O GLOBO - 29/08
Sabe o narguilé, aquele cachimbo com água que está na moda em alguns bares do Rio e de São Paulo? Estudo do Inca em parceria com o Ministério da Saúde, a ser divulgado hoje, Dia Nacional de Combate ao Fumo, mostra que é tão nocivo quanto o cigarro comum. Segundo a pesquisa, uma hora de uso do cachimbão (veja a foto) equivale a fumar cem cigarros.
Segue...
O narguilé contém nicotina e as mesmas 4.700 substâncias tóxicas e cancerígenas do cigarro. Estima-se que haja mais de 300 mil usuários do cachimbo oriental no país.
Deus na política
O missionário R. R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, está apoiando cerca 60 candidatos a vereadores em municípios espalhados pelo país.
Mulher em Berlim
Maria Luiza Ribeiro Viotti vai chefiar a embaixada em Berlim. Para seu lugar, na ONU, vai o embaixador Luiz Alberto Figueiredo, que foi secretário do Brasil na Rio+20. Maria Luiza Ribeiro Viotti vai chefiar a embaixada em Berlim. Para seu lugar, na ONU, vai o embaixador Luiz Alberto Figueiredo, que foi secretário do Brasil na Rio+20.
Download é o cacete
Arnaldo Niskier, o imortal, num seminário sobre estrangeirismos na ABL, pediu o apoio de intelectuais, educadores, legisladores etc. para uma batalha contra o uso de certas palavras no nosso vocabulário. Entre as quais, "deletar" e "download", que, diz, poderiam ser trocadas por "apagar" e "baixar".
Aliás...
Niskier declarou amor pelas palavras "quitanda" e "cafuné", de origem africana.
a estrela sobe
André Gardenberg
Heloísa Périssé, 46 anos, a atriz carioca que rouba a cena como Monalisa em "Avenida Brasil", a novelasensação da TV Globo, posa toda linda e concentrada para a revista "29 horas", que será lançada domingo. Na entrevista, Lolô, como é chamada pelos amigos, fala de seu bom momento profissional: Heloísa faz sucesso na telinha e no cinema, com o filme "O diário de Tati", no qual vive uma adolescente de 13 anos. Que seja feliz
Fator Neymar
O Superior Tribunal de Justiça Desportiva decidiu punir jogadores que simulam gravidade de faltas ou lesões para enganar o juiz, causar a expulsão de adversários ou instigar a torcida. Já na sessão de amanhã, a Procuradoria vai denunciar um jogador do Bahia.
Vuvuzela brasileira
O Ministério do Esporte aprovou o projeto do paraibano Alcedo Medeiros, inventor de apito que lembra um "pedhuá", a vuvuzela brasileira para 2014.
Sai de baixo
No primeiro dia do horário eleitoral, o Viva, o canal de reprises da Rede Globo, manteve-se em primeiro lugar na audiência da TV por assinatura. Uma das atrações é o programa "Sai de baixo". Faz sentido.
Xingu exportação
"Xingu", filme de Cao Hamburger, produzido pela O2 de Fernando Meirelles, desde a primeira exibição lá fora, em Berlim, em 2011, já foi selecionado para mais de dez festivais. O próximo será o de San Sebastian, na Espanha, de 21 a 29 de setembro.
Casa de Natal
A casa onde viveu o lendário bicheiro Natal da Portela (1905-1975), no Centro de Madureira, no Rio, que ainda hoje estampa nas paredes pinturas dos bichos do jogo, foi posta à venda pelos seis filhos do contraventor. Quem descobriu foi o pesquisador de carnaval Hiram Araújo.
Muito trabalho
A pouco mais de um mês da eleição, o TRE do Rio tem em pauta uns 300 processos por julgar.
Burguesinha
Paula Lavigne resolveu cair no samba. Está empresariando o grupo Trio Preto+1. Líder da banda, Pretinho nasceu no mundo da música. Aos 8 anos, já tocava na bateria do Império Serrano. São também dele sucessos como "Burguesinha" e "Amiga da minha
mulher", ambas parcerias com Seu Jorge e Gabriel Moura.
Espaço Saber+
A Escola Parque, no Rio, inspirada na Casa do Saber, está criando um espaço para reflexão e debates. Vai se chamar Espaço Saber+.
Data vênia
Acredite. Uma advogada deu entrada no TJ do Rio com um pedido de habeas corpus em que chama o magistrado de... "proficiência do inguinoescrotal julgador". O desembargador José Augusto Neto, da 2ª Câmara Criminal da capital, antes de avaliar o pedido, decidiu convocar a causídica para explicar a razão de o tratar, digamos, com tanta intimidade.
Como se sabe...
"Proficiência" é habilidade, competência, aptidão. "Inguinal" é relativo ou pertencente à virilha. Já escrotal é... você sabe.
quarta-feira, agosto 29, 2012
Um erro ortográfico que vale milhões - MARCOS H. MOURA MATSUNAGA
VALOR ECONÔMICO - 29/08
A língua portuguesa é complexa, cheia de regras, exceções e, dependendo de como um texto é escrito, possibilita várias interpretações. O acréscimo ou omissão de um acento, vírgula ou a construção de uma concordância, adequada ou não, podem provocar mudanças em uma sentença inteira. Imagine o que isso pode acarretar na formulação de uma norma jurídica, ainda mais se tratando de tema delicado como é a cobrança de impostos.
Há tempos são debatidas as interpretações para a apuração do preço de transferência, regra que estabelece os limites fiscais para os preços praticados em operações com empresas ligadas no exterior, sob a metodologia do PRL 60 (Preço de Revenda menos Lucro).
Em 27 de janeiro de 2000, foi editada a Lei nº 9.959, que alterou a legislação então vigente para possibilitar a utilização do método PRL no cálculo dos preços de transferência de produtos aplicados na produção de bens nacionais. Uma vez que a forma de cálculo originalmente prevista na Lei nº 9.430, de 1996 aplicava-se apenas a produtos destinados à revenda (PRL-20), foi preciso readequá-la para possibilitar sua aplicação para os insumos importados, surgindo, então, o PRL 60.
Foi aí que começou a confusão. Claramente há um equívoco gramatical no texto legal trazido pela Lei nº 9.959, que torna impossível a aplicação literal da fórmula de cálculo do PRL 60. O legislador, ao tratar da margem de lucro de 60%, estabeleceu que tal margem é calculada sobre o preço de revenda do produto industrializado, após deduzidos os descontos concedidos, os tributos incidentes na venda, as comissões pagas e do valor agregado no país.
Em um primeiro momento, a interpretação inicial do método de cálculo foi dada pela Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (IN SRF) nº 32, de 2001, que suprimiu apenas uma letra da Lei (o "d" no trecho "do valor agregado") para ajustar a concordância gramatical, estabelecendo que a margem de 60% seria calculada sobre o preço de venda "deduzidos os descontos, comissões, tributos e o valor agregado". Assim, foi corrigido o erro gramatical cometido e adotada uma solução interpretativa simples e direta.
Claramente há um equívoco gramatical no texto legal trazido pela Lei nº 9.959
Em novembro de 2002, porém, foi editada a Instrução Normativa SRF nº 243, trazendo uma nova metodologia para o cálculo. Apesar de manter a mesma linha de interpretação do texto legal prevista na IN SRF nº 32, extrapolou os limites da lei ao estabelecer o que deveria ser entendido como "valor agregado", acarretando em um aumento significativo na base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para a maioria dos contribuintes.
Surpreendente, contudo, é a tese adotada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para defender a legalidade dessa IN. Sustenta que esta traria uma interpretação mais favorável da lei e, dessa forma, o afastamento da IN, com a consequente aplicação da metodologia legal, resultaria em um cálculo dos preços de transferência ainda mais gravosos aos contribuintes. Trata-se de uma situação inusitada, na qual, para defender a patente ilegalidade da conceituação do "valor agregado" pela IN 243, após mais de dez anos da edição da lei, adota-se uma leitura inovadora do texto legal.
Não há dúvida de que a redação da Lei nº 9.430 contém um erro, que torna impossível interpretá-la literalmente. Também não há registro histórico sobre a intenção do legislador que forneça indícios sobre a forma de cálculo imaginada originalmente, em que pese ser mais fácil admitir um erro de digitação (acréscimo da letra "d") do que supor a supressão de uma alínea, o que seria um grave erro de técnica legislativa.
É fato, porém, que, diante das possíveis interpretações do texto legal, tanto a IN SRF 32, quanto a IN SRF 243 - que representam a interpretação oficial da Receita Federal do Brasil acerca do dispositivo legal - não estão alinhadas com a interpretação defendida pela PGFN, o que torna insustentável a alegação de que essa seria a "verdadeira" norma quista pelo legislador.
É importante mencionar que, em decisão recente, a 2ª Câmara da 2ª Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu pela ilegalidade da IN 243 e apontou as situações absurdas que as metodologias de cálculo trazidas por essa instrução normativa e pela interpretação da PGFN trariam aos cálculos dos preços de transferência, afastando ainda mais as regras brasileiras do princípio do "arm's lenth", ou seja, de alcançar o valor da operação em condições de livre comércio entre partes independentes.
Desta forma, espera-se que a decisão mencionada reverbere nas demais câmaras julgadoras e possa trazer de volta ao rumo da justiça fiscal a jurisprudência daquela Corte administrativa.
A língua portuguesa é complexa, cheia de regras, exceções e, dependendo de como um texto é escrito, possibilita várias interpretações. O acréscimo ou omissão de um acento, vírgula ou a construção de uma concordância, adequada ou não, podem provocar mudanças em uma sentença inteira. Imagine o que isso pode acarretar na formulação de uma norma jurídica, ainda mais se tratando de tema delicado como é a cobrança de impostos.
Há tempos são debatidas as interpretações para a apuração do preço de transferência, regra que estabelece os limites fiscais para os preços praticados em operações com empresas ligadas no exterior, sob a metodologia do PRL 60 (Preço de Revenda menos Lucro).
Em 27 de janeiro de 2000, foi editada a Lei nº 9.959, que alterou a legislação então vigente para possibilitar a utilização do método PRL no cálculo dos preços de transferência de produtos aplicados na produção de bens nacionais. Uma vez que a forma de cálculo originalmente prevista na Lei nº 9.430, de 1996 aplicava-se apenas a produtos destinados à revenda (PRL-20), foi preciso readequá-la para possibilitar sua aplicação para os insumos importados, surgindo, então, o PRL 60.
Foi aí que começou a confusão. Claramente há um equívoco gramatical no texto legal trazido pela Lei nº 9.959, que torna impossível a aplicação literal da fórmula de cálculo do PRL 60. O legislador, ao tratar da margem de lucro de 60%, estabeleceu que tal margem é calculada sobre o preço de revenda do produto industrializado, após deduzidos os descontos concedidos, os tributos incidentes na venda, as comissões pagas e do valor agregado no país.
Em um primeiro momento, a interpretação inicial do método de cálculo foi dada pela Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (IN SRF) nº 32, de 2001, que suprimiu apenas uma letra da Lei (o "d" no trecho "do valor agregado") para ajustar a concordância gramatical, estabelecendo que a margem de 60% seria calculada sobre o preço de venda "deduzidos os descontos, comissões, tributos e o valor agregado". Assim, foi corrigido o erro gramatical cometido e adotada uma solução interpretativa simples e direta.
Claramente há um equívoco gramatical no texto legal trazido pela Lei nº 9.959
Em novembro de 2002, porém, foi editada a Instrução Normativa SRF nº 243, trazendo uma nova metodologia para o cálculo. Apesar de manter a mesma linha de interpretação do texto legal prevista na IN SRF nº 32, extrapolou os limites da lei ao estabelecer o que deveria ser entendido como "valor agregado", acarretando em um aumento significativo na base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para a maioria dos contribuintes.
Surpreendente, contudo, é a tese adotada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para defender a legalidade dessa IN. Sustenta que esta traria uma interpretação mais favorável da lei e, dessa forma, o afastamento da IN, com a consequente aplicação da metodologia legal, resultaria em um cálculo dos preços de transferência ainda mais gravosos aos contribuintes. Trata-se de uma situação inusitada, na qual, para defender a patente ilegalidade da conceituação do "valor agregado" pela IN 243, após mais de dez anos da edição da lei, adota-se uma leitura inovadora do texto legal.
Não há dúvida de que a redação da Lei nº 9.430 contém um erro, que torna impossível interpretá-la literalmente. Também não há registro histórico sobre a intenção do legislador que forneça indícios sobre a forma de cálculo imaginada originalmente, em que pese ser mais fácil admitir um erro de digitação (acréscimo da letra "d") do que supor a supressão de uma alínea, o que seria um grave erro de técnica legislativa.
É fato, porém, que, diante das possíveis interpretações do texto legal, tanto a IN SRF 32, quanto a IN SRF 243 - que representam a interpretação oficial da Receita Federal do Brasil acerca do dispositivo legal - não estão alinhadas com a interpretação defendida pela PGFN, o que torna insustentável a alegação de que essa seria a "verdadeira" norma quista pelo legislador.
É importante mencionar que, em decisão recente, a 2ª Câmara da 2ª Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu pela ilegalidade da IN 243 e apontou as situações absurdas que as metodologias de cálculo trazidas por essa instrução normativa e pela interpretação da PGFN trariam aos cálculos dos preços de transferência, afastando ainda mais as regras brasileiras do princípio do "arm's lenth", ou seja, de alcançar o valor da operação em condições de livre comércio entre partes independentes.
Desta forma, espera-se que a decisão mencionada reverbere nas demais câmaras julgadoras e possa trazer de volta ao rumo da justiça fiscal a jurisprudência daquela Corte administrativa.
A culpa é da mãe - DENISE ROTHENBURG
COREIO BRAZILIENSE - 29/08
Geralmente, quando algo dá errado no futuro dos filhos, sempre surge alguém para apontar o indicador em direção à mãe dos rebentos. Não soube educá-los, não lhes deu atenção suficiente, sufocou-os de tantos carinhos e mimos e por aí vai. Sejam mães presentes ou ausentes, sempre sobra para elas uma parcela de culpa. No caso do PT não é diferente. Enquanto tudo ia de vento em popa para os petistas, Dilma Rousseff era a “mãe do PAC”, a gestora dentro do partido. Agora, com o julgamento da Ação Penal 470 e a dificuldade de arrecadação nas campanhas municipais, há entre os réus quem acredite que faltou um gesto da presidente nesses campos.
Antes do início do julgamento, Dilma falou com todos os ministros do governo e pediu a eles que mantivessem distância do Supremo Tribunal Federal enquanto seu partido estivesse sob fogo cruzado. E foi incisiva — bem ao seu estilo — ao dizer que não queria ver nenhum deles tratando de arrecadação de campanha. Dentro do PT dilmista, há quem diga que já bastam os constrangimentos causados ontem pelo ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) Luiz Antonio Pagot, ao depor na CPI do Cachoeira. Pagot confirmou que fez pedidos de doações à campanha presidencial de 2010. Ora, e podia alguém com cargo no governo fazer pedidos para doações de campanha?
Por essas e outras, não se tem notícia de que tenha feito qualquer gesto em favor de arrecadação para seu partido ou pedidos a ministros do Supremo Tribunal Federal. Agiu dentro do que se espera de uma chefe do Poder Executivo. Dentro do governo, há a certeza de que o PT que administra o Planalto é o pós-mensalão, sejam os personagens da trama considerados culpados ou inocentes. Aliás, se fosse de outro jeito, Dilma não teria sido guindada à Casa Civil, tampouco virado a candidata de Lula a presidente da República.
Essa avaliação, entretanto, não é suficiente para aqueles que estão hoje com as fotos estampadas todos os dias como réus da Ação Penal 470. Em conversas reservadas, eles consideram que só um milagre salvará hoje o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) de uma condenação por conta do saque de R$ 50 mil. Afinal, para que isso aconteça, ele precisa ter quatro dos cinco votos que faltam. É tão difícil quanto ganhar na Mega-Sena.
Diante dessa constatação e do receio do que possa vir mais para frente quando confrontam os votos dos ministros, há, entre os políticos envolvidos no caso, quem diga que Rosa Weber e Luiz Fux, ministros indicados pela presidente, deveriam ter sido contatados. Parecem se esquecer da confusão formada quando o ex-presidente Lula conversou com o ministro Gilmar Mendes, há alguns meses. Pois quem conhece a fundo a presidente Dilma garante que, da parte dela, não tem conversa sobre esse tema. E nem sobre financiamento de campanha. Um partido marcado pela confusão do mensalão não pode se dar ao luxo de ver a chefe da nação, que carrega hoje a sua estrela, misturando-se com julgamentos e arrecadação de campanha. Mas, infelizmente, há, entre os petistas, quem reclame da ausência de um empurrãozinho da presidente nesses campos.
Por falar em estrela…
Publicitários experientes que andaram pela cidade de São Paulo nos últimos dias notaram que o material de campanha de Fernando Haddad não destaca a sigla do Partido dos Trabalhadores, apenas a estrela e o número 13. Com a enxurrada de menções a “mensalão do PT” na tevê, a sigla do partido foi deixada de lado. Um gesto que indica o grau de preocupação da imagem da legenda com o julgamento.
Por falar em gestos…
No plenário do Senado, ontem à tarde, era nítida a desenvoltura do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), entre os senadores. Na hora de maior movimento, por volta das 17h, ele estava rodeado por colegas de vários partidos, feliz da vida. Para quem entende a linguagem de sinais que volta e meia toma conta daquele ambiente, está cada vez mais claro que Renan é o número um para suceder José Sarney (PMDB-AP). E só larga essa posição se quiser. Sua pré-campanha já entrou inclusive na contagem de votos. Vamos acompanhar.
A qualidade dos médicos no Brasil - JOSÉ BONAMIGO e FLORENTINO CARDOSO
FOLHA DE SP - 29/08
A formação aqui é péssima. Não existe, em muitos cursos, nem treinamento prático adequado. E há ainda a invasão de (mal) formados em Cuba e na Bolívia
O Brasil é medalhista no número de escolas médicas. Temos a medalha de prata, com 196 escolas em atividade. Perdemos apenas para a Índia. China e EUA, países com população bastante superior -e, no caso dos EUA, muito mais rico- contam com 150 e 137 escolas médicas cada.
A expansão se acentuou desde a década de 1990, principalmente no ensino privado, mas também no público. Muitos cursos, inclusive de instituições públicas, abrem sem hospital-escola ou mesmo uma rede básica de ambulatórios para o treinamento prático.
Não bastasse a expansão desordenada, vivemos uma invasão de médicos formados no exterior, muitos deles brasileiros, vindo principalmente de Cuba e da Bolívia.
Segundo estimativas do Colégio Médico da Bolívia, há 25 mil brasileiros em cursos de medicina lá. Ausência de vestibular, mensalidades irrisórias e o baixo custo de vida comparado com o Brasil atraem os jovens para o eldorado boliviano.
O problema é que, além de essas escolas terem centenas de alunos por turma, nelas falta tudo, inclusive pacientes para o treinamento prático. A tentativa de revalidação de diploma desses candidatos a médicos revela números alarmantes.
Nossas universidades estatais têm autonomia para realizar a avaliação de egressos de universidades estrangeiras. Por causa da baixa qualidade das avaliações em alguns locais e por pressão de entidades médicas, o Inep criou em 2010 o Revalida, exame para unificar esta avaliação.
Aderiram ao projeto piloto 37 instituições públicas de ensino superior. Na primeira edição, de 517 inscritos, somente dois foram aprovados. Na segunda edição, em 2011, de 677 inscritos, apenas 65 foram aprovados (9,6%). Ainda não temos data para o exame em 2012, por quê?
Hoje, as escolas médicas no Brasil oferecem 16.892 vagas por ano. Nos programas de residência, padrão para formação de especialistas, há 10.196 vagas de acesso direto disponíveis para os recém-formados.
Desconsiderando a ociosidade nos programas de residência e as desistências durante o curso, podemos inferir que só 60% dos médicos têm acesso à especialização. Entram no mercado, sem treinamento adicional, mais de 6.000 médicos ao ano.
O exame realizado desde 2005 pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) é prova da péssima qualidade da formação médica no Brasil. Em sete anos, 46,7% dos 4.821 alunos que realizaram o exame foram reprovados.
Como a adesão era voluntária, é cabível supor que os alunos que se consideravam mais bem preparados prestaram o exame. Aguardamos os números do exame de 2012, que será obrigatório para os formados no Estado de São Paulo, mas ainda não restringirá o exercício profissional em caso de reprovação.
Cabe ressaltar que o Revalida e o exame do Cremesp são provas básicas, que avaliam a capacidade de diagnóstico e tratamento de doenças frequentes. Muito diferentes dos exames de seleção para a residência, que têm caráter eliminatório e são mais abrangentes e complexos.
Tal contingente de médicos mal formados, sem especialização, entra no mercado de trabalho e nele fica por cerca de 40 anos. Muitas vezes não sabe coletar a história clínica nem examinar o paciente. Solicita exames além do necessário, pois não soube chegar ao diagnóstico na consulta.
São médicos que não sabem interpretar exames e terminam encaminhando o paciente para recursos de maior complexidade, superlotando hospitais e prontos-socorros, abarrotados de casos que deveriam ter sido resolvidos no posto de saúde.
Não existem duas medicinas. Os que defendem a abertura indiscriminada de faculdades com o argumento de ampliar o acesso da população aos médicos, ou como ouvimos frequentemente para "formar médicos para o SUS", são os responsáveis pela precarização da saúde dos brasileiros e pelo desperdício dos insuficientes recursos que nosso sistema de saúde dispõe.
Está instalado o SUS pobre de resolubilidade para os mais carentes. Enquanto isso, os políticos vão se consultar nos hospitais privados e nos grandes hospitais públicos universitários, onde só entra médico com título de especialista.
A formação aqui é péssima. Não existe, em muitos cursos, nem treinamento prático adequado. E há ainda a invasão de (mal) formados em Cuba e na Bolívia
O Brasil é medalhista no número de escolas médicas. Temos a medalha de prata, com 196 escolas em atividade. Perdemos apenas para a Índia. China e EUA, países com população bastante superior -e, no caso dos EUA, muito mais rico- contam com 150 e 137 escolas médicas cada.
A expansão se acentuou desde a década de 1990, principalmente no ensino privado, mas também no público. Muitos cursos, inclusive de instituições públicas, abrem sem hospital-escola ou mesmo uma rede básica de ambulatórios para o treinamento prático.
Não bastasse a expansão desordenada, vivemos uma invasão de médicos formados no exterior, muitos deles brasileiros, vindo principalmente de Cuba e da Bolívia.
Segundo estimativas do Colégio Médico da Bolívia, há 25 mil brasileiros em cursos de medicina lá. Ausência de vestibular, mensalidades irrisórias e o baixo custo de vida comparado com o Brasil atraem os jovens para o eldorado boliviano.
O problema é que, além de essas escolas terem centenas de alunos por turma, nelas falta tudo, inclusive pacientes para o treinamento prático. A tentativa de revalidação de diploma desses candidatos a médicos revela números alarmantes.
Nossas universidades estatais têm autonomia para realizar a avaliação de egressos de universidades estrangeiras. Por causa da baixa qualidade das avaliações em alguns locais e por pressão de entidades médicas, o Inep criou em 2010 o Revalida, exame para unificar esta avaliação.
Aderiram ao projeto piloto 37 instituições públicas de ensino superior. Na primeira edição, de 517 inscritos, somente dois foram aprovados. Na segunda edição, em 2011, de 677 inscritos, apenas 65 foram aprovados (9,6%). Ainda não temos data para o exame em 2012, por quê?
Hoje, as escolas médicas no Brasil oferecem 16.892 vagas por ano. Nos programas de residência, padrão para formação de especialistas, há 10.196 vagas de acesso direto disponíveis para os recém-formados.
Desconsiderando a ociosidade nos programas de residência e as desistências durante o curso, podemos inferir que só 60% dos médicos têm acesso à especialização. Entram no mercado, sem treinamento adicional, mais de 6.000 médicos ao ano.
O exame realizado desde 2005 pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) é prova da péssima qualidade da formação médica no Brasil. Em sete anos, 46,7% dos 4.821 alunos que realizaram o exame foram reprovados.
Como a adesão era voluntária, é cabível supor que os alunos que se consideravam mais bem preparados prestaram o exame. Aguardamos os números do exame de 2012, que será obrigatório para os formados no Estado de São Paulo, mas ainda não restringirá o exercício profissional em caso de reprovação.
Cabe ressaltar que o Revalida e o exame do Cremesp são provas básicas, que avaliam a capacidade de diagnóstico e tratamento de doenças frequentes. Muito diferentes dos exames de seleção para a residência, que têm caráter eliminatório e são mais abrangentes e complexos.
Tal contingente de médicos mal formados, sem especialização, entra no mercado de trabalho e nele fica por cerca de 40 anos. Muitas vezes não sabe coletar a história clínica nem examinar o paciente. Solicita exames além do necessário, pois não soube chegar ao diagnóstico na consulta.
São médicos que não sabem interpretar exames e terminam encaminhando o paciente para recursos de maior complexidade, superlotando hospitais e prontos-socorros, abarrotados de casos que deveriam ter sido resolvidos no posto de saúde.
Não existem duas medicinas. Os que defendem a abertura indiscriminada de faculdades com o argumento de ampliar o acesso da população aos médicos, ou como ouvimos frequentemente para "formar médicos para o SUS", são os responsáveis pela precarização da saúde dos brasileiros e pelo desperdício dos insuficientes recursos que nosso sistema de saúde dispõe.
Está instalado o SUS pobre de resolubilidade para os mais carentes. Enquanto isso, os políticos vão se consultar nos hospitais privados e nos grandes hospitais públicos universitários, onde só entra médico com título de especialista.
Olha o cavalo arreado - ROBERTO RODRIGUES
Brasil Econômico - 29/08
Passou da hora de montarmos um Código Agroambiental que permita ao Brasil ampliar seu formidável potencial produtivo
A histórica seca que afetou a safra dos Estados Unidos este ano mostra a fragilidade dos modelos globais de produção e abastecimento de alimentos. A quebra da safra americana de milho e soja é quase igual às safras completas brasileiras destes grãos, somadas a de verão e inverno. Essa crise tem impacto preocupante na redução global dos estoques de grãos, é uma duríssima questão para os americanos. Cerca de 40%da safra de milho dos EUA é hoje dirigida à produção de etanol. Mas, com cerca de 100 milhões de toneladas de milho a menos nessa safra, cresce a pressão para reduzir a fabricação do etanol e direcionar a colheita para proteína animal.
Se decidirem não fazer etanol, terão de importar combustível, provocando uma eventual espiral inflacionária. Se optarem por não destinar o milho para ração animal, aumentarão preços da carne e afetarão o consumo interno. É uma duríssima decisão em um tempo de eleições equilibradas. Mas a fragilidade produtiva persiste, bem como a redução dos estoques. A China, decidida a produzir frangos, deve até, os próximos cinco anos, importar mais 50 milhões de toneladas de milho. Enquanto a oferta cai, a demanda cresce. Isso exige atenção consistente das organizações multilaterais lideradas pela ONU (como FAO e OMC) e outras instituições, como o G20, para o estabelecimento de uma estratégia global para segurança alimentar.
Independentemente desse movimento, ao Brasil está oferecida uma extraordinária oportunidade. Não se trata apenas de aproveitar a quebra da safra americana, que já elevou os preços das commodities agrícolas - nossos produtores plantarão mais, e com melhor tecnologia, para se beneficiarem dessa brecha no mercado. Trata-se de algo maior. Está na hora de montarmos uma grande estratégia, de longo prazo, que nos coloque com maior presença nos mercados de alimentos.
Essa estratégia deve considerar:
- Mais estímulos à produção rural, de milho, soja, cana, álcool, frangos, suínos e lácteos.
- Negociação com os americanos para um compromisso de abastecê-los, por pelo menos 10 anos, com esses produtos, sempre com valor agregado. Não apenas vender milho e soja, mas a carne pronta e empacotada.
- Condicionar essa negociação à compra de outros produtos nossos, como o suco de laranja, que hoje vive uma crise de preços sem precedentes.
-Garantir financiamentos à indústria de alimentos, com papel preponderante do BNDES.
-Reforço à posição de Ministério de Agricultura como executor da estratégia, em parceria com outros órgãos de governo, como o Incra, a Ibama, a Anvisa e outros.
- Itamaraty liderando essa negociação, sem deixar setores produtivos de lado.
É nos momentos de crise que surgem as oportunidades. Já passou da hora de montarmos um Código Agroambiental que ofereça ao Brasil as condições de ampliar seu formidável potencial produtivo e se transformar no grande paladino mundial da Segurança Alimentar e Energética Sustentáveis. O cavalo vem passando, arreado.
Não podemos deixá-lo ir, sem o montarmos com nossos campeões mundiais do rodeio agrícola: os produtores rurais brasileiros.
As razões do otimismo do governo - CRISTIANO ROMERO
Valor Econômico - 29/08
Um ano depois de iniciado o atual ciclo de alívio monetário, o Banco Central (BC) mostrou que estava certo ao mudar radicalmente o rumo da política de juros. A principal alegação feita na época - o desaquecimento das principais economias do mundo e, em consequência, o surgimento de um ambiente desinflacionário - se materializou.
Hoje, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoverá mais um corte de meio ponto percentual na taxa Selic, reduzindo-a para 7,50% ao ano, e é possível que faça pelo menos mais outro de 0,5 ponto antes de encerrar o ciclo. O BC acha que essa política, somada a outras que o governo vem adotando, já começou a produzir resultados. O clima em Brasília é de otimismo quanto às chances de a economia acelerar o crescimento nos próximos meses.
Quando o Copom surpreendeu o mercado em agosto do ano passado, cortando o juro em vez de aumentá-lo, a expectativa de crescimento anual da Europa girava em torno de 1% a 2%. Hoje, o que se espera é uma recessão em 2013. No caso dos Estados Unidos, em meados de 2011, esperava-se crescimento em torno de 3%. Agora, a realidade mostra que a expansão neste ano deve beirar os 2% ou ficar abaixo disso.
Desaquecimento mundial previsto pelo BC se materializou
Há um ano, a expectativa era que a economia mundial crescesse até 3,4% em 2012. Com o agravamento da crise mundial no segundo semestre de 2011, as perspectivas foram piorando sucessivamente e, neste momento, o que se espera é um longo período de crescimento lento, em torno de 2,2%.
O cenário desinflacionário se concretizou. A melhor indicação disso está nos indicadores de commodities. O CRB Foodstuff (que mede a variação dos preços de alimentos) estava, em julho, 8,9% abaixo do patamar de um ano atrás. O CRB Metais caiu 23,4% no mesmo período e o CRB total, 13,2%. Não é para menos. O desaquecimento da economia chinesa explica em grande medida essas quedas. A China, segundo o FMI, respondeu em 2009 por 53% das importações líquidas mundiais de soja, por 65% das compras de minério de ferro e por quase 30% de metais.
A economia brasileira, evidentemente, não escapou da maré ruim. No último ano, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 2,7% e, em 2012, deve avançar menos de 2%, muito abaixo da média anual de 4,2% verificada entre 2007 e 2011. A boa notícia é que há sinais positivos indicando uma retomada, mais lenta do que as ocorridas no passado recente, mas consistente.
É o próprio mercado quem diz, via boletim Focus, que o Brasil vai se levantar nos próximos trimestres. A esperança é que, depois de registrar baixíssimo crescimento nos primeiros seis meses do ano - 0,1% entre janeiro e março e, possivelmente, 0,3% entre abril e junho -, a indústria avance 1,5% no atual trimestre, quando comparada ao mesmo período do ano anterior, e 2,1% entre outubro e dezembro. O crescimento deve se acelerar no primeiro (3%) e segundo trimestres (4%) de 2013.
Com base no Focus, o BC espera expansão do setor de serviços de 3% em cada trimestre da segunda metade deste ano, quase o dobro da registrada no primeiro trimestre (1,6%). O ritmo seria mantido na primeira metade do ano que vem. Na agricultura, a expectativa é de forte recuperação nos próximos trimestres, depois da queda do primeiro trimestre (-8,5%) e do provável baixo desempenho no segundo (1,4%). Entre outubro e dezembro, a agricultura deve crescer 4% e acelerar nos seis meses seguintes, sempre na comparação com igual período do ano anterior.
A confiança do governo se baseia no que já vem ocorrendo em algumas áreas. A produção mensal de automóveis, por exemplo, depois de cair abaixo de 260 mil em janeiro, começou a se recuperar e, após o corte de IPI, tomou impulso. O mesmo ocorreu com caminhões. Os estoques de carros, que atingiram o pico em agosto de 2011, voltaram a crescer nos primeiros meses do ano, mas, depois da desoneração, estão declinando novamente.
O governo acredita que o ambiente é favorável à aceleração do PIB graças aos seguintes fatores: a taxa de desemprego está na mínima histórica (5,4% em maio, segundo a última medida nacional feita pelo IBGE); a criação de empregos formais diminuiu em quase 1 milhão desde fevereiro de 2011, mas segue forte (1,2 milhão nos 12 meses até junho deste ano); a massa salarial real voltou a crescer, avançando 5,1% nos 12 meses concluídos em maio (7,5%, quando comparada ao mesmo mês de 2011); a renda real também tornou a expandir-se (3,2% nos 12 meses até maio e 4,9% na comparação com maio do ano passado).
Ao contrário dos analistas que apontam a exaustão do modelo de crescimento baseado em consumo e crédito, o BC vê espaço para o país continuar crescendo por esse esquema, ajudado pelas medidas adotadas pelo governo para expandir a infraestrutura e aumentar a competitividade. O BC aposta no efeito "juros menores" - entre setembro de 2011 e junho deste ano, o juro médio cobrado de pessoas físicas caiu de 45,7% para 37,1% ao ano; e o das empresas recuou de 39% para 31,3% ao ano.
Embora a queda da Selic tenha sido expressiva - 4,5 pontos no período -, a redução dos juros bancários foi modesta. Ainda assim, as autoridades acreditam que o crédito, mesmo crescendo a uma velocidade menor, cumprirá um papel importante na retomada. Entre 2005 e 2008, cresceu ao ritmo de 25,2% ao ano; entre 2009 e 2011, subiu 18,3% e, nos 12 meses até maio, manteve essa velocidade (18,1%).
Técnicos do governo lembram que o grau de endividamento dos brasileiros, como proporção do PIB, é baixo quando comparado ao de outros países - 20,9% do PIB, face a 27,9% no Chile, 83,5% nos Estados Unidos e 207,4% do PIB no Reino Unido. O problema é que o peso dos juros na renda disponível dos brasileiros é bem maior - 22,1%, diante de 10,8% nos EUA, 9,9% no Chile e 2,2% no México. Em compensação, a inadimplência no Brasil não está entre as maiores do mundo.
Nem tudo é alegria no primeiro aniversário do "novo BC". A inflação, embora tenha recuado de forma significativa, ainda é alta (5,2% nos 12 meses até julho); o BC segue sem conseguir coordenar satisfatoriamente as expectativas inflacionárias, que apontam para aumento do IPCA em 2013 (para 5,5%); e o regime de câmbio flutuante, um dos pilares da política econômica adotada com sucesso pelo país desde 1999, foi (temporariamente?) abandonado.
Hoje, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoverá mais um corte de meio ponto percentual na taxa Selic, reduzindo-a para 7,50% ao ano, e é possível que faça pelo menos mais outro de 0,5 ponto antes de encerrar o ciclo. O BC acha que essa política, somada a outras que o governo vem adotando, já começou a produzir resultados. O clima em Brasília é de otimismo quanto às chances de a economia acelerar o crescimento nos próximos meses.
Quando o Copom surpreendeu o mercado em agosto do ano passado, cortando o juro em vez de aumentá-lo, a expectativa de crescimento anual da Europa girava em torno de 1% a 2%. Hoje, o que se espera é uma recessão em 2013. No caso dos Estados Unidos, em meados de 2011, esperava-se crescimento em torno de 3%. Agora, a realidade mostra que a expansão neste ano deve beirar os 2% ou ficar abaixo disso.
Desaquecimento mundial previsto pelo BC se materializou
Há um ano, a expectativa era que a economia mundial crescesse até 3,4% em 2012. Com o agravamento da crise mundial no segundo semestre de 2011, as perspectivas foram piorando sucessivamente e, neste momento, o que se espera é um longo período de crescimento lento, em torno de 2,2%.
O cenário desinflacionário se concretizou. A melhor indicação disso está nos indicadores de commodities. O CRB Foodstuff (que mede a variação dos preços de alimentos) estava, em julho, 8,9% abaixo do patamar de um ano atrás. O CRB Metais caiu 23,4% no mesmo período e o CRB total, 13,2%. Não é para menos. O desaquecimento da economia chinesa explica em grande medida essas quedas. A China, segundo o FMI, respondeu em 2009 por 53% das importações líquidas mundiais de soja, por 65% das compras de minério de ferro e por quase 30% de metais.
A economia brasileira, evidentemente, não escapou da maré ruim. No último ano, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 2,7% e, em 2012, deve avançar menos de 2%, muito abaixo da média anual de 4,2% verificada entre 2007 e 2011. A boa notícia é que há sinais positivos indicando uma retomada, mais lenta do que as ocorridas no passado recente, mas consistente.
É o próprio mercado quem diz, via boletim Focus, que o Brasil vai se levantar nos próximos trimestres. A esperança é que, depois de registrar baixíssimo crescimento nos primeiros seis meses do ano - 0,1% entre janeiro e março e, possivelmente, 0,3% entre abril e junho -, a indústria avance 1,5% no atual trimestre, quando comparada ao mesmo período do ano anterior, e 2,1% entre outubro e dezembro. O crescimento deve se acelerar no primeiro (3%) e segundo trimestres (4%) de 2013.
Com base no Focus, o BC espera expansão do setor de serviços de 3% em cada trimestre da segunda metade deste ano, quase o dobro da registrada no primeiro trimestre (1,6%). O ritmo seria mantido na primeira metade do ano que vem. Na agricultura, a expectativa é de forte recuperação nos próximos trimestres, depois da queda do primeiro trimestre (-8,5%) e do provável baixo desempenho no segundo (1,4%). Entre outubro e dezembro, a agricultura deve crescer 4% e acelerar nos seis meses seguintes, sempre na comparação com igual período do ano anterior.
A confiança do governo se baseia no que já vem ocorrendo em algumas áreas. A produção mensal de automóveis, por exemplo, depois de cair abaixo de 260 mil em janeiro, começou a se recuperar e, após o corte de IPI, tomou impulso. O mesmo ocorreu com caminhões. Os estoques de carros, que atingiram o pico em agosto de 2011, voltaram a crescer nos primeiros meses do ano, mas, depois da desoneração, estão declinando novamente.
O governo acredita que o ambiente é favorável à aceleração do PIB graças aos seguintes fatores: a taxa de desemprego está na mínima histórica (5,4% em maio, segundo a última medida nacional feita pelo IBGE); a criação de empregos formais diminuiu em quase 1 milhão desde fevereiro de 2011, mas segue forte (1,2 milhão nos 12 meses até junho deste ano); a massa salarial real voltou a crescer, avançando 5,1% nos 12 meses concluídos em maio (7,5%, quando comparada ao mesmo mês de 2011); a renda real também tornou a expandir-se (3,2% nos 12 meses até maio e 4,9% na comparação com maio do ano passado).
Ao contrário dos analistas que apontam a exaustão do modelo de crescimento baseado em consumo e crédito, o BC vê espaço para o país continuar crescendo por esse esquema, ajudado pelas medidas adotadas pelo governo para expandir a infraestrutura e aumentar a competitividade. O BC aposta no efeito "juros menores" - entre setembro de 2011 e junho deste ano, o juro médio cobrado de pessoas físicas caiu de 45,7% para 37,1% ao ano; e o das empresas recuou de 39% para 31,3% ao ano.
Embora a queda da Selic tenha sido expressiva - 4,5 pontos no período -, a redução dos juros bancários foi modesta. Ainda assim, as autoridades acreditam que o crédito, mesmo crescendo a uma velocidade menor, cumprirá um papel importante na retomada. Entre 2005 e 2008, cresceu ao ritmo de 25,2% ao ano; entre 2009 e 2011, subiu 18,3% e, nos 12 meses até maio, manteve essa velocidade (18,1%).
Técnicos do governo lembram que o grau de endividamento dos brasileiros, como proporção do PIB, é baixo quando comparado ao de outros países - 20,9% do PIB, face a 27,9% no Chile, 83,5% nos Estados Unidos e 207,4% do PIB no Reino Unido. O problema é que o peso dos juros na renda disponível dos brasileiros é bem maior - 22,1%, diante de 10,8% nos EUA, 9,9% no Chile e 2,2% no México. Em compensação, a inadimplência no Brasil não está entre as maiores do mundo.
Nem tudo é alegria no primeiro aniversário do "novo BC". A inflação, embora tenha recuado de forma significativa, ainda é alta (5,2% nos 12 meses até julho); o BC segue sem conseguir coordenar satisfatoriamente as expectativas inflacionárias, que apontam para aumento do IPCA em 2013 (para 5,5%); e o regime de câmbio flutuante, um dos pilares da política econômica adotada com sucesso pelo país desde 1999, foi (temporariamente?) abandonado.
Cartas na mesa - EDITORIAL FOLHA DE SP
Folha de S. Paulo - 29/08
Primeiras condenações no caso do mensalão surgem por votos de ministros indicados pelo PT -clara manifestação de independência do STF
A 15ª sessão do julgamento do mensalão, anteontem, mostrou como são simplistas as tentativas de estabelecer elos de causalidade entre o voto de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e os interesses do presidente da República que o indicou para a corte.
Se dependesse da vontade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que levou ao STF seis de seus 11 membros, ninguém seria condenado. Afinal, o líder petista patrocina a tese cínica de que o mensalão não passou de uma farsa.
Entretanto, a maioria do Supremo já decidiu pela condenação de quatro dos 37 réus. Ao fim da 15ª sessão, haviam votado seis ministros escolhidos por Lula (quatro) e Dilma Rousseff (dois).
Todos concordaram que, em dois itens da denúncia, o empresário Marcos Valério e seus ex-sócios cometeram os crimes de peculato (uso de cargo público para desvio de recursos) e corrupção ativa, e que o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato praticou peculato e corrupção passiva.
O andar do julgamento indica que a sessão de hoje deverá ensejar outro revés para o PT. Já se dá como provável a condenação do ex-deputado João Paulo Cunha, candidato a prefeito de Osasco (SP), pelo crime de corrupção passiva.
E não é só ao concordarem que os ministros demonstram independência, mas também quando divergem. Tomem-se os votos de Rosa Weber e Luiz Fux, nomeados por Dilma. Ao analisarem a acusação de propina a Cunha, quando presidia a Câmara dos Deputados, eles chegaram a conclusões diversas.
Algo similar se observa nos votos de José Antonio Dias Toffoli e Cármen Lúcia, alçados ao STF por Lula. Sobre o mesmo quesito, na verdade, votaram de maneira oposta.
Como esperado, Toffoli acompanhou o revisor Ricardo Lewandowski e decidiu pela absolvição do ex-deputado -o que reforçou a noção de que ambos se inclinam por condenar os operadores do mensalão e inocentar seus parceiros do PT. Para Toffoli, não há provas suficientes para condenar Cunha.
Toffoli construiu boa parte de sua carreira à sombra do partido e, por isso, deveria declarar-se suspeito, como esta Folha já defendeu. Decidiu não fazê-lo, no que evidencia mais lealdade com seu passado do que com a investidura presente na mais alta corte do país.
Apesar do inconveniente, o colegiado contraditório do Supremo tem demonstrado virtudes. A jurisprudência resultante do julgamento do mensalão -como a possível pulverização das teses da defesa sobre a insignificância do caixa dois eleitoral, a comprovação de atos de ofício para caracterizar corrupção ou a desqualificação de provas colhidas em CPI- será forjada em discussões candentes, pois cada ministro terá de fazer distinções delicadas, em meio às práticas obscuras dos abusos de poder.
A julgar pelo que já se viu e ouviu do processo, será preciso alguma hipocrisia e muita má vontade para insatisfeitos com seu resultado dizerem, no futuro, que o debate não foi profundo o suficiente.
A 15ª sessão do julgamento do mensalão, anteontem, mostrou como são simplistas as tentativas de estabelecer elos de causalidade entre o voto de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e os interesses do presidente da República que o indicou para a corte.
Se dependesse da vontade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que levou ao STF seis de seus 11 membros, ninguém seria condenado. Afinal, o líder petista patrocina a tese cínica de que o mensalão não passou de uma farsa.
Entretanto, a maioria do Supremo já decidiu pela condenação de quatro dos 37 réus. Ao fim da 15ª sessão, haviam votado seis ministros escolhidos por Lula (quatro) e Dilma Rousseff (dois).
Todos concordaram que, em dois itens da denúncia, o empresário Marcos Valério e seus ex-sócios cometeram os crimes de peculato (uso de cargo público para desvio de recursos) e corrupção ativa, e que o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato praticou peculato e corrupção passiva.
O andar do julgamento indica que a sessão de hoje deverá ensejar outro revés para o PT. Já se dá como provável a condenação do ex-deputado João Paulo Cunha, candidato a prefeito de Osasco (SP), pelo crime de corrupção passiva.
E não é só ao concordarem que os ministros demonstram independência, mas também quando divergem. Tomem-se os votos de Rosa Weber e Luiz Fux, nomeados por Dilma. Ao analisarem a acusação de propina a Cunha, quando presidia a Câmara dos Deputados, eles chegaram a conclusões diversas.
Algo similar se observa nos votos de José Antonio Dias Toffoli e Cármen Lúcia, alçados ao STF por Lula. Sobre o mesmo quesito, na verdade, votaram de maneira oposta.
Como esperado, Toffoli acompanhou o revisor Ricardo Lewandowski e decidiu pela absolvição do ex-deputado -o que reforçou a noção de que ambos se inclinam por condenar os operadores do mensalão e inocentar seus parceiros do PT. Para Toffoli, não há provas suficientes para condenar Cunha.
Toffoli construiu boa parte de sua carreira à sombra do partido e, por isso, deveria declarar-se suspeito, como esta Folha já defendeu. Decidiu não fazê-lo, no que evidencia mais lealdade com seu passado do que com a investidura presente na mais alta corte do país.
Apesar do inconveniente, o colegiado contraditório do Supremo tem demonstrado virtudes. A jurisprudência resultante do julgamento do mensalão -como a possível pulverização das teses da defesa sobre a insignificância do caixa dois eleitoral, a comprovação de atos de ofício para caracterizar corrupção ou a desqualificação de provas colhidas em CPI- será forjada em discussões candentes, pois cada ministro terá de fazer distinções delicadas, em meio às práticas obscuras dos abusos de poder.
A julgar pelo que já se viu e ouviu do processo, será preciso alguma hipocrisia e muita má vontade para insatisfeitos com seu resultado dizerem, no futuro, que o debate não foi profundo o suficiente.
O grande sofisma - FERNANDO RODRIGUES
FOLHA DE SP - 29/08
BRASÍLIA - O julgamento do mensalão pode ajudar a sepultar a velha máxima maniqueísta sobre como funciona o poder: "Só existem dois tipos de políticos. Os que precisam da política para fazer dinheiro. E os que precisam de dinheiro para fazer política".
Esse sofisma reducionista é um truque. Pressupõe que é possível "roubar para o bem". Os políticos sempre apresentam uma causa nobre ao usar o dinheiro alheio. Desculpam-se dizendo ser necessário construir seus partidos.
O raciocínio é perverso. Está no DNA da tese de que o mensalão só foi caixa dois para pagar dívidas eleitorais. Afinal, roubar em nome do partido seria aceitável. Ninguém pegou dinheiro para passar um fim de semana nas ilhas Seychelles nem comprou um castelo no sul da França.
Alguns votos até agora proferidos no Supremo Tribunal Federal não aceitam essa argumentação. Corrupção política é uma coisa só. Não importa se foi para pagar uma pesquisa eleitoral ou esquiar no Chile. Também é irrelevante se o agente público recebe dinheiro e não pratica em seguida um ato de ofício a favor do corruptor. O ponto é: será que o deputado, senador, ministro ou outro ocupante de função dentro do Estado receberia o benefício se não estivesse na cadeira que ocupa?
Uma vez uma multinacional do petróleo me convidou para falar sobre conjuntura brasileira num encontro no qual estariam seus executivos de vários países. Pagavam bem. Respondi que não poderia cobrar. Haveria conflito de interesses. Mas aceitava o convite pela oportunidade de ter contato direto com os diretores da empresa. Ouvi então uma frase que jamais esquecerei: "Fernando, de graça eles não querem".
Políticos aceitam favores. Sabem que em algum momento terão de retribuir. Foi assim no mensalão. Se o STF considerar tal compadrio um crime, um passo decisivo terá sido dado para reduzir esse tipo de prática.
E aí? O que fazer? - ADRIANO PIRES e ABEL HOLTZ
O Estado de S.Paulo - 29/08
Nos últimos meses, os agentes do setor de energia no Brasil voltaram sua atenção para a questão da renovação das concessões de geração e transmissão de energia elétrica no País. O governo tem três alternativas para lidar com a questão: relicitar, renovar as concessões ou retornar os empreendimentos ao poder concedente, que na sequência contrataria empresas para operar as usinas.
Embora a indicação do governo aponte na direção da renovação das concessões, por meio da extensão do prazo, essa solução não encontra suporte nos atuais dispositivos legais. Ademais, a definição das tarifas será resultado de um processo pouco transparente e, portanto, de difícil aceitação. Caso a busca pela modicidade tarifária gere uma tarifa excessivamente baixa, ficam comprometidos o equilíbrio econômico-financeiro e a preservação das empresas. Como a decisão de renovar as concessões vincendas não está prevista no marco legal do setor elétrico, é de esperar que a discussão sobre a sua viabilidade ainda se estenda por um longo período.
O governo hoje discute qual o instrumento mais adequado: medida provisória ou projeto de lei. Porém renomados juristas já se manifestaram pela inconstitucionalidade da medida, o que significa que o assunto ainda está longe de ser encerrado. O tempo e a energia gastos com a indefinição da questão das concessões desviaram o foco do real problema do setor elétrico, que é a questão do planejamento e do aproveitamento ineficiente das diversas fontes de energia.
Como já dissemos antes, a construção de usinas hidrelétricas (UHEs) está condicionada a elas não terem reservatórios de regularização plurianual. Com as usinas a fio d'água, a geração plena se dá durante os oito meses do período úmido, e nos quatro meses restantes (período seco) elas geram só 10% de sua capacidade instalada. Mas, ao estabelecerem seu preço para entrada nos leilões de energia nova, são obrigadas a considerar o custo do investimento para sua construção, que seria o mesmo no caso de gerar continuamente. A obrigatoriedade de construir usinas a fio d'água, pois, retira a competitividade das UHEs, prejudicando a contratação de energia hidrelétrica.
No caso da energia eólica, passada a euforia inicial, alguns empreendedores mencionam que os preços encontrados nos últimos leilões não poderão mais ser praticados, pois as condições preexistentes não permitem sua repetição. Além disso, muitos dos parques da fonte eólica foram construídos em locais sem condições de escoamento da energia produzida ou onde o sistema está equilibrado. Mais uma vez, a falta de planejamento acaba por onerar o consumidor, que estaria pagando pela energia não gerada ou desnecessária naquele ponto, contrariando até mesmo o paradigma da modicidade tarifária.
A fonte biomassa e as pequenas centrais hidrelétricas continuam com os mesmos problemas definidos pela baixa condição de competitividade com as demais fontes.
Quanto às térmicas, são inúmeros os problemas que limitam a sua operação e, por conseguinte, o aumento de sua participação na matriz de geração. Além do estigma das térmicas a carvão e do efeito sobre as nucleares derivado do acidente no Japão, as térmicas a gás natural só podem existir e operar se tiverem garantia firme para o fornecimento do seu combustível. Por sua vez, dadas as características da operação do nosso sistema, as térmicas passam a maior parte do tempo à disposição, pois a carga do sistema estaria sendo atendida pelas hidrelétricas e, nessa condição, não necessitariam de fluxo do combustível de forma perene, fazendo com que a existência de contratos com cláusulas de Take or Pay onerem sua operação e diminuam a sua competitividade.
E aí se insere o caleidoscópio de oportunidades e decisões que deve considerar escolhas estratégicas quanto ao aproveitamento das diversas fontes de energia, sem que fiquemos ancorados exclusivamente aos preços dos leilões, onde díspares fontes competem em condições desiguais.
A roda do Judiciário - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 29/08
SÃO PAULO - A próxima aposentadoria de dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) faz com que muitos já proponham alterações na forma de escolha dos magistrados.
É claro que a atual sistemática, pela qual o presidente aponta um nome que é depois aprovado pelo Senado, tende a criar uma proximidade excessiva entre figuras do Executivo e da cúpula do Judiciário. Receio, entretanto, que não haja muito como reinventar a roda.
Até existem alternativas à nomeação presidencial. Em princípio, poderíamos organizar eleições diretas para ministros e desembargadores ou deixar que categorias profissionais, como magistrados de carreira, OAB e Ministério Público, apresentassem listas para o Executivo ou o Legislativo. Elas me parecem, porém, ainda piores. No primeiro caso, teríamos um STF mais parecido com o Congresso Nacional e, no segundo, vitaminaríamos o modelo corporativista que tanto mal já faz ao país.
A melhor defesa contra um possível compadrio entre presidentes (ou ex-presidentes) e ministros do STF já está dada na própria Constituição. É a vitaliciedade no cargo. A natureza humana faz o resto. Depois que o sujeito se senta na cadeira, apenas a morte ou a aposentadoria compulsória lhe tiram o emprego.
É claro que fica um sentimento de gratidão para com o responsável pela indicação, mas operam também outras forças, como o zelo para com a própria biografia, que são perfeitamente capazes de contrabalançar a primeira. Posso ter de morder a língua mais para a frente, mas os votos considerados duros de Rosa Weber e Luiz Fux anteontem sugerem que a lealdade para com o partido que os elevou ao posto tem seus limites.
Outros mecanismos que ajudam a garantir a independência do Judiciário são sua autonomia administrativa e financeira e, principalmente, seu poder de proceder à revisão judicial, isto é, o fato de ter a última palavra na interpretação das leis.
SÃO PAULO - A próxima aposentadoria de dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) faz com que muitos já proponham alterações na forma de escolha dos magistrados.
É claro que a atual sistemática, pela qual o presidente aponta um nome que é depois aprovado pelo Senado, tende a criar uma proximidade excessiva entre figuras do Executivo e da cúpula do Judiciário. Receio, entretanto, que não haja muito como reinventar a roda.
Até existem alternativas à nomeação presidencial. Em princípio, poderíamos organizar eleições diretas para ministros e desembargadores ou deixar que categorias profissionais, como magistrados de carreira, OAB e Ministério Público, apresentassem listas para o Executivo ou o Legislativo. Elas me parecem, porém, ainda piores. No primeiro caso, teríamos um STF mais parecido com o Congresso Nacional e, no segundo, vitaminaríamos o modelo corporativista que tanto mal já faz ao país.
A melhor defesa contra um possível compadrio entre presidentes (ou ex-presidentes) e ministros do STF já está dada na própria Constituição. É a vitaliciedade no cargo. A natureza humana faz o resto. Depois que o sujeito se senta na cadeira, apenas a morte ou a aposentadoria compulsória lhe tiram o emprego.
É claro que fica um sentimento de gratidão para com o responsável pela indicação, mas operam também outras forças, como o zelo para com a própria biografia, que são perfeitamente capazes de contrabalançar a primeira. Posso ter de morder a língua mais para a frente, mas os votos considerados duros de Rosa Weber e Luiz Fux anteontem sugerem que a lealdade para com o partido que os elevou ao posto tem seus limites.
Outros mecanismos que ajudam a garantir a independência do Judiciário são sua autonomia administrativa e financeira e, principalmente, seu poder de proceder à revisão judicial, isto é, o fato de ter a última palavra na interpretação das leis.
Preenchimentos - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 29/08
Como toda mulher, também gasto alguns minutos em frente ao espelho com as mãos espalmadas no rosto tentando imaginar como seria se eu puxasse um pouquinho aqui, um pouquinho ali, mas nunca fui além da simulação – ainda não tive coragem de enfrentar o bisturi. Amigas aconselham: não precisa partir para algo radical, faça apenas um preenchimento, ora. Toda mulher moderna e inteligente faz, mas não gosto nadinha da ideia de injetarem no meu rosto coisas assustadoras como polimetilmetacrilato ou ácido hialurônico.
Outro dia, uma moça me explicou como o dermatologista, depois da aplicação, ficou moldando a substância com os dedos até que se assentasse no lugar certo. Quase passei mal. Não deviam contar esses detalhes para mulheres impressionáveis. E, como se não bastasse eu ser de outro século, ainda deparei com as fotos da mãe do Stallone. Aí, ferrou.
Preenchimento estava na minha lista de resoluções para 2012. Também esteve na de 2009, 2010 e 2011. Acaba de ser adiada, mais uma vez, para 2013 ou 2014, dependendo da minha capacidade de evoluir. Enquanto esse dia não chega, vou continuar me preenchendo com material obsoleto como livros, filmes, exposições, teatro. Não irão me deixar mais jovem nem mais bonita, mas ao menos o cérebro não ficará flácido. Como bem lembrou, recentemente, a linda atriz Aline Moraes, “a beleza pode desmoronar quando se abre a boca”.
Mudando de assunto, mas nem tanto, também me abismei com os erros de português que foram detectados nas legendas da propaganda eleitoral na TV, em que se viram preciosidades como “ensentivo”, “disperdiço”, “trofel”, “concurço” e “pulitica”, palavras que não possuem nem de longe o grau de dificuldade de um polimetilmetacrilato. Cheguei a iniciar uma crônica, mês passado, sobre esse assunto: escrever errado todos escrevem, eu erro, tu erras, ele erra. Não depõe contra o caráter de ninguém, mas não se pode relaxar.
É preciso continuar estudando, ler mais, consultar dicionários. Não cheguei a publicar a crônica porque ela foi inspirada nos bilhetes deixados pelo bioquímico que assassinou a mulher e o filho na zona sul de Porto Alegre. Diante de uma tragédia daquela magnitude, não cairia bem falar dos assassinatos gramaticais que ele também praticou. Eram tragédias incomparáveis. Mas a mim doeu tudo.
(Sei lá como se escreve.) Quem de nós, durante um bilhete, um e-mail, um tuíte, não colocou essa frase entre parênteses diante da dúvida sobre como escrever uma palavra difícil ou uma expressão estrangeira? Então, para não encerrar essa crônica com tragédia, e sim com tragicomédia, dê uma espiada no site http://seilacomoseescreve.tumblr.com/page/2 e divirta-se. Rir também rejuvenesce – e não dói.
Lindo dia pra você - Uma gostosa quarta-feira.
Como toda mulher, também gasto alguns minutos em frente ao espelho com as mãos espalmadas no rosto tentando imaginar como seria se eu puxasse um pouquinho aqui, um pouquinho ali, mas nunca fui além da simulação – ainda não tive coragem de enfrentar o bisturi. Amigas aconselham: não precisa partir para algo radical, faça apenas um preenchimento, ora. Toda mulher moderna e inteligente faz, mas não gosto nadinha da ideia de injetarem no meu rosto coisas assustadoras como polimetilmetacrilato ou ácido hialurônico.
Outro dia, uma moça me explicou como o dermatologista, depois da aplicação, ficou moldando a substância com os dedos até que se assentasse no lugar certo. Quase passei mal. Não deviam contar esses detalhes para mulheres impressionáveis. E, como se não bastasse eu ser de outro século, ainda deparei com as fotos da mãe do Stallone. Aí, ferrou.
Preenchimento estava na minha lista de resoluções para 2012. Também esteve na de 2009, 2010 e 2011. Acaba de ser adiada, mais uma vez, para 2013 ou 2014, dependendo da minha capacidade de evoluir. Enquanto esse dia não chega, vou continuar me preenchendo com material obsoleto como livros, filmes, exposições, teatro. Não irão me deixar mais jovem nem mais bonita, mas ao menos o cérebro não ficará flácido. Como bem lembrou, recentemente, a linda atriz Aline Moraes, “a beleza pode desmoronar quando se abre a boca”.
Mudando de assunto, mas nem tanto, também me abismei com os erros de português que foram detectados nas legendas da propaganda eleitoral na TV, em que se viram preciosidades como “ensentivo”, “disperdiço”, “trofel”, “concurço” e “pulitica”, palavras que não possuem nem de longe o grau de dificuldade de um polimetilmetacrilato. Cheguei a iniciar uma crônica, mês passado, sobre esse assunto: escrever errado todos escrevem, eu erro, tu erras, ele erra. Não depõe contra o caráter de ninguém, mas não se pode relaxar.
É preciso continuar estudando, ler mais, consultar dicionários. Não cheguei a publicar a crônica porque ela foi inspirada nos bilhetes deixados pelo bioquímico que assassinou a mulher e o filho na zona sul de Porto Alegre. Diante de uma tragédia daquela magnitude, não cairia bem falar dos assassinatos gramaticais que ele também praticou. Eram tragédias incomparáveis. Mas a mim doeu tudo.
(Sei lá como se escreve.) Quem de nós, durante um bilhete, um e-mail, um tuíte, não colocou essa frase entre parênteses diante da dúvida sobre como escrever uma palavra difícil ou uma expressão estrangeira? Então, para não encerrar essa crônica com tragédia, e sim com tragicomédia, dê uma espiada no site http://seilacomoseescreve.tumblr.com/page/2 e divirta-se. Rir também rejuvenesce – e não dói.
Lindo dia pra você - Uma gostosa quarta-feira.
Sobra milho, falta milho - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 29/08
Tendo o País colhido a maior safra de milho da história, superando o recorde de produção de 2007, e tendo a colheita adicional da "safrinha" mato-grossense obrigado os produtores a improvisar sistemas de armazenamento, pois os silos já estão abarrotados, parece paradoxal que avicultores de algumas regiões estejam sendo obrigados a sacrificar aves, para que elas não morram de fome por falta de milho. Mas é o que está acontecendo. A abundância de milho em uma região e a aguda escassez em outras decorrem da incapacidade do governo de evitar os efeitos mais graves de velhos problemas de logística e transporte e assegurar a tempo a transferência do produto das regiões produtoras para as consumidoras.
A decisão de um proprietário de granja nas proximidades de Florianópolis, capital de Santa Catarina, de enterrar mais de 100 mil pintinhos vivos, por causa da escassez e do alto preço da ração no mercado - ato que o tornou passível de condenação por prática de crime ambiental, como noticiou o Estado (18/8) -, tornou chocante um problema que, se enfrentado com antecedência, eficiência e competência, não teria chegado à situação atual.
A quebra da safra de milho e soja nos Estados Unidos, onde as regiões produtoras enfrentam uma das piores secas dos últimos 70 anos, provocou forte alta do preço desses produtos, naturais ou processados, no mercado internacional. No Brasil, essa situação tem estimulado as exportações. Assim, mesmo com a alta desses produtos também no mercado interno - criadores catarinenses afirmam que a saca do milho já subiu de R$ 23 para R$ 36 e a tonelada do farelo de soja, de R$ 550 para R$ 1.500 -, eles se tornaram escassos nas regiões onde há muitos avicultores. Para o consumidor, o efeito é o aumento de cerca de 25% no preço do frango. E sobe também a carne de porco, pois os custos da suinocultura dependem fortemente dos preços do milho e da soja.
A rápida transferência de parte do grande volume de milho estocado no Centro-Oeste para Santa Catarina e para o Nordeste - onde a avicultura teve rápida expansão nos últimos anos - reduziria o impacto do aumento do preço para a maioria dos produtores, sobretudo os de menor porte, que, por carência de capital próprio, são mais vulneráveis às oscilações do mercado.
"Desde maio trabalhamos no transporte do milho estocado em Mato Grosso para as regiões mais necessitadas", afirmou o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura ao jornal Diário Catarinense (21/8). Até agora, porém, os resultados foram muito fracos.
"Muita gente vai perder, mas queremos que o pequeno e médio percam o mínimo possível", disse na quinta-feira (23/8) o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, a respeito dos problemas enfrentados pelos criadores de aves e suínos de Santa Catarina. Ele reconheceu que a Conab enfrenta problemas para contratar caminhões que levem o milho estocado em Mato Grosso para as regiões consumidoras em Santa Catarina.
O problema se repete no caso do transporte de milho para o Nordeste. A Conab foi autorizada a transferir 400 mil toneladas, de 1,2 milhão de toneladas que tem em seu estoque, para atender os pequenos produtores da área da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), mas não está conseguindo transportar o produto. Em nota divulgada na quinta-feira (23/8), o Ministério da Agricultura reconheceu que, devido ao aumento da demanda por frete, às novas regras para o transporte rodoviário previstas no Estatuto do Motorista e ao protesto dos caminhoneiros, "houve um aumento no prazo de entrega dos produtos e, consequentemente, aumento das tarifas de transporte". Em resumo, a carga demora a chegar, e chega mais cara.
Há algumas semanas chegou a ser anunciado que o governo adotaria medidas específicas, até mesmo a edição de uma medida provisória, para autorizar a realização de leilões emergenciais de milho a preços de mercado e a concessão de subsídios para o custo do transporte do produto de Mato Grosso para as regiões de produção de aves e suínos, mas nenhuma medida prática foi adotada.
Os efeitos do silêncio - FERNANDO LEAL
O GLOBO - 29/08
Antes do início do julgamento do mensalão se questionava se o ministro José Antonio Dias Toffoli votaria. Os motivos são conhecidos. Dias Toffoli foi subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil durante a gestão de José Dirceu e, depois, advogado do PT no período em que as investigações sobre o mensalão começaram a ganhar corpo. Além disso, sua namorada teria atuado na defesa de um dos réus. Até que ponto esses fatos interferem em sua imparcialidade para julgar a ação?
O país aguardou pela resposta. Recebeu, porém, silêncio. Silêncio eloquente daqueles que poderiam colocar a questão sob discussão no Supremo Tribunal Federal. Dias Toffoli, já na questão de ordem sobre o desmembramento, anunciara que tinha voto pronto. Na última segunda-feira, começou a lê-lo sem tocar no assunto. O ministro Marco Aurélio Mello, que chegou a questionar a imparcialidade do colega no Jornal Nacional, descrevendo a situação como “delicada”, não levou suas dúvidas ao plenário. Entre os ministros imperou o silêncio. Nada tampouco foi levantado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelos advogados de defesa.
Pela legislação penal, tanto a posição de Dias Toffoli na Casa Civil como a sua atuação como advogado do PT não afetam necessariamente a sua imparcialidade. Todos esses elementos podem interferir na sua capacidade de julgar com total distanciamento, mas tal relação não é automática. É preciso que alguém levante a suspeição ou que o próprio ministro a declare. Com a leitura do voto, diminuem as chances de que isso aconteça.
A atuação da sua namorada na defesa de um dos réus é tema mais complexo. O Código de Processo Penal proíbe o juiz de julgar quando seu cônjuge tiver funcionado como advogado. Essa é uma causa de impedimento, que pode ser levantada a qualquer tempo. Mas, para que se sustente o impedimento de Dias Toffoli, é preciso saber se a sua companheira atuou efetivamente no processo e se o seu relacionamento, ainda que seja uma união estável, é condição suficiente para a aplicação da lei, que fala em “cônjuge”.
O que está em jogo, porém, transcende questões jurídicas. Se a suspeição — ou o suposto impedimento de Dias Toffoli — tivessem sido arguidos, poderia haver bons argumentos para sustentar que ele seria, sim, capaz de julgar os réus do mensalão com imparcialidade. Mas, no silêncio de todos os legitimados a levar a questão ao plenário, só é possível especular — inclusive quanto aos motivos do silêncio.
Antes do início do julgamento do mensalão se questionava se o ministro José Antonio Dias Toffoli votaria. Os motivos são conhecidos. Dias Toffoli foi subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil durante a gestão de José Dirceu e, depois, advogado do PT no período em que as investigações sobre o mensalão começaram a ganhar corpo. Além disso, sua namorada teria atuado na defesa de um dos réus. Até que ponto esses fatos interferem em sua imparcialidade para julgar a ação?
O país aguardou pela resposta. Recebeu, porém, silêncio. Silêncio eloquente daqueles que poderiam colocar a questão sob discussão no Supremo Tribunal Federal. Dias Toffoli, já na questão de ordem sobre o desmembramento, anunciara que tinha voto pronto. Na última segunda-feira, começou a lê-lo sem tocar no assunto. O ministro Marco Aurélio Mello, que chegou a questionar a imparcialidade do colega no Jornal Nacional, descrevendo a situação como “delicada”, não levou suas dúvidas ao plenário. Entre os ministros imperou o silêncio. Nada tampouco foi levantado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelos advogados de defesa.
Pela legislação penal, tanto a posição de Dias Toffoli na Casa Civil como a sua atuação como advogado do PT não afetam necessariamente a sua imparcialidade. Todos esses elementos podem interferir na sua capacidade de julgar com total distanciamento, mas tal relação não é automática. É preciso que alguém levante a suspeição ou que o próprio ministro a declare. Com a leitura do voto, diminuem as chances de que isso aconteça.
A atuação da sua namorada na defesa de um dos réus é tema mais complexo. O Código de Processo Penal proíbe o juiz de julgar quando seu cônjuge tiver funcionado como advogado. Essa é uma causa de impedimento, que pode ser levantada a qualquer tempo. Mas, para que se sustente o impedimento de Dias Toffoli, é preciso saber se a sua companheira atuou efetivamente no processo e se o seu relacionamento, ainda que seja uma união estável, é condição suficiente para a aplicação da lei, que fala em “cônjuge”.
O que está em jogo, porém, transcende questões jurídicas. Se a suspeição — ou o suposto impedimento de Dias Toffoli — tivessem sido arguidos, poderia haver bons argumentos para sustentar que ele seria, sim, capaz de julgar os réus do mensalão com imparcialidade. Mas, no silêncio de todos os legitimados a levar a questão ao plenário, só é possível especular — inclusive quanto aos motivos do silêncio.
Quem nos navega é o mar - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 29/08
O Brasil permanece uma economia bastante fechada ao comércio internacional. Apesar do crescimento expressivo nos últimos anos, o comércio representa apenas cerca de um quarto do PIB, deixando o país nas últimas colocações do ranking mundial neste quesito. Assim, ao contrário de países como a China, a economia não tem muito do seu impulso atrelado diretamente ao comércio global. Apesar disso, as exportações desempenham um papel relevante, a saber, pagar pelas importações necessárias para sustentar o ritmo forte de aumento do consumo interno. É assim fundamental entender o excelente desempenho das exportações brasileiras nos últimos anos.
Há meros dez anos essas equivaliam a pouco mais de US$ 83 bilhões (a preços de 2011), correspondentes a 0,92% do comércio global. No ano passado atingiram US$ 256 bilhões, expansão média pouco superior a 13% ao ano, já deduzida a inflação, cerca de 3 vezes mais rápido que observado nos 10 anos anteriores e também superior ao ritmo mundial. A participação no comércio global chegou assim a 1,42%, a maior desde 1955.
Este último resultado parece contradizer a noção que o Brasil teria apenas surfado na onda de prosperidade mundial. Uma decomposição simples do crescimento das exportações brasileiras no período revelaria que quase 30% das novas exportações se originaram do aumento da participação no comércio mundial, enquanto 65% provêm do aumento do comércio mundial em si e o restante da interação entre estes dois fatores. De 2009 para cá o resultado é ainda mais significativo: quase metade das exportações adicionais resultou da crescente participação de mercado.
As razões para o ufanismo, no entanto, começam a se dissipar quando aprofundamos ligeiramente a análise. Ocorre que há dois canais pelos quais um país pode aumentar sua participação no comércio internacional: as quantidades exportadas podem crescer a um ritmo maior do que as quantidades transacionadas globalmente, ou os preços dos produtos exportados podem crescer mais rapidamente do que os preços globais. No caso do Brasil, o que prevaleceu foi o segundo mecanismo.
Com efeito, entre 2002 e 2011 os preços das exportações brasileiras aumentaram 163%, enquanto o aumento médio global alcançou 65%. Neste mesmo período as quantidades exportadas pelo Brasil se expandiram 61%, em linha com o crescimento mundial de quantidades (67%). Não é difícil concluir, portanto, que foi o aumento extraordinário dos preços dos produtos brasileiros no mercado internacional – fruto do crescimento não menos extraordinário dos preços internacionais de commodities – a razão pela qual a participação brasileira no comércio global cresceu de forma tão acentuada.
Assim, ao decompor o crescimento das exportações brasileiras de 2002 a 2011 chegamos ao seguinte: como adiantado, 65% se originaram do crescimento do comércio mundial; 40%, por sua vez, resultaram do aumento dos preços (relativamente aos globais), cabendo aos demais componentes, inclusive o crescimento das quantidades, contribuições negativas para a expansão das vendas ao exterior.
Tais números sugerem que, de fato, o desempenho exportador brasileiro decorreu de forças globais, sobre as quais o país dispõe de nenhum controle. Em particular o aumento dos preços das exportações relativamente às importações permitiu que cada unidade exportada pelo Brasil comprasse em 2011 36% a mais do que comprava em 2002, possibilitando que o consumo crescesse cerca de 1-1,5% ao ano mais rápido que o PIB nos últimos anos.
A base do crescimento nacional está, pois, alicerçada em fundamentos externos. Não por acaso as exportações têm perdido o fôlego em 2012, em linha com o fraco crescimento mundial e a queda no preço das commodities. Sem esta ajuda, o modelo de crescimento baseado no consumo encontra limitações crescentes, aparentes no fraco desempenho de 2012.
O Brasil permanece uma economia bastante fechada ao comércio internacional. Apesar do crescimento expressivo nos últimos anos, o comércio representa apenas cerca de um quarto do PIB, deixando o país nas últimas colocações do ranking mundial neste quesito. Assim, ao contrário de países como a China, a economia não tem muito do seu impulso atrelado diretamente ao comércio global. Apesar disso, as exportações desempenham um papel relevante, a saber, pagar pelas importações necessárias para sustentar o ritmo forte de aumento do consumo interno. É assim fundamental entender o excelente desempenho das exportações brasileiras nos últimos anos.
Há meros dez anos essas equivaliam a pouco mais de US$ 83 bilhões (a preços de 2011), correspondentes a 0,92% do comércio global. No ano passado atingiram US$ 256 bilhões, expansão média pouco superior a 13% ao ano, já deduzida a inflação, cerca de 3 vezes mais rápido que observado nos 10 anos anteriores e também superior ao ritmo mundial. A participação no comércio global chegou assim a 1,42%, a maior desde 1955.
Este último resultado parece contradizer a noção que o Brasil teria apenas surfado na onda de prosperidade mundial. Uma decomposição simples do crescimento das exportações brasileiras no período revelaria que quase 30% das novas exportações se originaram do aumento da participação no comércio mundial, enquanto 65% provêm do aumento do comércio mundial em si e o restante da interação entre estes dois fatores. De 2009 para cá o resultado é ainda mais significativo: quase metade das exportações adicionais resultou da crescente participação de mercado.
As razões para o ufanismo, no entanto, começam a se dissipar quando aprofundamos ligeiramente a análise. Ocorre que há dois canais pelos quais um país pode aumentar sua participação no comércio internacional: as quantidades exportadas podem crescer a um ritmo maior do que as quantidades transacionadas globalmente, ou os preços dos produtos exportados podem crescer mais rapidamente do que os preços globais. No caso do Brasil, o que prevaleceu foi o segundo mecanismo.
Com efeito, entre 2002 e 2011 os preços das exportações brasileiras aumentaram 163%, enquanto o aumento médio global alcançou 65%. Neste mesmo período as quantidades exportadas pelo Brasil se expandiram 61%, em linha com o crescimento mundial de quantidades (67%). Não é difícil concluir, portanto, que foi o aumento extraordinário dos preços dos produtos brasileiros no mercado internacional – fruto do crescimento não menos extraordinário dos preços internacionais de commodities – a razão pela qual a participação brasileira no comércio global cresceu de forma tão acentuada.
Assim, ao decompor o crescimento das exportações brasileiras de 2002 a 2011 chegamos ao seguinte: como adiantado, 65% se originaram do crescimento do comércio mundial; 40%, por sua vez, resultaram do aumento dos preços (relativamente aos globais), cabendo aos demais componentes, inclusive o crescimento das quantidades, contribuições negativas para a expansão das vendas ao exterior.
Tais números sugerem que, de fato, o desempenho exportador brasileiro decorreu de forças globais, sobre as quais o país dispõe de nenhum controle. Em particular o aumento dos preços das exportações relativamente às importações permitiu que cada unidade exportada pelo Brasil comprasse em 2011 36% a mais do que comprava em 2002, possibilitando que o consumo crescesse cerca de 1-1,5% ao ano mais rápido que o PIB nos últimos anos.
A base do crescimento nacional está, pois, alicerçada em fundamentos externos. Não por acaso as exportações têm perdido o fôlego em 2012, em linha com o fraco crescimento mundial e a queda no preço das commodities. Sem esta ajuda, o modelo de crescimento baseado no consumo encontra limitações crescentes, aparentes no fraco desempenho de 2012.
Dever de coerência - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 29/08
Barroco na forma, o ministro Luiz Fux foi de clássica simplicidade no conteúdo de seu voto notadamente ao abordar a questão do ônus da prova.
Em resumo e com outras palavras, considerou que o peso pró-réu do princípio da presunção da inocência é inquestionável, porém, não absoluto. Implica a existência de um grau razoável de coerência nos argumentos expostos pela defesa.
Ou seja, não basta a defesa apresentar uma história qualquer, é preciso que seja bem contada.
"Toda vez que as dúvidas sobre as alegações da defesa e das provas favoráveis à versão dos acusados não forem razoáveis, não forem críveis diante das demais provas, pode haver condenação", disse e arrematou: "A presunção da não culpabilidade não transforma o critério de dúvida razoável em certeza absoluta".
É um ponto essencial na divergência entre os ministros que enquadraram o deputado João Paulo Cunha no crime de corrupção passiva e os que não viram nada demais no fato de a mulher dele ter recebido R$ 50 mil em espécie no Banco Rural por ordem de pagamento feita pela agência de Marcos Valério.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Antonio Dias Toffoli aceitaram passivamente a versão de que o dinheiro se destinava ao pagamento de pesquisas eleitorais realizadas dois anos antes e que o envio da mulher como portadora indicava boa-fé.
Já o relator e os ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Carmen Lúcia levaram em consideração a coerência do relato em relação ao contexto: a alegação inicial de que a mulher de João Paulo havia ido à agência do Rural para pagar uma conta de TV a cabo, a mudança de versão só depois de descobertos documentos obtidos mediante operações de apreensão e o suspeito "passeio" do dinheiro pelo valerioduto.
Todos os seis ministros que votaram até agora demonstraram intolerância com a ausência de pé e a privação de cabeça na fantástica história do envelope que Henrique Pizzolato recebeu com R$ 326 mil alegando desconhecer o que continha, de quem vinha e qual serventia teria.
Nesse episódio, todos aplicaram o raciocínio desenvolvido por Luiz Fux sobre a necessária verossimilhança de versões contra as quais "a simples negativa genérica não é capaz de desconstruir o itinerário lógico que leva à condenação".
Caso a maioria adote esse caminho, o cenário não se avizinha risonho para José Dirceu.
Além de tentar convencer o Supremo Tribunal Federal de que sua ex-mulher encontrou emprego, empréstimos e um comprador para seu apartamento por intermédio do esquema de Marcos Valério por mera coincidência, ainda precisará que os juízes considerem verossímil a hipótese de ter saído da presidência do PT para a Casa Civil para nunca mais tomar conhecimento do que se passava no partido.
No molhado. Luiz Antonio Pagot pode ser qualquer coisa, menos bobo ou o homem-bomba que se apregoava.
Foi à CPI para, vulgarmente falando, chutar cachorro morto: acusou a Delta de conspirar para derrubá-lo e Demóstenes Torres de ter pedido que favorecesse a Delta.
No ano passado Pagot esteve no Congresso para falar sobre sua demissão e nada disse sobre a construtora na época poderosa nem a respeito de Demóstenes que ainda era uma referência.
De substancioso restou confirmação do já conhecido: o uso da máquina pública, no caso o Dnit, como instrumento de arrecadação de verbas para campanhas eleitorais.
Ato banalizado a ponto de vir a servir como argumento de defesa na Justiça.
Arsenal. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, sustenta a perspectiva de bater o PT na disputa pela prefeitura de Recife em três fatores numéricos.
Em 2010 obteve 76% dos votos contra 42% de Dilma Rousseff, conta com 90% de aprovação no eleitorado que apresenta alto índice (72%) de desejo de mudança. Os petistas administram a capital de Pernambuco desde 2001.
Barroco na forma, o ministro Luiz Fux foi de clássica simplicidade no conteúdo de seu voto notadamente ao abordar a questão do ônus da prova.
Em resumo e com outras palavras, considerou que o peso pró-réu do princípio da presunção da inocência é inquestionável, porém, não absoluto. Implica a existência de um grau razoável de coerência nos argumentos expostos pela defesa.
Ou seja, não basta a defesa apresentar uma história qualquer, é preciso que seja bem contada.
"Toda vez que as dúvidas sobre as alegações da defesa e das provas favoráveis à versão dos acusados não forem razoáveis, não forem críveis diante das demais provas, pode haver condenação", disse e arrematou: "A presunção da não culpabilidade não transforma o critério de dúvida razoável em certeza absoluta".
É um ponto essencial na divergência entre os ministros que enquadraram o deputado João Paulo Cunha no crime de corrupção passiva e os que não viram nada demais no fato de a mulher dele ter recebido R$ 50 mil em espécie no Banco Rural por ordem de pagamento feita pela agência de Marcos Valério.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Antonio Dias Toffoli aceitaram passivamente a versão de que o dinheiro se destinava ao pagamento de pesquisas eleitorais realizadas dois anos antes e que o envio da mulher como portadora indicava boa-fé.
Já o relator e os ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Carmen Lúcia levaram em consideração a coerência do relato em relação ao contexto: a alegação inicial de que a mulher de João Paulo havia ido à agência do Rural para pagar uma conta de TV a cabo, a mudança de versão só depois de descobertos documentos obtidos mediante operações de apreensão e o suspeito "passeio" do dinheiro pelo valerioduto.
Todos os seis ministros que votaram até agora demonstraram intolerância com a ausência de pé e a privação de cabeça na fantástica história do envelope que Henrique Pizzolato recebeu com R$ 326 mil alegando desconhecer o que continha, de quem vinha e qual serventia teria.
Nesse episódio, todos aplicaram o raciocínio desenvolvido por Luiz Fux sobre a necessária verossimilhança de versões contra as quais "a simples negativa genérica não é capaz de desconstruir o itinerário lógico que leva à condenação".
Caso a maioria adote esse caminho, o cenário não se avizinha risonho para José Dirceu.
Além de tentar convencer o Supremo Tribunal Federal de que sua ex-mulher encontrou emprego, empréstimos e um comprador para seu apartamento por intermédio do esquema de Marcos Valério por mera coincidência, ainda precisará que os juízes considerem verossímil a hipótese de ter saído da presidência do PT para a Casa Civil para nunca mais tomar conhecimento do que se passava no partido.
No molhado. Luiz Antonio Pagot pode ser qualquer coisa, menos bobo ou o homem-bomba que se apregoava.
Foi à CPI para, vulgarmente falando, chutar cachorro morto: acusou a Delta de conspirar para derrubá-lo e Demóstenes Torres de ter pedido que favorecesse a Delta.
No ano passado Pagot esteve no Congresso para falar sobre sua demissão e nada disse sobre a construtora na época poderosa nem a respeito de Demóstenes que ainda era uma referência.
De substancioso restou confirmação do já conhecido: o uso da máquina pública, no caso o Dnit, como instrumento de arrecadação de verbas para campanhas eleitorais.
Ato banalizado a ponto de vir a servir como argumento de defesa na Justiça.
Arsenal. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, sustenta a perspectiva de bater o PT na disputa pela prefeitura de Recife em três fatores numéricos.
Em 2010 obteve 76% dos votos contra 42% de Dilma Rousseff, conta com 90% de aprovação no eleitorado que apresenta alto índice (72%) de desejo de mudança. Os petistas administram a capital de Pernambuco desde 2001.
A CPI do achincalhe - ROSÂNGELA BITTAR
Valor Econômico - 29/08
Abafada pelo julgamento do mensalão, o mesmo que em pretendido efeito contrário foi criada para abafar, a CPI do Congresso teoricamente denominada do "caso Cachoeira" não conseguiu salvar-se do vexame político em que se encontra nem pelo animado depoimento, ontem, do ex-diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária (Dnit), Luiz Antonio Pagot.
O contraventor Carlos Cachoeira está preso, mas a CPI não contribui nada para isso, foi trabalho anterior da Polícia Federal; o ex-senador Demóstenes Torres (DEM) está cassado, a CPI, porém, passou longe de ter participação no desfecho. O relator Odair Cunha (PT), cujo mandato despontou, para o bem e para o mal, inclusive para o ridículo, depois desse serviço prestado ao ex-presidente Lula e ao ex-deputado José Dirceu, não consegue nem mais aparecer na mídia. A frustração é geral.
Os que inspiraram a instalação do inquérito pretendiam que a CPI rivalizasse com o Supremo Tribunal Federal. Uma arena circense, onde o espetáculo montado derrubaria a performance eleitoral do PSDB nas eleições municipais, do Procurador Geral da República no julgamento do mensalão, e da imprensa na sociedade.
Até agora, a CPI não atingiu nenhum de seus objetivos e, em síntese, acabou ajudando mesmo só o PMDB, o partido mais envolvido no caso Cachoeira que conseguiu submergir graças à proteção petista.
Se o contraventor está nas entranhas do governo de Goiás, foi o PMDB, por décadas, o partido dominante no Estado. É do PMDB o governador de maiores ligações pessoais com Fernando Cavendish, da Delta, a empreiteira que fez o elo entre o governo federal, os governos estaduais, os políticos e o contraventor.
A CPI pegou o atual governador de Goias, Marcone Perillo, do PSDB, nas escutas e relações de Cachoeira, deu-se por satisfeita, tentou circunscrever-se ao "centro-oeste", mas ao "centro-oeste" tucano, enquanto o relator, que comanda o espetáculo em nome do PT, procurava meios de chegar a São Paulo, negaceando para não colher na malha outros governos aliados de tantos que têm negócios com a empreiteira.
A CPI teve seu dia de princesa com o comparecimento de Carlos Cachoeira, munido de um alvará do STF para ficar calado e da companhia célebre do advogado Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça do mentor da CPI, o ex-presidente Lula. Logo Thomaz Bastos desistiria do cliente para evitar fusão de imagem com a do próprio mensalão, onde fora, por sua vez, mentor do cerne da defesa do PT, com a alegação e a marca dos recursos não contabilizados.
Após o ápice, a CPI foi uma sucessão de fracassos de público, crítica e depoimentos e andou em círculos. Até ontem, quando chegou para depor o ex-diretor do Dnit, guardado como a bala de prata do PT. Num efeito bumerangue, Luiz Antonio Pagot isentou o PSDB de SP de irregularidade e comprometeu o PT e o PMDB, lançando no ar indícios de tentativas de candidatos desses dois partidos de envolvê-lo em arrecadação de verbas das empresas que mantinha sob contrato.
De Hélio Costa, o ex-ministro e ex-candidato apoiado por Lula e Dilma ao governo de Minas pelo PMDB, Pagot falou diretamente de receber ameaças por não ajudá-lo. Mas outros pemedebistas foram protagonistas. Não se pode deixar de notar a ausência, na CPI, ao longo do último mês, da senadora Iris Resende (PMDB-GO), mulher do ex-governador e prefeito Iris Resende (PMDB-GO). Ela começou os trabalhos muito animada e depois desapareceu. A política goiana sendo revirada e o eterno Iris também sumiu. Maguito Vilela (PMDB), ex-senador, ex-governador e prefeito de Aparecida de Goiânia, fingiu-se de desentendido e deixou que fosse apagada da memória coletiva até uma citação de seu nome a determinada altura das investigações. O pemedebista mais importante do caso, porém, o governador do Rio, Sergio Cabral, o maior amigo do maior empreiteiro da CPI, Fernando Cavendish, dono da Delta, livrou-se até de convite para dar informações. Os governadores de todas as regiões que fizeram negócios com a Delta respiraram aliviados, o relator só quer "o centro-oeste". Mas sem o PMDB. Os órgãos do governo que transformaram a Delta na maior empreiteira do PAC fingem que não existe CPI e, quando existe, é um problema do PT.
O PT isentou o PMDB, repita-se, o partido mais enredado no caso Cachoeira em Goiás, França ou Bahia. E o fez por antecipação, cegamente, na busca de atingir seus objetivo eleitorais imediatos, sob o comando do relator Odair Cunha, de Minas Gerais. Pagot revelou ter sido ameaçado por Hélio Costa (PMDB-MG) porque não colaborou com a arrecadação de verbas para sua campanha agovernador de Minas Gerais, em 2010; disse que a ministra de relações institucionais, Ideli Salvatti (PT-SC), também foi ao Dnit pedir dinheiro para sua campanha; que o tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff pediu e ganhou verbas para a campanha presidencial do PT. Mas o relator só quer saber do "centro-oeste".
Os políticos queriam que o diretor do Dnit tomasse dinheiro dos empresários que têm negócios com o governo. Ele admite que conseguiu ajuda só para Dilma. Por que será que a busca da intermediação de verbas de empreiteiras para campanhas eleitorais era no Dnit? Por que será que o tesoureiro da campanha presidencial do PT, José di Filippi (SP) disse a Pagot que não era preciso usar as grandes empresas com negócios no Dnit, bastavam umas 40 pequenas? Pagot admite que pediu e só depois viu quem deu, algumas lhe enviaram "recibos eleitorais" e outras conferiu no site do Tribunal Superior Eleitoral. Um manual inteiro de financiamento de campanha nas inocentes visitas.
Não é difícil constatar o escárnio que a CPI está promovendo com seus eleitores, o aviltamento da imagem do Congresso, ao usar um instrumento legítimo e constitucional, considerado uma das duas mais importantes atribuições do Parlamento (a outra é a elaboração do Orçamento Geral da União), para fazer guerrilha eleitoral com adversários de ocasião.
Cavendish deve visitar a CPI hoje, e falar ou não importa. O que vale é o que pergunta o relator, pois na inquirição embute todos os boatos que pretende fazer circular. Missão cumprida. Quase todos os parlamentares integrantes que levavam a CPI a sério foram desistindo. Um dos últimos ainda teve forças para uma reclamação: A CPI, até agora, só recebeu 80% dos dados bancários pedidos para municiar o inquérito. Ninguém se sentiu obrigado, porém, a revelar para que serviram esses enormes 80% de informações. Certo é que para nada.
Cristo renasce em Borja - MARCELO COELHO
FOLHA DE SP - 29/08
Há quem assinale a gestualidade iconoclástica e a reapropriação metacrítica presentes no trabalho dela
Antes de ser crucificado, Jesus Cristo passou por muitos tormentos físicos e morais. Houve açoites (que o evangelho de Lucas não menciona) e zombarias, como sua falsa coroação como rei dos judeus.
A coroa de espinhos, o falso manto e um caniço como cetro faziam parte da encenação humilhante a que o submeteram.
Com esses paramentos, Jesus foi novamente apresentado à turba. Pôncio Pilatos apontou para ele, dizendo "Ecce Homo" (eis o homem).
Para alguns intérpretes, havia nisso ainda uma tentativa de aquietar a multidão. Pilatos continuava alegando que não encontrava motivos para condenar Jesus, e sua frase seria uma espécie de apelo: "Olhem aí o suposto criminoso; já não está bom o que fizeram com ele?".
Para outros intérpretes, Pilatos estava participando da galhofa. Parodiava o ritual de apresentação de um novo monarca, um pouco como ainda hoje se mostra o papa recém-eleito numa sacada do Vaticano.
Pode-se ainda imaginar que, dizendo "eis o homem", Pilatos estivesse mostrando apenas a triste condição carnal de toda pessoa que sofre.
Seja como for, o rosto de um Jesus coroado de espinhos tornou-se componente clássico da iconografia religiosa. Inúmeros pintores fizeram suas versões do "Ecce Homo".
Entre eles, um obscuro espanhol chamado Elías García Martínez (1858-1934), que em começos do século passado pintou um afresco com esse tema na cidadezinha de Borja, perto de Zaragoza.
Era apenas uma imagem clássica de Jesus, com os olhos voltados para o céu, e estava bastante descascada até alguns meses atrás, quando a senhora Cecilia Giménez, de 81 anos, encarregou-se de restaurá-la. Os resultados da intervenção da paroquiana chegaram à imprensa, e daí se alastraram para as redes sociais.
A restauração, como sabe quem viu as fotos, foi um desastre total -e um sucesso maior ainda.
O Cristo de García Martínez tornou-se uma espécie de polegar moreno, metido numa névoa de Bombril enferrujado, com dois olhinhos de viés, como se implorando para sair dali.
Desde "O Grito", de Edvard Munch, não se via um rosto tão desesperado e tão parecido com um boneco de cartunista. Com a agravante de que a imagem de Borja nem boca apresenta.
Todo mundo se divertiu com a inépcia da restauração. É o equivalente pictórico de uma daquelas "videocassetadas" dos programas dominicais.
As autoridades, como não podia deixar de ser, logo se comprometeram a corrigir a presepada -vá lá o termo- da sra. Cecília.
Como assim? Internautas de todas as partes do mundo reagiram. Querem que o "E.T. de Borja", ou o "Ecce Mono" (eis o macaco), seja mantido tal como está. As justificativas para o movimento, que já conta com abaixo-assinado, variam.
Há quem imite o jargão dos especialistas, assinalando a gestualidade iconoclástica e a reapropriação metacrítica presentes no trabalho da velhota. Outros, mais atualizados, veem na obra a inconfundível influência de grafiteiros internacionalmente célebres, como a dupla brasileira Osgemeos.
Um bocado do velho anticlericalismo espanhol também se reacende. Nada melhor do que ver padres e fiéis se descabelando diante da profanação, ainda que involuntária, de um tradicional objeto de culto.
Outros já realizam suas peregrinações ao local. A cidade começa a viver um boom econômico, o que não deixa de ser milagre nas condições atuais da Espanha.
Enquanto proliferam as brincadeiras na internet, noticia-se que a autora da proeza está recolhida, com os nervos no estado que se pode imaginar.
Sou dos que assinaram o manifesto pela manutenção da pintura tal como a senhora Cecília a deixou.
Alvo de chacotas, a autora da restauração conseguiu, mais do que nenhum outro artista, reviver o "Ecce Homo" cristão. É ela própria, agora, o objeto de escárnio geral, coroada com os espinhos de uma consagração artística em forma de paródia.
Diante da notoriedade que o fato conferiu à cidade de Borja, pode bem ser que o prefeito, como Pilatos, termine lavando as mãos diante do caso.
Só falta, para meus desejos se concretizarem, que a nova imagem comece a verter lágrimas de verdade e cure alguns doentes.
O milagre viria a calhar, e Cecília Giménez seria salva de tanta humilhação. Fez o trabalho com incompetência total, mas na pureza de sua fé. E foi Cristo quem disse que será dos pobres de espírito o reino dos Céus.
Há quem assinale a gestualidade iconoclástica e a reapropriação metacrítica presentes no trabalho dela
Antes de ser crucificado, Jesus Cristo passou por muitos tormentos físicos e morais. Houve açoites (que o evangelho de Lucas não menciona) e zombarias, como sua falsa coroação como rei dos judeus.
A coroa de espinhos, o falso manto e um caniço como cetro faziam parte da encenação humilhante a que o submeteram.
Com esses paramentos, Jesus foi novamente apresentado à turba. Pôncio Pilatos apontou para ele, dizendo "Ecce Homo" (eis o homem).
Para alguns intérpretes, havia nisso ainda uma tentativa de aquietar a multidão. Pilatos continuava alegando que não encontrava motivos para condenar Jesus, e sua frase seria uma espécie de apelo: "Olhem aí o suposto criminoso; já não está bom o que fizeram com ele?".
Para outros intérpretes, Pilatos estava participando da galhofa. Parodiava o ritual de apresentação de um novo monarca, um pouco como ainda hoje se mostra o papa recém-eleito numa sacada do Vaticano.
Pode-se ainda imaginar que, dizendo "eis o homem", Pilatos estivesse mostrando apenas a triste condição carnal de toda pessoa que sofre.
Seja como for, o rosto de um Jesus coroado de espinhos tornou-se componente clássico da iconografia religiosa. Inúmeros pintores fizeram suas versões do "Ecce Homo".
Entre eles, um obscuro espanhol chamado Elías García Martínez (1858-1934), que em começos do século passado pintou um afresco com esse tema na cidadezinha de Borja, perto de Zaragoza.
Era apenas uma imagem clássica de Jesus, com os olhos voltados para o céu, e estava bastante descascada até alguns meses atrás, quando a senhora Cecilia Giménez, de 81 anos, encarregou-se de restaurá-la. Os resultados da intervenção da paroquiana chegaram à imprensa, e daí se alastraram para as redes sociais.
A restauração, como sabe quem viu as fotos, foi um desastre total -e um sucesso maior ainda.
O Cristo de García Martínez tornou-se uma espécie de polegar moreno, metido numa névoa de Bombril enferrujado, com dois olhinhos de viés, como se implorando para sair dali.
Desde "O Grito", de Edvard Munch, não se via um rosto tão desesperado e tão parecido com um boneco de cartunista. Com a agravante de que a imagem de Borja nem boca apresenta.
Todo mundo se divertiu com a inépcia da restauração. É o equivalente pictórico de uma daquelas "videocassetadas" dos programas dominicais.
As autoridades, como não podia deixar de ser, logo se comprometeram a corrigir a presepada -vá lá o termo- da sra. Cecília.
Como assim? Internautas de todas as partes do mundo reagiram. Querem que o "E.T. de Borja", ou o "Ecce Mono" (eis o macaco), seja mantido tal como está. As justificativas para o movimento, que já conta com abaixo-assinado, variam.
Há quem imite o jargão dos especialistas, assinalando a gestualidade iconoclástica e a reapropriação metacrítica presentes no trabalho da velhota. Outros, mais atualizados, veem na obra a inconfundível influência de grafiteiros internacionalmente célebres, como a dupla brasileira Osgemeos.
Um bocado do velho anticlericalismo espanhol também se reacende. Nada melhor do que ver padres e fiéis se descabelando diante da profanação, ainda que involuntária, de um tradicional objeto de culto.
Outros já realizam suas peregrinações ao local. A cidade começa a viver um boom econômico, o que não deixa de ser milagre nas condições atuais da Espanha.
Enquanto proliferam as brincadeiras na internet, noticia-se que a autora da proeza está recolhida, com os nervos no estado que se pode imaginar.
Sou dos que assinaram o manifesto pela manutenção da pintura tal como a senhora Cecília a deixou.
Alvo de chacotas, a autora da restauração conseguiu, mais do que nenhum outro artista, reviver o "Ecce Homo" cristão. É ela própria, agora, o objeto de escárnio geral, coroada com os espinhos de uma consagração artística em forma de paródia.
Diante da notoriedade que o fato conferiu à cidade de Borja, pode bem ser que o prefeito, como Pilatos, termine lavando as mãos diante do caso.
Só falta, para meus desejos se concretizarem, que a nova imagem comece a verter lágrimas de verdade e cure alguns doentes.
O milagre viria a calhar, e Cecília Giménez seria salva de tanta humilhação. Fez o trabalho com incompetência total, mas na pureza de sua fé. E foi Cristo quem disse que será dos pobres de espírito o reino dos Céus.
Ueba! Voto no Pão com Ovo! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 29/08
Piada pronta no hilário eleitoral: "Eu voto no Serra porque ele não tem medo de cara feia". Rarará!
E por que só usa camisa social azul? Eu sei é pra dizer que trabalha. Look gerente de banco. Definição do PSDB: três homens brancos de camisa azul!
E o Serra é o Candidato Espirro: só grita "Saúde! Saúde! Saúde". E o Haddad é o bonitão da USP! Parece neto do FHC! Por isso que o Lula escolheu o Haddad: parece neto do FHC! Tucanaram o petista!
E sabe por que o Russomano tá ganhando? Porque ele olha pra câmera e diz: "Eu não tenho padrinhos políticos". Mas o que tem de padrinho bispo! Rarará!
E o mensalame? Tudo fatiado! À vista do freguês! Bem finiiiinho! Como o povo gosta! Não tem Supremo Express? Voto, condenação, prisão e absolvição em 24 horas?
E adorei a charge do Frank com o Lula fantasiado de Saci-Pererê: "O mensalão não existiu". "Concordo", gritou a Mula sem cabeça! O mensalão não existiu, só existiu o Saci, a Caipora, o Boitatá e a Mula sem Cabeça!
Eu gosto do ministro Cebolinha: Tofolli Todentlo! E agora apareceu o Banco Rural! No meio da lama! Não é tudo lama?! Só pode ser Rural! E tem a mulher de um deputado que foi três vezes no Banco Rural no mesmo dia! Porque ela é gaga! Só pode ser. A mulher é gaga!
E a agência do Marcos Velório: SMPB! Sociedade da Mala Preta de Belzonte. Super Mensalão Pago em Brasília!
E atenção! Votem em mim! Pelo PGN! Partido da Genitália Nacional! Prometo fazer o Neymar parar de cair! Prometo criar o Doente Único: você pode pegar quantas ambulâncias quiser até chegar num hospital que tenha vaga!
E o Kassab inaugurando puxadinho dizendo que é hospital! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
Ereções 2012! A Galera Medonha! A Micareta dos Picaretas! O maior sucesso da internet é o "Anão!". Com o slogan " Dos Males o Menor"! Eu gosto do candidato a prefeito de Primavera (PE): Pão com Ovo! Se o povo tiver com fome, come o prefeito.
E de Sergipe tem o Edson do Pau Torto! Eu quero saber duas coisas: se é torto pra esquerda ou pra direita. O povo precisa saber. Pela transparência! E quem espalhou que ele tem o pau torto? Rarará! A situação está ficando psicodélica! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Uma carta, talvez uma decisão - ROBERTO DaMATTA
O Estado de S.Paulo - 29/08
Recebi ontem uma carta assinada pelo meu amigo, o famoso embora aposentado brasilianista, Richard Moneygrand.
Diz a missiva:
Caro DaMatta,
Aproveito o julgamento do mensalão para manifestar o que penso como estudioso e apaixonado pelo Brasil. Sendo um marginal relativamente ao universo brasileiro, enxergo com mais clareza aquilo que vocês apenas veem. E ver, como dizia o nosso velho professor Talcott Parsons, é ter uma angulação especial.
Daqui do velho Norte, onde tudo se faz ao contrário - estou, imagine, com o meu ar-condicionado ligado ao máximo e não sei se o meu fundo de pensão (estourado na infame bolha financeira descontrolada por Bush e seus asseclas) vai segurar a conta - quero, data vênia, e com o devido respeito, dar minha pobre opinião.
Primeiro, uma consideração sobre a organização do vosso STF. Ele aposenta seus ministros após 70 anos, o que dissocia, de modo negativo, a pessoa do papel numa área onde isso não deveria ocorrer. Numa democracia igualitária cuja tendência é a anarquia organizada, como dizia Clifford Geertz, os juízes são como os antigos sacerdotes: o seu papel de julgadores do mundo não podem ser limitados pelo tempo. Eles têm de ser juízes para a vida e por toda a vida. O papel não pode ser esquecido e deve ser um fiel e simultaneamente uma faca permanente na cabeça de quem o indicou e do comité legislativo que aprovou o seu nome. A vitaliciedade tira do cargo essa bobagem brasileira de uma aposentadoria compulsória aos 70 anos o que, num mundo de idosos capazes faz com que o presidente pense muitas vezes antes de indicar um indivíduo para esse cargo. Aquilo que é vitalício e só pode ser abandonado pela renúncia simboliza justamente a carga do cargo. Tal dimensão - a vitaliciedade - é mais coercitiva do que a filiação a um partido ou a crença numa religião. É exatamente isso que, no caso americano, faz com que ser um membro da Suprema Corte seja algo tão sério ou sagrado, tal como ocorre com o papado ou a realeza.
Vejam como vocês são curiosos. No campo político, os personagens e partidos menos democráticos lutam e tudo fazem para obter a vitaliciedade no cargo - não é isso que está em jogo neste caso? Daí as vossas ditaduras. Mas quando essa vida com e para o cargo é positiva, vocês o limitam. O resultado são juízes cujas decisões podem ser parciais e um tribunal sempre desfalcado, a menos que vocês decidam nomear juvenis para um cargo tão pesado quanto uma vida.
Um outro ponto para o qual desejo chamar atenção, pedindo desculpas se promovo em você alguma antipatia porque, afinal de contas, eu não sou brasileiro e, para vocês, até bater em filho e mulher é coisa que ninguém deve meter a colher - ou seja, só cabe a família; é dizer que, aqui, os julgamentos e os processos criminais começam enormes e acabam pequenos. O que se deseja de um juiz não é uma aula de Direito, mas uma decisão clara, reta e curta. Culpado ou inocente. Se inocente, rua e vida. Se culpado, as penas da lei e cadeia.
Ora, o que vemos neste vosso julgamento é uma novela. Na minha fértil imaginação, desenvolvi uma teoria e passei a entender por que vocês não sabem fazer cinema ou o fazem tão mal ou tão raramente produzem um cinema de primeira qualidade. Desculpe meu intrusivo palpite, mas eu penso que uma justiça democrática é como um filme - depois de hora e meia, a narrativa invariavelmente termina. Mas a justiça nesse vosso país patrimonialista e democrático é como uma novela: o caso demora décadas para entrar em julgamento e, quando entra em cena, sofre um atraso de uma gestação para ser resolvido. Na vossa etiqueta jurídica que, como dizia meus mestres de Direito, reproduz as vossas retóricas sociais, é impossível não ter uma divisão do trabalho barroco com relatores e revisores e, assim com réplicas, tréplicas, e votos repetitivos, como se o mundo tivesse o mesmo tempo de um Fórum Romano da época do nobre imperador Augusto.
Finalmente, e como último ponto, quero dizer algo sobre a opinião pública, claramente desconsiderada como inoportuna por um dos vossos juízes supremos, o dr. Lewandowski. É óbvio que nada, a não ser a consciência e o saber, devem pautar os juízes. Mas ele não julga para marcianos ou para o paraíso. Ele julga para o mundo e, num universo democrático, a opinião pública representa o poder da totalidade. Uma espécie de termômetro de tudo o que passa pela sociedade. Embora essa opinião apareça na mídia, ela é isso mesmo: um meio complexo e difuso, sem dono e com todos os donos, pelo qual os limites e os abusos se exprimem. Como disse, ninguém, muito menos um juiz do Supremo deve ser pautado por ela, mas mesmo assim, ela vai segui-lo, pautá-lo e, se for o caso, dele cobrar o que ela achar que ele deve à sociedade. Caso o sistema tenha como algo democrático. O juiz deve ser soberano, mas a opinião pública também tem sua soberania porque, como ensina o Tocqueville que vocês não leram, numa democracia ela conta muito mais do que nas aristocracias porque ela existe antes da política e vai além dela. Nas democracias, mesmo os que não sabem se igualam aos que sabem; e, pela mesma ousadia, os não ricos se igualam aos ricos e é por causa disso que a igualdade aparece quando ela é desejada. Penso que esse é o caso do Brasil que vocês vivem neste momento.
Porque o que está em julgamento neste mensalão não é apenas um ponto de vista político no sentido trivial da palavra, mas o valor da crença da igualdade perante a lei. O que está em jogo é a questão de fazer política e de exercer o poder com responsabilidade e transparência. No fundo, disputa-se o resgate de fazer política partidária com dignidade.
Receba o meu abraço e boa sorte para o vosso Brasil,
Dick
Relatório perdido - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 29/08
RIO DE JANEIRO - Em 1995, quando finalizava meu livro "Estrela Solitária", sobre Garrincha, descobri que a Agap, órgão ligado ao MEC e dedicado a amparar ex-jogadores, tentara ajudar Garrincha em seus últimos anos. Isso significava recolhê-lo embriagado nas ruas e, com a ajuda da CBF e da LBA, interná-lo em instituições e acompanhar seu tratamento e liberação. Morto Garrincha em 1982, a Agap produzira um relatório descrevendo as internações -que não foram poucas. Saí à cata desse relatório.
Logo vi que não seria fácil. A Agap se mudara da Urca para a Cinelândia, e nem a boa vontade de seus dirigentes -Otavio, ex-Botafogo; Silva, ex-Flamengo; Ademir Menezes, ex-Vasco- era suficiente. Com a mudança, os arquivos estavam encaixotados e inacessíveis. Talvez houvesse uma cópia do relatório na CBF, disseram. Se não, no MEC ou na LBA.
Debalde. O dr. Giulite Coutinho, presidente da CBF em 1982, sabia dele, mas nunca o vira. No MEC e na LBA, não tinham ideia. Àquela altura, sem poder esperar, decidi limitar-me aos dados de que já dispunha. Terminei de escrever o livro e já ia relê-lo para entregá-lo à editora quando algo me ocorreu.
Eu falara com dezenas de ex-jogadores, mas ainda faltava um: Felix, ex-goleiro do Fluminense e da seleção do tri. Ele fora dos que mais tentaram ajudar Garrincha. Soube que se mudara para São Paulo. Consegui seu telefone e perguntei: "Felix, você se lembra de um relatório assim, assim?". Ele respondeu: "Lembro. O original está comigo".
Meia hora depois, mandou-me uma cópia via fax. O relatório era de um detalhismo tremendo: continha datas, endereços, nomes dos médicos, dos remédios etc. Reabri o livro, reescrevi todo o final, e "Estrela Solitária" saiu. Felix morreu na semana passada, e gosto de lembrar que pude dizer-lhe muitas vezes o quanto lhe era grato.
RIO DE JANEIRO - Em 1995, quando finalizava meu livro "Estrela Solitária", sobre Garrincha, descobri que a Agap, órgão ligado ao MEC e dedicado a amparar ex-jogadores, tentara ajudar Garrincha em seus últimos anos. Isso significava recolhê-lo embriagado nas ruas e, com a ajuda da CBF e da LBA, interná-lo em instituições e acompanhar seu tratamento e liberação. Morto Garrincha em 1982, a Agap produzira um relatório descrevendo as internações -que não foram poucas. Saí à cata desse relatório.
Logo vi que não seria fácil. A Agap se mudara da Urca para a Cinelândia, e nem a boa vontade de seus dirigentes -Otavio, ex-Botafogo; Silva, ex-Flamengo; Ademir Menezes, ex-Vasco- era suficiente. Com a mudança, os arquivos estavam encaixotados e inacessíveis. Talvez houvesse uma cópia do relatório na CBF, disseram. Se não, no MEC ou na LBA.
Debalde. O dr. Giulite Coutinho, presidente da CBF em 1982, sabia dele, mas nunca o vira. No MEC e na LBA, não tinham ideia. Àquela altura, sem poder esperar, decidi limitar-me aos dados de que já dispunha. Terminei de escrever o livro e já ia relê-lo para entregá-lo à editora quando algo me ocorreu.
Eu falara com dezenas de ex-jogadores, mas ainda faltava um: Felix, ex-goleiro do Fluminense e da seleção do tri. Ele fora dos que mais tentaram ajudar Garrincha. Soube que se mudara para São Paulo. Consegui seu telefone e perguntei: "Felix, você se lembra de um relatório assim, assim?". Ele respondeu: "Lembro. O original está comigo".
Meia hora depois, mandou-me uma cópia via fax. O relatório era de um detalhismo tremendo: continha datas, endereços, nomes dos médicos, dos remédios etc. Reabri o livro, reescrevi todo o final, e "Estrela Solitária" saiu. Felix morreu na semana passada, e gosto de lembrar que pude dizer-lhe muitas vezes o quanto lhe era grato.
Provas e indícios - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 29/08
É provável que tenhamos ainda hoje a definição dos votos sobre as acusações contra o deputado federal petista João Paulo Cunha, que precisa de quatro votos em cinco para ser absolvido (já recebeu os votos absolutórios dos ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli) ou apenas mais dois votos para ser condenado pela maioria do Supremo Tribunal Federal.
Digo que é provável porque não se sabe qual a extensão do voto de Cezar Peluso. Se optar, como é o mais provável, por dar seu voto integralmente antes de se aposentar em 3 de setembro, poderá tomar boa parte da sessão de hoje.
O ministro Peluso tem o direito de antecipar o voto, não só pelo regimento interno do Supremo, mas pela decisão do plenário no primeiro dia de julgamento, cuja maioria decidiu que cada um votaria da maneira que quisesse. O fato de todos até agora, inclusive o revisor, terem aceitado adotar o procedimento proposto pelo relator Joaquim Barbosa, não quer dizer que Peluso seja obrigado a fazer o mesmo. Ele pode simplesmente dar voto integral sem nem pedir autorização excepcional ao presidente do Supremo, prevista no regimento interno.
É provável que Peluso já saiba o que a maioria de seus pares acha, e por isso a atitude que tomar estará respaldada por essa maioria. Mesmo quando o regimento interno permite decisão que Peluso considere que precisa ser apoiada pela maioria, ele procura atuar segundo o pensamento do plenário.
Foi o que houve nas votações sobre a Lei da Ficha Limpa, quando Peluso era presidente da Corte. Ele proferiu o voto de Minerva a favor de Jader Barbalho na decisão sobre se a lei o impedia de assumir vaga no Senado, dando-lhe ganho de causa, quando se recusara a desempatar em outra ocasião.
Peluso explicou então que, embora o regimento determine que em caso de empate o presidente votará uma segunda vez para decidir, não se considerava à vontade nessa situação e preferiu seguir a opinião do plenário: na primeira sessão de julgamento sobre a chamada "Ficha Limpa", quando se recusou a desempatar o julgamento, o fez simplesmente porque a maioria presente não concordou com a aplicação da regra regimental.
No caso de Barbalho, porém, todos os ministros presentes, inclusive os que tinham votado em sentido contrário, decidiram aplicar a regra regimental. Este é o ministro Peluso que estará atuando esta semana pela última vez no Supremo. Seu voto será importante para definir se a tendência do plenário está na direção apontada até agora pela maioria, e também para testar caminhos jurídicos traçados por alguns ministros ao votarem.
Cármen Lúcia tratou da "verdade real" em contraponto à "processual" a que o revisor tanto faz questão de se referir. Para a ministra, esse processo é extremamente árduo pela dificuldade de se colherem provas, "de se saber qual é a verdade real e a verdade processual". Com isso, ela tocou num ponto crucial, que o ministro Luiz Fux já havia abordado anteriormente, o da qualidade das provas.
A função da prova no processo era bem definida, lembra Fux: transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes. Nesta concepção, uma condenação no processo só pode decorrer da verdade dita "real" e da (pretensa) certeza absoluta do juiz a respeito dos fatos.
Contemporaneamente, ressaltou Fux, "chegou-se à generalizada aceitação de que a verdade (indevidamente qualificada como "absoluta", "material" ou "real") é algo inatingível pela compreensão humana, por isso que, no afã de se obter a solução jurídica concreta, o aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentação, na persuasão, e nas interações que o contraditório atual, compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo, permite aos litigantes".
O que importa para o juízo "é a denominada verdade suficiente constante dos autos". Para ele, o moderno Direito Penal resgata "a importância que sempre tiveram, no contexto das provas produzidas, os indícios, que podem, sim, pela argumentação das partes e do juízo em torno das circunstâncias fáticas comprovadas, apontarem para uma conclusão segura e correta".
Essa maneira de encarar o processo reduz a importância da alegada "falta de provas" nos autos contra os réus, para dar maior dimensão às testemunhas, aos indícios, às conexões entre os fatos.
Legado do padim Ciço de Garanhuns em jogo - JOSÉ NÊUMANNE
O ESTADÃO - 29/08
A julgar pelas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mensalão até agora, podem estar sendo desperdiçadas pelos ministros julgadores, pelos advogados de defesa dos 38 réus e também pela sociedade interessada em seu resultado final excelentes oportunidades para aprender e avançar no processo de construção da democracia brasileira. Perdidamente enamorados pelo som de sua voz, os juízes máximos parecem dar mais atenção à própria erudição do que às consequências de seus votos tanto no destino dos acusados quanto no da higidez das instituições republicanas, pela qual deveriam zelar. Isso leva os defensores a reagirem a decisões parciais como se definitivas fossem. E a sociedade vaia ou aplaude como se acompanhasse mudanças do placar de um jogo, atentando para detalhes, e não para o conjunto do processo cujo resultado definirá o futuro de nosso Estado Democrático de Direito.
A verdade é que, apesar da importância deles, os votos do relator, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski, são dois em 11 até 3 de setembro e, depois, 20% do resultado final de uma decisão colegiada ainda longe de ser conhecida. E só o será quando o último ministro a votar se pronunciar sobre a derradeira "fatia" a julgar, usando terminologia adotada pelos próprios julgadores. Até lá muita água passará sob as pontes e muito trigo será moído. O advogado de João Paulo Cunha (PT-SP) devia saber que ainda faltavam muita água e muito sabão para concluir que seu cliente teve a alma lavada pela absolvição, até agora amparada por apenas dois votos contra quatro.
A questão não é apressar para Cezar Peluso - que se aposentará compulsoriamente segunda-feira - votar. A sentença será, ao cabo, de dez cabeças e o peso de uma é relativo, embora não desprezível. No açodamento de se saber o que não dá para prever, pois, como ensinavam os mais velhos, de bumbum de bebê, urna e cabeça de juiz pode sair tudo, inclusive nada, estão sendo perdidas oportunidades de avaliar, como se deveria, o que de mais relevante já veio à tona.
Quem execrou a discordância do revisor e o voto de Dias Toffoli quanto à sugestão do relator de que os colegas votem pela condenação de Cunha, no fundo, abominou uma característica positiva da democracia: a decisão colegiada sobre o destino do acusado evita a sentença autocrática e garante seus direitos individuais. Este ânimo punitivo ocultou a aceitação histórica do voto do relator pelos dois ministros em assunto bem mais relevante: a reação ao pedido dos procuradores-gerais da República Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel ao Supremo da condenação do ex-executivo do Banco do Brasil (BB) Henrique Pizzolato, petista, por malversação de recursos sob sua responsabilidade.
O relator aceitou, o revisor avalizou e todos os quatro ministros que já se pronunciaram apoiaram a acusação, amparada por investigação da Polícia Federal (PF). E esta condenação põe por terra a fantasia de uso corriqueiro de caixa 2 em eleições, hipótese dos defensores inspirada em desculpa dada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E o descalabro (caridosamente definido pelo revisor como "balbúrdia") da gestão dos sindicalistas bancários numa das mais sólidas, tradicionais e respeitáveis instituições financeiras do mundo. Quem insultou o revisor e Toffoli, relacionando a opção de ambos pela absolvição do petista com relações de amizade de um com os Silvas em São Bernardo do Campo e do outro com sua condição de ex-advogado do PT, deveria ter comemorado o feito.
Pois, após o inquérito da PF, feito em sua gestão, de pareceres dos procuradores que ele nomeou e de votos do relator, por ele alçado ao STF, do revisor e mais quatro ministros também indicados por ele e Dilma, Lula só pode ser levado na galhofa por repetir, como o fez ao New York Times, que "o mensalão nunca existiu". A conclusão contradiz sua aceitação de que culpados sejam punidos: culpa de quê, se nem existiu crime?
Depois de se ter dito "traído" e "apunhalado pelas costas", e de ter pedido desculpas ao povo brasileiro pelo que houve, mas jura há tempo que não houve, o ex-presidente apela para a própria incoerência de "metamorfose ambulante" para não ter de explicar a lambança que, sob sua bênção, os companheiros de partido fizeram no BB. E na Petrobrás, salva da desmoralização pela substituição, por Graça Forster, de Sérgio Gabrielli, mantido na presidência por Dilma a pedido de Lula. E sabe lá Deus onde mais a leviandade com que a companheirada trata o "patrimônio nacional" em proveito próprio terá ocorrido.
A concordância da maioria dos ministros sobre 1) ter havido desvio de dinheiro público no BB e na Visanet administrados pela zelite sindical petista e 2) ter tal desvio resultado de gestão ruinosa de uma instituição respeitável compensa enganos porventura cometidos por excessiva piedade que um julgador possa ter por algum julgado. Pois ela abate a patacoada da fantasia da oposição (aliás, incapaz até de fazer uma leitura inteligente dos fatos debatidos no STF) e do caixa 2, argumentos usados para defesa de réus por desprezo ao contribuinte, tungado sem dó pelos ditos. Com o acórdão, até agora unânime, Lula terá de reconsiderar suas afirmações ao jornal americano de que respeitará a decisão do Supremo, mas mensalão não houve. Afinal, uma só condenação já basta para confirmar a ocorrência do delito e a importância do escândalo em si.
Esses e outros fatos ainda a serem desvendados - mercê de ter o relator tornado seu voto mais didático, da humildade do revisor de evitar que suas idiossincrasias prevalecessem sobre o interesse comum e da surpreendente condenação de Pizzolato por Toffoli - revelarão o real legado do "padim Ciço" de Garanhuns. Lula não é nem nunca será réu do mensalão, mas vários acusados lhe eram subordinados e se trata de dinheiro público comprando apoio para propostas do partido do governo. Não há popularidade que apague a sordidez dessa nódoa.
Demarcando território - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP- 29/08
Aloizio Mercadante vai tirar férias para mergulhar na disputa eleitoral em São Paulo. O ministro da Educação programou semana de folga na reta final da campanha, período no qual percorrerá municípios onde o PT tem chance de vitória. A agenda de Mercadante é vista como resposta à superexposição do colega Alexandre Padilha (Saúde), que faz incursões pelo interior às sextas, sábados e domingos. Ambos travam disputa velada pela candidatura ao Bandeirantes em 2014.
Isonomia
Como Dilma Rousseff liberou Fernando Pimentel (Desenvolvimento) para ajudar Patrus Ananias (PT) em Minas, deve fazer o mesmo com o titular do MEC. Mercadante, após meses da greve das universidades, avalia o timing da saída.
Máquina
O PSDB-SP ingressará com representação à Justiça Eleitoral e ação de improbidade contra Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência), que prometeu, em evento no dia 19, ampliar repasses federais para Franco da Rocha caso Kiko Celeguim (PT) seja eleito prefeito.
Gogó
Com dificuldades com a voz desde o tratamento contra o câncer de laringe, Lula tem levado a fonoaudióloga nas gravações para a TV.
No muro
Afastado do prefeito Márcio Lacerda desde o rompimento com o PT, o presidente do PSB-MG, Walfrido dos Mares Guia, deve se encontrar com Lula na sexta-feira em Belo Horizonte.
Espelho meu
Questionado pelo "CQC", da Band, Roger Federer admitiu a semelhança física com Gabriel Chalita (PMDB) após ver foto do candidato. O tenista pediu ao sósia que não se promova dizendo ser parecido com ele.
Sobrevida
O PT espera que João Paulo Cunha renuncie à candidatura em Osasco tão logo saia o placar do julgamento no STF. Dirigentes lembram que ele precisará do partido se quiser tentar salvar seu mandato na Câmara.
Meteorologia
Ministros do Supremo Tribunal Federal próximos a Cezar Peluso dizem que o ministro, que se aposenta no dia 3, só dará o voto inteiro no mensalão se o "clima mudar" no plenário. Peluso teme ser censurado por Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.
Linha-dura
Lewandowski indeferiu ontem pedido de Carlinhos Cachoeira para depor sem algemas hoje na 5ª Vara da Justiça Federal, em Brasília. O acusado de contravenção evocou súmula do próprio STF que restringe o uso do artefato, sem sucesso.
Junto...
A Polícia Federal gravou conversa em que Toninho, irmão do governador Marconi Perillo (PSDB), aconselha Wladimir Garcez, braço-direito de Carlos Cachoeira, a participar de um lote de licitação em Goiás que não teria presença do ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto.
... e misturado
"Fala para continuar no [lote] 22, porque no 29 tem o Paulo Preto também", diz Toninho ao aliado de Cachoeira. Em seguida, o irmão de Perillo troca duas vezes o nome de Paulo -que depõe hoje na CPI- por "Alexandre Preto".
Descalibrado
Comissão do Ministério Público de São Paulo fez 100 propostas de emendas ao anteprojeto de mudança do Código Penal em análise no Senado. Promotores veem desproporção de sanções. Um artigo prevê de 1 a 4 anos de prisão para omissão de socorro a animais, e de 1 a 6 meses quando se trata de seres humanos.
Visita à Folha Rodrigo Garcia, secretário de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Ana Trigo, coordenadora de comunicação.
com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
tiroteio
"Pelo depoimento de Pagot, a sede do Dnit virou caixa automático para a campanha de Dilma em 2010. PT pediu, diretor 'pagot'."
DO LÍDER DO PPS NA CÂMARA, RUBENS BUENO (PR), sobre o ex-diretor do órgão admitir, na CPI do Cachoeira, uso da máquina para arrecadação eleitoral.
contraponto
À moda dos pampas
Durante aula inaugural na FGV, em São Paulo, Nelson Jobim discorria sobre sua trajetória no Ministério da Defesa e narrava as dificuldades de seus antecessores. Falando da gestão de Waldir Pires, lembrou da tensão provocada pela greve dos controladores de voo:
-Ele teve má sorte. Ao seu estilo baiano, tentou resolver os conflitos pela pacificação, sem demissões.
Depois, o gaúcho Jobim relatou sua receita no cargo:
-Pedi carta branca ao Lula. Com métodos menos ortodoxos, mudei todo o comando da Anac e da Infraero, bem ao estilo do Partido Progressista Riograndense.