segunda-feira, setembro 03, 2012

Alarmismo ambiental e consumo - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


Muitos previram o fim do mundo nos últimos 200 anos. Thomas Malthus (1766-1834) falava em risco de catástrofe humana. Para ele, como a população crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética, a fome se alastraria. Assim, para controlar a expansão demográfica, Malthus defendia a abstinência sexual e a negação de assistência à população em hospitais e asilos. O risco foi superado pela tecnologia, que aumentou a produtividade agrícola.

Hoje, o alarmismo vem de ambientalistas radicais. A catástrofe decorreria do aquecimento global causado basicamente pelo homem, via emissões de dióxido de carbono. Em 2006. o governo britânico divulgou relatório de grande repercussão, preparado por sir Nicholas Stern, assessor do primeiro-ministro Tony Blair. Stern buscava alertar os que reconheciam tal aquecimento, mas julgavam que seria um desperdício enfrentá-lo. O relatório mereceu dura resposta de Nigel Lawson. ex-ministro de Energia e da Fazenda de Margaret Thatcher. hoje no grupo dos "céticos", isto é, os que duvidam dos ambientalistas. No livro An Appeal to Reason (2008). Lawson atribuiu objetivos políticos ao documento, que não teria mérito nas conclusões nem nos argumentos.

Lawson afirma que o aquecimento não tem aumentado desde a virada do século e que são comuns oscilações da temperatura mundial. Há 400 anos, o esfriamento conhecido como "pequena era do gelo" fazia o Rio Tâmisa congelar no inverno. Mil anos atrás, bem antes da industrialização — que se diz ser a origem da mudança climática —, houve um "aquecimento medieval", com temperaturas tão altas quanto as atuais. "Muito antes, no Império Romano, o mundo era provavelmente mais quente", assinala. De fato, sempre me chamou atenção o modo de vestir de gregos e romanos, que aparecem em roupas leves em pinturas da Grécia e da Roma antigas. Nunca vi um deles metido em pesados agasalhos como os de hoje.

Entre Malthus e os ambientalistas, surgiram outros alarmistas. Em 1968, saiu o livro The Popula-non Bomb, do biologista americano Paul Ehrlich, no qual o autor sustentava que o tamanho excessivo da população constituiria ameaça à sobrevivência da humanidade e do meio ambiente. Em 1972, o Clube de Roma propôs o "crescimento zero" como forma de enfrentar a exaustão rápida de recursos naturais. Ehrlich defendia a redução do crescimento populacional: o Clube de Roma, a paralisia do crescimento econômico. Nenhum dos dois estava certo.

Em artigo na última edição da revista Foreign Affairs, Bjom Lomborg. destacado "cético", prova o enorme fracasso das previsões catastróficas do Clube de Roma. Dizia-se que em uma geração se esgotariam as reservas de alumínio, cobre, ouro, chumbo, mercúrio, molibdênio, gás natural, petróleo, estanho, tungsténio e zinco. As de mercúrio, então sob forte demanda, durariam apenas treze anos. Acontece que a inovação tecnológica permitiu substituir o mercúrio em baterias e outras aplicações. Seu consumo caiu 98%; o preço, 90%. As reservas dos demais metais aumentaram e outras inovações reduziram sua demanda. O colapso não ocorreu.

Como o Clube de Roma pode ter errado tanto? Segundo Lomborg, seus membros desprezaram o talento e a engenhosidade do ser humano e "sua capacidade de descobrir e inovar". Se as sugestões tivessem sido acatadas, meio bilhão de chineses, indianos e outros teriam continuado muito pobres. Lomborg poderia ter afirmado que o Brasil estaria mais desigual e não haveria a ascensão da classe C. Apesar de tais lições, volta-se a falar em limites físicos do planeta. Na linha do Clube de Roma, defende-se o estancamento da expansão baseada no consumo de bens materiais. Se fosse assim, inúmeros países seriam congelados em seu estado atual, sem poder reduzir a pobreza nem promover o bem-estar.

Mesmo que o homem não seja a causa básica do aquecimento, é preciso não correr riscos e apoiar medidas para conter as emissões. Mas também resistir a ideias de frear o consumo. Além de injusta, a medida exigiria um impossível grau de coordenação e renúncia ou um inconcebível comando autoritário. Desprezaria, ademais, a capacidade do homem de se adaptar a novas e desafiantes situações.

Sete bilhões para o Rio - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 03/09

Com base no desempenho fiscal do ano passado, Sérgio Cabral e Guido Mantega assinam hoje em Brasília um termo pelo qual o Rio pode contrair empréstimos de até R$ 7 bilhões este ano.
O estado chegou a ficar dez anos sem poder pegar empréstimo pela sua má performance fiscal.

Aliás...

Quarta, o governo do Rio assina com o Banco Mundial contrato de US$ 600 milhões de dólares para 60 novos trens para a Supervia.

Vida nova

Após mais de 20 anos no STJ, o cearense Cesar Asfor Rocha, 64 anos, compositor bissexto, resolveu se aposentar.
O ministro, que pretende morar em São Paulo, voltará à advocacia.

Casas no Jardim Botânico
Paulo Betti, artista que apoia Liszt Vieira na campanha para ampliar o Jardim Botânico numa área onde estão casas particulares, organiza debate, dia 6, na Casa da Gávea, sobre a situação do parque.
Vai convidar os candidatos a prefeito do Rio.

Kon-Tiki, a expedição
Voltará às livrarias, pela José Olympio, um clássico das aventuras no mar, que já vendeu mais de 25 milhões de exemplares.
"A expedição Kon-Tiki" narra a saga do norueguês Thor Heyerdahl para provar, na costa do Peru, a relação pré-histórica da América com a Polinésia.

A palavra é...

De um tucano malvado, sobre a inapetência de Dilma em usar a palavra privatização:
"Ok, sem problema, doravante o que teremos é a privapetização”

AQUI JAZ UMA ÁRVORE

Este cotoco, acredite, foi, até sexta, uma imponente figueira (veja a finada na foto menor). Sombreava, frondosa, um terreno do Bradesco na Rua Dona Mariana 136, em Botafogo. Mas, segundo o banco, estava doente e ameaçava tombar. Vizinhos chegaram a fazer um movimento para que fosse poupada (a cruzada deles foi motivo de foto aqui dia 18 de junho). Mas em vão. A leitora Narcisa Santos conta que a falecida era a diversidade em forma de árvore, habitada por pássaros, micos e até bromélias, que brotavam de seu tronco centenário. O Bradesco diz que um laudo da Defesa Civil a condenou, pois havia risco “iminente de queda” - e, por isto, a Fundação Parques e Jardins autorizou seu abate. O banco promete replantar três árvores em seu lugar. Vamos torcer, vamos cobrar •

Calma, gente!
O procurador Edson Abdon Peixoto Filho entrou com representação contra os colegas Fabio Moraes, Gino Liccione e Vinicius do Nascimento, alegando que eles "queriam contrariar a liberdade sexual’!
É que os três, lembra?, tentaram anular resolução do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe psicólogos de tratar a homossexualidade como doença..

No final...
Justiça manteve a decisão que proíbe psicólogos de tratarem gays.

Feliz Natal

O Ministério do Turismo fará chamada pública de apoio a eventos que ajudem a reforçar o desenvolvimento turístico.
Destinará R$ 7 milhões aos que forem realizados de 1° de dezembro e a 17 de fevereiro. O período engloba o Natal, o réveillon e o carnaval.

Dau em Guarulhos

O comandante Miguel Dau, ex-Azul e ex-presidente da Varig, vai fazer parte do Grupo Invepar, na gestão do Aeroporto de Guarulhos.

Hotel particular

Veja como o brasileiro bota fé e é hospitaleiro.
Já são quase 50 mil inscritos como voluntários para a Jornada Mundial da Juventude 2013, que vai reunir milhões em julho no Rio.
O dobro da ultima edição, em Madri.

Aliás...
A organização recebeu por e-mail a reclamação de uma senhorinha que não conseguiu se inscrever porque o ano de nascimento máximo do cadastro é... 1936. A data foi estendida para... 1900. Ah, bom!
Toda esta numerosa turma deve hospedar em suas casas gente de outros estados e países.

Museu do Futebol

Um almoço reuniu sexta José Maria Marin, presidente da CBF, e Eike Sempre Ele Batista.
O empresário vai ajudar na instalação do Museu do Futebol, a ser erguido na Barra.

Te cuida, Moreno!
O cardiologista Claudio Domenico lança pela Editora Casa da Palavra, em outubro, o livro "Te cuida!"
O prefácio será do coleguinha Jorge Bastos Moreno. Trará um roteiro para se prevenir das mais diversas doenças.

Candidato Caô Caô
Estreia em novembro o filme "Onde a coruja dorme’,’ documentário dirigido por Márcia Derraik e Simplício Neto.
O personagem principal do longa é o sambista Bezerra da Silva (1927/2005).

Aliás...
É do famoso malandro sambista a música "Candidato Caô Caô" sobre político que só aparece em favela na véspera da eleição.
Um versinho: "Hoje ele pede, pede, pede de você/ Amanhã vai vai te fudê".
Faz sentido.

Encantos de papel - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 03/09


RIO DE JANEIRO - Leio na "Ilustríssima" (26/8) que a passagem do arquiteto suíço-francês Le Corbusier pelo Brasil, em 1929, influenciou muita gente boa por aqui. Di Cavalcanti, por exemplo, que subiu com ele aos morros do Rio e lhe apresentou uma ou duas mulatas para 500 talheres, teria aderido ao cubismo por sua inspiração. Portinari, idem.

Em seu livro "O Engenheiro", de 1945, João Cabral de Melo Neto teria tentado fazer em poesia o que Le Corbusier fazia na arquitetura: "O engenheiro sonha coisas claras:/ superfícies, tênis, um copo de água". Manuel Bandeira, com seu chapéu de cronista, também escreveu entusiasmado sobre o arquiteto. E pode-se calcular o impacto de Le Corbusier sobre a cabeça de jovens como Lucio Costa, Affonso Eduardo Reidy e Oscar Niemeyer.

Dos croquis de Le Corbusier para seus projetos brasileiros Lucio tirou a ideia do Plano Piloto de Brasília; Reidy, a do conjunto habitacional Pedregulho, em São Cristóvão, no Rio; e Niemeyer, a do edifício Copan, em São Paulo. E, da estética dos morros cariocas, como vistos por Le Corbusier, até Hélio Oiticica, dali a décadas, produziria uma harmonia do caos sobre as favelas.

Tudo isso é muito bom. E melhor ainda porque Le Corbusier não conseguiu emplacar entre nós sua ideia fixa: minhocões. Em São Paulo, queria cortar a cidade com dois viadutos de 45 km cada, sobre pilotis, que se cruzariam no centro, com 15 andares de apartamentos por cima, além de rampas, garagens, elevadores para carros e hangar para hidroaviões. No Rio, o viaduto teria aquilo tudo em cima e seria na forma de uma centopeia que serpentearia da praça Mauá a São Conrado, com braços e pernas se esgueirando pelos bairros -ufa, veja do que escapamos.

Daí, viva o Le Corbusier que nos encantou. E cujos projetos para nossas cidades, graças a Deus, ficaram no papel.

Reduto ameaçado - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 03/09


O PT já fez as contas e percebeu que a possibilidade de derrota nas sete capitais do Nordeste onde o partido tem candidato põe em risco estratégias futuras


Quem tiver o cuidado de analisar a quantas andam os candidatos petistas nas capitais nordestinas entenderá os motivos que levaram o ex-presidente Lula a colocar a região como prioridade na sua agenda de viagens nesta temporada de eleições municipais. Salvador, Recife, Teresina, Fortaleza e São Luís já têm data prevista para a visita de Lula, mas ele ainda pretende dar uma força ao partido em Natal e em João Pessoa, fechando as sete em que o PT tem candidato a prefeito.

Lula é considerado a maior "arma" dos petistas para tentar reverter uma situação inusitada em solo nordestino: É que, pela primeira vez em muitos anos, os petistas correm o risco de não eleger sequer um prefeito de capital por ali.

Essa situação no Nordeste é a principal preocupação da cúpula partidária nesta temporada eleitoral. Há quem esteja mais confiante em colocar Fernando Haddad no segundo turno em São Paulo do que vencer em algum reduto importante no Nordeste.

Em Salvador, o DEM apresenta larga vantagem, assim com em Aracaju (onde o PT não disputa). Em João Pessoa, a situação do aliado José Maranhão (PMDB) é incerta, uma vez que há um empate entre ele e o tucano Cícero Lucena (PSDB). O petista Luciano Cartaxo amarga o terceiro lugar. Em Teresina, a situação do senador Wellington Dias (PT) também é difícil, numa disputa contra Firmino Filho (PSDB) e Elmano Ferrer (PTB). Em São Luís (MA), o candidato do PT, Washington Luiz, também enfrenta dificuldades diante dos índices de João Castelo (PSDB), Edvaldo Hollanda (PTC) e Tadeu Palácio (PP). Em Natal, o petismo também encontra Fernando Mineiro suando a camisa contra Carlos Eduardo (PDT) e Hermano Moraes (PMDB), ambos em melhor situação de acordo com as pesquisas registradas por lá.

Essas cidades listadas acima não estão entre aquelas da região que mais chamam a atenção do país, Recife e Fortaleza, onde os petistas também enfrentam dificuldades. Vale lembrar que, na capital de Pernambuco, há um empate técnico entre Humberto Costa (PT) e Geraldo Júlio (PSB) e, na capital cearense, a briga hoje é pela vaga no segundo turno entre Roberto Cláudio (PSB) e Elmano Freitas (PT), contra Moroni Torgan (DEM). Em Maceió, o PT não tem candidato.

Por falar em segundo turno...

O PT está convencido de que o atual cenário de seus candidatos no Nordeste pode comprometer a estratégia eleitoral futura. Afinal, não dá para esquecer que em suas três campanhas presidenciais vitoriosas o PT enfrentou segundo turno, e o desempenho do partido no Nordeste foi importantíssimo.
Na eleição de 2010, Dilma obteve 18,4 milhões de votos nos estados nordestinos, enquanto José Serra (PSDB) ficou com 7,6 milhões. No Sudeste, Sul e Centro Oeste, a diferença entre eles ficou em 275 mil votos a favor de Dilma. Serra venceu no Centro-Oeste. Ou seja, uma virada no Nordeste em favor de outros candidatos em 2014 pode comprometer o desempenho petista.

O partido já fez essas contas futuras e percebeu que, com Aécio Neves (PSDB) candidato a presidente, a diferença de 1,7 milhão de votos em favor de Dilma em Minas Gerais tende a desaparecer. E, se o PSB decidir pela candidatura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, os votos do Nordeste que estão difíceis para o PT nesta eleição municipal também estariam sob risco. Está explicado por que os petistas estão com tanta gana sobre o PSB nesta eleição municipal e, também, por que Lula começou a sua maratona por Belo Horizonte, onde Aécio Neves participou de uma carreata no último fim de semana.

Por falar em Aécio Neves...

Depois de Serra fazer referências ao julgamento da Ação Penal 470, do mensalão, chegou a vez de Aécio Neves citar o escândalo, na carreata do prefeito-candidato Márcio Lacerda, em Belo Horizonte. À medida que o julgamento avança, vai ficando mais difícil desconhecer o tema na eleição municipal. A aposta é a de que esses dois temas podem se embolar. Resta saber se o eleitor vai nesse embalo ou se manterá as duas estações separadas. Vamos acompanhar.

Pedrada na testa VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 03/09


SÃO PAULO - Costumo dizer a colegas da Folha que o jornalismo não seria necessário se as coisas sempre acontecessem conforme o previsto. O convívio com a repetição -na política, na economia, na cultura- às vezes anestesia os sentidos, favorecendo a soberba e o cinismo.

Num ofício talhado para perceber no nascedouro a novidade -aquilo que se desvia da regra e a renega-, eis um perigo importante. E eis-me aqui, pego na arapuca.

Há 14 dias, delineei nesta coluna um quadro difícil para o candidato Celso Russomanno, do PRB, na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Tão logo começasse a propaganda obrigatória, dizia, as duas chapas com mais tradição, recursos e exposição no rádio e na TV, a do PSDB e a do PT, mostrariam suas garras.

Russomanno era como o mirrado Davi, mas sem a proteção divina, a digladiar-se com dois parrudos Golias. Passaram-se dez dias de propaganda, e Davi acertou uma pedrada na minha testa. Suportou o raide inicial na primeira colocação das pesquisas, mantendo o cacife em torno de 30% das intenções de voto.

Parte daquela evolução esperada se confirmou: Haddad, do PT, subiu depressa, isolou-se na terceira posição e parece fadado a crescer mais. Mas tanto a resistência de Russomanno como a desidratação de Serra, do PSDB, foram surpreendentes.

Uma dupla novidade, essa matéria-prima do jornalismo, se insinua. Em primeiro lugar, o efeito contrário ao habitual da propaganda televisiva para Serra. Caiu justamente quando mais se expôs.

Em segundo lugar, a persistência, ao menos momentânea, de uma candidatura popular-conservadora, a de Russomanno. Essa plataforma, antes identificada com o malufismo, submergiu e perdeu base social durante a década passada. Terá força suficiente para lapidar, de uma só vez, os dois gigantes do pedaço?

Se a cabeça não estivesse doendo tanto, arriscaria responder.

E as micro e pequenas? - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 03/09


Em meio à crise, passa despercebida a importância das micro e pequenas empresas (MPEs) na economia brasileira. Dados do Ministério do Trabalho mostram que elas respondem por sete entre cada dez vagas de emprego com carteira assinada no país. Também indicam que criaram o triplo de empregos no primeiro semestre deste ano -793.987, ante 253.927 abertos pelas grandes.

Segundo o IBGE, das 4,6 milhões de empresas ativas do país, 98,4% são de micro e pequeno porte e empregam 48,8% dos trabalhadores ocupados. São também os principais agentes de desenvolvimento regional, pois estão presentes na totalidade dos mais de 5.000 municípios brasileiros.

A importância das MPEs está contemplada na Constituição, que determina às três diferentes instâncias de governo dar a elas tratamento diferenciado, visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações tributárias, previdenciárias, creditícias e trabalhistas.

Avançamos significativamente no governo reformador do presidente FHC, com a criação do Simples (1996) e do Estatuto da MPE (1999). A contínua mobilização da sociedade garantiu nos anos seguintes, já no governo do PT, novos progressos que resultaram na criação da Lei Geral das MPEs, incluindo o Simples Nacional.

Há, porém, uma longa agenda em aberto. Mesmo com toda sua importância econômica e social, as micro e pequenas empresas são sempre esquecidas nos anúncios dos pacotes criados pelo governo para ajudar as empresas de maior porte a enfrentar a crise.

Além de esquecidas, são também discriminadas. Um exemplo definitivo: com os sucessivos pacotes de desoneração editados nos últimos meses, empresas de maior porte beneficiadas passaram a pagar 1% sobre o faturamento a título de contribuição previdenciária patronal. As de micro e pequeno porte incluídas no Simples Nacional chegam a pagar quase cinco vezes mais, dependendo do seu faturamento.

É exatamente o contrário do que vemos em países que compreendem a relevância do segmento. Neles, as MPEs estão no foco central de políticas e regulamentações que equacionam questões que, no Brasil, respondem pelo altíssimo grau de informalidade -os tributos, a Previdência Social e as relações trabalhistas. Segundo o IBGE, em nosso país, para cada MPE formal, duas permanecem na informalidade.

O estabelecimento de políticas públicas destinadas à reversão desse cenário é medida que se impõe por pelo menos duas razões principais: primeira, porque também elas sofrem com a crise internacional; e, ainda, porque o país não pode prescindir de sua capacidade de movimentar a economia no processo virtuoso de geração de emprego, renda, consumo e produção.

Brics, bricões e briquinhos - MARCELO DE PAIVA ABREU


O Estado de S. Paulo - 03/09


Muitos analistas têm sublinhado a heterogeneidade dos países que compõem o Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Com toda a razão, quando se trata do desempenho nas últimas décadas: enquanto o cerne do grupo, Índia e China, tem crescido a 8% ou 10% ao ano, as demais economias crescem a metade ou um terço disso. Fazer parte do Brics pode satisfazer a vaidade brasileira e alimentar esperanças quanto a articulações diplomáticas, mas é um erro tratar o grupo como homogêneo no que se refere aos temas essenciais.

Há, entretanto, lições úteis a extrair da comparação entre as experiências dos Brics e que explicam a heterogeneidade do seu desempenho. Nos quatro países, a estratégia econômica ao longo da história foi calcada em dois pilares fundamentais. De um lado, a ideia de que faria sentido reduzir a dependência do mundo exterior e dar prioridade à substituição de importações. De outro lado, a crença de que o Estado deveria jogar papel fundamental na economia não apenas como regulador, mas também como provedor de bens e serviços.

Na Rússia, a ênfase em autarquia e Estado precedeu a União Soviética. Já na Rússia czarista, a partir do final do século 19, o modelo econômico foi calcado em ação do Estado e substituição de importações. Depois de 1917, essa ênfase foi levada ao extremo. Na Índia, após período relativamente liberal entre a independência, em 1947, e a morte de Nehru, no início da década de 1960, o modelo enfatizou os mesmos alicerces até o fim dos anos 1980. Na China pré-1980, o modelo socialista ortodoxo combinava em versões extremas a intervenção do Estado e a autarquia. O isolamento da África do Sul sob o apartheid implicou que, antes de 1994, a estratégia econômica dependesse da minimização à exposição externa e de alto grau de interferência do Estado na atividade econômica.

No Brasil, a partir de meados do século 19, houve continuidade na estratégia econômica que combinava autarquia e intervenção estatal. Desde cedo no Império, as tarifas de importação eram muito altas, inicialmente justificadas por razões fiscais, mas depois claramente protecionistas. Na Primeira República, as políticas públicas deixaram de ter como alvo a correção de falhas de mercado em relação à atração de imigrantes e investimento direto estrangeiro e partiram para a administração dos preços de café, explorando o poder de mercado brasileiro. Com a grande depressão, somou-se o controle cambial à tarifa alta. Em 1944, na famosa controvérsia Gudin-Simonsen prevaleceu, na prática, a visão de Simonsen - a despeito de suas fragilidades analíticas - quanto à centralidade dos pilares calcados em autarquia e Estado.

Essa visão sobreviveu galhardamente ao golpe militar e começou a ser erodida na década de 1980 em meio de altíssima inflação combinada à estagnação. As reformas de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, baseadas em visão crítica da potencialidade de longo prazo dos pilares tradicionais, promoveram a abertura comercial e a privatização. Mas o que se tem visto desde 2003, e ainda mais desde 2011, é uma regressão às visões mais primitivas de estratégia econômica calcada em proteção alta e aumento do peso do Estado.

Nas economias mais dinâmicas do Brics - Índia e China -, o que se vê é exatamente o contrário da experiência brasileira no período recente. Na Índia, desde o final dos anos 1980, e na China, desde o final da década de 1970, houve verdadeiras revoluções quanto à abertura dos mercados, a expansão das exportações, atração de capitais estrangeiros e redução do peso do Estado na economia. Nos dois casos houve aumento significativo da formação bruta de capital fixo e, consequentemente, das taxas de expansão do PIB.

A formação bruta de capital fixo na Índia tem sido da ordem de 35% do PIB, saindo de um patamar, nos anos 1980, apenas um pouco melhor do que os atuais míseros 17% do Brasil. Na China, o número estaria em torno de 45%, embora haja significativas distorções de medida provavelmente significativas.

Mesmo nos membros do Brics menos bem-sucedidos, Rússia e África do Sul, nos quais a abertura das economias e a redução do peso do Estado mereceram ênfase bem menor, a formação bruta de capital fixo tem sido da ordem de 23%.

Além disso, sempre é bom relembrar que a tara nacional com relação à manutenção de altos índices de conteúdo nacional nas compras feitas, diretas ou indiretamente, pelo governo faz com que aos baixos níveis de investimento corresponda expansão da capacidade ainda mais limitada, em vista do encarecimento dos bens de capital.

Impressiona a teimosia do Planalto em deixar de reconhecer que a atual estratégia brasileira de crescimento apenas assegura que a economia alterne voos de galinha com pousos forçados. A estratégia que poderia superar a mediocridade do desempenho econômico do País deveria, com o benefício das lições que podem ser extraídas das experiências da China e da Índia, ser baseada na retomada da abertura gradual do mercado brasileiro, na reversão da nova onda estatizante e no aumento da poupança doméstica. Só então seria possível pensar em deixarmos de ser briquinho.

Processo exemplar - RUBENS RICUPERO

FOLHA DE SP - 03/09


O que fazia falta entre nós era um processo desapaixonado para julgar a corrupção em larga escala


Nunca em quase 200 anos de independência teve um processo judicial um impacto formador da consciência cívica como o do mensalão. Até agora, o que fazia falta entre nós não era a corrupção em larga escala, mas um processo desapaixonado para julgá-la.

Acusações de corrupção se encontram na raiz tanto do suicídio de Vargas como do impeachment de Collor, assim como de escândalos sem conta de ministros, parlamentares, governadores. Esses episódios deixavam o país frustrado e desesperançado, pois o desfecho político acabava por impedir a cabal avaliação judiciária dos fatos.

Pela primeira vez, estamos tendo um contraditório de acusação e defesa, de exame minucioso de provas, de discussão de pontos de vista distintos em matéria de fatos e da aplicação das leis. Fora os pecados veniais do anacronismo linguístico e do exibicionismo das citações, há que reconhecer a qualidade exemplar dos procedimentos.

É alto o nível do debate e respeitoso o dos desacordos, a dignidade e a compostura têm prevalecido quase sempre, não se percebendo sombra de sectarismo político-partidário.

A paixão, quando aparece, é a da indignação da consciência moral e jurídica diante da enormidade dos delitos. A serenidade e brandura do presidente Ayres Britto têm muito a ver com a geração desse efeito calmante e tranquilizador.

Creio que os cidadãos, maltratados pelos guardiões das instituições, esperavam pouco ou nada e se surpreenderam pela firmeza e o equilíbrio da maioria dos juízes. A condenação do ex-presidente da Câmara, segunda pessoa na hierarquia da República, não tem precedentes no Brasil e certamente merece a qualificação de histórica.

No início da operação Mãos Limpas, Norberto Bobbio explicou porque a corrupção era um câncer que destruía a democracia. Não se baseando no medo, o regime democrático pressupõe a confiança dos cidadãos entre si e, sobretudo, nos governantes e nas instituições.

O cidadão, que tem o direito de saber tudo, de repente descobre, chocado, que não sabe nada, que lhe escondem o que se passa entre as quatro paredes do poder. Perde então a confiança nas instituições e nos homens que as profanam, começa a descrer sistematicamente de tudo.

A fim de reconstruir a confiança, é preciso que a transparência de um processo revele o escondido aos olhos de todos e submeta as ações tenebrosas ao efeito purificador da luz do sol.

O cidadão precisa tomar conhecimento dos fatos que lhe escamotearam; a responsabilidade por esses fatos deve passar por apuração cuidadosa. Tudo tem de culminar pela necessária imposição de pena justa que restabeleça os valores da sociedade violados e esteja em proporção com a gravidade das violações.

Nesse sentido, um grande processo público transmitido ao vivo se parece ao papel que desempenhava a tragédia na sociedade grega.

A intensidade dos sentimentos de indignação e revolta despertados pela narrativa só pode ser sublimada pela justiça do julgamento, nunca pela violência da vingança. Talvez na sua melhor hora, o Supremo Tribunal está proporcionando à população humilhada e ofendida essa catarse purificadora da consciência e restauradora dos valores morais.

A Lei de Acesso à Informação pegou - JORGE HAGE

FOLHA DE SP - 03/09


Há vários exemplos: autuações do Ibama, doações eleitorais, os votos do Copom, os salários do setor público e até o caso de boxeadores de Cuba deportados


É lugar-comum, mas apenas meia verdade, a afirmação de que as leis não mudam nada.

A verdade inteira parece ser que as leis, sozinhas, não são suficientes para alterar a realidade, se não passam de um texto sobre papel. Mas quando uma lei nasce de um anseio real da sociedade e encontra, da parte do poder público, efetiva disposição para implementá-la, aí o resultado pode, sim, ser uma intervenção transformadora no mundo real.

Veja-se o que está ocorrendo com a Lei de Aceso à Informação -a lei 12.527 de 2011.

Em pouco mais de três meses, ela já serviu para atender a mais de 30 mil pedidos de cidadãos, somente perante órgãos federais, universo monitorado pelo Sistema Eletrônico da Controladoria-Geral da União (CGU). Perto de 90% desses pedidos já foram respondidos (em média, na metade do prazo legal) e 80% o foram positivamente. O percentual de recursos -que significam respostas insatisfatórias- não chega a 7%.

Até aí, poderíamos concluir apenas que essa foi uma "lei que pegou". Mas isso não é tudo. Ela vem produzindo efeitos para além dos que decorrem de seu estrito cumprimento (o que já não seria pouca coisa). E vem provocando a divulgação espontânea de informações de grande relevo para a sociedade.

Os exemplos são vários. Logo na entrada em vigor, o Banco Central resolveu abrir a íntegra dos votos nas decisões do Copom; depois, foi o Ministério da Defesa que abriu documentos do Estado-Maior das Forças Armadas entre 1946 e 1991; o Arquivo Nacional escancarou documentos da ditadura; o Ibama divulgou as empresas autuadas por biopirataria; o Planejamento abriu as informações sobre imóveis funcionais; e o Governo Federal garantiu total transparência aos salários de 570 mil servidores civis e 350 mil militares.

Abrem-se, assim, uma após outra, várias das antigas "caixas pretas" do Estado Brasileiro, além da divulgação que já promovíamos, no Portal da CGU, onde o leitor pode ver, na manhã de hoje, todos os gastos e investimentos federais feitos até a noite de ontem. Por esses avanços é que o governo brasileiro é, hoje, um dos mais transparentes do mundo. E continuamos avançando.

No tocante ao atendimento de pedidos específicos, vale destacar, por exemplo, a decisão do Ministro daJustiça, afastando o sigilo dos processos sobre a deportação dos boxeadores cubanos após o Pan de 2007; e a do Ministro da Defesa, abrindo as informações sobre a exportação de armamentos.

Mas nada se equipara, em importância para o aperfeiçoamento dos nossos costumes políticos e, portanto, para a redução da corrupção, à recente decisão da ministra Carmen Lúcia, presidente do TSE, de adotar, em âmbito nacional, o que já fizera o juiz Marlon Reis, no interior do Maranhão: a divulgação das doações, de empresas ou pessoas físicas, aos candidatos e aos partidos políticos, antes das eleições, e não apenas depois, como se fazia até agora.

É a primeira vez que isso ocorre no país e é uma decisão histórica, que deve ser saudada por todos quantos se interessem pelo progresso de nossas instituições políticas e pelo combate à corrupção.

Enquanto não avançamos mais, rumo à total vedação do financiamento empresarial do acesso aos cargos eletivos -que está na raiz da corrupção- é fundamental dar o máximo de transparência a esse financiamento.

E isso tem que acontecer, é claro, antes da eleição, como determinou o TSE com base na nova Lei de Acesso à Informação, para que o eleitor, ao votar, já saiba, pelo menos, quem está financiando quem.

Educar é a solução - PAULO GUEDES


O GLOBO - 03/09


O mundo parou para conserto. Em meio à desaceleração econômica global, prossegue a guerra mundial por empregos. Tempos difíceis a exigir reflexões sobre o futuro da economia brasileira. De olho em americanos e europeus, há uma ilusão a ser evitada. E, de olho nos chineses, há que fugir de uma armadilha.

A ilusão é a de que basta dar crédito e transferir renda para garantir a prosperidade. Deflagramos à base do crédito popular e de programas sociais de transferência de renda o surgimento de um formidável mercado de consumo de massas. A democratização do acesso ao crédito e as políticas públicas de redistribuição de renda são importantes ferramentas das modernas democracias liberais. Mas é fundamental evitar excessos, como os praticados tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, a ponto de ameaçar sua própria sustentabilidade.

Do ponto de vista econômico, a prosperidade de um país é apenas outro nome para a produtividade de sua população. São duas faces de um mesmo fenômeno. A expansão do consumo de uma classe média emergente deve estar lastreada por aumentos de produtividade dos trabalhadores, sob pena de ter fôlego curto. Da mesma forma, a ampliação das transferências de renda e dos subsídios aos pobres é também financeiramente insustentável quando se descola desses aumentos de produtividade. Vem daí a importância de investimentos maciços em educação e treinamento, ampliando capacitações e habilitações do trabalhador brasileiro, para sustentar o aumento contínuo de nossa produtividade. Estão em jogo a empregabilidade de nossa mão de obra e a vantagem competitiva de nossas empresas nos mercados globais.

E temos aqui a armadilha a ser evitada. Experimentamos flagrante processo de desindustrialização, enquanto disparam nossas importações. O capitalismo eurasiano, sem encargos trabalhistas e previdenciários, pode nos reduzir a um simples produtor especializado de commodities e também a um mercado de importações em massa. Transformar nosso mercado de consumo de massa em um verdadeiro mercado de produção em massa é o grande desafio. E aqui, de novo, a importância crucial dos maciços investimentos em educação. Garantindo maior produtividade, mais empregos, melhores salários, competitividade industrial e prosperidade.

A sociedade paga a conta - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 03/09



Os constantes sinais emitidos pelo Planalto desde o início da Era Lula, de aceitação de corporações sindicais ligadas ao funcionalismo público como uma espécie de condôminos do poder, têm dado a entidades que falam em nome dos servidores uma inequívoca desenvoltura para se mobilizar em defesa de crescentes reivindicações. Seja para a preservação de vantagens funcionais, a elas asseguradas por uma legislação tão paternalista quanto anacrônica, ou para a obtenção de novos privilégios, diversas categorias do Executivo não hesitam em recorrer a paralisações.

Contam, para isso, não só com as garantias da estabilidade no emprego, mas, igualmente, por contaminação ideológica, com usuais demonstrações de leniência das autoridades. Invariavelmente, da junção entre demonstrações de força (que levam ao fechamento de repartições) e inapetência pela repressão a abusos (um dever de quem tem a responsabilidade de exercer cargos no poder público), resulta como vítima a sociedade, tomada como refém desta aliança deletéria.

O modelo foi novamente colocado em prática na recente onda de greves do funcionalismo público da União. Desta vez, no entanto, o governo federal acabou saindo do pacto: após se dobrar inicialmente, pela inércia, a um movimento que paralisou importantes órgãos - inclusive de áreas essenciais - da administração pública, o Planalto curvou-se à evidência de que era impossível aceitar reivindicações inquestionavelmente abusivas. Da letargia inicial, que deve ter estimulado o desdobramento e o prolongamento das paralisações, Brasília enfim endureceu com os grevistas. Mostrou-se inflexível com os pleitos acima dos índices colocados na mesa de negociações, cortou o ponto de quem se recusava a trabalhar e fechou-se ao diálogo. O recuo do funcionalismo comprovou que as greves não se assentavam em questões justas. Ao contrário, tinham a exorbitância como combustível.

Os movimentos do Planalto para assegurar privilégios aos servidores não se limitaram aos acenos para atuarem como sócios do poder. Desde o primeiro governo Lula têm sido generosos os aumentos a eles concedidos, de tal forma que o Executivo chega a pagar salários mais altos que os praticados na iniciativa privada.

Mesmo nesse paraíso salarial há distorções a serem enfrentadas. Mas isso deve ser feito com a revisão de planos de carreira, com coerência administrativa e orçamentária. É preciso também reparar uma lacuna da legislação: a regulamentação do direito de greve no serviço público, providência que o governo tomou, ao anunciar o encaminhamento ao Congresso do projeto que trata da questão.

Impor a correção de desvios pela greve é inaceitável, porque prejudica a população e deixa na conta de toda a sociedade o custo de demandas que não são dela, mas de grupos corporativos.

O caixa 2 - EVERARDO MACIEL


O ESTADÃO - 03/09


Fiquei estarrecido quando tomei conhecimento, pela mídia, de que a mais alta autoridade da República, à época que eclodiu o denominado escândalo do mensalão, alegara tratar-se de um mero caixa 2.

Uma autoridade fiscal chegaria ao limite da perplexidade ao ouvir de um contribuinte que praticara crime de sonegação por omissão de receita, por exemplo, a justificação de que fora tão somente um cândido exercício de caixa 2. Pois bem, esse mau contribuinte poderia acrescentar que se inspirara em discurso de autoridade.

O advogado, no exercício de uma função essencial ao Estado Democrático de Direito, tem a obrigação de buscar a absolvição ou, ao menos, a redução das penas que, em tese, seriam aplicáveis a seus clientes. O que espanta, todavia, é ver políticos e advogados festejarem o crime do caixa 2, diante da possibilidade de prescrição. Bradam solenemente: Foi apenas caixa 2! É a banalização da indecência.

Crime deve ser confessado de forma compungida e envergonhada, de cabeça baixa, com um mínimo sinal de arrependimento. Somente criminosos doentios se vangloriam de suas iniquidades.

Essas condutas funcionam como uma espécie de cupins da frágil estrutura de valores da sociedade brasileira. Somadas a outras, que de tão pequenas às vezes não são percebidas, vão minando as convicções das pessoas e arruinando o processo civilizatório.

A alegação do caixa 2 é um episódio neste processo de aviltamento dos valores. Não é, todavia, fato isolado. O ovo da serpente há muito se encontra instalado no Estado brasileiro.

A redemocratização no Brasil, infelizmente, revigorou a condenável prática do fisiologismo. Não tendo sido decorrente de uma ruptura institucional, mas de um processo conciliatório, a redemocratização trouxe à mesa do governo personagens antes abrigados na oposição.

Os novos protagonistas da cena política exigiram, legitimamente, que fossem representados na administração, já sobrecarregada pelos oriundos da velha ordem. A Nova República iniciou a temporada das "indicações". Foi a festa do velho fisiologismo.

A arena política passou a ser povoada por uma miríade de partidos e tendências, em que prevaleceram interesses localizados, pretextando o que foi chamado de presidencialismo de coalizão. O clássico fisiologismo, então, se sofisticou.

Se antes as postulações dos partidos políticos se limitavam às "indicações", num novo estágio elas se direcionaram para despudoradas demandas por "diretoria que fura poço" e tesouraria de estatais.

Mais recentemente, surgiu o que se chamou de aparelhamento, em que se vislumbrava um comprometimento ideológico dos indicados. Não é nada disso, entretanto, ainda que, em alguns momentos, se escutassem murmúrios de teses obscuras, cada vez mais subjugadas pelo pragmatismo. Aparelhamento é apenas outra denominação do fisiologismo, aplicável à ambição de grupelhos políticos não tradicionais. Qualquer que seja o nome, o que fica evidente é o propósito de manter-se no poder e dele se servir.

Chegou-se à ousadia de cobrar fidelidade da toga ao poder. Muitos se espantam quando magistrados decidem de forma diferente da expectativa dos que os nomearam. Marianne, símbolo da República desde a Revolução Francesa, deve estar ruborizada.

Essas práticas pouco edificantes se combinam com barganhas e negócios que têm por base as emendas parlamentares ao Orçamento. Serão elas, mantido o modelo existente, uma fonte inesgotável de escândalos. Não raro, os acusadores de hoje se convertem nos acusados de amanhã. A maldição está num sistema completamente vulnerável à corrupção.

O afrouxamento moral do Estado tem outras faces. Qual o respaldo moral para cobrar as dívidas dos contribuintes, se o Estado não paga precatórios, atrasa tanto quanto possível restituições e compensações de tributos e faz uso de todos os recursos procrastinatórios para evitar a liquidação de sentenças em que foi condenado? Essa assimetria de conduta, tão recorrente, é um desserviço à República.

Não me surpreendo, embora deplore, quando vejo cidadãos, publicamente, dizendo que não pagam impostos porque os políticos são corruptos. É o império da torpeza bilateral.

O que impressiona, de mais a mais, é constatar que essa crise axiológica, que não é recente, vem crescendo continuadamente, sem que nada interrompa sua execrável trajetória.

Há uma novidade, todavia. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos réus do mensalão, independentemente das decisões que venham a ser tomadas, trouxe a lume alguns conceitos alentadores, superando o ranço positivista que pretende a supremacia do formalismo sobre os fatos. O que se colhe fora do juízo, ainda que não sejam provas cabais, robustece as evidências extraídas no rito judicial. Nenhuma destinação, por mais meritória que seja, sacraliza dinheiro oriundo de peculato. Deve-se alegar caixa 2 em tom contrito e penitente. Como contraponto, pessoas inocentes têm o direito de ser declaradas inocentes. É uma réstia de esperança, até mesmo para os céticos, como eu.

Economia sem músculos - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 03/09


A economia brasileira cresceu apenas 0,4% no segundo trimestre, mas essa foi apenas a segunda pior notícia embutida nas contas nacionais divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A mais preocupante refere-se tanto ao futuro quanto ao passado recente. Entre abril e junho, o investimento em máquinas, equipamentos e obras foi 0,7% menor que nos três meses anteriores e 3,7% inferior ao realizado no mesmo trimestre de 2011. A fraca expansão do Produto Interno Bruto (PIB) pertence ao passado. Já o baixo investimento compromete o futuro, porque limita o potencial de crescimento da produção, da criação de empregos e da melhora das condições de vida dos brasileiros.

Para crescer pelo menos 5% ao ano de forma segura, sem risco de inflação ou de crise nas contas externas, o Brasil precisa investir o equivalente a uns 24% do PIB, segundo cálculos geralmente aceitos. Nos últimos 20 anos, as maiores taxas foram pouco superiores a 19% - e isso ocorreu apenas três vezes. Na semana passada, o governo reduziu de 20,4% para 19,1% do PIB o investimento previsto para 2012.

Hoje, até essa projeção parece otimista. No trimestre passado, a taxa ficou em 17,9%. Descontada a inflação, o valor investido foi 3,7% inferior ao de um ano antes. No primeiro trimestre, o valor aplicado havia sido 2,1% menor que o de janeiro a março de 2011. Entre abril e junho a poupança ficou em 16,9% do PIB. O ingresso de capital permitiu investir pouco mais que isso.

Há poucos dias o ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou a falar sobre a importância de aumentar as aplicações em máquinas, equipamentos, instalações e obras de infraestrutura e mencionou a meta de 24%. Mas é preciso fazer muito mais para elevar o investimento privado e o investimento público.

A redução dos juros é apenas uma das medidas necessárias. Taxas menores foram insuficientes para induzir os empresários a aplicar mais capital em meios de produção. Por que investiriam, se a produção estava empacada, a expectativa de retorno era baixa e os problemas de competitividade iam muito além da capacidade produtiva de cada fábrica?

O consumo interno jamais deixou de crescer, desde o recrudescimento da crise, mas nem por isso a produção industrial avançou. O resultado foi o oposto. No primeiro semestre, a indústria de transformação produziu 4% menos que um ano antes. O cenário piora quando se considera apenas o segundo trimestre, com produção 5,3% inferior à de abril-junho de 2011.

O aumento do consumo, estimulado pela expansão do crédito e facilitado pela manutenção de elevado nível de emprego, resultou em crescimento das importações. A indústria nacional aproveitou só em parte a boa disposição dos consumidores. Incapaz de enfrentar a concorrência estrangeira, foi batida no mercado externo e também no interno. Nem a desvalorização do real foi suficiente para tornar a disputa mais equilibrada.

O governo demorou, mas acabou anunciando medidas para atenuar problemas estruturais. Foi lançado um plano de investimentos em transportes, com participação do setor privado, e, além disso, a presidente Dilma Rousseff prometeu reduzir o custo da eletricidade. O Ministério do Planejamento reservou R$ 15,2 bilhões na proposta orçamentária do próximo ano para cobrir novas desonerações.

As autoridades ainda atribuem boa parte dos atuais problemas brasileiros à piora do quadro externo. O cenário global é ruim, de fato, mas os principais obstáculos ao crescimento nacional são made in Brazil. O produtor brasileiro enfrenta custos muito maiores que os suportados pelos concorrentes estrangeiros. A produtividade geral do País é baixa e a maior parte dos problemas está fora das fábricas e das fazendas. Um dos mais graves é a ineficiência governamental, evidenciada pela baixa qualidade dos serviços e pela incapacidade de elaboração e execução de projetos. Erros de diagnóstico e de prescrição de terapias têm atrasado a remoção dos entraves. A estagnação já dura um ano e meio e evidencia o alcance cada vez menor das políticas centradas no estímulo ao consumo e a indústrias selecionadas. Mas o governo demora a mudar de rumo.

Com o relator - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 03/09


Depois de divergir do relator e absolver João Paulo Cunha, Marcos Valério e seus sócios no tópico referente à contratação da SMPB pela Câmara, Ricardo Lewandowski acompanhará na essência o voto de Joaquim Barbosa em relação aos executivos do Banco Rural. Para reconhecer uma "trama criminosa" na cúpula do PT, o revisor vai dizer que diretores do banco cometeram gestão fraudulenta -e não temerária- nos empréstimos às agências do publicitário e ao partido.

Réplica 
Os advogados do Banco Rural vão entregar um novo memorial de defesa após o voto de Joaquim Barbosa, rebatendo, de forma sintética, ponto a ponto as imputações do relator.

Redução... 
Na nova peça de defesa, os advogados dos executivos vão sustentar que os empréstimos existiram, conforme atestaram laudos da Polícia Federal, o que afastaria gestão fraudulenta.

... de danos 
Os defensores admitem que seus clientes poderiam ser enquadrados, no máximo, por gestão temerária, por "imprudência'' e pelo não cumprimento de normas do Banco Central.

Virando... 
O PT de Osasco fará hoje um ato político com os partidos da aliança para "lançar" o novo candidato a prefeito, Jorge Lapas, que assumiu o lugar de João Paulo Cunha, condenado no mensalão. Ministros de Dilma Rousseff foram convidados, mas não tinham confirmado presença até ontem.

... a página 
O passo seguinte será refazer toda a propaganda. A direção municipal do PT vai pedir ajuda financeira à nacional, já que a troca de candidato fez com que "alguns milhões de reais" fossem ''jogados fora'', como diz um coordenador.

Minirreforma 1 
O governo deve anunciar nesta semana dois novos nomes da Comissão de Ética da Presidência. O Planalto avalia mal o grupo, que surpreendeu Dilma com decisões contra ministros, como Antonio Palocci e Fernando Pimentel.

Minirreforma 2 
Dilma pretende trocar, ainda, outros três integrantes cujos mandatos venceram entre junho e julho. Sepúlveda Pertence também sairá em 2013, quando vence seu mandato.

Café da paz 
Depois de uma breve conversa telefônica no sábado, Fernando Haddad visitou Marta Suplicy ontem, em sua casa. Ela elogiou o programa de governo do petista e prometeu ir a mais de um evento nos próximos dias. Grava sua estreia no horário eleitoral nesta semana.

Efeito especial 
Para melhor ilustrar o alcance do chamado Arco do Futuro, proposta urbanística que será tema do programa de hoje, a propaganda de Haddad vai usar um mapa holográfico de São Paulo, com o candidato mostrando as medidas.

Born to be wild 
Celso Russomanno vestiu jaqueta de couro e subiu numa réplica de Harley-Davidson sábado durante visita de campanha ao Abutres Moto Clube, em Itaquera. Combinou de fazer uma "motorata", uma carreata em duas rodas, no dia 9, saindo de Guaianases.

Erguei as mãos 
Durante visita a padres na semana passada, Russomanno gravou elogios de Marcelo Rossi. O candidato do PRB estuda usar a imagem na TV caso ganhe corpo a ofensiva para associá-lo à Igreja Universal.

Pra galera 
A equipe de marketing de José Serra fez uma superprodução para gravar encontro em que o candidato respondeu a perguntas da Juventude Tucana, ontem. A ideia é dedicar um programa a propostas para os jovens, segmento em que Serra perdeu eleitores segundo as últimas pesquisas.

Tiroteio
Lutamos por um Direito Penal democrático, mas vemos sua paulatina destruição, com a flexibilização de garantias constitucionais.

DE ALBERTO ZACHARIAS TORON, advogado de João Paulo Cunha no mensalão, sobre o endurecimento de decisões do STF no julgamento do caso.

Contraponto

Superstição eleitoral
Antônio Anastasia era secretário-adjunto de Planejamento de Hélio Garcia em Minas em 1994. O candidato de oposição à sucessão era Hélio Costa, "xará" do governador. Garcia só se referia ao opositor como "doutor Calisto", usando seu nome do meio.

-Por que o senhor só chama o Hélio Costa de Calisto? -, perguntou Anastasia, curioso.

-Procure 'calisto' no dicionário -, respondeu Garcia.

O significado era: "aquele que traz má sorte". Coincidência ou não, após liderar a campanha toda, Costa perdeu para Eduardo Azeredo por margem mínima de votos.

O dilema dos jornais - CARLOS ALBERTO DI FRANCO


O ESTADÃO - 03/09


Num mundo cada vez mais rápido, em que as informações se disseminam por múltiplos meios - graças à internet, ao tablet, ao celular e às mídias sociais -, o jornal impresso tem futuro. O dilema do jornal, com sua força na construção da democracia e seu protagonismo na agenda pública, suscitou sugestivos debates no 9.º Congresso Brasileiro de Jornais, evento promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) em São Paulo.

Para sobreviverem os jornais precisam investir fortemente na qualidade de seu conteúdo. A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviço, ou seremos descartados por um leitorado cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.

Há mais de uma década, falando do alto da tribuna da Associação Mundial de Jornais, Bill Gates fez um exercício de premonição. Previu que no ano 2000 não haveria mais jornais impressos. Hoje, ao contrário da sombria profecia de Gates, os diários continuam vivos. No Brasil, para além da permanência dos diários tradicionais, explodiu o fenômeno dos populares de qualidade. O novo segmento não tem apenas incorporado novos leitores. Ele, de fato, representa uma esplêndida plataforma educativa. É fascinante ler alguns depoimentos dos novos leitores. São pessoas simples, frequentemente marginalizadas do debate público, que encontraram nos populares de qualidade a porta de entrada da cidadania.

Os diários têm conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só é possível graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.

A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. O leitor quer menos show e mais informação de qualidade. O sensacionalismo, embora festejado num primeiro momento, não passa pelo crivo de uma visão retrospectiva. Curiosidade não se confunde com aprovação. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina.

Apostar em boas pautas - não muitas, mas relevantes - é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem.

Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.

Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso a internet é imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para este público deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem.

Antes os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas. Não servem mais para contar o imediato. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas.

Há um modelo a ser seguido? Nas experiências que acompanho, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É para isso que o público está disposto a pagar. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade.

Estamos numa época em que a informação gráfica é muito valiosa. Mas um diário sem texto é um diário que vai morrer. O suporte melhor para fotos e gráficos não é o papel. Há assuntos que não é possível resumir em poucas linhas. E não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.

Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. Se você for a um médico e ele disser que não estuda há 25 anos, você se assusta. Mas há jornalistas que não estudam nada há 25 anos. O jornalismo não é rotativa: o valor dele se chama informação, talento, critério. Por isso é preciso investir em jornalistas com boa formação cultural, intelectual e humanística - pessoas que leiam literatura, sejam criativas e motivadas. E, além disso, que sejam bons gestores. As competências são demasiadas? Talvez. Mas é o que nos pede um mundo cada vez mais complexo e desafiante.

Há muito espaço para o jornalismo de qualidade. Trata-se de ocupá-lo. Com competência, ousadia, criatividade e, sobretudo, com ética. A percepção do cidadão a respeito do papel do jornal é um inequívoco reconhecimento do seu vigor editorial e da força da sua credibilidade. O Brasil depende, e muito, da qualidade da sua imprensa.

Marketing social - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 03/09


Esse papo furado contemporâneo vende mentiras como verdades e serve a agendas ideológicas


1. Ser gay está na moda. 2. Ter filha solteira é legal. Mulher não precisa de homem. 3. Não dou valor a dinheiro. 4. Não tenho preconceito. 5. Os homens hoje lidam bem com mulheres que ganham mais do que eles. 6. Minha tia é muito bem resolvida. 7. Vivemos uma crise de valores. Meus valores não são materiais. 8. Existem pessoas que não se vendem. 9. Meu pai me ensinou a ser digno. 10. Não tenho religião, tenho espiritualidade.

Eis alguns exemplos de papo-furado contemporâneo. Trata-se de marketing social. Filho do politicamente correto, grande exercício de lixo cultural.

O marketing social vende mentiras como verdades porque serve a agendas ideológicas de quem as produz. As outras pessoas apenas as repetem para aliviar seus fracassos pessoais ou para vender uma boa imagem social de si mesmas.

Como sempre, a mentira rege o mundo. Não somos mais pecadores, mas continuamos mentirosos. Eliminou-se da agenda moral a consciência do mal como parte de nós mesmos, ficou apenas o hábito contumaz da mentira.

Eis dez teses contra o marketing social:

1. Ser gay não está na moda. A maioria esmagadora do mundo é indiferente ao tema. Isso não significa nada "contra". Se não fosse o fato de grande parte das pessoas que trabalha com cultura (mídia, arte, universidade) ser gay, ninguém daria bola para o assunto. A própria "teoria de gênero" que afirma que você pode ser sexualmente o que quiser é uma invenção de militantes gays e feministas.

Além, é claro, da grana que grande parte da população gay tem por ser constituída de profissionais altamente qualificados que não têm filhos, até "ontem". Agora, ficarão pobres como os héteros.

2. Mãe solteira é péssimo. E, sim, mulher precisa de homem. Sem homem, a maioria revira no vazio da cama. E vice-versa. Mãe solteira é opção para quem não tem mais opção afetiva ou é coisa de gente altamente narcisista. E para a criança é péssimo. Gente que abraça o marketing social, além de mentirosa, é muito egoísta. O mundo inteligentinho está cheio de gente ressentida que prega essa bobagem.

3. Todo mundo dá valor a dinheiro, principalmente quando não tem. Quem mais diz que não dá valor a dinheiro, é justamente quem mais dá. Dizer "não dou valor a dinheiro" prepara o terreno para se pedir dinheiro emprestado ou justificar dívidas não pagas.

4. Todo mundo tem preconceito. Quem diz que não tem, normalmente acha meninas virgens doentes, mulheres que cuidam dos filhos umas idiotas, religiosos burros, os EUA uma nação do mal e Obama um santo. A maioria continua tendo preconceito contra gay, mulher que transa muito e homem chorão. Eu, por exemplo, tenho preconceito contra gente bem resolvida e que diz que não tem preconceito.

5. Nenhum homem lida bem com mulheres que ganham mais do que ele. A menos que ele tenha problema de caráter. É sempre um sofrimento que se enfrenta dia a dia, sonhando com seu fim. Nem as mulheres bem-sucedidas lidam bem com homens fracassados. Muitas "rezam" para que seus maridos falidos ganhem mais ou, pelo menos, o mesmo que elas.

6. Ninguém é bem resolvido, somente os mentirosos, principalmente tias solitárias que fingem ser donas de seus afetos.

7. Valores são sempre materiais, ligados a poder, patrimônio, sucesso, reconhecimento. Não existe "crise de valores" porque nunca existiram valores sólidos, a moral pública sempre foi fundada na hipocrisia e na superficialidade de julgamento do comportamento alheio.

8. Todo mundo tem um preço, sempre menor do que se imagina. Às vezes as pessoas se vendem por muito menos do que dinheiro, se vendem por afetos baratos, promessas falsas e deuses vagabundos.

9. Aprende-se muito pouco com os pais, na maior parte do tempo, o que nos define é o temperamento e as circunstâncias da vida. Aristóteles mesmo dizia que ética é uma ciência imprecisa dominada pela contingência. Quem elogia demais os pais, está ocultando suas vergonhas.

10. Esse negócio de "espiritualidade" é religião sem compromisso. Produto de butique. Pessoas "espiritualizadas" são normalmente as piores e mais indiferentes.

O peso, a mola, o suicídio - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 03/09


José Serra (PSDB) cresceu. Pode não ter sido nas pesquisas, mas evoluiu politicamente. Sua fidelidade a Gilberto Kassab (PSD) é de fazer inveja aos tucanos. Sua disposição para elogiar a gestão do prefeito nos erros e nos acertos é rara na política. O candidato Serra mudou 180 graus em comparação à eleição presidencial de 2002. Tornou-se um campeão da continuidade com continuísmo. Era tudo o que Fernando Henrique Cardoso queria dez anos atrás. Alguém que defendesse seu governo e sua imagem com gana. Que falasse seu nome e mostrasse suas obras na TV.

Não é fácil defender um governante impopular. Custa e caro. O candidato aliena o eleitorado que desaprova aquela administração. Mas Serra está pagando sem reclamar. O tucano segue no patamar de 13% de intenção de voto entre os eleitores que acham o governo Kassab ruim ou péssimo, segundo o Ibope. Não seria um problema se o contingente dos que acham a gestão Kassab ruim ou péssima fosse pequeno. Era 43% do total do eleitorado da cidade antes da propaganda começar. É 48% agora.

"O Kassab tem uma gestão na Prefeitura que é bem melhor do que a avaliação que neste momento tem". As palavras "neste momento" dessa frase de Serra (dita em entrevista à TV Estadão na sexta-feira) encerram sua esperança. Em 2008, Kassab também era mal avaliado antes da campanha eleitoral, mas usou suas horas na TV para convencer o eleitor do contrário e acabou reeleito.

A torcida de Serra não basta para a história se repetir. Talvez sua propaganda ajude, mas está atrasada. Na eleição paulistana anterior, o prefeito partiu de um fosso menos profundo e começou a escalada antes. Além disso, enfrentava uma adversária que carregava uma taxa de rejeição equiparável à de Serra hoje. As circunstâncias são diferentes, o resultado pode ser também.

Serra não está levando um voto sequer para carregar Kassab. Antes do horário eleitoral, tinha 42% entre os raros eleitores que acham a gestão do prefeito boa ou ótima. Tem agora 36%. Entre o terço que classifica o governo Kassab como "regular", o tucano caiu de 31% para 21%. Como os números do Ibope mostram, a administração do fundador do PSD está longe de ser uma mola.

Olhando de fora, carregar um peso como Kassab parece fatal para um candidato. Mas Serra conformou-se na entrevista à TV Estadão: "É uma realidade". Prefeito e candidato são uma coisa só. Um veio do outro. É como se Kassab tivesse mantido a cadeira ocupada para ninguém sentar enquanto Serra foi ali disputar uma eleição de governador e outra de presidente. Unha e carne. São tão indissociáveis que Serra não só defende como diz que "faria o mesmo" quando a Prefeitura de São Paulo viola o sigilo médico de um eleitor que só queria curar os olhos para voltar a trabalhar, mas foi usado como bola de pingue-pongue pelas campanhas do PT e do PSDB na sua guerra de versões.

O episódio, trazido à luz pelo corajoso furo da repórter Julia Duailibi, sintetiza a sucessão paulistana até agora. Petistas e tucanos ficam de picuinha, e o eleitor paga a conta. Gabriel Chalita (PMDB) martela esse diagnóstico diariamente, mas quem fatura é um adversário. Celso Russomanno (PRB) lidera a eleição enquanto Serra e Fernando Haddad (PT) empatam, um ao outro.

Neomalufismo. Paulo Maluf (PP) suicidou-se, politicamente, ao bancar Celso Pitta como seu sucessor à Prefeitura de São Paulo. Nunca mais ganhou uma eleição majoritária. Mas seu legado reaparece nesta sucessão, ironicamente pelas asas de um renegado. Russomanno nasceu para a política quando Maluf era governador, há mais de 30 anos. Rompeu e, agora, "Celsinho do Detran" herda o malufismo, sem Maluf. Como Lula, ele transforma eleitor em consumidor e vice-versa. É o malufismo de consumo.

Neofilia. Chalita foi de uma sinceridade comovente ao confirmar, em entrevista à TV Estadão, que está faltando dinheiro e faz campanha a fiado. É dos poucos a admitir, mas está longe de ser o único a enfrentar escassez de doações eleitorais. A prestação parcial de contas mostra que a maior parte do dinheiro gasto até agora (42%) nas campanhas Brasil afora veio - pasme - do bolso dos candidatos. Devem ver o gasto como um investimento.

Não é o caso de Chalita, que tem sido (mal) bancado pelo PMDB. Os partidos, aliás, tiraram mais dinheiro de seus cofres para custear campanhas do que as empresas. Ao menos por enquanto. É um sinal de que os empresários estão esperando para ver quais candidatos emplacam nas pesquisas para só investir no favorito. Chega de gastar com perdedor. Por falar em perdedor, tem partido de candidato derrotado a presidente com fatura de mais de R$ 700 mil pendurada até hoje na praça. Os fiadores de Chalita devem estar preocupados.

O momento é de prudência - GUSTAVO LOYOLA


Valor Econômico - 03/09


As medidas adicionais de estímulo à demanda anunciadas pelo ministro da Fazenda na semana passada coincidiram com a divulgação pelo Banco Central de uma nova redução da taxa Selic, desta vez acompanhada por uma mudança de tom em seu comunicado, sinalizando que provavelmente tenha chegado ao fim o ciclo atual de baixa de taxa básica de juros.

Por outro lado, a pesquisa Focus segue indicando que a expectativa média dos agentes econômicos é de não cumprimento da meta de inflação neste ano e também nos dois anos seguintes. Aliás, espera-se mesmo a aceleração da inflação no próximo ano, simultaneamente ao maior crescimento do PIB. Por causa disso, a maioria dos analistas já antevê a necessidade de subida das taxas de juros em 2012, com vistas a evitar que a inflação ultrapasse o teto de tolerância do regime de metas (6,5%).

Nesse contexto, os novos estímulos anunciados pelo ministro Mantega podem se revelar exagerados, levando a economia para um ritmo de crescimento insustentável em 2012, repetindo-se, assim, o mesmo equívoco acontecido em 2010. Vale recordar que naquele ano o PIB cresceu 7,5% em termos reais, numa recuperação cíclica que logo se mostraria não sustentável, tanto que exigiu medidas restritivas no ano seguinte, provocando uma parada súbita da atividade econômica no segundo semestre de 2011. O erro em 2010 foi a não retirada tempestiva dos estímulos adotados (a maioria deles corretamente) em resposta à crise que se seguiu à quebra da Lehman Brothers em setembro de 2008. Aparentemente, naquele momento, falaram mais alto os objetivos eleitorais do governo.

As medidas já adotadas são mais do que suficientes para fazer o PIB voltar a crescer em linha com seu potencial

Como temos insistido, o crescimento econômico deve ser sustentável, com a menor volatilidade possível. Os ciclos econômicos são uma realidade da vida, mas cabe à política econômica suavizá-los e não acentuar seus vales e picos com ações do tipo "stop-and-go" que acabam prejudicando o desempenho da economia no longo prazo. Houvesse a economia brasileira crescido menos em 2010, provavelmente não teria sido necessária a parada súbita de 2011 e nem teria a inflação se acelerado para 6,5% naquele ano.

A sustentabilidade do crescimento econômico, por sua vez, exige políticas públicas que vão muito além das medidas de estímulo da demanda agregada. Ao contrário, o que importa mesmo é o crescimento da oferta agregada que depende basicamente do estoque de capital físico e humano, assim como da produtividade dos fatores de produção. Vale ressaltar que muito embora as decisões de investimento sejam influenciadas pelas expectativas em relação à demanda futura, esse canal somente funciona quando os empresários acreditam na sustentabilidade do crescimento, pouco adiantando medidas de estímulo de efeitos efêmeros.

A expansão da capacidade de oferta exige a presença de instituições favoráveis ao funcionamento de uma economia de mercado, entre as quais se destacam o bom ambiente regulatório e a segurança jurídica. Ademais, a estabilidade macroeconômica é fundamental, o que deveria afastar qualquer tipo de tolerância com a inflação, ainda que esta se situe em níveis moderados. Além disso, são necessárias medidas persistentes que elevem o crescimento da produtividade ao longo do tempo, notadamente políticas educacionais que melhorem a qualidade do ensino e aumentem o foco nas carreiras associadas ao conhecimento científico e tecnológico. Por sua vez, num país como o Brasil, que exibe uma baixa taxa de poupança e de investimento, torna-se indispensável aumentar a poupança do governo, por meio da redução da proporção entre as despesas correntes e o PIB, o que somente ocorrerá com políticas de longo prazo orientadas a este objetivo.

Dessa maneira, as desonerações tributárias temporárias, o aumento da oferta de crédito barato via BNDES e outros bancos públicos, a expansão dos gastos do governo, no contexto de um processo longo de afrouxamento monetário pelo Banco Central, são ações que elevam o crescimento do PIB no curtíssimo prazo, mas podem se mostrar contraproducentes quanto à elevação do PIB potencial do país, notadamente se delas decorrerem maiores incertezas dos agentes econômicos em relação ao ambiente macroeconômico futuro.

Mais positivas para as perspectivas de crescimento do Brasil foram as medidas anunciadas pelo governo na semana anterior, com relação a concessões e parcerias público-privadas no setor de transportes. O anúncio de outras iniciativas dessa natureza foi prometido, o que indica que o governo despertou para a necessidade de cuidar do crescimento do investimento nos próximos anos. Se tais medidas vingarem, o estímulo para o crescimento do PIB virá nos próximos anos, sem a necessidade de estímulos artificiais ao consumo.

Por tudo isso, o momento exige prudência e paciência do governo no que diz respeito à gestão da política econômica. As medidas já adotadas são mais do que suficientes para fazer o PIB voltar a crescer em linha com o seu potencial e quaisquer abusos podem ser contraproducentes, acelerando a inflação para patamares elevados e exigindo, em futuro muito próximo, a aplicação de freios monetários e creditícios semelhantes ao ocorrido no primeiro semestre do ano passado.

Infecção generalizada - MELCHIADES FILHO

FOLHA DE SP - 03/09


BRASÍLIA - O julgamento do mensalão é um marco no combate à impunidade. Haverá, no mínimo, o impacto intramuros. O STF deverá dar celeridade a processos que envolvam políticos e contratos públicos. Como a Folha revelou no início do ano, mais de 250 inquéritos contra parlamentares estão na fila.

É precipitado, porém, apostar em um efeito desinfetante instantâneo e amplo. Os próprios políticos têm dado provas ostensivas de descaso às firmes respostas do Judiciário.

Tome-se o depoimento de Luiz Antonio Pagot à CPI do Cachoeira.

Ex-diretor do Dnit (órgão que cuida de obras em estradas), ele admitiu ter ajudado o comitê eleitoral de Dilma Rousseff a arrecadar dinheiro. Contou que, a pedido do tesoureiro da campanha, procurou empresas que prestam serviços ao governo e têm interesse em novos contratos. Candidamente, revelou o fabuloso retorno: R$ 6 milhões em doações, mediante recibo. Disse isso tudo um dia depois de o STF ter explicado e reforçado seu entendimento sobre o crime de peculato.

Outro exemplo: as declarações do ministro Gilberto Carvalho de que o Planalto quintuplicará os investimentos em Franco da Rocha (SP) apenas se a população escolher um petista para a prefeitura da cidade.

E o que dizer de outros três ministros dilmistas, que conseguiram cavar tempo em sua agenda para gravar vídeos de apoio ao primeiro político condenado no mensalão? Nem Miriam Belchior (Planejamento), às voltas com os servidores em greve, nem Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário), desafiado por uma onda de protestos de sem-terra, nem Aldo Rebelo (Esporte), envolvido em nova rodada de inspeções da Fifa, viram problema em pedir votos para João Paulo Cunha antes de a Justiça se pronunciar.

O STF resgatou a força do Código Penal. Falta o Ministério Público, menos combativo nas Presidências do PT, se apresentar para o jogo.

Avenida Estados Unidos - LÚCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 03/09


Eu aaaamo vocês, mulheres!

Não, a possível próxima primeira-dama americana não estava saindo do armário e declarando seu lesbianismo. Ann Romney estava lendo o teleprompter e incorporou uma Neide Aparecida do tempo dos espetáculos Tonelux (leitores jovens, por favor, dirijam-se ao YouTube). O discurso de quarta-feira na convenção republicana poderia ter sido escrito no Vale do Silício - se alguém já inventou o algoritmo que calcula as palavras certas para chamar atenção de segmentos demográficos pouco enamorados do candidato mórmon republicano. Suspeito que Ann Romney teria sido reprovada no curso de teatro do Tablado, com suas frases terminando em tons agudos, sem pontuação, comuns às conversas de adolescentes.

Ela é mãe dedicada, segundo seu marido e os cinco filhos homens. Diz que escolheu a carreira de mãe para ficar em casa, como se a escolha estivesse disponível para a esmagadora maioria das mulheres. Anunciou que não estava lá para falar de política e sim de amor, sem alertar que os diabéticos deveriam sair da sala, diante da enxurrada de declarações açucaradas que estava por vir.

"Eu li em algum lugar que Mitt e eu temos um casamento de conto de fadas", disse, armando mais uma cilada sedutora. "Bem, nas histórias de fadas que eu li, nunca houve longas tarde de inverno com cinco garotos gritando ao mesmo tempo." Estamos falando de uma milionária que teve quantos filhos quis. Pausa para o público rir, solidário. "E os livros nunca tinham capítulos chamados esclerose múltipla ou câncer de mama." A mulher do candidato que promete desmantelar o plano de seguro saúde de Obama no primeiro dia de seu mandato não pensa duas vezes em transformar suas doenças em linhas de aplauso.

Um comentarista negro na folha de pagamento da Fox News teve a audácia de discordar, ao vivo, de seus obsequiosos colegas e foi contra o baba-ovo geral dirigido a Ann Romney. "Ela soa como uma esposa corporativa", disse Juan Williams, enquanto sobrancelhas se erguiam na bancada de direitistas de carteirinha. "O que é isso, esposa corporativa?", perguntou a âncora-boneca Barbie. "Uma mulher de quem o marido toma conta, uma mulher muito afluente, querendo convencer de que compartilha das lutas das mulheres no país." Williams foi castigado pelos colegas e pela campanha Romney.

Sim, as convenções políticas são como infomercials, um púlpito para pregar para convertidos. A convenção democrata que começa hoje à noite em Charlotte, na Carolina do Norte, será especialmente melancólica. Hilary escafedeu-se para a Ásia e vai perder a primeira convenção de sua vida adulta. Seu marido ainda muito popular é a grande esperança para convencer os indecisos brancos de que seu alter ego centrista se chama Barack, não Mitt.

Os americanos continuam preferindo tomar cerveja com Barack. Mas a fadiga da crise econômica é evidente e Obama, a exemplo de um querido líder brasileiro, num passado não distante, desperdiçou boa parte de seu governo sem comunicar ao público suas prioridades, a seriedade da conjuntura internacional e também os seus sucessos.

O presidente Obama, que admitiu tomar uma surra eleitoral quando o Tea Party liderou a retomada da maioria na Câmara dos Democratas em 2010, demorou a acordar. Naquele ano, o líder republicano no Senado anunciou aos quatro ventos: "O nosso principal objetivo é tornar Barack Obama o presidente de um só mandato." Dane-se o déficit, o seguro saúde, a educação, a catástrofe da seca provocada por mudanças climáticas.

No fim da semana passada, estava postada numa esquina de Manhattan, gravando a abertura de um vídeo para o Saia Justa. Meu querido cinegrafista, aquele que votou em Bush duas vezes e depois em John McCain e concorda em discordar de mim, notou o ruído de um caminhão dos Correios que estacionava para recolher a correspondência da caixa postal na rua. "Espero que ele desligue logo o motor", eu disse, porque o som vazava no meu microfone. "É funcionário do governo, vai remanchar quanto puder", disse meu colega, que usa seu zelo antigoverno como um filtro para qualquer situação. O carteiro desligou o motor. Em seguida, o caminhão de uma firma independente de entregas parou logo na frente em fila dupla. Três homens saltaram para comprar um lanche. Protegidos pela placa comercial, decidiram almoçar com o barulhento motor ligado, no meio da Broadway. "Acho que a iniciativa privada vai estragar nossa gravação", comentei com o meu colega exasperado. O caminhão havia bloqueado um BMW reluzente. Fui até o caminhão, encostei com um ar meio proprietário no BMW e perguntei, "Vocês vão demorar?" O motorista deu a partida. Para o quarteirão seguinte, onde foi azucrinar outros pedestres. Uma ilustração da mudança, aquela do pôster, que não aconteceu.

Só conhecemos aquilo que podemos medir - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 03/09


Por que criar um ranking universitário? À primeira vista, é uma atitude temerária. É procurar sarna para se coçar, num português claro.

Para começar, as universidades brasileiras, construídas à sombra do sindicalismo de resultados, têm sólido histórico de resistência a avaliações e costumam reagir com veemência a quem se propõe a escrutiná-las.

Ademais, publicar uma lista de classificação significa contentar à meia dúzia dos mais bem colocados e enfurecer, no nosso caso, mais de 200 instituições -um desastre de relações públicas.

Para tornar tudo mais difícil, muitas das críticas feitas a rankings não se limitam a choro de despeitados, merecendo séria consideração.

O exercício de transformar um campus universitário, com todos os seus pesquisadores, professores, alunos e técnicos e suas múltiplas interações, num único indicador numérico implica uma simplificação brutal da realidade, o que gera distorções. Para cada critério incluído no ranking, outros, igualmente defensáveis, deixam de entrar. O RUF não traz nenhum indicador de infraestrutura, para citar um único caso.

Mais do que isso, a escolha de um item tem impacto sobre outros. Num exemplo concreto, o RUF considera tanto o total de trabalhos publicados no biênio 2008-09 (uma medida da robustez da instituição) como as publicações por docente (produtividade) e as citações recebidas (qualidade). A utilização do total de artigos favorece universidades de maior porte como USP, UFRJ e UFRGS.

Seria também justificável ficar apenas com as publicações por docente, mas, aí, as beneficiadas seriam as instituições menores, uma crítica corrente contra alguns rankings internacionais. A única certeza aqui é que tomar decisões é inevitável.

Outra dificuldade é avaliar setores específicos. As publicações em "journals" dão conta razoavelmente bem das áreas de exatas, biológicas e ciências da vida, mas não funcionam tanto nas humanas. Não são despropositadas as objeções dos que afirmam que a publicação de um livro (que não é computada no RUF nem na maioria dos rankings) vale mais que a de dezenas de artigos. De novo, escolhas são inevitáveis.

Os problemas relativos à avaliação do ensino pelos pesquisadores e pelo mercado são só um pouco menores. Evidentemente, é preciso perguntar a quem conhece. Não podemos convidar um arquiteto para julgar cursos de medicina. A solução foi recorrer à base de pesquisadores do CNPq, só que ela própria carrega vieses, como o número extremamente elevado de físicos (894) e relativamente baixo de advogados (60).

No caso do mercado, recorremos aos RHs de empresas e instituições. É uma saída, aceitável, mas não sem implicações. Os próprios RHs não parecem atribuir tanto peso à universidade de origem dos funcionários, já que 32% disseram que não faz diferença.

Com tantos e tão variados dilemas, a pergunta inicial, "por que criar um ranking universitário?", se torna ainda mais premente. Poderia ser apenas uma moda, já que o mundo inteiro está a fazê-lo, mas há razões de fundo que justificam o interesse.

A ciência e o ensino estão se globalizando. É cada vez mais comum ver jovens estudando no estrangeiro. E, se já é difícil escolher uma universidade no país de origem, muito pior é fazê-lo em lugares a respeito dos quais não se tem muita informação. Os rankings, ao traduzir toneladas de dados num número, ajudam esse estudante. Embora a internacionalização seja ainda incipiente no Brasil, devido a mudanças como o Enem, está aumentando a mobilidade interna dos alunos, para os quais o RUF pode ser de grande auxílio.

O ranking é ainda uma ferramenta valiosa para as próprias instituições, que poderão acompanhar seu desenvolvimento ao longo do tempo e comparar-se.

No mais, uma medida da produção universitária, mesmo que imperfeita, é preferível a nenhuma medida. A verdade, para utilizar um mantra da física, é que só conhecemos aquilo que podemos medir. Sem as amarras da realidade mensurável, a ciência é indistinguível da teologia e do delírio.

Data venia... - RICARDO NOBLAT


“O Brasil quer um Judiciário independente, um juiz que não tema pressões”
Ricardo Lewandowski, ministro do STF

É com gosto de jiló no céu da boca, de mandioca-roxa e de berinjela crua, que passo a contar a história nada edificante de um prefeito do PT cassado pela Justiça Eleitoral do seu estado. E de dois ministros do Supremo Tribunal Federal que, por omissão, palavras e obras, contribuíram até aqui para que o prefeito permanecesse no cargo, dando-se até ao luxo de concorrer a novo mandato em outubro próximo.

O PREFEITO ATENDE 
pelo nome de Francisco Antônio de Souza Filho, o Chico do PT. E a cidade que ele governa se chama Esperantina. Com menos de 40 mil habitantes, ela existe há 90 anos e fica no norte do Piauí, a 174 quilômetros de Teresina. Seu orçamento anual é de quase R$ 56 milhões, sendo que R$ 36,5 milhões são repassados pelo governo federal.

QUANDO O atual senador Wellington Dias (PT) se reelegeu governador do Piauí em 2006, Chico foi nomeado secretário de Articulação e Gestão. De longe era o secretário mais poderoso. Ambicionava governar Esperantina a partir de 2008. E, para facilitar sua eleição, arrancou de Dias dinheiro e obras para a cidade.

ESPERANTINA
 ganhou pontes, poços artesianos e ruas asfaltadas. Os programas de assistência social do governo estadual foram ampliados ali para atender o maior número possível de pessoas — de preferência eleitores. Chico derrotou meia dúzia de adversários — entre eles o prefeito da época, candidato à reeleição.

A PORTA DO inferno se abriu para Chico assim que ele tomou posse. O Ministério Público Eleitoral pediu sua cassação por abuso do poder político e prática de conduta vedada. As obras feitas às pressas na cidade configuraram abuso de poder político. E o fato de Chico ter alardeado que era o pai das obras, prática de conduta vedada.

NO DIA 28 DE fevereiro de 2011, por quatro votos contra três, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Piauí cassou os diplomas de Chico e do seu vice. Afastado do cargo de imediato, Chico entrou com ação cautelar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Pediu a concessão de liminar para reocupar o cargo enquanto recorria da decisão do TRE.

A LIMINAR FOI concedida pela ministra Nancy An-drighi, no dia 30 de junho daquele ano. Quase seis meses depois, o TSE começou a julgar o recurso especial impetrado por Chico contra a decisão do TRE. Nancy acatou o recurso. Um a zero para Chico. O ministro Gilson Dipp, não. Um a um. O ministro Marcelo Ribeiro pediu vista do processo.

EM 28 DE FEVEREIRO deste ano, ao devolver o processo, Ribeiro acatou o recurso. Os ministros Cármen Lúcia e Arnaldo Versiani, não. Placar no fim da sessão daquele dia: três votos contra a pretensão de Chico de reaver o mandato cassado um ano antes pelo TRE do Piauí; dois votos a favor. Aí foi a vez de o ministro Marco Aurélio Mello pedir vista do processo.

SÃO SETE OS ministros titulares do TSE. Com quatro votos se decide qualquer parada. Um mês depois, Marco Aurélio devolveu o processo e rejeitou o recurso, cassando Chico. O voto que faltava ser dado não faria a menor diferença. O dono do voto que faltava, ministro Ricardo Lewandowski, era o então presidente do TSE.

O QUE ELE FEZ? Pediu vista do processo no dia em que Marco Aurélio o devolveu — 29 de março. No dia 18 de abril, esgotou-se o mandato de Lewan-dowski à frente do TSE. Ele passou o cargo para a ministra Cármen Lúcia. E foi embora sem votar o recurso de Chico. Reunido no dia 8 de maio, o TSE despachou o recurso para o ministro que ocuparia vaga de Lewandowski.

QUEM MESMO? José Dias Toffoli, ministro substituto no TSE, que costumava votar na ausência de algum titular. Toffoli estava familiarizado com os assuntos tratados ali. O recurso de Chico lhe foi entregue no dia 11 de maio. E esquecido por Toffoli até hoje no fundo de alguma gaveta. Enquanto isso...

ENQUANTO ISSO
 Chico lidera as pesquisas de intenção de voto para prefeito. Diz que vencerá a batalha no TSE. Só haveria uma chance de isso acontecer: se algum ministro que recusou o recurso mudasse o voto. Difícil. E se Toffoli acatasse o recurso. Bem...

SEGUNDA NOS JORNAIS


Globo: Eleições 2012 – Violência na campanha já matou mais que em 2010
Folha: Ranking universitário tem 7 federais entre as 10 melhores
Estadão: Agronegócio faz Centro-Oeste liderar crescimento no País
Correio: Tráfico e morte na rotina das escolas
Estado de Minas: Mutirão contra impunidade
Jornal do Commercio: Só o Leão vence na rodada
Zero Hora: Busca por tecnologia empurra Expointer a recorde de R$ 2 bi