bolso balançando.
A mesa estava sobrando entre os dois. Ele se debruçava no prato para arrancar um beijo, ela se levantava para acariciar sua testa. Nada poderia estragar aquele bem-estar. Quase nada.
Mas quando a Coca pousou na mesa, Heloísa gelou, derrubou o arranjo de flores e fugiu para o banheiro soluçando a seco.
Ele olhou a Coca com calma: Será que tinha uma barata?
Não achou coisa alguma, até que leu um nome. A marca decidiu homenagear seus consumidores nas latinhas.
Era o nome de sua abominável ex: Carolina.
“Quanto mais CAROLINA melhor”
Heloísa não aguentou a provocação, ardia de ciúme do passado dele.
Quando um refrigerante faz uma campanha dessas, não cogita de que existem desafetos no mundo, ódio familiar, revolta interior, tristeza reprimida, viuvez, gente que levou o fora ou foi corneado ou enganado. Imagina apenas que todos se gostam e que todos vão adorar ver seu nome ou de sua namorada na embalagem.
Daniel amaldiçoou o azar, criou teorias da conspiração, não duvidou da perseguição da megera, cogitou a hipótese de ela subornar o garçom para trazer aquele refrigerante.
– Como, entre milhares de opções, surge em minha mesa logo o nome daquela vagabunda?
Não poderia responder. Heloísa recusou carona e seguiu sozinha para o emprego. Não havia mais felicidade para ser dividida.
Do copo dela, só ficou o limão.
terça-feira, outubro 30, 2012
O sol e a sombra - CLÁUDIO MORENO
ZERO HORA - 30\10
Dentre as inúmeras histórias, verdadeiras ou inventadas, que a Antiguidade nos legou, talvez nenhuma seja tão conhecida quanto a visita que Alexandre Magno fez a Diógenes, o filósofo maltrapilho, no ano de 336 antes de Cristo. Nunca teremos um relato definitivo deste encontro notável, já que nem um, nem outro deixaram qualquer registro das palavras que trocaram naquele dia. Foi a partir do depoimento de algumas testemunhas que escritores, pintores e historiadores construíram, ao longo dos séculos, uma verdadeira teia de versões, que diferem no detalhe mas concordam no principal.
A divergência entre os vários relatos não conseguiu diminuir a importância da cena, pois ali se encontraram, frente a frente, um grande filósofo e um grande guerreiro. Nada podia ser mais simbólico: de um lado, um dos maiores sábios de toda a Grécia, que passou a vida demonstrando sua aversão por qualquer espécie de poder; do outro, o jovem macedônio, que seria conhecido e respeitado por todo o Mundo Antigo como o maior chefe militar de todos os tempos.
É Plutarco quem conta: tendo conquistado a Grécia, Alexandre, que já conhecia o renome de Diógenes, foi a Corinto para vê-lo. Os políticos locais receberam-no com honras de chefe de Estado, assim como os filósofos – menos Diógenes, que parecia não dar a mínima para sua presença na cidade.
Alexandre, magnânimo, não se importou em inverter o protocolo, indo ele mesmo, com uma pequena comitiva, procurar o filósofo, que tomava sol no meio da rua, num subúrbio da cidade. Ao ver o grupo que se aproximava, Diógenes soergueu-se sobre os cotovelos e fitou serenamente o rei, que o saudou polidamente e perguntou se poderia fazer alguma coisa por ele.
“Sim”, respondeu Diógenes, “sai da minha frente, que estás fazendo sombra para mim”. Alexandre ficou tão impressionado com aquele despojamento e aquela corajosa altivez que, no caminho de volta, teria confessado aos companheiros, que riam da excentricidade do filósofo: “Pois eu, se não fosse Alexandre, juro que gostaria de ser Diógenes”.
Lições como esta sempre deixaram bem claro que, para os antigos, a sabedoria na vida não significa necessariamente profundos conhecimentos teóricos, mas antes um inconfundível espírito soberano, capaz de resistir serenamente às sereias do poder e da ambição, que sempre atraem os incautos para os recifes da incerteza. Alexandre, que, antes de ser soldado, tinha sido discípulo dileto de Aristóteles, deve ter compreendido perfeitamente o que Diógenes, à sua maneira, acabara de lembrar: o conhecimento é um sol que nos aquece; o poder, este, sempre será uma sombra.
Dentre as inúmeras histórias, verdadeiras ou inventadas, que a Antiguidade nos legou, talvez nenhuma seja tão conhecida quanto a visita que Alexandre Magno fez a Diógenes, o filósofo maltrapilho, no ano de 336 antes de Cristo. Nunca teremos um relato definitivo deste encontro notável, já que nem um, nem outro deixaram qualquer registro das palavras que trocaram naquele dia. Foi a partir do depoimento de algumas testemunhas que escritores, pintores e historiadores construíram, ao longo dos séculos, uma verdadeira teia de versões, que diferem no detalhe mas concordam no principal.
A divergência entre os vários relatos não conseguiu diminuir a importância da cena, pois ali se encontraram, frente a frente, um grande filósofo e um grande guerreiro. Nada podia ser mais simbólico: de um lado, um dos maiores sábios de toda a Grécia, que passou a vida demonstrando sua aversão por qualquer espécie de poder; do outro, o jovem macedônio, que seria conhecido e respeitado por todo o Mundo Antigo como o maior chefe militar de todos os tempos.
É Plutarco quem conta: tendo conquistado a Grécia, Alexandre, que já conhecia o renome de Diógenes, foi a Corinto para vê-lo. Os políticos locais receberam-no com honras de chefe de Estado, assim como os filósofos – menos Diógenes, que parecia não dar a mínima para sua presença na cidade.
Alexandre, magnânimo, não se importou em inverter o protocolo, indo ele mesmo, com uma pequena comitiva, procurar o filósofo, que tomava sol no meio da rua, num subúrbio da cidade. Ao ver o grupo que se aproximava, Diógenes soergueu-se sobre os cotovelos e fitou serenamente o rei, que o saudou polidamente e perguntou se poderia fazer alguma coisa por ele.
“Sim”, respondeu Diógenes, “sai da minha frente, que estás fazendo sombra para mim”. Alexandre ficou tão impressionado com aquele despojamento e aquela corajosa altivez que, no caminho de volta, teria confessado aos companheiros, que riam da excentricidade do filósofo: “Pois eu, se não fosse Alexandre, juro que gostaria de ser Diógenes”.
Lições como esta sempre deixaram bem claro que, para os antigos, a sabedoria na vida não significa necessariamente profundos conhecimentos teóricos, mas antes um inconfundível espírito soberano, capaz de resistir serenamente às sereias do poder e da ambição, que sempre atraem os incautos para os recifes da incerteza. Alexandre, que, antes de ser soldado, tinha sido discípulo dileto de Aristóteles, deve ter compreendido perfeitamente o que Diógenes, à sua maneira, acabara de lembrar: o conhecimento é um sol que nos aquece; o poder, este, sempre será uma sombra.
Um urubu na sacada - DAVID COIMBRA
ZERO HORA - 30\10
Um amigo meu tomava café da manhã, dia desses, quando viu um urubu olhando para ele. Um urubu, por Deus. Estava empoleirado na sacada do apartamento, com olhar atento, como atento é o olhar das aves, porém sereno, quase imóvel. Você já viu um urubu de perto? É um bicho de aparência ameaçadora – grande e muito feio. Não tem a fama que tem à toa. Só a torcida do Flamengo gosta de urubu.
Então, lá estava aquele urubu observando o meu amigo. O apartamento dele fica ali na Bela Vista. É novíssimo, meu amigo comprou não faz muito tempo. Ele é um homem bem postado na vida, é um ser urbano, não está acostumado com animais que não sejam convictamente domésticos, sobretudo se forem aves de rapina de bom porte. O que fazer com aquele urubu?
Se tentasse enxotá-lo, como ele reagiria? Um urubu, em situação de estresse, torna-se agressivo? Como enfrentar um urubu em fúria? O urubu o debicaria e lhe meteria as garras? Meu amigo não tinha arma em casa... Por via das dúvidas, optou pela segurança máxima. Escorregou até a porta da sacada e a fechou cuidadosamente, torcendo para que o urubu se transferisse para outra sacada ou galho de árvore, o que aconteceu mais tarde.
Mas nos dias seguintes o urubu, ou algum amigo ou parente dele muito parecido, voltou. Meu amigou tomou-se de aflição. Ele não sabia que a cidade era frequentada por urubus. Saiu pelo prédio a investigar o que estava ocorrendo. Por que um apreciador de carniça rondava seu prédio? Haveria alguma vaca morta nas vizinhanças?
Acabou descobrindo. Ocorre que aquele é um prédio realmente novo. Muitos dos proprietários demoraram meses a se mudar. Foi num desses apartamentos vazios que uma jovem família de urubus fez seu ninho. Quando o dono humano do apartamento chegou, deparou com aquele ninho de urubus instalado na sacada. Desagradável.
Muito consciencioso, o ser humano decidiu que não iria simplesmente retirar o ninho e atirá-lo no lixo, como faria um homem que não respeitasse a Natureza e os animais e a vida, toda aquela coisa. Chamou a Secretaria do Meio Ambiente para que fosse adotado o procedimento correto. Decerto as autoridades saberiam o que fazer com um ninho de urubu construído em uma sacada de apartamento.
Resultado: a secretaria o notificou. Por algum motivo, os urubus são animais protegidos pela lei ambiental. Remover seus ninhos é crime. O dono humano do apartamento terá de conviver com os urubus até que os filhotinhos cresçam, se desenvolvam, ganhem independência e se mudem de lá por vontade própria, processo que a secretaria calcula que se dará em três ou quatro meses. Seria menos grave dar um tiro no fiscal da secretaria do que remover a família de urubus da sua casa.
É justo isso com o dono do apartamento? É correta tamanha atenção com urubus? Eles, os urubus, merecem toda essa consideração? Precisam ser preservados, afinal? E o investimento do ser humano no apartamento e a sua tranquilidade e o seu dia a dia e, afinal, a sua paz, isso tudo também não deve ser preservado?
Como são delicadas essas questões legais...
No caso do gol com a mão de Barcos que a arbitragem anulou com auxílio da TV, o que vale mais: o Direito ou a Justiça? O que é legal? Ou o que é certo?
A anulação do gol foi incorreta do ponto de vista técnico, mas pelo menos serviu para corrigir uma injustiça. Talvez seja ruim para a lei do futebol, mas foi bom para o futebol.
Um amigo meu tomava café da manhã, dia desses, quando viu um urubu olhando para ele. Um urubu, por Deus. Estava empoleirado na sacada do apartamento, com olhar atento, como atento é o olhar das aves, porém sereno, quase imóvel. Você já viu um urubu de perto? É um bicho de aparência ameaçadora – grande e muito feio. Não tem a fama que tem à toa. Só a torcida do Flamengo gosta de urubu.
Então, lá estava aquele urubu observando o meu amigo. O apartamento dele fica ali na Bela Vista. É novíssimo, meu amigo comprou não faz muito tempo. Ele é um homem bem postado na vida, é um ser urbano, não está acostumado com animais que não sejam convictamente domésticos, sobretudo se forem aves de rapina de bom porte. O que fazer com aquele urubu?
Se tentasse enxotá-lo, como ele reagiria? Um urubu, em situação de estresse, torna-se agressivo? Como enfrentar um urubu em fúria? O urubu o debicaria e lhe meteria as garras? Meu amigo não tinha arma em casa... Por via das dúvidas, optou pela segurança máxima. Escorregou até a porta da sacada e a fechou cuidadosamente, torcendo para que o urubu se transferisse para outra sacada ou galho de árvore, o que aconteceu mais tarde.
Mas nos dias seguintes o urubu, ou algum amigo ou parente dele muito parecido, voltou. Meu amigou tomou-se de aflição. Ele não sabia que a cidade era frequentada por urubus. Saiu pelo prédio a investigar o que estava ocorrendo. Por que um apreciador de carniça rondava seu prédio? Haveria alguma vaca morta nas vizinhanças?
Acabou descobrindo. Ocorre que aquele é um prédio realmente novo. Muitos dos proprietários demoraram meses a se mudar. Foi num desses apartamentos vazios que uma jovem família de urubus fez seu ninho. Quando o dono humano do apartamento chegou, deparou com aquele ninho de urubus instalado na sacada. Desagradável.
Muito consciencioso, o ser humano decidiu que não iria simplesmente retirar o ninho e atirá-lo no lixo, como faria um homem que não respeitasse a Natureza e os animais e a vida, toda aquela coisa. Chamou a Secretaria do Meio Ambiente para que fosse adotado o procedimento correto. Decerto as autoridades saberiam o que fazer com um ninho de urubu construído em uma sacada de apartamento.
Resultado: a secretaria o notificou. Por algum motivo, os urubus são animais protegidos pela lei ambiental. Remover seus ninhos é crime. O dono humano do apartamento terá de conviver com os urubus até que os filhotinhos cresçam, se desenvolvam, ganhem independência e se mudem de lá por vontade própria, processo que a secretaria calcula que se dará em três ou quatro meses. Seria menos grave dar um tiro no fiscal da secretaria do que remover a família de urubus da sua casa.
É justo isso com o dono do apartamento? É correta tamanha atenção com urubus? Eles, os urubus, merecem toda essa consideração? Precisam ser preservados, afinal? E o investimento do ser humano no apartamento e a sua tranquilidade e o seu dia a dia e, afinal, a sua paz, isso tudo também não deve ser preservado?
Como são delicadas essas questões legais...
No caso do gol com a mão de Barcos que a arbitragem anulou com auxílio da TV, o que vale mais: o Direito ou a Justiça? O que é legal? Ou o que é certo?
A anulação do gol foi incorreta do ponto de vista técnico, mas pelo menos serviu para corrigir uma injustiça. Talvez seja ruim para a lei do futebol, mas foi bom para o futebol.
Ficou de bem - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 30\10
trabalho ao PT na eleição.
13º
Até dezembro, o governo deve anunciar uma renegociação na dívida dos municípios. Tem prefeitura sem caixa para o 13º.
A conta é oficial
Cerca de 80% dos hotéis brasileiros nos locais que receberão jogos aumentaram em 75%, em média, o preço das diárias para a Copa.
Outra...
O Centro de Ingressos da Fifa para a Copa de 14 deve ficar no prédio da Cidade da Música, no Rio.
À la Zózimo
E o telepastor Silas Malafaia, hein? Apoiou Serra, em São Paulo, acusando Haddad de fazer no MEC o tal “kit gay”.
Haddad venceu com o apoio de mais de 20 grupos evangélicos.
Aliás...
Eduardo Paes, reeleito com o apoio de Silas Malafaia, vai dar R$ 227,7 mil para a parada gay de Madureira.
Varig, Varig, Varig
Os juízes Luiz Roberto Ayoub e Márcia Cunha, que cuidam da ação da Varig no Rio, vão hoje a Brasília tratar do caso com a ministra Cármen Lúcia, relatora no STF daquela ação bilionária de defasagem tarifária.
As lágrimas de Lázaro
Lázaro Ramos, nosso grande ator, chorou em várias cenas do filme “Gonzaga, de pai para filho”, de Breno Silveira, domingo, na sessão de 14h do Arteplex Botafogo, no Rio.
Calma, gente
O cientista político Jairo Nicolau, autor da “História do voto no Brasil”, não parece preocupado com o crescimento da abstenção:
— A ministra Cármen Lúcia pediu que os cientistas políticos ajudassem a entender o fenômeno da abstenção. Fica a sugestão: um recadastramento do eleitorado. Minha aposta é que, na maioria das cidades, a abstenção chegará a no máximo a 10%.
Segundo ele...
Nas cidades que fizeram recadastramento por causa do voto biométrico, a abstenção foi bem menor.
Para ficar nas capitais, as menores taxas foram em Aracaju (8,9%), Maceió (8,5%) e Curitiba (9% no primeiro turno e 10% no segundo). Enquanto São Paulo teve 18,5% e 20%.
Já...
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos chama a atenção para a votação crescente de pequenos partidos em cidades longínquas:
— Isso significa a absorção institucional dos conflitos sociais e econômicos, que, sem eles, seriam resolvidos a meu ver na tocaia e nos feudos familiares.
Marcinho VP
Amanhã, Marcinho VP, o traficante carioca que está trancado num presídio federal em Porto Velho, vai participar, por videoconferência, de audiência da 34ª Vara Criminal do Rio.
Cultura em alta
O Orçamento para 2013 que Paes enviou à Câmara do Rio prevê mais dinheiro oriundo da arrecadação de ISS para a cultura municipal.
O repasse vai passar de R$ 14 milhões para R$ 49 milhões, um aumento de 250%.
Atravessou o túnel
O baile charme, sucesso suburbano da novela “Avenida Brasil”, chega aos bacanas da Lagoa, no Rio, quinta, na casa de shows Miranda.
Imagina na Copa
Sábado, o advogado inglês Artur Marriott levou dois colegas americanos para uma visita ao Cristo Redentor, mas os três não puderam subir porque não tinham R$ 26, em reais mesmo.
Tentaram pagar com cartão, libras ou dólares. Mas... não aceitaram.
Um milhão de amigos
A grife masculina Reserva chega hoje a um milhão de fãs no Facebook.
Onde o Rio nasceu
Carioca, como se sabe, é “casa de branco” em tupi. A primeira construção europeia no Rio ficava às margens do Rio Carioca (hoje esquina das ruas Princesa Januária e Senador Euzébio, no Flamengo) e espantou os índios. A ponto de a chamarem de “Carioca” (e depois também ao rio).
A história está em “1565, enquanto o Brasil nascia”, que Pedro Doria lança amanhã na Travessa de Ipanema.
Alô, reitor da UFRJ!
É pena ver o abandono do antigo Canecão, em Botafogo, no Rio.
FESTA PARA ALEGRIA
Martinho da Vila, 74 anos, o nosso querido sambista, e a mulher, Cléo Ferreira, 41, paparicam a filha Alegria, que festeja na foto seus 13 aninhos. A miúda é a caçula dos oito filhos do mestre da nossa música. Não é fofa?
PAPO EM VERSO E PROSA
Ferreira Gular, 82 anos, o grande poeta, e Ruy Castro, 64, o coleguinha e escritor, papeiam no lançamento de “Sombras” (editora Réptil), de Franco Terranova, no MAM
Ponto Final
Questão para cientistas políticos. É o recrudescimento do “analfabetismo político” de que falava o poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956 ) ou a volta do nativo “rouba mas faz” de Ademar de Barros (1901-1969)? Com todo o respeito.
Tiro os outros - FRANCISCO DAUDT
FOLHA DE SP - 30\10
É da natureza humana tirar os outros por si; todos os deuses, por exemplo, tiveram formas humanas
"Você vai deixar os arrozinhos e feijõezinhos aí no prato, separados dos irmãos deles que já estão na sua barriga?", disse a minha babá. Chantageado pela culpa, raspei o prato. Naquela época os adultos faziam seu prato e você era obrigado a limpá-lo. Será que isto tem alguma relação com meu combate à obesidade pelo resto da vida? O que sei é que nenhuma dúvida tive sobre a antropomorfização da comida. (Sinto pelo nome, mas significa atribuir humanidade a coisas e animais). Eu tirava o arroz e feijão por mim. Se fosse separado de meus seis irmãos, ficaria muito triste, logo...
Achamos perfeitamente natural que os personagens da Disney ajam como humanos. Nunca nos ocorre que Mickey é um rato, Pateta um cachorro, Clarabela uma vaca, Horácio um jumento, Donald um pato (vocês já viram o Donald nu? Ele só usa um colete, mas quando o tira para o banho, cobre com as "mãos" as partes baixas por pudor!). O próprio Pluto, apesar de ser o mais bicho de todos, exibe uma bela dentadura humana, sem um único "canino".
É da natureza humana tirar os outros por si. Pense nos vários E. T. São homenzinhos levemente diferentes sempre. Os psicólogos evolucionistas sugerem que nossa consciência nasceu com este tosco ato de reflexão: "Ele está fazendo aquela cara que eu faço quando quero trapacear alguém, logo, deve ser um trapaceiro". Não pense que nossos ancestrais formulavam com tal complexidade, senão estaríamos tirando eles por nós. Era, a princípio, apenas uma sensação. Foi a aquisição da palavra que produziu o pensamento complexo.
Mas continuamos a tirar os outros por nós. Rigorosamente todos os deuses inventados pelo homem tiveram formas humanas, inclusive Iavé (o deus-pai judaico-cristão), de barbas brancas, sentado na nuvem.
Mas é no terreno da compreensão do outro que a coisa pega. "Honi soit qui mal y pense" (amaldiçoado seja quem pensar mal disto), disse o rei inglês Eduardo 3º nos anos 1300, sugerindo que a maldade estava na cabeça de quem julgava seu gesto cavalheiro de pegar a liga que caíra da perna da moça no baile. Aliás, falando na riqueza que a palavra traz ao pensamento, que sorte deram os ingleses pela invasão normanda. O anglo-saxão que falavam era tosco. O latim dos franceses abriu-lhes as mentes para sempre. Por isto as armas britânicas trazem duas frases em francês. "Dieu et mon droit" é a outra.
Sim, a maldade pode estar na cabeça de quem julga. O problema é que a bondade também. O Tufão não era burro, só era muito bom, incapaz de conceber que alguém pudesse ser tão mau. Precisou de muitos dados para se convencer que não podia tirar sua mulher por ele.
É, os outros podem ser diferentes de nós! Anos de prática psicanalítica me ensinaram isto. Sempre aparece o velho cacoete natural, só que hoje ele conversa com o aprendizado.
Este é meu ponto: quem for rápido no julgamento deixará de contemplar a imensa complexidade humana, tirará o outro por si, será rasteiro. Por isto um tribunal ouve a defesa do mais escancarado malfeitor, como temos assistido.
É da natureza humana tirar os outros por si; todos os deuses, por exemplo, tiveram formas humanas
"Você vai deixar os arrozinhos e feijõezinhos aí no prato, separados dos irmãos deles que já estão na sua barriga?", disse a minha babá. Chantageado pela culpa, raspei o prato. Naquela época os adultos faziam seu prato e você era obrigado a limpá-lo. Será que isto tem alguma relação com meu combate à obesidade pelo resto da vida? O que sei é que nenhuma dúvida tive sobre a antropomorfização da comida. (Sinto pelo nome, mas significa atribuir humanidade a coisas e animais). Eu tirava o arroz e feijão por mim. Se fosse separado de meus seis irmãos, ficaria muito triste, logo...
Achamos perfeitamente natural que os personagens da Disney ajam como humanos. Nunca nos ocorre que Mickey é um rato, Pateta um cachorro, Clarabela uma vaca, Horácio um jumento, Donald um pato (vocês já viram o Donald nu? Ele só usa um colete, mas quando o tira para o banho, cobre com as "mãos" as partes baixas por pudor!). O próprio Pluto, apesar de ser o mais bicho de todos, exibe uma bela dentadura humana, sem um único "canino".
É da natureza humana tirar os outros por si. Pense nos vários E. T. São homenzinhos levemente diferentes sempre. Os psicólogos evolucionistas sugerem que nossa consciência nasceu com este tosco ato de reflexão: "Ele está fazendo aquela cara que eu faço quando quero trapacear alguém, logo, deve ser um trapaceiro". Não pense que nossos ancestrais formulavam com tal complexidade, senão estaríamos tirando eles por nós. Era, a princípio, apenas uma sensação. Foi a aquisição da palavra que produziu o pensamento complexo.
Mas continuamos a tirar os outros por nós. Rigorosamente todos os deuses inventados pelo homem tiveram formas humanas, inclusive Iavé (o deus-pai judaico-cristão), de barbas brancas, sentado na nuvem.
Mas é no terreno da compreensão do outro que a coisa pega. "Honi soit qui mal y pense" (amaldiçoado seja quem pensar mal disto), disse o rei inglês Eduardo 3º nos anos 1300, sugerindo que a maldade estava na cabeça de quem julgava seu gesto cavalheiro de pegar a liga que caíra da perna da moça no baile. Aliás, falando na riqueza que a palavra traz ao pensamento, que sorte deram os ingleses pela invasão normanda. O anglo-saxão que falavam era tosco. O latim dos franceses abriu-lhes as mentes para sempre. Por isto as armas britânicas trazem duas frases em francês. "Dieu et mon droit" é a outra.
Sim, a maldade pode estar na cabeça de quem julga. O problema é que a bondade também. O Tufão não era burro, só era muito bom, incapaz de conceber que alguém pudesse ser tão mau. Precisou de muitos dados para se convencer que não podia tirar sua mulher por ele.
É, os outros podem ser diferentes de nós! Anos de prática psicanalítica me ensinaram isto. Sempre aparece o velho cacoete natural, só que hoje ele conversa com o aprendizado.
Este é meu ponto: quem for rápido no julgamento deixará de contemplar a imensa complexidade humana, tirará o outro por si, será rasteiro. Por isto um tribunal ouve a defesa do mais escancarado malfeitor, como temos assistido.
O segredo do crescimento robusto - JOAQUIM LEVY
FOLHA DE SP - 30\10
O fim do tráfico de escravos fez o dinheiro empatado nele ir a setores menos arcaicos. Hoje, a queda dos juros pode ter efeito similar, se criarmos poupança
Para alguns analistas, a recente queda de juros no Brasil teria efeitos reminiscentes aos que se convencionou associar à extinção do tráfego de escravos em 1850.
Esta teria permitido redirecionar para a produção de manufaturas e outras atividades menos arcaicas o vultoso capital antes empatado nas atividades negreiras, ajudando o Segundo Reinado a viver seus melhores momentos.
Momentos para os quais concorreram, claro, a consolidação institucional com o Código Comercial, que vale até hoje, a conciliação promovida pelo marquês do Paraná entre liberais e conservadores e até a criação da Guarda Nacional e a convalidação da situação fundiária.
Tudo isso estaria na raiz das estradas de ferro e fábricas que surgiram à época.
Então, como podemos aproveitar os atuais juros baixos, considerando um ambiente internacional que favorece economias grandes e diversificadas como a brasileira, e o sucesso das reformas dos últimos 15 anos que, entre outros ganhos, tornou obsoleta a preocupação com a fuga de capitais? A resposta está no fortalecimento da poupança nacional e seus instrumentos.
Já temos instrumentos consolidados, como a indústria de fundos de investimentos, a quarta maior do mundo fora de paraísos fiscais. E outros recentes, como os incentivos tributários para a compra de debêntures (títulos de dívida) para o investimento em inovação e especialmente em infraestrutura.
Também se vislumbram novas oportunidades, com os movimentos do BNDES para apoiar o mercado de capitais, diminuindo o fardo sobre si e o Tesouro Nacional.
Mas, há alguns cuidados, porque a poupança livre é sensível e exigente. Tal poupança se ressente de constrangimentos e evita a incerteza.
A confiança na política fiscal e monetária é portanto talvez o maior indutor do aumento do horizonte de aplicação da poupança privada: ao se reduzir o risco agregado, os poupadores naturalmente procuraram papéis com mais risco individual. De fato, tem havido aumento espontâneo da demanda por debêntures privadas e, via fundos de investimento, letras financeiras.
Como a demografia e o aumento de renda disponível estão favorecendo o aumento da poupança das famílias, se a dívida pública bruta for caindo, os juros poderão mais facilmente se manter baixos e as famílias voluntariamente direcionar sua poupança para o financiamento do investimento de longo prazo.
Em um quadro sem sobressaltos para, por exemplo, as concessões de logística e energia, abrem-se assim possibilidades com extraordinárias repercussões para o desenvolvimento do Brasil. Aliás, os fundos de ações que investem em empresas de infraestrutura vêm tendo excelentes resultados.
Nesse ambiente, é importante que o fortalecimento da poupança das famílias e do governo não seja prejudicado pela fragilização da poupança das empresas, o único componente da poupança doméstica cujo nível em tempos normais não fica muito abaixo do de outros países.
Logo, vale o cuidado, no complicado cenário internacional em que o pais navega, de não confundir o estímulo às margens de lucro de alguns setores, por razões relevantes, mas às vezes transitórias e às expensas de outros segmentos, com iniciativas que aumentem a produtividade total da economia.
A experiência de século e meio mostra que só o aumento da produtividade garante o crescimento sustentado do estoque de capital e da renda real do trabalhador. E é a perspectiva de acumulação de lucro que leva o poupador a acreditar na valorização das suas aplicações, por exemplo, no mercado acionário, motivando-o a financiar o crescimento.
O cuidado é ainda mais relevante quando alguns mecanismos de poupança forçada, como certos encargos no setor de energia, estão sendo desmontados e a indústria de fundos de investimentos, por suas consistência, granjeou a confiança do investidor, pois, como é sabido, a responsabilidade aumenta ao se cativar alguém.
Assim, os juros baixos e a abertura de novas áreas para o setor privado têm grande potencial transformador, mas vale lembrar que o segredo para o crescimento robusto, parafraseando aquele consultor político do presidente Clinton, "é a poupança, iconoclasta!".
Fragmentação partidária e fadiga de material - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 30\10
No inevitável balanço de ganhos e perdas eleitorais, há boas e más notícias para quase todas as legendas. Avanços em algumas regiões foram compensados por recuos em outras e vice-versa. Mas é indiscutível que, ao voltar a ganhar na cidade de São Paulo, o PT e seu principal estrategista, Lula, saem das urnas com um cobiçado troféu, essencial para o partido tentar alcançar o Palácio dos Bandeirantes, cidadela jamais conquistada pelos petistas.
A vitória paulistana consegue ofuscar derrotas do PT em campanhas nas quais Lula e a própria presidente Dilma se envolveram diretamente. Caso de Manaus, onde o tucano Arthur Virgílio desta vez resistiu a Lula, considerado responsável em 2010 pela tentativa frustrada de Virgílio se manter no Senado. Agora, a ajuda do PT à candidata do PCdoB Vanessa Grazziotin, senadora que desbancara Arthur Virgílio em 2010, não surtiu efeito. Salvador, outra derrota do PT de Lula e Dilma, viu renascer o carlismo e, em certa medida, o DEM, com ACM Neto. No primeiro turno, a dupla Lula-Dilma já havia perdido em Belo Horizonte.
Mais uma frustração petista ocorreu em Campinas, onde o "poste" erguido por Lula, Márcio Pochmann, não reluziu como Haddad na capital: perdeu para Jonas Donizette, do PSB, do governador pernambucano Eduardo Campos. Outro candidato do partido de Campos, Roberto Cláudio, venceu o PT em Fortaleza (Elmano), feito creditado mais aos irmãos Gomes (o governador Cid e o ex-ministro Ciro) que ao governador pernambucano.
O PSB, com 442 prefeituras, 27 das quais em municípios com mais de 100 mil habitantes, cacifa o nome de Eduardo Campos como peça do jogo político nacional. O recém-criado PSD, de Gilberto Kassab, amealhou 498 prefeituras, 20 de porte razoável. Os tucanos, por sua vez, vivenciam o desgosto da derrota para seu grande adversário em São Paulo. Não compensa, mas o partido, com 698 prefeitos - só perde para os 1.023 do PMDB -, cresceu em direção ao Norte e ao Nordeste.
Houve uma grande fragmentação partidária nestas eleições municipais: 11 legendas se dividem no controle das 26 capitais. Fica evidente a excessiva pulverização de partidos, mazela derivada da leniente legislação político-eleitoral brasileira. Caberá à presidente Dilma encontrar espaço no governo para tantos aliados, sem degradar ainda mais a qualidade administrativa, que já não é das melhores.
Destaca-se, ainda, o alto índice de abstenções no segundo turno (19% contra 16,4% no primeiro turno). Em São Paulo, incluindo votos nulos e brancos, 31% não escolheram qualquer candidato. O dado é grave. Tem-se, nestes números, a medida do desalento com o quadro político-partidário. Há uma espécie de fadiga de material na representação política. Esta realidade deveria levar as lideranças a trabalhar na renovação de quadros e da própria maneira de se fazer política no Brasil, onde se debatem pouco ideias e projetos, em benefício do compadrio e clientelismo.
A vitória paulistana consegue ofuscar derrotas do PT em campanhas nas quais Lula e a própria presidente Dilma se envolveram diretamente. Caso de Manaus, onde o tucano Arthur Virgílio desta vez resistiu a Lula, considerado responsável em 2010 pela tentativa frustrada de Virgílio se manter no Senado. Agora, a ajuda do PT à candidata do PCdoB Vanessa Grazziotin, senadora que desbancara Arthur Virgílio em 2010, não surtiu efeito. Salvador, outra derrota do PT de Lula e Dilma, viu renascer o carlismo e, em certa medida, o DEM, com ACM Neto. No primeiro turno, a dupla Lula-Dilma já havia perdido em Belo Horizonte.
Mais uma frustração petista ocorreu em Campinas, onde o "poste" erguido por Lula, Márcio Pochmann, não reluziu como Haddad na capital: perdeu para Jonas Donizette, do PSB, do governador pernambucano Eduardo Campos. Outro candidato do partido de Campos, Roberto Cláudio, venceu o PT em Fortaleza (Elmano), feito creditado mais aos irmãos Gomes (o governador Cid e o ex-ministro Ciro) que ao governador pernambucano.
O PSB, com 442 prefeituras, 27 das quais em municípios com mais de 100 mil habitantes, cacifa o nome de Eduardo Campos como peça do jogo político nacional. O recém-criado PSD, de Gilberto Kassab, amealhou 498 prefeituras, 20 de porte razoável. Os tucanos, por sua vez, vivenciam o desgosto da derrota para seu grande adversário em São Paulo. Não compensa, mas o partido, com 698 prefeitos - só perde para os 1.023 do PMDB -, cresceu em direção ao Norte e ao Nordeste.
Houve uma grande fragmentação partidária nestas eleições municipais: 11 legendas se dividem no controle das 26 capitais. Fica evidente a excessiva pulverização de partidos, mazela derivada da leniente legislação político-eleitoral brasileira. Caberá à presidente Dilma encontrar espaço no governo para tantos aliados, sem degradar ainda mais a qualidade administrativa, que já não é das melhores.
Destaca-se, ainda, o alto índice de abstenções no segundo turno (19% contra 16,4% no primeiro turno). Em São Paulo, incluindo votos nulos e brancos, 31% não escolheram qualquer candidato. O dado é grave. Tem-se, nestes números, a medida do desalento com o quadro político-partidário. Há uma espécie de fadiga de material na representação política. Esta realidade deveria levar as lideranças a trabalhar na renovação de quadros e da própria maneira de se fazer política no Brasil, onde se debatem pouco ideias e projetos, em benefício do compadrio e clientelismo.
Lições petistas - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 30\10
A entrevista do presidente do PT, Rui Falcão, ontem deixou claro que o partido acolheu todas as lições das urnas. As boas e as más. A boa é a de que o eleitor não identifica o partido com o mensalão e que o julgamento político já foi feito lá atrás. A ruim é que, quando a briga interna é grande, o castigo vem a cavalo.
Para quem não assistiu à entrevista, vale aqui lembrar que Falcão afirmou com todas as letras que proporá ao PT uma nova mudança nas normas internas. “Minha proposta é a de que onde tivermos prefeito com direito à reeleição não se façam prévias (para escolha do candidato).” A frase de Falcão é um sinal de que o caso de Recife ficou marcado. Lá, uma disputa interna na legenda tirou do prefeito João da Costa o direito de ser candidato à reeleição. O desfecho foi uma vitória retumbante do socialista Geraldo Júlio, carregado pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que, desde então, aparece em todos os jornais e até no exterior, como uma aposta para 2014.
Essa não foi a primeira vez em que um nome do PT perdeu uma eleição porque o partido não colocou como candidato aquele que já estava no cargo. Em 2002, Olívio Dutra era governador do Rio Grande do Sul e uma prévia no PT terminou por tirá-lo da disputa. Resultado: o PT perdeu a eleição. Diante desses dois casos, Rui Falcão não tem mais dúvidas: não dá para montar um discurso eleitoral capaz de convencer o eleitor a votar num outro nome do mesmo partido.
Resta saber se o PT adotará essa regra já em 2014, garantindo a Agnelo Queiroz (DF), Tarso Genro (Rio Grande do Sul) e Tião Vianna (Acre) o direito de concorrer à reeleição sem passar por prévias internas.
Enquanto isso, em São Paulo…
A outra lição que o PT tirou é a de que, onde não se tem o governo, não adianta ficar repetindo o mesmo candidato por muitas vezes para ver se ele emplaca. O novo e o técnico parecem empolgar mais. A curto prazo, Fernando Haddad chega para montar a sua equipe com ares de quem não vai deixar os petistas e aliados lotearem os cargos a seu bel prazer. Para a pasta da Saúde, por exemplo, não está descartada a nomeação de Mariani Pinotti, não ser por ser apenas peemedebista, mas pelo fato de ter conhecimento da área de saúde.
A médio prazo, a aposta é que virá uma “novidade” para ser candidato a governador contra Geraldo Alckmin, onde a palavra de Lula terá peso 10. Por isso, daqui para frente, todos vão olhar com muito cuidado para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e para o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, os preferidos de Lula.
Aloizio Mercadante, que está muito bem no papel de ministro da Educação, dizem os petistas, não é hoje o nome preferido de Lula, embora seja um dos ministros mais próximos da presidente Dilma Rousseff. Assim, a tendência, dizem alguns, é a de que continue mesmo no governo, seja montando uma marca na área da educação que possa servir de alavanca para o futuro, ou na concepção geral do governo em outro cargo. Afinal, avisam os assessores de Dilma, competência ele tem. Padilha, por sua vez, ainda precisa montar uma marca na saúde.
E no gabinete presidencial…
O que se ouve pela Esplanada e fora dela é que a reforma ministerial será pontual, ou seja, sem remoção de muitas peças. Àqueles que tentaram balançar o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, os mais próximos de Dilma lembram que o “Aguinaldinho” está muito bem e que é preciso manter o PP por perto para não deixar que o habilidoso Aécio Neves, primo do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), termine levando os pepistas para outro caminho daqui a dois anos.
Esse raciocínio nos leva a crer que, daqui para frente, tudo será feito de olho no calendário eleitoral. E nesse sentido, uma das poucas apostas que Dilma ainda pretende fazer em termos de “ousadia administrativa” em 2013 é buscar alguma mudança nos impostos, com uma mexida no ICMS. Para este ano, a ordem é seguir trabalhando as concessões de portos, aeroportos e hidrovias. Quanto à desoneração de alguns setores, não há mais nada previsto para este ano. Se houver, será no que vem, quando a presidente quer trabalhar mais essa questão tributária. Ela considera que, do jeito que está, não dá para continuar. E avisa aos empresários que eles podem ficar tranquilos porque tudo será avisado com antecedência. Afinal, se tem outra lição que o PT tirou — não da campanha, mas ao longo desses quase 10 anos de governo — foi a de que, na economia, quanto menos surpresas melhor.
Por falar em surpresa…
Hoje, os petistas continuam comemorando a vitória de Haddad em Brasília com uma festa na Câmara, às 17h, para marcar o lançamento da edição número 5 mil do jornal interno do PT, informativo que serve de guia aos deputados da bancada.
Eu sou um imbecil - PAULO SANT’ANA
ZERO HORA 30/10
Resolvi parar um pouco para pensar.
Será que não estou com a razão?
Acontece que recebi cerca de 40 mensagens de leitores que afirmam categoricamente que aprovam que os presidiários gaúchos morram de doenças ou enforcados por seus colegas.
Não são poucas nem eventuais as mensagens, elas se posicionam de modo enérgico a favor do morticínio nos presídios.
*
Muitas dessas mensagens dizem taxativamente que “são poucos os presos que morrem nos presídios do RS” (120 por ano, segundo ZH).
Declaram que tinha de morrer muito mais pelos crimes que cometem contra a população.
Não há nenhum equívoco, elas querem que os presos sejam maltratados, que morram por doenças e sejam enforcados (a maioria dos que morrem assassinados pelos outros presos dentro da prisão é pela via do enforcamento).
*
Eu preciso realizar uma profunda reflexão. Certamente, essas pessoas que me escrevem desse jeito são gente de bem, trabalhadora, têm família etc.
Então eu penso: será que não sou eu que estou errado? Será que os governantes e as autoridades penitenciárias estão com razão ao permitir esse holocausto?
Sinceramente, estou duvidando dos meus princípios e de que eles não são de humanidade.
Eu devo estar errado. Essa gente toda que me escreve é que está certa, preso tem de ser escorraçado e tem de morrer.
*
É muita gente escrevendo com este ponto de vista. A maioria, já que escrevi que não durmo direito com essas milhares de mortes em 10 anos, respondeu-me dizendo que eu não tenho de dormir direito por causa das pessoas assaltadas e assassinadas pelos presos.
Nem sei quem são os presos que morrem nas prisões, não sei que crime cometeram, podem ter sido delitos leves.
Mas os que escrevem aprovando o genocídio não querem nem saber que crimes cometeram os presos mortos ou assassinados. Eles não só querem que eles continuem a morrer por doenças e assassinatos como também acham que são poucos, que muitos mais deveriam morrer por essas razões.
Dou-me finalmente por vencido. Eu é que estou errado e os que me escrevem estão certos.
Porque chega uma hora em que a gente, que pensa de um jeito, tem de refletir que está errado e certos são os que querem os presos torturados, doentes de morte e assassinados.
Esta gente é respeitável e sou obrigado a acatar a sua opinião.
*
Não adianta mandar contra a maré. Se isso é o que pensa a sociedade, é assim que tem de ser feito. Deve-se respeitar a maioria. E a maioria prega a desgraça dos presos. Eu já tinha de ter desconfiado disso quando só encontrei indiferença entre os gaúchos, durante 41 anos, quando eu defendi bons tratos para os presos, o que não queria dizer absolutamente que não tinham de pagar por seus delitos.
Ou eu fui educado erradamente, ou, então, eu estou pensando errado, o meu raciocínio não está batendo certo. Afinal, chega um dia em que a gente tem de fazer um exame de consciência e ter a humildade de considerar que se está errado.
Está bem, vocês venceram, os presos têm de passar fome, têm de morar em esgotos, têm de ser maltratados, têm de não ser atendidos em suas doenças e têm de ser assassinados.
E eu me declaro solenemente um imbecil.
Resolvi parar um pouco para pensar.
Será que não estou com a razão?
Acontece que recebi cerca de 40 mensagens de leitores que afirmam categoricamente que aprovam que os presidiários gaúchos morram de doenças ou enforcados por seus colegas.
Não são poucas nem eventuais as mensagens, elas se posicionam de modo enérgico a favor do morticínio nos presídios.
*
Muitas dessas mensagens dizem taxativamente que “são poucos os presos que morrem nos presídios do RS” (120 por ano, segundo ZH).
Declaram que tinha de morrer muito mais pelos crimes que cometem contra a população.
Não há nenhum equívoco, elas querem que os presos sejam maltratados, que morram por doenças e sejam enforcados (a maioria dos que morrem assassinados pelos outros presos dentro da prisão é pela via do enforcamento).
*
Eu preciso realizar uma profunda reflexão. Certamente, essas pessoas que me escrevem desse jeito são gente de bem, trabalhadora, têm família etc.
Então eu penso: será que não sou eu que estou errado? Será que os governantes e as autoridades penitenciárias estão com razão ao permitir esse holocausto?
Sinceramente, estou duvidando dos meus princípios e de que eles não são de humanidade.
Eu devo estar errado. Essa gente toda que me escreve é que está certa, preso tem de ser escorraçado e tem de morrer.
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É muita gente escrevendo com este ponto de vista. A maioria, já que escrevi que não durmo direito com essas milhares de mortes em 10 anos, respondeu-me dizendo que eu não tenho de dormir direito por causa das pessoas assaltadas e assassinadas pelos presos.
Nem sei quem são os presos que morrem nas prisões, não sei que crime cometeram, podem ter sido delitos leves.
Mas os que escrevem aprovando o genocídio não querem nem saber que crimes cometeram os presos mortos ou assassinados. Eles não só querem que eles continuem a morrer por doenças e assassinatos como também acham que são poucos, que muitos mais deveriam morrer por essas razões.
Dou-me finalmente por vencido. Eu é que estou errado e os que me escrevem estão certos.
Porque chega uma hora em que a gente, que pensa de um jeito, tem de refletir que está errado e certos são os que querem os presos torturados, doentes de morte e assassinados.
Esta gente é respeitável e sou obrigado a acatar a sua opinião.
*
Não adianta mandar contra a maré. Se isso é o que pensa a sociedade, é assim que tem de ser feito. Deve-se respeitar a maioria. E a maioria prega a desgraça dos presos. Eu já tinha de ter desconfiado disso quando só encontrei indiferença entre os gaúchos, durante 41 anos, quando eu defendi bons tratos para os presos, o que não queria dizer absolutamente que não tinham de pagar por seus delitos.
Ou eu fui educado erradamente, ou, então, eu estou pensando errado, o meu raciocínio não está batendo certo. Afinal, chega um dia em que a gente tem de fazer um exame de consciência e ter a humildade de considerar que se está errado.
Está bem, vocês venceram, os presos têm de passar fome, têm de morar em esgotos, têm de ser maltratados, têm de não ser atendidos em suas doenças e têm de ser assassinados.
E eu me declaro solenemente um imbecil.
Cada um com seus problemas - ROSELY SAYÃO
FOLHA DE SP - 30\10
Enquanto a vida escolar da criança for questão vital para os pais, ela não assumirá sua responsabilidade
Muitos pais, com filhos de todas as idades, perguntam como fazer a criança ou o adolescente assumir suas responsabilidades. Os exemplos são os mais diferentes e a lição de casa -seja a cotidiana, seja o chamado trabalho- é a grande campeã.
A mãe de uma criança de cinco anos conta que já está desesperada porque a filha não quer saber de fazer sua lição de casa nem com ajuda. Ela já colocou a filha de castigo, já a premiou, já conversou, já fez tudo o que sabia, mas não conseguiu resultados. Vários outros pais contam situações semelhantes.
A grande pergunta de todos eles é: "O que eu posso fazer para resolver isso de vez?". Lição de casa nessa idade?! Creio não haver mesmo solução.
Outros exemplos muito citados são as pequenas tarefas domésticas que os filhos deveriam fazer, mas não fazem. Colocar a roupa suja no local adequado, arrumar a cama, guardar as roupas e os calçados que tiram e espalham pela casa, ajudar a arrumar a mesa para o jantar etc. A criançada não quer saber de trabalho. Muito menos de tarefas.
Uma mãe, muito bem-humorada, disse que ela proibiu o filho de dizer a frase "Já vou, mãe". É que sempre que ela cobrava o filho para que fizesse o combinado ela ouvia a tal frase, agora vetada.
Por fim, a escola e o resultado das avaliações. Todos os pais que me escreveram disseram que os filhos não gostam de estudar, que não se preocupam com as notas baixas, tampouco com o risco de retenção ou de mudança de escola. Nem as ameaças funcionam, contam os pais. Nem mesmo prêmio em dinheiro, que os mais novos gostam tanto de ter, dá resultado.
Vamos encarar o assunto começando pela responsabilidade escolar. Hoje, existem dois fatores que conspiram contra a possibilidade de crianças e adolescentes assumirem a vida escolar como uma batalha pessoal e intransferível: os pais e a própria escola.
Os pais decidiram que os filhos precisam, de qualquer maneira, ter uma vida escolar exitosa. Para tanto, procuram a melhor escola, contratam professores particulares, buscam profissionais para ajudar o filho a enfrentar as dificuldades que encontram, estão em contato constante com dirigentes da escola etc.
Já afirmei aqui e repito: parece que a vida escolar do filho se tornou uma espécie de avaliação de seus pais. Bons pais produzem alunos dedicados aos estudos e com bons resultados em qualquer tipo de avaliação. Essa parece ser a máxima em vigor.
Ocorre que, enquanto a vida escolar for uma questão vital para os pais, os filhos não a assumirão como sua.
A escola, por sua vez, continua a atuar como fazia séculos atrás: espera que os alunos deem conta das tarefas sem que sejam ensinados.
Tomemos a lição de casa como exemplo. Se o aluno não aprender que fazer a lição tem seus frutos e não fazer também, não terá motivo algum para assumir sua lição.
O que acontece com o aluno que não entrega a lição? Essa é uma boa pergunta que os pais deveriam fazer para a escola. Aí, quem sabe, poderiam ficar tranquilos deixando a lição de casa, feita ou não, com o filho.
Quanto às pequenas responsabilidades com os afazeres domésticos é preciso, em primeiro lugar, que a criança sinta que pertence àquele grupo familiar e que isso acarreta ônus e bônus.
Até os seis anos, mais ou menos, a criança aprende sempre que os pais lhe pedem para ajudar. Depois disso e até a adolescência, a criança aprende fazendo com a ajuda dos pais. Na adolescência, o filho precisará ser sempre lembrado de suas responsabilidades. Mas não vale fazer por ele, mesmo que isso custe não ter roupa limpa na hora que ele precisar.
Ensinar aos filhos que eles devem assumir suas próprias responsabilidades dá trabalho, exige paciência e persistência, porque é uma tarefa que dura mais ou menos uns 18 anos. Com sorte.
Enquanto a vida escolar da criança for questão vital para os pais, ela não assumirá sua responsabilidade
Muitos pais, com filhos de todas as idades, perguntam como fazer a criança ou o adolescente assumir suas responsabilidades. Os exemplos são os mais diferentes e a lição de casa -seja a cotidiana, seja o chamado trabalho- é a grande campeã.
A mãe de uma criança de cinco anos conta que já está desesperada porque a filha não quer saber de fazer sua lição de casa nem com ajuda. Ela já colocou a filha de castigo, já a premiou, já conversou, já fez tudo o que sabia, mas não conseguiu resultados. Vários outros pais contam situações semelhantes.
A grande pergunta de todos eles é: "O que eu posso fazer para resolver isso de vez?". Lição de casa nessa idade?! Creio não haver mesmo solução.
Outros exemplos muito citados são as pequenas tarefas domésticas que os filhos deveriam fazer, mas não fazem. Colocar a roupa suja no local adequado, arrumar a cama, guardar as roupas e os calçados que tiram e espalham pela casa, ajudar a arrumar a mesa para o jantar etc. A criançada não quer saber de trabalho. Muito menos de tarefas.
Uma mãe, muito bem-humorada, disse que ela proibiu o filho de dizer a frase "Já vou, mãe". É que sempre que ela cobrava o filho para que fizesse o combinado ela ouvia a tal frase, agora vetada.
Por fim, a escola e o resultado das avaliações. Todos os pais que me escreveram disseram que os filhos não gostam de estudar, que não se preocupam com as notas baixas, tampouco com o risco de retenção ou de mudança de escola. Nem as ameaças funcionam, contam os pais. Nem mesmo prêmio em dinheiro, que os mais novos gostam tanto de ter, dá resultado.
Vamos encarar o assunto começando pela responsabilidade escolar. Hoje, existem dois fatores que conspiram contra a possibilidade de crianças e adolescentes assumirem a vida escolar como uma batalha pessoal e intransferível: os pais e a própria escola.
Os pais decidiram que os filhos precisam, de qualquer maneira, ter uma vida escolar exitosa. Para tanto, procuram a melhor escola, contratam professores particulares, buscam profissionais para ajudar o filho a enfrentar as dificuldades que encontram, estão em contato constante com dirigentes da escola etc.
Já afirmei aqui e repito: parece que a vida escolar do filho se tornou uma espécie de avaliação de seus pais. Bons pais produzem alunos dedicados aos estudos e com bons resultados em qualquer tipo de avaliação. Essa parece ser a máxima em vigor.
Ocorre que, enquanto a vida escolar for uma questão vital para os pais, os filhos não a assumirão como sua.
A escola, por sua vez, continua a atuar como fazia séculos atrás: espera que os alunos deem conta das tarefas sem que sejam ensinados.
Tomemos a lição de casa como exemplo. Se o aluno não aprender que fazer a lição tem seus frutos e não fazer também, não terá motivo algum para assumir sua lição.
O que acontece com o aluno que não entrega a lição? Essa é uma boa pergunta que os pais deveriam fazer para a escola. Aí, quem sabe, poderiam ficar tranquilos deixando a lição de casa, feita ou não, com o filho.
Quanto às pequenas responsabilidades com os afazeres domésticos é preciso, em primeiro lugar, que a criança sinta que pertence àquele grupo familiar e que isso acarreta ônus e bônus.
Até os seis anos, mais ou menos, a criança aprende sempre que os pais lhe pedem para ajudar. Depois disso e até a adolescência, a criança aprende fazendo com a ajuda dos pais. Na adolescência, o filho precisará ser sempre lembrado de suas responsabilidades. Mas não vale fazer por ele, mesmo que isso custe não ter roupa limpa na hora que ele precisar.
Ensinar aos filhos que eles devem assumir suas próprias responsabilidades dá trabalho, exige paciência e persistência, porque é uma tarefa que dura mais ou menos uns 18 anos. Com sorte.
O tamanho não conta - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 30\10
A democracia estaria melhor servida com dois grandes partidos -um de esquerda, outro de direita
Sérgio Dávila escreveu nesta Folha a favor da polarização em política. Será que o sistema brasileiro, com seus 30 partidos, é mais desejável do que o sistema bipartidário norte-americano, onde republicanos e democratas se alternam no poder? Dávila pensa que não -e pensa muito bem.
Há anos que, em Portugal, travo a mesma batalha: a democracia lusa estaria melhor servida se existissem dois grandes partidos -um de esquerda, outro de direita- capazes de deterem maiorias sólidas e de serem solidamente responsabilizados por seus atos.
Não é uma batalha fácil: sempre que alguém levanta a bandeira do bipartidarismo, chovem acusações de fechamento democrático e de horror ao pluralismo. Em minha defesa, só posso invocar o nome de um dos maiores apologistas da "sociedade aberta": o filósofo Karl Popper.
Em 1987, Popper, então com 85 anos, esteve em Lisboa para uma notável conferência sobre a sua vida e, em especial, a sua teoria da democracia.
Sobre a vida, os fatos são conhecidos: nascido em Viena em 1902, Popper atravessou a Primeira Guerra Mundial; encantou-se com o comunismo; desencantou-se logo a seguir; assistiu, horrorizado, à ascensão do nazismo; e construiu uma impressionante obra filosófica no exílio.
Mas nesse encontro em Lisboa, o velho filósofo concentrou-se sobretudo na sua teoria da democracia. Para Popper, a democracia é um problema eminentemente prático e técnico. Ela procura saber como remover os maus governantes sem derramamento de sangue.
Naturalmente que cabe ao povo, pela força do voto, essa punição exemplar. Mas Popper sublinhava que essa punição só é verdadeiramente exemplar -um "dia do juízo final", dizia ele- em sistemas tendencialmente bipartidários.
A afirmação pode soar bizarra: o aumento do número de partidos deveria significar mais escolha, mais ideias em circulação, melhor distribuição de poder e influência.
Um erro, avisava Popper. Para começar, a existência de muitos partidos traz dificuldades acrescidas à formação de governos coesos -para não falar do funcionamento e da duração desses governos.
Em Portugal, esse aviso é uma evidência empírica: desde a instauração da democracia, há mais de 35 anos, o país teve oito governos de coalização. Nenhum deles -repito: nem um- chegou ao fim do seu mandato. Só governos de um único partido o conseguiram.
Aliás, o atual governo de coalização ilustra o ponto: eleito há pouco mais de um ano, as fissuras são já gritantes. Poucos creem na sua sobrevivência a curto prazo.
Mas há mais: sistemas pluripartidários tendem a conceder aos pequenos partidos um poder que pode revelar-se, ironicamente, antidemocrático. Se a democracia significa a escolha da maioria, não cabe a uma minoria determinar a vontade livremente expressa das maiorias.
Os pequenos partidos, explicava Popper, acabam por adquirir um poder desproporcionado na formação de governos e no processo decisório desses governos.
Finalmente, o argumento de peso: enganam-se os que pensam que sistemas bipartidários têm menor flexibilidade ideológica. Os dois grandes partidos americanos, por exemplo, apresentam uma capacidade de reforma e autocrítica internas sem paralelo com qualquer outro sistema pluripartidário.
Essa capacidade -mais: esse imperativo de reforma e autocrítica- está diretamente ligada com a dimensão e o significado das derrotas eleitorais.
Nos Estados Unidos, quem perde, perde a sério. A derrota não é apenas um prejuízo facilmente dissolúvel em dezenas de pequenos partidos. É uma derrota clara que exige uma resposta clara de explicação para essa derrota; e de busca de novas ideias para regressar ao poder.
Como dizia Popper, nas democracias bipartidárias os partidos vivem "em alerta permanente". O que significa uma atenção redobrada (e permanente) às necessidades reais do país e, claro, ao comportamento do partido rival na forma como governa e nas decisões que toma enquanto está no poder.
Bipartidarismo é maturidade, escrevia Dávila. Acrescento: maturidade e qualidade. Quem disse que o tamanho não conta estava só a pensar na quantidade das siglas partidárias.
A democracia estaria melhor servida com dois grandes partidos -um de esquerda, outro de direita
Sérgio Dávila escreveu nesta Folha a favor da polarização em política. Será que o sistema brasileiro, com seus 30 partidos, é mais desejável do que o sistema bipartidário norte-americano, onde republicanos e democratas se alternam no poder? Dávila pensa que não -e pensa muito bem.
Há anos que, em Portugal, travo a mesma batalha: a democracia lusa estaria melhor servida se existissem dois grandes partidos -um de esquerda, outro de direita- capazes de deterem maiorias sólidas e de serem solidamente responsabilizados por seus atos.
Não é uma batalha fácil: sempre que alguém levanta a bandeira do bipartidarismo, chovem acusações de fechamento democrático e de horror ao pluralismo. Em minha defesa, só posso invocar o nome de um dos maiores apologistas da "sociedade aberta": o filósofo Karl Popper.
Em 1987, Popper, então com 85 anos, esteve em Lisboa para uma notável conferência sobre a sua vida e, em especial, a sua teoria da democracia.
Sobre a vida, os fatos são conhecidos: nascido em Viena em 1902, Popper atravessou a Primeira Guerra Mundial; encantou-se com o comunismo; desencantou-se logo a seguir; assistiu, horrorizado, à ascensão do nazismo; e construiu uma impressionante obra filosófica no exílio.
Mas nesse encontro em Lisboa, o velho filósofo concentrou-se sobretudo na sua teoria da democracia. Para Popper, a democracia é um problema eminentemente prático e técnico. Ela procura saber como remover os maus governantes sem derramamento de sangue.
Naturalmente que cabe ao povo, pela força do voto, essa punição exemplar. Mas Popper sublinhava que essa punição só é verdadeiramente exemplar -um "dia do juízo final", dizia ele- em sistemas tendencialmente bipartidários.
A afirmação pode soar bizarra: o aumento do número de partidos deveria significar mais escolha, mais ideias em circulação, melhor distribuição de poder e influência.
Um erro, avisava Popper. Para começar, a existência de muitos partidos traz dificuldades acrescidas à formação de governos coesos -para não falar do funcionamento e da duração desses governos.
Em Portugal, esse aviso é uma evidência empírica: desde a instauração da democracia, há mais de 35 anos, o país teve oito governos de coalização. Nenhum deles -repito: nem um- chegou ao fim do seu mandato. Só governos de um único partido o conseguiram.
Aliás, o atual governo de coalização ilustra o ponto: eleito há pouco mais de um ano, as fissuras são já gritantes. Poucos creem na sua sobrevivência a curto prazo.
Mas há mais: sistemas pluripartidários tendem a conceder aos pequenos partidos um poder que pode revelar-se, ironicamente, antidemocrático. Se a democracia significa a escolha da maioria, não cabe a uma minoria determinar a vontade livremente expressa das maiorias.
Os pequenos partidos, explicava Popper, acabam por adquirir um poder desproporcionado na formação de governos e no processo decisório desses governos.
Finalmente, o argumento de peso: enganam-se os que pensam que sistemas bipartidários têm menor flexibilidade ideológica. Os dois grandes partidos americanos, por exemplo, apresentam uma capacidade de reforma e autocrítica internas sem paralelo com qualquer outro sistema pluripartidário.
Essa capacidade -mais: esse imperativo de reforma e autocrítica- está diretamente ligada com a dimensão e o significado das derrotas eleitorais.
Nos Estados Unidos, quem perde, perde a sério. A derrota não é apenas um prejuízo facilmente dissolúvel em dezenas de pequenos partidos. É uma derrota clara que exige uma resposta clara de explicação para essa derrota; e de busca de novas ideias para regressar ao poder.
Como dizia Popper, nas democracias bipartidárias os partidos vivem "em alerta permanente". O que significa uma atenção redobrada (e permanente) às necessidades reais do país e, claro, ao comportamento do partido rival na forma como governa e nas decisões que toma enquanto está no poder.
Bipartidarismo é maturidade, escrevia Dávila. Acrescento: maturidade e qualidade. Quem disse que o tamanho não conta estava só a pensar na quantidade das siglas partidárias.
O protótipo argentino - JOSÉ LUÍS FIORI
Valor Econômico - 30/10
Foi em 1949 que Raul Prebish (1901-1986) publicou sua famosa crítica da teoria das "vantagens comparativas" e formulou sua teoria do desenvolvimento econômico "periférico", baseado na experiência histórica da Argentina. As ideias de Prebish ocuparam um lugar central no "debate do desenvolvimento", da segunda metade do século XX, mas a Argentina acabou se transformando no protótipo do "modelo primário-exportador" incapaz de se industrializar e que teria ficado à deriva, depois da crise de 1930. Sua história econômica, entretanto, não parece confirmar esse pessimismo, porque apesar de suas grandes crises e depressões cíclicas, no longo prazo, o desenvolvimento argentino foi bem-sucedido, do ponto de vista dos indicadores clássicos utilizados pelos economistas, mesmo depois dos anos 1930.
Como nos Estados Unidos, Alemanha e Japão, a Argentina também viveu uma extraordinária transformação econômica e social, entre 1870 e 1920.
Foi sua "idade de ouro", porque, em 40 anos, seu território mais que triplicou; sua população multiplicou por cinco; sua rede ferroviária passou de 500 para 31.100 quilômetros; e seu Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a uma taxa média anual de cerca de 6% (talvez a maior do mundo, no período), enquanto sua renda per capita crescia a uma taxa média de 3,8%. Como resultado, no início do século XX, a Argentina estava entre os sete países mais ricos do mundo, e sua renda per capita era quatro vezes maior que a dos brasileiros, e o dobro da dos americanos. Nesse período, seu crescimento econômico foi liderado pela exportação de bens primários, mas se deu também na indústria, e contou com os investimento na construção da rede ferroviária que integrou o seu mercado nacional, antes do fim do século XIX.
Apesar de suas grandes crises, desenvolvimento argentino foi bem-sucedido, do ponto de vista dos indicadores
Ao redor de 64% da sua população trabalhava na indústria, comércio ou setor de serviços, e 1/3 dos argentinos viviam em Buenos Aires, uma cidade com alto nível educacional e cultural. Ou seja, na altura da Primeira Guerra Mundial, a Argentina era o país mais rico do continente latino-americano e tinha todas as condições para se transformar na sua potência hegemônica, e talvez, numa potência econômica mundial. Mas não foi isto que aconteceu, sobretudo depois de 1930, apesar de sua economia ter seguido crescendo e se industrializando, e sua sociedade ter seguido enriquecendo e melhorando sua qualidade de vida. Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, a economia argentina cresceu a uma taxa média de 3,78%, entre 1950 e 1973; e de 2,06%, entre 1973 e 1998.
Depois de 1930, entretanto, seu crescimento se deu de forma cada vez mais instável, por meio de ciclos cada vez mais curtos e intensos. Raul Prebish atribuiu essa inflexão às mudanças internacionais, e à forma em que operava o novo "centro cíclico" da economia mundial, os EUA, somado à fragilidade industrial endógena das economias "primário-exportadoras". Mais tarde, ortodoxos e neoliberais atribuíram a culpa dessa mudança de rumo às políticas econômicas populistas do governo Juan Domingos Perón, apesar de Perón só ter governado entre 1945 e 1955 e entre 1973 e 1974.
Existe, entretanto, outra maneira de olhar para a história da Argentina, entre a Revolução de 25 de Maio de 1810, e a destituição do presidente Hipólito Yrigoyen, no dia 6 de setembro de1930, início do que os argentinos chamam de sua "década infame". Depois da Guerra da Independência (1810 e 1816), a Argentina viveu meio século de guerra civil quase permanente, até a assinatura da Constituição de 1853, que criou o Estado Nacional da Argentina. Mesmo contra a resistência de Buenos Aires, que só se submeteu definitivamente em 1862. Depois disso, a Argentina participou da Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870, e logo em seguida o estado argentino iniciou suas guerras de "Conquista do Deserto", que duraram toda a década de 1870.
A conquista militar do "oeste argentino" permitiu a expansão ou ocupação econômica contínua de novos territórios, até o fim da década de 1920. Por isso se pode dizer que o Estado "liberal" argentino nasceu de uma guerra civil que durou meio século, e se consolidou com uma estratégia expansiva de ocupação de novos territórios que durou mais meio século. E foi exatamente no fim dessa expansão que estalou a crise política responsável pela desorganização periódica do estado e pela polarização definitiva da sociedade argentina. Durante a "década infame", seus vários governos praticaram políticas econômicas keynesianas e chegaram mesmo a iniciar um ambicioso programa de industrialização, idealizado pelo próprio Raul Prebish. O que lhes faltou, entretanto, foi uma nova estratégia expansiva e de longo prazo, e um grupo capaz de transformar a economia argentina num instrumento de sua própria acumulação de poder internacional.
Fica a pergunta: isto teria sido possível, num país situado fora do espaço eurasiano e do Atlântico Norte? Pelo menos, os "dependentistas" e os "neoliberais" consideram que não.
* Maddison, A., (2001) The World Economy. A Millennial Perspective,, OECD, p: 197
Mensagem das urnas - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 30\10
SÃO PAULO - O PT obteve uma fulgurante vitória nestas eleições municipais, mas boa parte do brilho vem da conquista de uma única cidade, São Paulo, que concentra 5,7% da população e 11% do PIB do país.
O tamanho do triunfo paulistano foi ainda magnificado pelo fato de que, trazendo o novato Fernando Haddad como candidato, o partido tenha derrotado um dos principais caciques tucanos num importante reduto do PSDB. É temerário, porém, interpretar os resultados municipais como uma prévia de 2014.
A melhor hipótese que li para explicar a disparidade dos desfechos do segundo turno foi a aventada por Melchiades Filho e André Singer, segundo os quais o baixo dinamismo econômico dos últimos anos contribuiu decisivamente para que as oposições locais derrotassem os candidatos situacionistas.
Se esse raciocínio é correto, como me parece que é, mais do que o enfraquecimento da oposição nacional, o que emerge das urnas de 2012 é um sinal de que, se a economia não reagir no próximo biênio, os sonhos continuístas da presidente Dilma Rousseff poderão enfrentar dificuldades. Tudo indica que uma recuperação está em curso, mas nunca se sabe. O seguro morreu de velho.
Algo parecido vale para a oposição. Seria desejável que ela se renovasse, mas deixar de fazê-lo não significa uma sentença de morte.
Se há uma lição política a tirar do que vem acontecendo na Europa, é a de que crises econômicas mais fortes têm o dom de transformar qualquer coisa que se pareça com oposição em situação. E crises de maior profundidade acontecem. Não conseguimos prever se elas virão em um, cinco ou dez anos, mas a ideia de que a economia possa funcionar sem sobressaltos parece cada vez menos crível.
Desconfio até que a tão louvada alternância no poder, fundamental na democracia, tenha mais a ver com ciclos econômicos do que com propostas e o debate de ideias.
SÃO PAULO - O PT obteve uma fulgurante vitória nestas eleições municipais, mas boa parte do brilho vem da conquista de uma única cidade, São Paulo, que concentra 5,7% da população e 11% do PIB do país.
O tamanho do triunfo paulistano foi ainda magnificado pelo fato de que, trazendo o novato Fernando Haddad como candidato, o partido tenha derrotado um dos principais caciques tucanos num importante reduto do PSDB. É temerário, porém, interpretar os resultados municipais como uma prévia de 2014.
A melhor hipótese que li para explicar a disparidade dos desfechos do segundo turno foi a aventada por Melchiades Filho e André Singer, segundo os quais o baixo dinamismo econômico dos últimos anos contribuiu decisivamente para que as oposições locais derrotassem os candidatos situacionistas.
Se esse raciocínio é correto, como me parece que é, mais do que o enfraquecimento da oposição nacional, o que emerge das urnas de 2012 é um sinal de que, se a economia não reagir no próximo biênio, os sonhos continuístas da presidente Dilma Rousseff poderão enfrentar dificuldades. Tudo indica que uma recuperação está em curso, mas nunca se sabe. O seguro morreu de velho.
Algo parecido vale para a oposição. Seria desejável que ela se renovasse, mas deixar de fazê-lo não significa uma sentença de morte.
Se há uma lição política a tirar do que vem acontecendo na Europa, é a de que crises econômicas mais fortes têm o dom de transformar qualquer coisa que se pareça com oposição em situação. E crises de maior profundidade acontecem. Não conseguimos prever se elas virão em um, cinco ou dez anos, mas a ideia de que a economia possa funcionar sem sobressaltos parece cada vez menos crível.
Desconfio até que a tão louvada alternância no poder, fundamental na democracia, tenha mais a ver com ciclos econômicos do que com propostas e o debate de ideias.
O fator PSB - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 30\10
BRASÍLIA - O PT ganhou a joia da coroa, São Paulo, mas levou a pior ao bater de frente com o PSB em Recife e Belo Horizonte, no primeiro turno, e em Fortaleza e Cuiabá, no segundo. Sem falar em Campinas.
É assim, batendo o PT, avançando no Nordeste, conquistando espaço no Sudeste e com o troféu de principal vencedor nas cem cidades mais pobres, que o PSB se consolida como força política relevante no país. Com a vantagem de ser simultaneamente aliado do governo Dilma e interlocutor dileto da oposição.
Ou seja: o PSB e seu grande líder, o governador Eduardo Campos (PE), mantêm as vantagens e luxos de quem está casado com o poder, mas já se preparando para fazer o inverso do PSD de Kassab: trair o PT com o amante PSDB. Possivelmente, não ainda em 2014, mas já em 2018. Tudo é questão de oportunidade.
O PT é uma faca de dois gumes: aliado conveniente porque detém o Planalto -e a caneta, os cargos, as verbas, a popularidade-, mas profundamente inconveniente para os que almejam o poder. Sabe quando o PT vai abrir mão da cabeça de chapa para o PSB, o PMDB, o PC do B ou qualquer outro? Nunca.
Já o PSDB é um aliado excelente, porque é o partido mais forte da oposição e está cada vez mais fraco. Aos 70 anos, Serra, derrotado para a Prefeitura de São Paulo e com alta rejeição dentro e fora do partido, não tem mais vez. Alckmin já não deu para o gasto em 2006. E Aécio, hibernando no Senado, é uma incógnita.
Sem os três, não sobra ninguém no PSDB e na oposição que seja ao menos visível a olho nu para 2014 e 2018. É esse espólio que Eduardo Campos trabalha e cobiça.
Quando Aécio e Campos se abraçam e despejam milhares de pulgas atrás das orelhas de Lula, Dilma, Serra e Alckmin, o mineiro se sente esperto como o avô Tancredo, imaginando que é ele quem vai colher os frutos. Há controvérsias. Não é Campos quem faz o jogo de Aécio, é Aécio quem está fazendo o jogo de Campos.
BRASÍLIA - O PT ganhou a joia da coroa, São Paulo, mas levou a pior ao bater de frente com o PSB em Recife e Belo Horizonte, no primeiro turno, e em Fortaleza e Cuiabá, no segundo. Sem falar em Campinas.
É assim, batendo o PT, avançando no Nordeste, conquistando espaço no Sudeste e com o troféu de principal vencedor nas cem cidades mais pobres, que o PSB se consolida como força política relevante no país. Com a vantagem de ser simultaneamente aliado do governo Dilma e interlocutor dileto da oposição.
Ou seja: o PSB e seu grande líder, o governador Eduardo Campos (PE), mantêm as vantagens e luxos de quem está casado com o poder, mas já se preparando para fazer o inverso do PSD de Kassab: trair o PT com o amante PSDB. Possivelmente, não ainda em 2014, mas já em 2018. Tudo é questão de oportunidade.
O PT é uma faca de dois gumes: aliado conveniente porque detém o Planalto -e a caneta, os cargos, as verbas, a popularidade-, mas profundamente inconveniente para os que almejam o poder. Sabe quando o PT vai abrir mão da cabeça de chapa para o PSB, o PMDB, o PC do B ou qualquer outro? Nunca.
Já o PSDB é um aliado excelente, porque é o partido mais forte da oposição e está cada vez mais fraco. Aos 70 anos, Serra, derrotado para a Prefeitura de São Paulo e com alta rejeição dentro e fora do partido, não tem mais vez. Alckmin já não deu para o gasto em 2006. E Aécio, hibernando no Senado, é uma incógnita.
Sem os três, não sobra ninguém no PSDB e na oposição que seja ao menos visível a olho nu para 2014 e 2018. É esse espólio que Eduardo Campos trabalha e cobiça.
Quando Aécio e Campos se abraçam e despejam milhares de pulgas atrás das orelhas de Lula, Dilma, Serra e Alckmin, o mineiro se sente esperto como o avô Tancredo, imaginando que é ele quem vai colher os frutos. Há controvérsias. Não é Campos quem faz o jogo de Aécio, é Aécio quem está fazendo o jogo de Campos.
A era dos postes - TUTTY VASQUES
O Estado de S.Paulo - 30\10
Claro que aquele beijo na boca que o Serra tentou desesperadamente evitar às vésperas do pleito não ajudou o candidato nas urnas, mas não adianta agora chorar o leite derramado.
Em vez de procurar culpados pela derrota em SP, a oposição ao Planalto precisa encontrar logo um poste com luz própria para concorrer com o de Lula em 2014 - ou vai perder também a corrida pelo governo do Estado!
O ex-presidente reinventou o poste, mas pode ser um erro de avaliação política creditar o fenômeno eleitoral unicamente ao prestígio do "cara".
Isso que Marta Suplicy chama de "tirocínio do Lula" talvez seja tão-somente mérito de quem percebeu primeiro que, entre um político renomado e um ilustre desconhecido, o eleitor escaldado pela decepção vai sempre escolher o candidato com menos notoriedade, independentemente de quem for seu padrinho.
Por dúvida das vias, o PSDB deveria levar a sério a possibilidade de usar a mesma arma do PT em 2014!
Não é possível que FHC não guarde no bolso do colete o nome de alguém tão inexpressivo quanto o ministro Alexandre Padilha - apontado como o terceiro poste de Lula - para disputar o Palácio dos Bandeirantes.
Evasão de privacidade
As pessoas falam demais! Se Deborah Secco aprendeu a beijar na boca com André Gonçalves, ninguém tem nada a ver com isso, taí um bom motivo para a atriz não ficar falando esse tipo de coisa por aí!
Bem feito
Se morasse em São Paulo ou em Salvador, Caetano Veloso estaria agora comemorando a vitória de Fernando Haddad ou de ACM Neto, respectivamente. Como tem domicílio eleitoral no Rio, não elegeu ninguém de novo!
Do primeiro Enem...
Já está quase tudo pronto para estreia de Aloizio Mercadante à frente do Enem no próximo fim de semana. O ministro da Educação está confiante de que, se caprichar na lambança, poderá suceder Fernando Haddad também na Prefeitura de São Paulo em 2016!
Ô, raça!
Um estudo conjunto de universidades do Brasil e da Austrália concluiu que as abelhas podem diferenciar uma obra impressionista de Monet de uma pintura cubista de Picasso. Isso quer dizer o seguinte: os cientistas, definitivamente, não têm mais o que fazer!
Mal comparando
Quem circulou ontem pela São Paulo Fashion Week garante: nem no último horário eleitoral gratuito na TV tinha tanta gente esquisita.
Day after
O Salão do Automóvel de São Paulo foi o assunto de ontem nos engarrafamentos da cidade! Coisa boa voltar ao conforto de seu próprio carrinho, né não?
Analogia infame
Quem esteve no olho do furacão Sandy garante: é impossível, como sugeriu a cantora de mesmo nome em entrevista à Playboy, sentir prazer em tais circunstâncias! Só se fala disso em Nova York!
A inflação artificialmente contida voltará em 2013 - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 30\10
O governo brasileiro, inspirando-se no da Argentina, está para reduzir os dados sobre a inflação recorrendo a medidas condenáveis. Porém de uma maneira mais hábil: ou deixa de reajustar os preços administrados ou recorre à redução de impostos de alguns setores que tenham peso importante no cálculo dos índices.
O mais pernicioso é certamente o caso da gasolina, que, com a alta dos preços do petróleo no exterior, sofreu elevação considerável de custo, que o governo se recusa a transferir para os consumidores, obrigando a Petrobrás a assumir a perda. A consequência é a redução dos investimentos de uma empresa que ocupa, na economia brasileira, importância estratégica considerável. O País, diante das reservas descobertas, deveria cobrir as suas necessidades e tornar-se um grande exportador, contribuindo, assim, para a redução do déficit das transações correntes do balanço de pagamentos. Com a pressão feita pela presidente da estatal, não há dúvida de que o reajuste do preço da gasolina terá de vir. Mas, ao atrasá-lo, o que o governo procura é evitar que a taxa de inflação do ano supere a meta.
Na última prorrogação da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), agora até o fim do ano, não se deu muito destaque à explicação do ministro da Fazenda. Ao apresentar uma medida essencialmente destinada a estimular alguns setores, ele disse que ela visava mesmo a conter as pressões inflacionárias no final do ano, dando a impressão de que a política tributária estaria se tornando um instrumento de controle da inflação.
Os dois fatos não devem criar uma ilusão. São expedientes que não poderão se manter por muito tempo e que não enganam o público. A gasolina terá de ter seu preço reajustado e o alívio tributário terá de ser revisto. Neste último caso, para um efeito real sobre a inflação, seria necessário que o alívio fosse aplicado a todos os setores.
O governo tem de saber que esse tipo de alívio produz efeito momentâneo sobre os índices de preços, mas exerce uma influência que leva em conta que, mais cedo ou mais tarde, os preços terão de sofrer uma alta. Ou seja, os agentes econômicos começam a se preparar e a fazer provisões para uma alta futura.
O Banco Central já reconheceu que a inflação em 2013 será maior do que neste ano. Existe um carry over que afetará todo o sistema. Em suma, o controle artificial de hoje prepara a inflação de amanhã. Seria muito melhor praticar os preços verdadeiros hoje do que deixar o reajuste para o ano que vem.
Nova Embrapa - XICO GRAZIANO
O ESTADÃO - 30\10
Grande empresa de pesquisa agropecuária, a Embrapa procura sua identidade. Com passado brilhante, precisa definir uma estratégia de futuro, conectada ao atual processo do desenvolvimento nacional. Novos desafios do campo.
Tarefa difícil, mas fundamental. Começa por rememorar a criação da entidade, há 40 anos. Naquela época, na década de 1970, a agricultura brasileira começava a intensificar o uso de capital, modernizando suas antigas relações de produção, herdadas do período latifundiário. A crescente industrialização requeria braços para o trabalho e a consequente urbanização demandava alimentos na cidade. A melhor saída seria o aumento da produtividade no campo. Caminho da tecnologia.
Havia, já disponível, boa carga de conhecimento gerada nos tradicionais institutos de pesquisa do Estado de São Paulo, principalmente o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Instituto Biológico. Materiais genéticos desenvolvidos no IAC, bem como estudos de pragas e doenças realizados no Instituto Biológico, foram essenciais para o primeiro arranque tecnológico da agricultura brasileira, nos anos 1950. Até hoje as variedades IAC formam a base genética da agricultura nacional.
Ante a rapidez do crescimento econômico, entretanto, era insuficiente o desempenho produtivo no campo. Puxadas pela capital paulista, as metrópoles brasileiras trouxeram o drama do abastecimento popular. Antes, o armazém rural, a galinha caipira, a vaquinha, a horta e a roça davam conta de fartar a mesa. Depois, com a explosão populacional e o êxodo rural, todo mundo correndo para morar na cidade, virou um problema alimentar o povo. Chegou a carestia ao asfalto.
Foi quando os agricultores descobriram o potencial produtivo do Cerrado. Uma bênção. Solos arenosos e ácidos, clima seco, vegetação dominada por arbustos pequenos, retorcidos, jamais se imaginara que aquelas terras do Centro-Oeste, aparentemente inférteis, pudessem servir à produção. Dominadas pelas novas tecnologias, porém, elas se mostraram extremamente fecundas. Sorte do País.
Nesse momento surgiu a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Cirne Lima, então ministro da Agricultura, coordenou os trabalhos de criação da nova empresa pública, cujos estatutos foram decretados em 28 de março de 1973. Seu primeiro presidente, José Irineu Cabral, contava com um braço direito que, no decorrer dos anos, e até hoje, se mostrou o mais aplicado e inteligente estudioso do desenvolvimento tecnológico no Brasil: o agrônomo e economista rural Eliseu Alves.
A conquista agronômica do Cerrado centralizou um salto tecnológico na agricultura. E a Embrapa cumpriu um papel inigualável nesse momento. O impulso governamental, decisivo, ganhou qualidade ao ser liderado pelo competente e criativo agrônomo Alysson Paulinelli, inesquecível ministro da Agricultura. Uma das estratégias bem-sucedidas da Embrapa foi a organização da pesquisa em centros especializados por produto. Regionalizando a experimentação agropecuária, obteve-se enorme impulso no conhecimento aplicado à terra.
Mudou o paradigma. Se anteriormente a pesquisa nacional buscava tecnologia no exterior, vinda dos Estados Unidos especialmente, para aqui adaptá-la, após a criação da Embrapa conseguiu-se gerar tecnologia própria: agricultura tropical. Por meio do melhoramento genético, variedades de plantas oriundas de climas frios, como a soja, aclimataram-se ao calor tupiniquim. Mais produtivas, as variedades Embrapa começaram a dominar o mercado de sementes agrícolas.
Aos poucos foi surgindo no Brasil um modelo único de agricultura. Com os modernos herbicidas, a evolução da engenharia agrícola possibilitou um pacote tecnológico que maravilha o mundo: o plantio direto. Esse sistema de cultivo, que já domina na safra nacional de grãos, dispensa a aração e a gradação do solo para efetuar a semeadura. Menos custo, maior produtividade. Fim da erosão.
Não se resumiu, porém, ao Cerrado, muito menos às atividades vegetais, a atuação da Embrapa. Em todos os biomas, de norte a sul do País, nas criações e na horticultura, no monitoramento ambiental, amplo foi o leque de atuação dos pesquisadores. Animada, a Embrapa fortaleceu-se e agigantou-se, abrigando cerca de 10 mil funcionários, movimentados por um orçamento anual de R$ 2,1 bilhões. Resumo da história: o conhecimento gerado nos laboratórios e campos experimentais da Embrapa ajudou, decisivamente, a revolucionar a roça e a vencer o desafio do abastecimento popular. Fértil trabalho.
Vieram os problemas. A primeira geração de cérebros entrou na aposentadoria e os novos concursados ingressam sem a cultura institucional colhida em sua rica história. Perde-se parte do espírito de equipe, tão caro à boa gestão. O viés corporativista, típico do governo petista, fortaleceu-se internamente, prejudicando o mérito profissional. Certo grupo pretendeu pôr a ciência agronômica a serviço da ideologia, comprometendo a pesquisa de ponta, freando a engenharia genética. Disputas internas acirraram-se.
Acabou o período de vacas gordas da Embrapa. A notável empresa pública passa pela crise típica dos quarentões: perdeu a juventude, mas não pode envelhecer cedo demais. Seu dilema maior não reside na falta de dinheiro, nem no tamanho do quadro de pessoal, muito menos na perda relativa do mercado de sementes. A essência da crise brota de seu âmago: qual sua função no mundo de hoje? Quais devem ser as prioridades da nova Embrapa?
Caberá ao pesquisador Maurício Lopes, recém-nomeado presidente da empresa, conduzir a busca da contemporaneidade da Embrapa. Se ouvir o emérito Eliseu Alves, descobrirá que na difusão do conhecimento tecnológico mora o xis da questão na agropecuária nacional.
O Banco Central controla a inflação? - ANTONIO DELFIM NETTO
Valor Econômico - 30/10
Depois da grave barbeiragem do Fed e da Secretaria do Tesouro dos EUA na gestação de um fim mais razoável para o problema da solvência do Lehman Brothers, a faísca que acendeu a crise bancária mundial - com exceção de alguns países emergentes, notadamente o Brasil - e iluminou a patifaria que acobertava o precário equilíbrio da Comunidade Europeia, a profissão dos economistas sofreu um grave abalo em sua autoestima e no respeito que a sociedade lhe dedicava.
O mundo continua, depois de quase cinco anos, tentando sair da crise em que foi metido pelo sistema financeiro internacional com sofisticadas inovações cujas consequências nunca foram compreendidas pelos bancos centrais e pelos órgãos reguladores que tinham sido levados à impotência com a colaboração dos economistas que "inventaram" a teoria dos mercados eficientes. Tanto Greenspan (chairman do Fed) como Trichet (chairman do Banco Central Europeu) reconheceram isso, depois da crise. O primeiro confessou que, de fato, não soube avaliar o poder destrutivo dos famosos "derivativos". O segundo, afirmou que a teoria não o ajudou em nada para avaliar e mitigar a tragédia.
Parece claro que a crise não foi produzida pela política monetária: ela foi produto de uma dramática falha de regulação e supervisão. Com seu poder no Congresso dos EUA e apoio em construções "ad hoc" de alguns famosos economistas, o sistema financeiro desmontou em 1999 a regulação imposta nos anos 30 do século passado em resposta à crise de 1929, a famosa lei Glass-Steagall que produziu a relativa "quietude" de 1934 em diante. O máximo que se pode afirmar é que a política monetária, com sua baixa taxa de juro real, estimulou uma política habitacional insustentável. Descobriu-se que uma taxa de inflação baixa e relativamente estável não é condição suficiente para a estabilidade do sistema financeiro. A manobra da taxa de juros para o controle da taxa de inflação precisa ser acompanhada por instituições suficientemente fortes para manter sob vigilância as "inovações" financeiras e regular o capital dos bancos. Ainda não se chegou a uma solução definitiva se a regulação e a supervisão devem ou não ser tarefas dos bancos centrais.
Crise foi produto de falha de regulação e supervisão
A política monetária avançou muito nos últimos 50 anos, desde quando os bancos centrais eram "templos" onde se praticava uma arte esotérica ao alcance apenas de alguns iniciados e que deveria ser mantida no maior segredo. A prática monetária tinha um dialeto próprio usado para esconder as ideias (se é que elas existiam!). Hoje, a comunicação aberta e fácil é o apanágio da nova prática monetária, cujo exemplo mais evidente é a ampliação do uso do sistema de "metas inflacionárias", a ponto de dizer-se que os bancos centrais dispõem de dois instrumentos: a taxa de juro nominal de curto prazo e a qualidade da sua comunicação para ancorar as "expectativas inflacionárias".
Um sistema de "metas de inflação" flexível (qualquer que seja o modelo utilizado pela autoridade monetária) tem que objetivar, simultaneamente, uma taxa de inflação baixa e estável (parecida com as dos países parceiros) e manter os níveis da atividade e do emprego no mais alto patamar sustentável. Não se trata de atingir alvos pontuais precisos, mas usar as condições internas e externas para que a combinação e coordenação das políticas monetária, fiscal, cambial e salarial coloquem a taxa de inflação e o pleno uso dos fatores disponíveis num entorno razoável dos valores estabelecidos.
O controle da inflação não é uma tarefa apenas da política monetária executada pelo Banco Central, da mesma forma que a taxa de crescimento do PIB não é produto apenas da política fiscal executada pelo Ministério da Fazenda. Ambos (a inflação e o crescimento) dependem, também fortemente, de uma taxa de câmbio que seja um preço relativo (o que exige uma taxa de juro real interna igual à externa) que equilibra o valor do fluxo das exportações com o das importações e de uma política salarial que não estimule aumentos do salário real acima dos ganhos físicos da produtividade. A velocidade do crescimento dependerá, por sua vez, da dinâmica do aumento da disponibilidade do capital humano (educação e saúde), do investimento líquido e da capacidade do governo de proporcionar a infraestrutura e estabelecer relações justas, confiáveis e amigáveis com o setor privado.
Essas variáveis dependem das condições externas. Quando há uma política de expansão monetária nos EUA, por exemplo, ela exercerá alguma pressão para a desvalorização do dólar e é apenas natural que os outros países respondam com medidas defensivas. O mesmo ocorre quando há substancial choque de oferta na produção de alimentos quer interna, quer externamente. A "meta de inflação" é flexível, dentro de um intervalo, exatamente para absorver pressões que têm a tendência a se corrigir, sem ter que sacrificar inutilmente o nível de atividade e do emprego.
O tal tripé defendido com furor xiita por alguns de nossos economistas só pode funcionar - sem comprometer a taxa de crescimento do PIB - com a rigorosa coordenação das políticas: fiscal, salarial, cambial e monetária num ambiente favorável aos negócios, não aos especuladores...
O Afeganistão é até pacífico - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 30\10
Número de homicídios no Brasil torna pertinente compará-lo com um país que está em guerra
A filha do leitor Humberto Pellizzaro (Brasília) mora em uma base militar norte-americana na Alemanha, enquanto seu marido presta serviço ao Exército.
A família já se prepara para regressar ao Brasil, mas a moça está preocupada com a violência no país, até porque o pai conta, em carta a propósito do texto "A mexicanização de São Paulo" (folha.com/no1175540), que Brasília também é vítima do que Humberto chama de "escalada de violência".
Onde serve o genro do leitor para que a mulher se preocupe com a violência a enfrentar na volta? Na Suíça, na Alemanha, na Finlândia? Não. Serve no Afeganistão, sim, nesse Afeganistão que há décadas aparece nos jornais pela violência extrema que padece. Escreve o pai: "A preocupação, por incrível que pareça, é maior em ter que morar aqui do que com a presença dele no "front" do Afeganistão".
A comparação pode ser chocante, mas não é despropositada. No Afeganistão, em 2010, o pior ano até aqui desde a invasão norte-americana em 2001, 2.777 civis foram mortos mais 711 soldados afegãos e das forças internacionais.
Em São Paulo -e só em São Paulo, não no país inteiro-, extrapolando para o ano as mortes de setembro (135) teríamos 1.620 mortes. Mesmo que se prefira a média do ano (91/mês), seriam 1.092 mortos.
Os conformistas podem até se consolar com o fato de que morre mais gente no Afeganistão do que em São Paulo. Mas considere, por favor, que, lá, "estamos falando de uma guerra, com bombardeios, combates com blindados, aviação, mísseis e armas pesadas, campos minados etc", como lembra o leitor.
Acrescento eu: estamos falando também de um país que saiu de uma guerra (contra as tropas soviéticas), de um governo de fanáticos violentos, de uma ocupação estrangeira, de divisões étnico-religiosas ancestrais, de "senhores da guerra" controlando regiões inteiras e, ainda por cima, vizinho de um país igualmente violento, como o é o Paquistão -enfim, uma coleção de fatores que induz à violência, numa ponta, e dificulta reprimi-la, na outra.
No Brasil (e, atenção, os números da violência no Brasil são ainda piores dos que o de SP), inexistem os fatores agravantes apontados, exceto uma clivagem social obscena. Mas, se dizem que ela está diminuindo, como explicar que não diminua também a violência, se valesse a teoria de que a criminalidade é decorrência de fatores sociais? Se foi alguma vez, não é mais. Hoje, o preponderante é o "business" do narcotráfico que contamina quase todas as demais atividades criminosas.
Se se considerar que há, no Brasil, o dobro de homicídios (21 por 100 mil habitantes) do que em São Paulo (pouco menos de 11/100 mil), a comparação com o Afeganistão torna-se ainda mais pertinente.
Torna-se, assim, pura estupidez recusar a colaboração do governo federal, que, aliás, deveria tomar como prioridade a cooperação de toda a América Latina no combate ao crime organizado, sem o que o Afeganistão ainda vai-se tornar um oásis turístico para brasileiros.
Número de homicídios no Brasil torna pertinente compará-lo com um país que está em guerra
A filha do leitor Humberto Pellizzaro (Brasília) mora em uma base militar norte-americana na Alemanha, enquanto seu marido presta serviço ao Exército.
A família já se prepara para regressar ao Brasil, mas a moça está preocupada com a violência no país, até porque o pai conta, em carta a propósito do texto "A mexicanização de São Paulo" (folha.com/no1175540), que Brasília também é vítima do que Humberto chama de "escalada de violência".
Onde serve o genro do leitor para que a mulher se preocupe com a violência a enfrentar na volta? Na Suíça, na Alemanha, na Finlândia? Não. Serve no Afeganistão, sim, nesse Afeganistão que há décadas aparece nos jornais pela violência extrema que padece. Escreve o pai: "A preocupação, por incrível que pareça, é maior em ter que morar aqui do que com a presença dele no "front" do Afeganistão".
A comparação pode ser chocante, mas não é despropositada. No Afeganistão, em 2010, o pior ano até aqui desde a invasão norte-americana em 2001, 2.777 civis foram mortos mais 711 soldados afegãos e das forças internacionais.
Em São Paulo -e só em São Paulo, não no país inteiro-, extrapolando para o ano as mortes de setembro (135) teríamos 1.620 mortes. Mesmo que se prefira a média do ano (91/mês), seriam 1.092 mortos.
Os conformistas podem até se consolar com o fato de que morre mais gente no Afeganistão do que em São Paulo. Mas considere, por favor, que, lá, "estamos falando de uma guerra, com bombardeios, combates com blindados, aviação, mísseis e armas pesadas, campos minados etc", como lembra o leitor.
Acrescento eu: estamos falando também de um país que saiu de uma guerra (contra as tropas soviéticas), de um governo de fanáticos violentos, de uma ocupação estrangeira, de divisões étnico-religiosas ancestrais, de "senhores da guerra" controlando regiões inteiras e, ainda por cima, vizinho de um país igualmente violento, como o é o Paquistão -enfim, uma coleção de fatores que induz à violência, numa ponta, e dificulta reprimi-la, na outra.
No Brasil (e, atenção, os números da violência no Brasil são ainda piores dos que o de SP), inexistem os fatores agravantes apontados, exceto uma clivagem social obscena. Mas, se dizem que ela está diminuindo, como explicar que não diminua também a violência, se valesse a teoria de que a criminalidade é decorrência de fatores sociais? Se foi alguma vez, não é mais. Hoje, o preponderante é o "business" do narcotráfico que contamina quase todas as demais atividades criminosas.
Se se considerar que há, no Brasil, o dobro de homicídios (21 por 100 mil habitantes) do que em São Paulo (pouco menos de 11/100 mil), a comparação com o Afeganistão torna-se ainda mais pertinente.
Torna-se, assim, pura estupidez recusar a colaboração do governo federal, que, aliás, deveria tomar como prioridade a cooperação de toda a América Latina no combate ao crime organizado, sem o que o Afeganistão ainda vai-se tornar um oásis turístico para brasileiros.
Contra o tempo - SONIA RACY
O ESTADÃO - 30\10
Pelo que se apurou, Romero Jucá luta para conseguir prorrogação das normas por mais doze meses. Mas o Supremo não deve ceder ao apelo. Em conversa com parlamentares dabase aliada, o ministro Gilmar Mendes lembrou que a matéria está parada no Senado desde janeiro.
Este ano, os repasses do governo federal aos estados baterão a casa dos R$ 55 bilhões.
Emoções
À meia-noite e um minuto do dia 27, Lula ganhou discurso emocionado de Dilma no salão defestasde seuapartamento em São Bernardo – durante comemoração de seu níver.Chorou.
Bocão
A C&A não vive só do varejo. Na Holanda, a marca é forte em educação e pretende ser aqui também. Começa por uma parceria com a pequena escola PlayPen.
Não, obrigado
Kassab ofereceu a Haddad uma sala no edifício Matarazzo para a transição.
Mas o petista cogitatrabalhar no escritório político da campanha, no bairro do Paraíso.
Sombra e...
Haddad avisa: vai viajar nos dois feriados deste mês.
Com a mulher, Ana Estela, e os filhos, Frederico e Carolina. Devem ir para a praia.
Bye, bye, Brasil
Lula fará palestras, semana que vem, na África do Sul e na Índia. Na volta, deve dar uma paradinha na Europa.
Best friends
Alto magistrado de Brasília, que endossounota de repúdio a Eliana Calmon no episódio “bandidos de toga”, avisou à Casa Civil que tem apoio de... Eliana Calmon para a vaga de Ayres Britto no STF.
A ministra recebeu a notícia com alguma surpresa.
Lá de casa
A figura de Michelle Obama tem sido tão comentada que já se fala em voo solo para a primeira dama - – seguindo os passos de Hillary. Por ora, Michelle se diz totalmente avessa à ideia.
O culpado
Apostura de Chalita em relação a Serra na eleição e o apoio do PMDB a Haddad foram determinantes para Alckmin lançar Sidney Beraldo ao Tribunal de Contas do Estado.Até então, estavatudo certo para que o peemedebista Jorge Caruso fosse o indicado. Beraldo terá seu nome aprovado pela Assembleia paulista logo após o feriado de Finados.
Entrada livre
Enrique Peña Nieto, que assume a presidência do México em dezembro, deve dar isenção de visto aos brasileiros que para lá viajarem. E vice-versa.
Resultado do Meeting Internacional realizado em Punta Mita, depois de conversa em São Paulo liderada por João Doria, Luiz Fernando Furlan e Paulo Skaf.
Pax
Antes amigos, depois rivais, Wanderley Nunes e Marcos Proença estão na fase da confraria das tesouras.
Ontem, por falta de luz em seu salão, Proença pediu permissão e foi cortar o cabelo de algumas de suas clientes no salão de... Nunes. No Iguatemi.
Tesourada
Responsável pelo visual de Dilma, Marta e, agora, Haddad, Celso Kamura fala da importância da imagem em uma campanha eleitoral. E revela os pontos fracos e fortes das madeixas do novo prefeito.
•Você foi escalado para mudar o visual da Dilma em 2010; E agora, o de Haddad. O quanto a imagem pode influenciar na campanha?
Influencia muito. É o primeiro contato da pessoa com seu eleitorado. A primeira impressão é aque fica, mas é a melhor é a que ganha o voto! Um candidato cuja imagem passe confiança, seriedade e comprometimento tem mais chances de conseguir votos. Sem dúvida!
•Quando os marqueteiros de Haddad lhe procuraram, o que eles pediram?
Não houve nenhum pedido. Na verdade, o Haddad já conhecia meu trabalho. Só aprimorei sua imagem. Deixei ela limpa, com mais seriedade. Ele usava um cabelo comprido, não combinava com o que estava querendo passar. Como o cabelo dele é muito fino, cai facilmente sobre os olhos. Então, além do corte, é preciso que ele utilize produtos corretos. Gostei muito do resultado.
•O que você leva em conta na hora de transformar o visual de uma pessoa pública? É diferente de um cliente “normal”? Dá mais trabalho?
É diferente de uma pessoa “normal”. Com a pessoa pública, você não lida só com as expectativas dela, mas com as do partido, do diretor de campanha, do eleitorado... Eu coloco minha cara ali, a tapa (risos). Tento fazer meu melhor, para que o resultado seja satisfatório para todo mundo.
MARILIA NEUSTEIN
Ueba! O Serra bateu num poste! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 30\10
E ficamos quites nas eleições: ganhamos um Maluf, mas nos livramos de um Malafaia! Rarará!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Direto do País da Piada Pronta: "Em SP, urna é roubada na zona leste". Foi um corintiano. Corintiano vota e ainda leva a urna pra casa. Rarará! Ou então ia ter eleição pra novo líder do PCC e eles tavam sem urna. E hoje vai ter urna eletrônica na Feira do Rolo em São Mateus!
Acho que roubaram pra decorar o Itaquerão. A urna foi roubada, mas não foi na seção do Maluf!
Segunda piada pronta: "Eleito em Salvador, ACM Neto é carregado". No colo? E o grito de vitória do ACM: "Xuuxa, ganheeeeei!". Rarará!
Hoje acordei na oposição a todos que ganharam! Se hay gobierno, yo soy contra!
E o Serra ganhou! Mais uma derrota! Manchete do Sensacionalista: "Santinhos de Serra que sobraram serão usados na decoração de Halloween". E diz que agora ele vai ser piloto de trem fantasma!
E o Haddad: "Sou o segundo poste do Lula". E qual o primeiro cachorro que vai inaugurar o poste? Rarará! O Lula vai abrir uma fábrica de poste, é isso?
E uma amiga minha bem perua: "Foi só o PT ganhar que cortaram a Net aqui no Jardim Europa". Rarará! Primeira Malddad: cortar a Net do Jardim Europa. Ops, a segunda malddad. A primeira malddad foi ganhar do Serra!
Vocês viram ele votando? Ele fez o V da Vitória ou o V de Vampiro? Fez o V de Vasco! Rarará!
E o Haddad foi votar com a filha. Esqueceu o Lula em casa. E conseguiu votar sozinho! Rarará! Vai ser o prefeito combo: Lula, Dilma, Marta. Pipoca, Coca-Cola e dor de barriga. Rarará!
E a Marta no palanque do Haddad tava parecendo um gato persa que perdeu os bigodes! E o Fernando Henrique tá certo: "O PSDB precisa se renovar". Na coletiva do Serra não tinha uma mulher. Só tinha homem e acima dos 60! Clube do Bolinha da Melhor Idade!
E ficamos quites: ganhamos um Maluf, mas nos livramos de um Malafaia! Rarará!
E o Ratinho Junior? Roeram os votos do Ratinho Junior. Rarará! E Salvador vai ser a primeira capital a ter o velotrol como carro oficial.
Diz que hoje cedo o ACM Neto entrou num bar e pediu seis engradados de cerveja. E o dono do boteco: "Pra beber?!". "Não, pra subir em cima!" Rarará! Vai governar de cima dum engradado de cerveja!
E adorei a charge do Pelicano com o Serra com um galo na cabeça: "Trombei com um poste". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
E ficamos quites nas eleições: ganhamos um Maluf, mas nos livramos de um Malafaia! Rarará!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Direto do País da Piada Pronta: "Em SP, urna é roubada na zona leste". Foi um corintiano. Corintiano vota e ainda leva a urna pra casa. Rarará! Ou então ia ter eleição pra novo líder do PCC e eles tavam sem urna. E hoje vai ter urna eletrônica na Feira do Rolo em São Mateus!
Acho que roubaram pra decorar o Itaquerão. A urna foi roubada, mas não foi na seção do Maluf!
Segunda piada pronta: "Eleito em Salvador, ACM Neto é carregado". No colo? E o grito de vitória do ACM: "Xuuxa, ganheeeeei!". Rarará!
Hoje acordei na oposição a todos que ganharam! Se hay gobierno, yo soy contra!
E o Serra ganhou! Mais uma derrota! Manchete do Sensacionalista: "Santinhos de Serra que sobraram serão usados na decoração de Halloween". E diz que agora ele vai ser piloto de trem fantasma!
E o Haddad: "Sou o segundo poste do Lula". E qual o primeiro cachorro que vai inaugurar o poste? Rarará! O Lula vai abrir uma fábrica de poste, é isso?
E uma amiga minha bem perua: "Foi só o PT ganhar que cortaram a Net aqui no Jardim Europa". Rarará! Primeira Malddad: cortar a Net do Jardim Europa. Ops, a segunda malddad. A primeira malddad foi ganhar do Serra!
Vocês viram ele votando? Ele fez o V da Vitória ou o V de Vampiro? Fez o V de Vasco! Rarará!
E o Haddad foi votar com a filha. Esqueceu o Lula em casa. E conseguiu votar sozinho! Rarará! Vai ser o prefeito combo: Lula, Dilma, Marta. Pipoca, Coca-Cola e dor de barriga. Rarará!
E a Marta no palanque do Haddad tava parecendo um gato persa que perdeu os bigodes! E o Fernando Henrique tá certo: "O PSDB precisa se renovar". Na coletiva do Serra não tinha uma mulher. Só tinha homem e acima dos 60! Clube do Bolinha da Melhor Idade!
E ficamos quites: ganhamos um Maluf, mas nos livramos de um Malafaia! Rarará!
E o Ratinho Junior? Roeram os votos do Ratinho Junior. Rarará! E Salvador vai ser a primeira capital a ter o velotrol como carro oficial.
Diz que hoje cedo o ACM Neto entrou num bar e pediu seis engradados de cerveja. E o dono do boteco: "Pra beber?!". "Não, pra subir em cima!" Rarará! Vai governar de cima dum engradado de cerveja!
E adorei a charge do Pelicano com o Serra com um galo na cabeça: "Trombei com um poste". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
O STF, a lei e a política no Brasil - LOURDES SOLA
O ESTADÃO - 30\10
O julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) suscita uma unanimidade perturbadora quanto ao alcance histórico das decisões tomadas até aqui. O que se entende por alcance histórico, porém, varia muito, o que não surpreende. Os aspectos a explorar são muitos e dependem do foco do analista. Conforme se privilegiem as dimensões político-eleitoral ou institucional, a legal-constitucional, ou se adote uma perspectiva histórica fundamentalista do tipo "nunca antes neste país", ter-se-ão apostas distintas sobre o impacto das decisões do STF. Por certo, há muito em comum entre os que compartilhamos a percepção de que elas marcam um daqueles pontos de virada que geram um impulso transformador dos mores políticos e, sobretudo, das expectativas em que se baseiam os cálculos políticos. Um de seus efeitos subversivos é a reversão das expectativas gêmeas que poluíram as discussões anteriores: a da impunidade e a do ceticismo entre os indignados.
Isto posto, qual o foco privilegiado aqui? Como situar o Rubicão que atravessamos pela mão dos membros do STF e com apoio nas análises que a mídia propicia? Atenho-me a um par de aspectos em registro de médio e de longo prazos. Descarto o foco político-eleitoral pelo repúdio ao que a campanha em São Paulo conteve de cinismo de ambos os lados: de um, o argumento de que a voz das urnas equivale a uma absolvição, com o que se deslegitima o ordenamento jurídico; de outro, a tentativa de estender a um partido como o PT - cujos representatividade e compromisso com avanços sociais é inquestionável - uma condenação que todos os atores do sistema de Justiça circunscrevem a alguns de seus membros.
O alcance histórico das decisões do STF é também "geográfico", pela relevância geopolítica. Valho-me do olhar de um cientista político americano, Douglas Chalmers, que ainda nos anos de chumbo se empenhou em entender como nossa formação histórica afetava o modo de fazer política na região. Atenho-me exclusivamente à relação com a lei. Numa intuição profética, destacava "uma característica estrutural dominante" no século 20, que consistiria na instabilidade inerente tanto aos regimes autoritários quanto democráticos. Diz ele: "A razão está na percepção generalizada de que as instituições são um meio instrumental e tentativo para resolver conflitos". É a percepção de que "os conflitos se resolvem pelo choque de forças, quer dizer, politicamente, e não por referência a um conjunto fixo e estabelecido de procedimentos". Trocando em miúdos, a força da lei, quando se exerce, é sempre passível de contestação nesse tipo de Estado que Chalmers caracterizava como "o Estado politizado", por contraposição ao Estado institucionalizado.
É fácil explorar outras especificidades derivadas dessa. Por um lado, a falta de credibilidade do Estado enquanto lei, ou seja, o ceticismo quanto à sua capacidade de fazer valer o ordenamento jurídico previamente acordado. Por outro, a tendência a redefinir a lei ao sabor das resultantes dos embates políticos. Isso explica, a meu ver, seja a dificuldade de aceitar como final a intermediação do sistema de Justiça pelas partes em conflito, seja a tentação de redefinir continuamente o ordenamento jurídico. Basta lembrar as crises de sucessão durante nosso regime autoritário, ou a contínua redefinição do sistema partidário em resposta à eleições tuteladas, para situar a nossa versão de Estado politizado. Pouco que ver com o Estado autoritário institucionalizado da Espanha ou do Chile. Nos anos de chumbo, porém, a constatação dessa instabilidade congênita soava como música aos ouvidos de uma democrata.
Mas até que ponto o insight de Chalmers vale para os dias de hoje? Cabe como luva à Venezuela de Chávez, à Argentina dos Kirchners, ao Equador de Correa. Mas não se aplica ao Brasil, ao menos não nos mesmos termos (apesar da "insegurança jurídica" detectada pelos economistas). Nosso avanço se deve a um processo cumulativo de institucionalização, cuja peça central foi a Constituição de 1988 e o consequente apoderamento dos atores do sistema de Justiça, notadamente os do Ministério Público. Se é verdade que culmina hoje com a reafirmação do Estado como lei pelos membros do STF, vale lembrar que foram subsidiados pelos juízes de instrução e pelos dois procuradores-gerais que analisaram as denúncias pertinentes. As decisões do STF, portanto, aproximam-nos mais do Chile e nos distanciam dos outros vizinhos. Seu alcance potencial, no entanto, deverá ser testado, em dois registros. Um: o Estado de Direito é uma construção política coletiva e, como toda construção, pode ser fragilizado. Entre nós, está exposto à vocação restauradora que busca sobrepor legitimidade política, êxito econômico e popularidade ao império da lei. Dois: valendo para todos, depende da reiteração desse princípio, na prática, e quando cabível pelo sistema de Justiça.
É possível detectar outros desdobramentos desse impulso transformador. Minha aposta é que nos próximos anos os profissionais da Justiça deverão (re)conquistar um espaço privilegiado enquanto atores políticos. Similar ao dos economistas, na esteira das democratizações marcadas pela crise econômica e por megainflações. O espaço reservado na mídia ao debate político centrado na economia foi e é uma das características distintivas da nossa democratização, pela quantidade e pelo vigor. Entra em cena agora o debate político centrado na Justiça e o aprendizado que isso exige de nós, leigos. E dos próprios especialistas obrigados a renunciar ao aconchego de seu dialeto. A exposição pública é essencial: pela exemplaridade da argumentação cerrada, da tolerância pelo contraditório, pela contestação da defesa e pelas tensões entre os ministros relator e revisor. Contribui para a redução de um dos hiatos que caracterizam a nossa (e toda) democracia: entre o acesso instantâneo às informações e a capacidade dos cidadãos leigos de elaborá-las.