sexta-feira, agosto 24, 2012

Liszt deixa JB - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 24/08

Diante da posição do governo de insistir na proposta de regularização fundiária para perpetuar a permanência dos atuais ocupantes e invasores, Liszt Vieira resolveu deixar, em breve, a presidência do Jardim Botânico do Rio.
O governo não concordou com sua ideia de construir 600 casas em outro lugar para oferecer aos invasores alternativa digna de moradia.

Falta espaço...

Ex-preso político e ex-deputado do PT, Liszt defende a tese de que o Jardim Botânico está sufocado e precisa de espaço para expandir laboratórios, além de plantar espécies ameaçadas de extinção e outras representativas de biomas brasileiros.

Só que...
Venceu o lobby imobiliário, ligado ao deputado petista Edson Santos, cuja família mora ali. Pena.

Bola da fortuna
Neymar, o craque do Santos, comprou um Audi R8 cupê vermelho, mimo de uns R$ 750 mil.
O brinquedo vai de 0km/h a 100km/h em apenas 3,9 segundos.

Não há dia fácil
O Brasil e a Inglaterra são os dois únicos países, além dos EUA, que estão lançando "Não há dia fácil” livro escrito por um agente da tropa de elite que matou Bin Laden.
O editor Luiz Schwarcz foi aos EUA, em fevereiro, negociar os direitos da obra, que chegará às livrarias aqui dia 11 de setembro, nos 11 anos dos atentados às Torres Gêmeas.

De volta

Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, começa hoje vida nova.
Inaugura uma empresa de consultoria na área de petróleo e gás.

SOCORRO, CABO LAURINDO!
Nunca é demais lembrar que a revitalização da Lapa, na última década, foi uma obra grandiosa da iniciativa privada, das pessoas. Quando o governo chegou, o bairro boêmio já havia retomado sua antiga animação. Aliás, ainda hoje, a presença do poder público, ali, deixa a desejar. A segurança, por exemplo, é péssima. Veja esta faixa estendida por um comerciante local. Outro dia, ladrões atacaram até um chaveiro na Av. Gomes Freire, quase esquina com Rua da Relação, a poucos metros da sede da Polícia Civil. Alô, José Beltrame, a Lapa de hoje, a Lapa de outrora não merece tamanho descaso •

Turismo em alta

O turismo interno brasileiro bateu seu recorde e ultrapassou a barreira dos oito milhões de desembarques domésticos, em julho.
Segundo o Ministério do Turismo, os aeroportos registraram 8.136.645 desembarques domésticos mês passado, 9,4% mais que o registrado no mesmo período de 2011.

Acontecimento
Pela primeira vez, o pianista Nelson Freire lança um CD dedicado apenas a compositores brasileiros. No repertório, muito Villa-Lobos, como não podia deixar de ser.
Destaque para a "Valsa da dor’,’ um dos pontos altos do filme que Zelito Vianna dedicou ao maestro.

Suicídio de Vargas

Hoje, a BBC lembra os 58 anos do suicídio de Vargas, com direito a entrevista de Celina do Amaral Peixoto, neta do presidente.

Aliás...
É de Vargas uma frase muito atual:
— A metade dos meus homens de governo não é capaz de nada, e a outra metade é capaz de tudo.

A casa da Copa
Esta semana, 200 contratados da Fifa começaram a trabalhar na montagem da estrutura provisória que vai abrigar, no Riocentro, no Rio, o Comitê Organizador Local (COL) da Copa de 14.
Quando estiver pronto, o COL ficará como na reprodução acima. O espaço, que deverá ser inaugurado em janeiro de 2013, ocupará o Pavilhão 1 do Riocentro. Terá cerca de 500 profissionais numa área de 8,1 mil m2.

Jovens na Copa...
Aliás, a Copa de 14 já mobiliza os jovens no Brasil.
Em seis horas de inscrições, acredite, o Programa de Voluntários para o Mundial chegou ao mesmo número de candidatos que África do Sul e Alemanha só cadastraram em uma semana: 11 mil.

Veja só...
O total de alemães inscritos, em 2006, foi de 48 mil, e o de sul-africanos, em 2010, de 70 mil.
Aqui, em dois dias, já são... 65 mil.

Pedra no caminho

A Fundação Geo-Rio, sobre as pedras que despencam de uma encosta do Parque Guinle, motivo de foto aqui ontem, diz que já elaborou um projeto de contenção, orçado em R$ 5,3 milhões.
Afirma que a obra não foi feita porque a ação movida pelos moradores com este fim ainda corre na Justiça. É. Pode ser.

A morte do leão
Morreu, aos 24 anos de idade, o leão Oscar, do zoológico do Rio.
Mas Marcinha, sua viúva enlutada, não vai ficar sozinha. Chega em setembro outro leão, do Beto Carrero World.

Caindo na real - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 24/08


Depois de dois meses de uma greve que colocou em pé de guerra cerca de 400 mil funcionários públicos federais e está transtornando a vida dos cidadãos em áreas vitais como a da saúde, agora são os trabalhadores rurais que desafiam o governo. Na quarta-feira, ameaçaram invadir o Palácio do Planalto para protestar contra o que consideram a baixa estima que os atuais governantes lhes dedicam. As fotos estampadas nos jornais e as imagens mostradas pela televisão, de policiais em confronto com os sem-terra, colocam em foco uma questão que certamente está tirando o sono do lulopetismo, às vésperas de eleições: aonde foi parar aquele país em que, como nunca antes na história, o governo só praticava bondades?

A abusada greve, que já fez a presidente Dilma Rousseff perder a paciência e mandar cumprir a lei, com o desconto em folha dos dias parados, e agora a manifestação de protesto em Brasília de mais de 7 mil representantes de cerca de 30 entidades ligadas ao campo - acontecimentos semelhantes a esses, no passado, teriam Lula à frente, esbravejando contra "as elites" - são uma demonstração de que o Brasil está caindo na real depois de um longo torpor em que parecia mergulhado por obra dos delírios de grandeza de uma liderança populista e demagógica que se atribui louros muito mais gloriosos do que aqueles que efetivamente conquistou ao fazer o País avançar social e economicamente na onda de prosperidade em que o planeta surfava até 2009.

A principal diferença entre os governos de Lula e de Dilma Rousseff no trato das questões sociais é que os reflexos da crise econômica mundial agora batem forte por aqui, o que tem diminuído a margem de manobra do Palácio do Planalto para atender às demandas salariais. Durante anos, o governo Lula beneficiou o funcionalismo federal com reajustes acima da inflação, que recompuseram com sobras o poder de compra de centenas de milhares de servidores. É normal que se tenham acostumado a esses benefícios, principalmente porque, tendo o PT fincado pé na administração federal, se consolidou entre a insaciável companheirada a convicção de que o Estado deve ser o Grande Provedor.

Nada justifica, no entanto, os abusos de grevistas que têm provocado enormes prejuízos e dificuldades para a população que lhes paga os salários. Na área da saúde, graves problemas no atendimento de usuários da rede hospitalar pública; atrasos em exames laboratoriais devidos à falta de reagentes importados que estão detidos nos portos e aeroportos; a desmarcação de cirurgias por falta de material. Na indústria, a paralisação de linhas de produção em decorrência da falta de insumos importados que não são liberados pelos agentes alfandegários. No âmbito das Polícias Federal e Rodoviária, primeiro o bloqueio de estradas e, depois, a insolência de colocar num posto da Via Dutra o seguinte cartaz: "Passagem livre para traficantes de armas e drogas". No que se refere às Relações Exteriores, a interrupção do fluxo normal de emissão de passaportes e vistos.

Não é de admirar, portanto, que a presidente Dilma tenha ordenado rigor na aplicação das represálias legais aos abusos dos grevistas, inclusive o desconto em folha dos dias parados, que as lideranças sindicais têm o cinismo de classificar de "injustiça". O que é compreensível, uma vez que, como já relevou o Estado, havia um acordo tácito entre governo e lideranças de servidores para que os descontos motivados por greves se limitassem a uma semana de salário.

Diante dessa realidade, chegam a ser patéticas as platitudes ditas pelo ex-presidente Lula, que voltou a deitar falação sobre tudo e todos: "O governo tem de trabalhar com o dinheiro disponível. As pessoas, de vez em quando, precisam compreender que o governo não tem todo o dinheiro que a gente quando está fora pensa que tem. O dinheiro é limitado. O governo nem sempre pode atender aquilo que as pessoas querem". Tivesse esse bom senso elementar, quando chefiou o governo, e talvez não tivesse comprometido as finanças públicas com salários nababescos.

Esquenta - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 24/08

Para quem acha Brasília um marasmo em tempo de eleição municipal, desta vez a reclamação é injusta. Tão injusta quanto a defesa dos réus do mensalão terem reclamado das provas testemunhais apresentadas pelo procurador geral da República, Roberto Gurgel, quando da leitura da acusação no Supremo Tribunal Federal no início deste mês. Ontem, ao absolver o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) no caso do recebimento de R$ 50 mil via empresário Marcos Valério, o ministro-revisor da Ação Penal 470, Ricardo Lewandowski, recorreu, entre outras peças dos autos, diversas vezes a testemunhas ouvidas na instrução do processo. Foi aos detalhes a se referir à dinâmica de trabalho das agências de publicidade.

Pela primeira vez desde o início do julgamento do mensalão, a defesa sentiu verdadeiramente uma lufada de ar. O jogo chega aos 15 minutos do primeiro tempo empatado. Resta saber se foi apenas a chamada “visita da saúde” que costuma revigorar aqueles desenganados pelos médicos ou uma recuperação real.

Pelo clima de ânimo no PT ontem, a esperança da absolvição ressurgiu com força. O partido estava ansioso por um alento no sentido de oxigenar seus militantes e doadores de campanha pelo país afora — elementos cruciais na hora em que uma eleição esquenta. A voto em favor de João Paulo reacendeu essa chama. Só saberemos se foi suficiente para animar o partido como um todo e, por conseguinte, os doadores de campanha mais à frente, quando os demais ministros começarem a proferir seus respectivos votos e outros réus entrarem na roda da fortuna. No geral, avaliam os mais pessimistas dentro do PT, ainda é cedo para grandes comemorações. Afinal, se as provas testemunhais serviram para ajudar a absolver João Paulo, mais à frente podem ser sacadas contra o ex-ministro José Dirceu. Hoje está claro que essas provas são tão importantes quanto as demais. Vamos aguardar.

Por falar em comemorações…

A cúpula do PMDB era pura alegria ontem ao fazer cálculos eleitorais. Os peemedebistas têm 2.302 candidatos a prefeito. O PT, 1.795. O PSDB, 1.647. O PSD, 1.100. O PP, 1.084, e o PSB, 1.049. Se os grandes partidos repetirem a média de eleger entre 60% e 40% de seus candidatos, os peemedebistas continuarão com o maior número de prefeituras do país. Ou seja, serão uma base importante para qualquer projeto em 2014, especialmente, depois de conquistarem, daqui a cinco meses, as presidências da Câmara e do Senado. Não é à toa que o vice-presidente Michel Temer fez 900 gravações para candidatos a prefeito.

Por falar em candidatos a prefeito…

Começou a pressão de petistas ao PMDB para levar Gabriel Chalita a desistir da campanha para apoiar Fernando Haddad e, assim, tentar quebrar a onda favorável a Celso Russomanno (PRB). Por enquanto, a ordem dos peemedebistas é não tomar nenhuma atitude brusca antes de 7 de setembro, data-limite para se verificar os primeiros reflexos do horário eleitoral nas campanhas.

Por falar em reflexos…

Aliados ao governo contataram as ministras do Palácio do Planalto ansiosos por uma orientação a respeito do depoimento do ex-diretor geral do Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes Luiz Antônio Pagot à CPI que investiga os negócios do contraventor Carlos Cachoeira. Queriam informações sobre todas as obras em andamento nesse setor para rebater possíveis acusações. Ainda não tiveram acesso a toda a papelada. A esperança dos governistas é a de que a exposição de Pagot, um dos poucos que prometem falar contra o governo na CPI, é a de que qualquer fato negativo apresentado pelo ex-diretor seja tratado pela população como retaliação pelo fato de ter sido exonerado do cargo. Ali, o clima começa a ficar tão quente quanto no STF.

Adriano, Ph.D. em desculpas - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 24/08


A reportagem sobre a volta do Imperador começava assim: "Curado, Adriano retorna ao Flamengo..."


HÁ COISA de 20 anos, fui ao Gua­rujá entrevistar a Hortência para a capa da "Revista da Folha". Já éramos amigas na época, sempre tivemos uma conversa fá­cil. Se existe uma pessoa que sabe lidar com jornalista e transitar sem medo entre o público e o privado, essa é a Hortência. Tem pouco a es­conder e adora testar sua ousa­dia.

E, no entanto, eu comecei a fazer perguntas e a perceber que ela res­pondia tudo no automático, sem pensar duas vezes. Uma atrás da outra. Até o ponto em que inter­rompi a conversa e desliguei o gra­vador. "Espera aí", disse. "Há quan­to tempo você não responde uma pergunta que nunca ouviu antes?", eu já começava a lamentar minha sorte. "Ah, Barbara, há uns bons oi­to anos", confessou.

Agradeci muito e voltei para São Paulo. Como é que eu poderia colo­cá-la na capa se ela não tinha nada de inédito a dizer? Cheguei em casa e liguei para o Zé Victor Oliva, com quem ela ainda era casada. Ele me contou uma história engraçadíssi­ma sobre um murro que sua mu­lher havia desferido no nariz de um leiteiro que atrasava a ida dela ao treino porque, toda manhã, o sujei­to fazia questão de apertar cada bo­tão do elevador do edifício em que ela e a Magic Paula moravam em Sorocaba.

Para meu desespero, a Hortência era Ph.D. em discorrer sobre Hor­tência. E isso foi antes, muito antes do "media training", esse bombar­deio de perguntas-treino a que polí­ticos, artistas, homens de negócios e até réus de crimes que irão se apresentar para interrogatório são submetidos por equipes de profis­sionais compostos por psicólogos, comunicadores, marqueteiros, fo­noaudiólogos e juristas. Não há mais espaço para improvisação.

Mas parece que só um lado se mu­niu e se preparou. Nesta semana, veja só, assisti, em um jornal de es­portes da TV paga, a uma reporta­gem sobre a volta de Adriano ao fu­tebol que começava assim: "Cura­do, Adriano retorna ao Flamen­go..." Cuma? Onde estamos? No limbo? Além da Imaginação (o se­riado)?

Como pode despejar sobre o pobre assinante um jarro de espe­ranças vãs e, em seguida, mostrar uma imagem do Imperador pronto a decolar feito uma "mongolfeira" de tão inchado? Juro. Adriano está parecendo um bagre. E olha que falo com carinho de fã. O show de hor­rores terminava mencionando ale­grias para a torcida.

Não quero parecer aqui um urubu de mau agouro, mas tive um pres­sentimento péssimo. Algo me diz que estamos a poucos dias daquela outra reportagem, a famigerada entrevista ao "Fantástico", em que o craque, um especialista em dar entrevistas sobre os erros e trope­ços de Adriano, virá a público para explicar por que foi mandado em­bora do Flamengo.

Pois eu pergunto: meu ouvido é penico? Por que só os entrevistados se esmeram? Jornalista esportivo não sabe que existe consumo ex­cessivo de álcool e drogas no fute­bol? Por que não vão aprender as implicações que isso pode ter na vi­da da pessoa? "Curado"? Qual era mesmo a doença de Adriano?

E olha que nem começou direito a campanha eleitoral. Já imaginou o que não vai ser na hora em que o maior especialista do planeta em José Serra, ele mesmo, José Serra for nos explicar por que merece ser prefeito? Só para não ter de ouvi-lo discorrer vai ter gente fingindo que acredita que poder de arguição é a mesma coisa que capacidade admi­nistrativa.

E eu que reclamava da falta de as­sunto da Hortência. Bate na boca, Barbarica!

Galeão e Confins podem ser vítimas do corporativismo - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 24/08

Se há um modelo que não faz sentido algum o país continuar insistindo é o da administração aeroportuária concentrada nas mãos de uma empresa 100% estatal, como é a Infraero, sinônimo de incompetência. Os aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília já estão livres dessa amarra e terão agora a oportunidade de dar o salto de qualidade tão ansiosamente aguardado por todos que utilizavam seus serviços.

Espera-se que outros aeroportos, como o do Galeão, no Rio, e o de Confins, na Grande Belo Horizonte, também venham a ser contemplados pelo modelo de concessão que transfere a gestão para consórcios de investidores e empresas com experiência nesse tipo de administração. No entanto, conforme O GLOBO revelou em sua edição de ontem, existe o risco de isso não acontecer, pois o governo, por pressão da Infraero, estaria inclinado a aceitar um outro modelo, de parceria público-privada, pelo qual a companhia estatal permaneceria à frente da administração desses importantes aeroportos.

A justificativa é que a Infraero precisaria dos lucros obtidos no Galeão e em Confins para subvencionar outros aeroportos de menor porte, hoje deficitários. Se for feita essa opção, Galeão e Confins continuarão sacrificados, com investimentos aquém dos necessários para que atinjam o grau de qualidade de serviços que provavelmente será alcançado pelos aeroportos congêneres já sob concessão.

A escassez de recursos públicos não pode ser resolvida por essa fórmula. Se o governo deseja que o custeio e os investimentos de todo o sistema aeroportuário sejam assegurados pelas receitas geradas nele mesmo, o modelo baseado na gestão única da Infraero se mostrou fracassado. Perdeu-se um tempo enorme e precioso com a insistência nesse modelo, e será um absurdo se houver agora um recuo em relação aos passos que foram dados nas concessões dos três grandes aeroportos citados. E isso apenas para atender a um corporativismo que só procura preservar seus interesses, em detrimento dos usuários, e se valendo do atávico preconceito ideológico contra a iniciativa privada existente em áreas do governo.

O movimento dos aeroportos tende a continuar crescendo velozmente, seja pela melhora de renda dos brasileiros ou pela atração de visitantes estrangeiros, no esteio dos grandes eventos internacionais que serão realizados no país nos próximos anos. Para vencer tal desafio não se pode insistir com um modelo estatal que comprovadamente não funciona.

Vale frisar que a Infraero mantém uma participação de 49% nas concessões que foram autorizadas. E nessa condição de sócia continuará opinando e participando das diretrizes da administração dos aeroportos. O que a estatal está deixando de ser é a executora da gestão, perdendo a responsabilidade integral pelos investimentos. Não significa que está está deixando o filé mignon para ficar com o contrapeso.

Ódio para todos - NELSON MOTTA


O Estado de S.Paulo - 24/08


Na Itália democrática de 1986, a anárquica Rádio Radicale queria saber o que pensavam seus ouvintes e ofereceu um número de telefone grátis, prometendo colocar no ar, sem cortes, todas as mensagens de um minuto que fossem gravadas anonimamente nas suas secretárias eletrônicas. Durante um mês, dia e noite, todo o país ouviu estupefato uma torrente dantesca de insultos, xingamentos, preconceitos, canalhices, palavrões, blasfêmias e covardias.

Milaneses contra napolitanos, romanos esculachando sicilianos, napolitanos detonando florentinos, pobres amaldiçoando ricos, ricos debochando de pobres, fascistas achincalhando comunistas e vice-versa, mulheres barbarizando homens, gays, o papa, num vale tudo de todos contra todos, até a rádio ser fechada sob a acusação de vilipendiar as instituições e fazer apologia do fascismo.

Para um estrangeiro como eu, o festival de ódio turbinado pela exuberante verve peninsular era de matar de rir, mas para meus amigos italianos era de matar de vergonha. Como se odiavam, como eram ressentidos, invejosos, intolerantes, apesar dos seus séculos de cultura e civilização, lamentavam os intelectuais. Os políticos tentavam minimizar como um "desabafo nacional" passageiro. O vero é que a combinação de liberdade e anonimato trouxe o pior dos italianos à tona, sem censura, do fundo do coração. E, como dizia minha avó, a boca fala das abundâncias do coração. Pelo menos eles perderam algumas velhas ilusões e ficaram se conhecendo melhor.

Mas, nem o anarquista mais otimista poderia imaginar que era apenas uma modesta antecipação da plena liberdade de opinião na era da internet. Hoje, qualquer um pode descarregar anonimamente todos os seus ódios, insultos e maldições sobre quem ou o que quiser, em texto, áudio ou vídeo. Não apenas suas opiniões, crenças ou ideologias, mas todos os dejetos digitais que revelam mais do malfalante que do malfalado.

Nelson Rodrigues dizia que, se todo mundo soubesse da vida sexual de todo mundo, ninguém falaria com ninguém. Imaginem se todos soubessem os nomes e as caras dos autores das mensagens de ódio na internet.

'Se manda!' - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 24/08


BRASÍLIA - Saí do trabalho pouco depois das 21h para jantar com uma "fonte" (no jargão dos jornalistas, pessoa que tem informações importantes), e estava voltando para casa já no início da madrugada, sozinha, dirigindo, quando percebi que um carro me seguia. Frio na barriga, pé no acelerador. Primeira curva, segunda, até concluir, na terceira, que a brincadeira estava ficando perigosa. Decidi frear, para que o carro seguisse em frente e me deixasse em paz. "Quem sabe não é um garotão fazendo 'pega'?"
Não era. O carro, um sedã caro, me ultrapassou e deu um cavalo de pau, trancando a pista. Dois homens armados com revólveres desceram. Um deles, bem jovem, gritando: "Sai do carro, sai do carro, se manda!".
Voluntariosa, minha mão direita engatou a ré. Mas o cérebro e o pé abortaram a ideia, que passou rápida, na velocidade da luz. Jamais reagir, diz o manual. É para sair do carro? Vamos sair. Agarrei o celular, abri a porta, virei de costas, aliviada por não me levarem. Já sofri sequestro-relâmpago, sei o que é.
Desta vez, não quis ver caras, placa, o modelo de carro, nenhum detalhe. Meu sentido de autopreservação venceu a minha (considerada imbatível) curiosidade jornalística.
Lá se foram eles, me deixando na rua, com frio, assustada, tentando agir, sem lembrar o número da polícia, mas martelando o que a gente vê todo dia nos seriados policiais americanos na TV: "Call 911". Qual é o "911" no Brasil, ou em Brasília? Sei lá. Acho que a gente não tem o hábito de chamar a polícia.
Horas antes, a filha do ministro da Pesca, Marcelo Crivella, tinha sofrido sequestro-relâmpago em plena hora do almoço, num local movimentado, improvável. E assim se descobriu que, de 13 a 19 de agosto, houve 16 crimes desses no DF.
A capital da República está perigosíssima, mas essa não é uma exclusividade dela. A violência no Brasil está fora de controle.

Petrodólares - SONIA RACY


O ESTADÃO - 24/08

Em tempos de questionamento, pela CVM, sobre a representação dos acionistas minoritários na Petrobrás, a Associação de Investidores de Mercados de Capitais (Amec) fez conta surpreendente.

A soma da “destruição” de valor de mercado da estatal, de 30 de agosto – quando foi lançado seu modelo de capitalização – a 30 de junho é de absurdos… R$ 208 bilhões.

Petro 2
A conta, segundo Mauro Costa (que tentou, sem sucesso, representar os minoritários no conselho da estatal), teve como base respeitado fundo setorial administrado pela S&P: o XOP, que traz a média de cotações das empresas de óleo e gás em todo o mundo.

“O fundo valorizou, em dólar, 46% nesse período, enquanto a Petrobrás perdeu 48% de seu valor, também em dólar”, explica Costa, admitindo que parte da queda se deve também à desvalorização do real.

Petro 3
A Amec pretende fazer algo? “Fizemos a conta e montamos um fórum para discutir o assunto.” E, por enquanto, só.

Detalhe: os grandes fundos de pensão também fazem parte da associação…

Espada e lei
Mais uma dor de cabeça para Dilma. Chegou ao Senado projeto para derrubar decreto do governo que permite substituir servidores em greve.

Alegação? É inconstitucional.

Russomanninha
Batido o martelo. A mulher de Celso Russomanno marcou cesárea para 1° de outubro, uma semana antes das eleições.

Recentemente, Russomanno incluiu a ultrassonografia de sua esposa na agenda eleitoral – aberta aos fotógrafos.

Atchim
Há três casos de pacientes com H1N1 em tratamento no Einstein. Consta que uma das vítimas não está nada bem.De acordo com o hospital, os casos estão dentro da normalidade para esta época do ano.

Termômetro
Dona Olga, da Condal, vendeu mais de 300 máscaras de Roberto Jefferson, olho roxo, no último mês. As de Zé Dirceu, Severino Cavalcanti e Demóstenes Torres também têm boa saída.

Já as máscaras de Luiz Gushiken encalharam, graças ao cenário de absolvição.

Bike lovers
Boa notícia para ciclistas que gostam da faixa de lazer da Av. Paulista. Reunião na CET estuda prorrogar o trecho até a Rua Vergueiro, chegando ao centro. Culminando, segundo a Secretaria de Transportes, em espécie de ciclovia cultural a ser feita na região central de SP.

Dilma en el cine
Dilma falou à Forbes até sobre a sétima arte. Cinéfila, derramou elogios a…Um Conto Chinês, de nossos vizinhos portenhos.

Sem dona
Luziah Hennessy ajudou sim a trazer Zubin Mehta e Julian Rachlin para concerto com a Sinfônica Heliópolis – anteontem, no Teatro Municipal de SP. A apresentação, em prol do Instituto Baccarelli, aliás, foi emocionante e mereceu todos os aplausos.

Entretanto, na próxima, regente e violinista devem vir sozinhos.

Na frente
Ana Tinellii naugura loja no Shopping JK. Dia 30.

Mostra de Willys de Castro abre amanhã, no Instituto de Arte Contemporânea.

Carlos Abumrad autografa livro. Hoje, no Círculo Militar, no Ibirapuera.

Arthur Moreira Lima toca… piano sobre caminhão em São Bernardo do Campo, no níver da cidade. Amanhã.

Foram todos convidados, mas, até ontem, nenhum ministro do STF havia confirmado presença na pré-estreia da peça Doze Homens e uma Sentença – hoje, em Brasília. O espetáculo retrata júri que precisa chegar a uma decisão unânime sobre jovem acusado… de matar o pai.

Brasil depende cada vez mais do capital estrangeiro - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 24/08


A situação das contas externas não é preocupante, mas cabe mostrar as fraquezas de alguns resultados que dependem mais do exterior do que da nossa capacidade administrativa.

O déficit das transações correntes, nos sete primeiros meses do ano, foi de US$ 29,1 bilhões, quase US$ 5oo milhões a menos do que no mesmo período do ano passado. Essa redução foi obtida basicamente pela queda no pagamento de serviços, que tem caráter conjuntural e pode sofrer uma modificação rápida, o que não é o caso da balança comercial enquanto o Brasil não conseguir aumentar sua competitividade.

O saldo da balança comercial, que nos sete primeiros meses do ano passado ficou em US$ 16 bilhões, caiu para US$ 9,9 bilhões de janeiro a julho deste ano. As exportações diminuíram, apesar da elevação do preço das commodities agrícolas, enquanto as importações, num período de crise, vêm subindo, como reflexo de um aumento da participação de insumos e produtos importados na fabricação de bens acabados no Brasil.

O saldo dos juros diminuiu, tanto do lado das receitas quanto do das despesas, com a redução de nossos empréstimos ao exterior. Todavia, essa redução não é tão significativa como a que se registra no saldo dos lucros e dividendos, que está caindo: de US$ 20,5 bilhões, em 2011, para US$ 11,7 bilhões, neste ano. Isso se explica pela queda no ritmo dos negócios e pela desvalorização do real ante o dólar, que torna as remessas muito mais caras. Pode-se imaginar que uma reação da conjuntura aumentaria o déficit das remessas.

Quanto aos serviços, merece destaque o fato de que os saldos de receitas e despesas de viagens internacionais estão se mantendo, não acusando grandes variações - situação que se verifica também no caso dos transportes. Os aluguéis de equipamentos crescem um pouco, em razão da ação da Petrobrás.

O que deveria preocupar é a razão entre o déficit das transações correntes e a conta capital e financeira. No ano passado, essa conta capital cobria 171% do déficit das transações correntes. Este ano, cobre 65,9%.

Assim, o Brasil depende essencialmente dos investimentos diretos e dos empréstimos estrangeiros. Os investimentos estrangeiros continuam elevados, na casa dos US$ 38 bilhões, mas só continuarão no ritmo atual no quadro de uma economia crescente. Não é o caso dos empréstimos, que reagem mais rapidamente a uma deterioração da qualidade do crescimento e estão acusando forte redução.

Sem nexo - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 24/08 


Mesmo que formalmente tenha limitado seu voto aos réus acusados de "desvio do dinheiro público", item inicial do relatório do ministro Joaquim Barbosa, o revisor Ricardo Lewandowski manteve seu esquema mental de separar os fatos, como se estes não tivessem conexão entre si.
Essa era sua intenção quando anunciou que leria o voto réu por réu, por ordem alfabética, negando assim liminarmente a tese da acusação de que os crimes eram conectados entre si e foram praticados por uma quadrilha que obedecia a um comando central e tinha objetivos políticos. Só assim poderia, no mesmo voto, condenar o diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e absolver o então presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha, acusados dos mesmos crimes.
Sintomaticamente, o ministro Lewandowski deixou passar sem nenhuma tentativa de explicação os R$ 50 mil que a mulher de Cunha apanhou na boca do caixa do Banco Rural em Brasília.
Embora não tenha tido a coragem de assumir a tese do caixa dois eleitoral, implicitamente Lewandowski a admitiu como explicação razoável para o fato de um publicitário ter dado dinheiro vivo ao presidente da Câmara, a pedido do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, verba supostamente gasta em pesquisas eleitorais.
É espantoso que um ministro do STF, que já presidiu o Tribunal Superior Eleitoral, trate com tanta ligeireza a corrupção eleitoral e seja incapaz de ligar dois mais dois. Lewandowski em seu voto dá impressão de que é normal, uma simples coincidência, o fato de que o mesmo empresário, Marcos Valério, esteja nas pontas dos dois casos relatados, e um não tenha nada com o outro, embora tenham como centro o Partido dos Trabalhadores (PT).
Ora, se o próprio Lewandowski admitiu que Valério subornou o diretor do Banco do Brasil para desviar dinheiro público, como não ligar esse dinheiro desviado às verbas que Delúbio Soares passou a distribuir através das agências de publicidade de Valério, todas de uma maneira ou de outra contratadas por órgãos federais? Ainda mais havendo o antecedente de esquema semelhante adotado anteriormente na campanha eleitoral em Minas.
A atitude de Lewandowski, ontem, exigindo o direito à tréplica diante da decisão do relator de esclarecer os pontos falhos apontados pelo seu voto de revisão, traz de volta à cena pública sua deliberação de retardar o processo de votação, atendendo ao interesse dos réus, especialmente os petistas. Não tem sentido que o Supremo fique paralisado enquanto o revisor assume uma posição de protagonista do processo, quando sua função é acessória, não principal.
O presidente Ayres Britto deixou bastante claro que o papel de orientador do processo é do relator, Joaquim Barbosa, que por isso tem direito de dar suas explicações antes que os demais ministros comecem a votar, na segunda-feira.
A mudança de critério de um dia para o outro é menos surpreendente do que seu voto inicial, que condenou Pizzolato, Valério e seus sócios, pois recoloca Lewandowski no caminho que ele mesmo traçou para si desde o início do julgamento: ser um contraponto ao voto do relator, que ele identifica como uma continuação do voto do procurador-geral da República. Os comentários de que estaria agindo com firmeza contra a corrupção no Banco do Brasil para legitimar a absolvição que já tinha preparado para os integrantes do núcleo político do mensalão, especialmente o ex-ministro José Dirceu, confirmaram-se ontem, pois, com seu voto, o revisor já deixou pistas de que não considerará criminosos os saques na boca do caixa do Banco Rural por parte de políticos da base do governo.
Embora tenha se esforçado para demonstrar que estudou detalhadamente o processo, e tenha procurado afirmar que baseou seu voto "na realidade dos autos", Lewandowski passou por cima de detalhes cruciais, como, por exemplo, o fato de que os saques no Rural eram escamoteados pela agência SMP&B como "pagamento de fornecedores". E também que a primeira reação de Cunha foi mentir quanto à ida de sua mulher ao banco, alegando que fora pagar uma fatura de TV a cabo. Sabia, portanto, da origem ilegal do dinheiro.
O caráter pessoal da contratação da agência IFT está demonstrado por reuniões, fora da Câmara, para organizar ações de campanhas eleitorais do PT, com a presença de Cunha.
O voto de ontem confirma as piores expectativas com relação ao trabalho do revisor do processo.

Pobre América Latina - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 24/08


O relatório da ONU "Estado das Cidades da América Latina e Caribe 2012" indica que, em 2010, 79,4% de sua população vivia em cidades.
A região é uma das mais urbanizadas do mundo, perdendo só para o norte da Europa (84,4%) e a América do Norte (82,1%). Mas é, também, a mais desigual do planeta.
A América Latina passa por forte redução da fecundidade, que despencou de 5,8 filhos por mulher, em 1950, para 2,09, em 2010.
Essa mescla de urbanização com diminuição da fecundidade põe a região na fase três do modelo de transição demográfica (MTD), proposto em 1929 por Warren Thompson. Nesta etapa, flagelos como fome e diarreias, que castigam em especial os bebês, já foram controlados com avanços na alimentação e na saúde; com a urbanização, os casais passam a ter menos filhos.
Isso ocorre porque, em zonas rurais, filhos ajudam no trabalho e amparam os pais na velhice. Nas metrópoles, a situação é bem outra: filhos não precisam garantir o sustento do progenitor com acesso a algum sistema de previdência e ainda acarretam custos extras (como alimentação, saúde, educação etc.).
Acrescente-se a escolarização das mulheres, que lhes dá meios e motivos para evitar filhos, e a fecundidade cai drasticamente. Os atuais 2,09 filhos por mulher, média latino-americana, estão logo abaixo da taxa de reposição (2,1).
Por causa dessas características, é na fase três do modelo que ocorre o que os especialistas chamam de janela demográfica, na qual a proporção de trabalhadores na ativa é mais alta que a de inativos. Isso favorece a poupança e o investimento pela sociedade.
A América Latina precisa aproveitar para resolver os principais problemas sociais, pois a maioria de seus países se avizinha do apogeu dessa transição demográfica.
A população está parando de crescer, mas não de envelhecer. Quando a parcela de idosos que já não trabalham ganhar preponderância, o bônus demográfico estará esgotado e aparecerá no horizonte um novo ciclo de problemas.
É o estágio quatro do modelo Thompson, em que os gastos com previdência e saúde aumentam muito, sem quantidade suficiente de novos contribuintes para manter a engrenagem funcionando.
Causa consternação ver que a América Latina tem a pior distribuição de renda do mundo num tempo em que já está para cerrar-se a janela demográfica.
Com o ônus crescente de custear uma vida digna para os idosos, estreita-se a possibilidade de observar o nível de investimento necessário para sustentar a expansão contínua de riqueza e bem-estar.

Colcha de retalhos - CLÓVIS PANZARINI


O Estado de S.Paulo - 24/08


A Resolução do Senado (RS) n.º 13/2012, que reduz, a partir de janeiro de 2013, para 4% a alíquota do ICMS incidente sobre operações interestaduais com mercadorias importadas do exterior, vai mitigar a chamada guerra dos portos, aquele tosco arranjo tributário por meio do qual alguns governos estaduais oferecem ilegalmente prêmio de ICMS, equivalente a 9% sobre o valor da operação, a importadores que desembaraçam mercadorias por seus portos, para, em seguida, remetê-las aos Estados onde serão processadas ou consumidas.

Como essa remessa interestadual é tributada em 12%, o Estado "guerreiro" devolve 9% ao importador, ganhando 3% do valor da operação. A conta, por óbvio, é enviada aos Estados destinatários das mercadorias, que, pelo princípio da não cumulatividade, devolvem ao seu contribuinte os 12%, supostamente pagos pelo remetente delas.

A resolução reduziu em 67% (de 12% para 4%) o arsenal do Estado guerreiro, que é a alíquota interestadual, esse "dinheiroduto" que transfere receita de ICMS do Tesouro do Estado destinatário para o do remetente das mercadorias. Com apenas 4% sobre o valor da operação, a partir de janeiro, aqueles Estados ficarão sem recursos alheios suficientes para atrair importações para seus portos. Esse surrealista mecanismo que subsidia a mercadoria importada tem vários efeitos colaterais nefastos: além de subtrair receita de ICMS de Estados consumidores ou processadores dessas mercadorias, ofende a competitividade da produção nacional, transferindo emprego para o resto do mundo. Não foi por outra razão que o governo federal, preocupado com o evidente processo de desindustrialização no Brasil - decorrente não só da guerra dos portos - e com o equilíbrio das contas externas, atuou como "rolo compressor" para a aprovação da medida.

A RS prevê que a redução da alíquota interestadual do ICMS seja aplicada também a mercadorias importadas do exterior, mesmo que, após o desembaraço aduaneiro, sejam submetidas a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento e resultem em mercadorias ou bens com conteúdo de importação superior a 40%. Essa exigência de alta agregação de valor (no mínimo 60%) no Estado onde ocorre o desembaraço aduaneiro visa a evitar a "maquiagem" da mercadoria importada para que seja submetida à maior alíquota interestadual (12%). Parece cômica a possibilidade de "maquiar" mercadoria importada para "pagar" mais imposto. Na verdade, a maquiagem poderia ocorrer para drenar mais receita do Estado destinatário (12%, e não 4%) e devolver parte dela à empresa importadora.

De outro lado, a resolução exclui da redução da alíquota interestadual as mercadorias que não tenham produção de similar nacional. Neste caso, não há destruição de empregos no Brasil, mas só apropriação ilegal de receita de ICMS do Estado destinatário. Isso não sensibilizou nossos senadores! Exclui, ainda, da redução da alíquota "operações que destinem gás natural importado do exterior a outros Estados" (parabéns, Mato Grosso do Sul, trajeto do gasoduto Brasil-Bolívia) e os bens de informática produzidos em conformidade com os processos produtivos básicos (parabéns, Zona Franca de Manaus).

Fica evidente que a preocupação que norteou a aprovação dessa medida foi apenas a desindustrialização brasileira - o que não é pouca coisa -, tendo-se negligenciado o fato de que o desvio de operações de importações, ainda que não haja produção de similar nacional a ser prejudicada, transfere ilegalmente receita do Estado destinatário final da mercadoria ao Estado "guerreiro". Se para a aprovação de algo tão simples foi necessário contemplar tantos casuísmos, é fácil imaginar quão tenso será o debate sobre a adoção ampla do princípio de destino do ICMS, que aguçará interesses das 27 unidades federadas. O resultado será uma multicolorida colcha de retalhos.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 24/08

Governo de SP lança fundo de R$ 200 milhões
O governo de São Paulo destinará aproximadamente R$ 200 milhões para apoiar start-ups e empresas paulistas de tecnologia com projetos inovadores.

O governador Geraldo Alckmin anuncia hoje três linhas de financiamento com recursos de R$ 150 milhões - duas com juros subsidiados que podem chegar a zero.

As novas linhas serão operadas pela Desenvolve SP (Agência de Desenvolvimento Paulista), que também promoverá um fundo para investir no setor, com patrimônio alvo de R$ 100 milhões.

"A primeira linha será para start-ups, micro e pequenas empresas com projetos de inovação como a criação de um novo produto", diz Milton Luiz de Melo Santos, presidente da Desenvolve SP.

"Já a segunda, 'Incentivo à Inovação', financiará projetos de pequenas e médias empresas. Se estiver com o pagamento em dia, o empresário pagará apenas a atualização do IPC- Fipe", completa.

Nos dois casos, os recursos virão do Funcet (fundo para ciência e tecnologia vinculado à Secretaria do Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia. A terceira opção de crédito será para empresas com faturamento de até R$ 300 milhões com projetos que possibilitem ganhos tecnológicos à companhia, segundo Santos.

O fundo de investimento "Inovação Paulista" já começa com cerca de R$ 50 milhões, recursos da agência de fomento do Estado, da Fapesp e do Finep e Sebrae- SP.

Os investimentos do fundo irão para empresas com faturamento de até R$ 18 milhões, inclusive as de estágio inicial de operação (start-ups). Um gestor a ser definido avaliará os projetos. "Aproveitamos nossa experiência em investimentos em start-ups e fundos de venture capital", diz.

CASA À VENDA
As vendas de imóveis residenciais usados na cidade de São Paulo cresceram 53,6% de janeiro a julho deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com levantamento da empresa de administração imobiliária Lello.

O valor médio das casas e apartamentos comercializados nos principais bairros do centro expandido da capital paulista foi de R$ 450 mil nos sete primeiros meses do ano, segundo a empresa.

O preço está acima da média registrada nos dois anos últimos. No mesmo período de 2011, o valor cobrado pelos imóveis era de R$ 400 mil. Já nos sete meses iniciais de 2010, o valor das residências era de R$ 350 mil.

TEMPO LIMITADO
Cerca de 168 mil trabalhadores temporários foram contratados de janeiro a julho nos picos de demanda, em datas como as férias do início e do meio do ano, o Dia das Mães e a Páscoa.

Os dados são de levantamento da Asserttem (Associação Brasileira das Empresas de Serviços Terceirizáveis e de Trabalho Temporário).

O número de contratos temporários transformados em emprego efetivo foi 16 mil.

16,5 mil foi o número de trabalhadores temporários recrutados nas férias de julho

1.000 foi a quantidade de funcionários efetivados no mês

ROBÔ NA RECEPÇÃO
Com recepção feita por um robô que emite sons e altera a expressão facial, o Bradesco vai inaugurar no próximo dia 30 em São Paulo uma agência equipada com aparelhos tecnológicos.

Para realizar operações bancárias, uma tela que reage ao calor gerado pelo movimento do corpo terá as informações acessadas pelos gestos dos clientes.

"O investimento total na agência foi de R$ 10 milhões. Vamos avaliar a experiência, mas devemos ampliá-la para outras praças", diz Candido Leonelli, do Bradesco.

O aparato futurista inclui uma sala para consultoria individual cuja parede de vidro transparente fica automaticamente fosca durante o atendimento.

"Nossa história com inovação vem da década de 40, quando o sr. Amador Aguiar tirou o gerente do fundo da agência para colocar na frente, para receber clientes."

A unidade terá caixas de autoatendimento com design que, segundo o banco, evitará filas, para preservar a privacidade.

"Todas as agências serão beneficiadas pela experiência. O que for identificado como sucesso, será incorporado, tanto nas agências Prime quanto no varejo", diz.

"A agência tem a tecnologia, mas o atendimento feito pelos profissionais continua muito importante."

Parceria... 
A Fundação Getulio Vargas firmou um acordo de cooperação técnica com a Facesp e a ACSP.

...executiva 
O objetivo da parceria é desenvolver projetos de educação executiva, pesquisas, indicadores setoriais, seminários, coordenação de congressos e outros.

Ensino aéreo 
Até o dia 31, a Embraer tem inscrições abertas para seu programa de especialização em engenharia desenvolvido em parceria com o ITA. O programa, que oferece título de mestrado profissional em engenharia aeronáutica, formou 17 turmas.

Financiamento 
A GMK Incorporadora assinou demanda com a Caixa Econômica Federal e 450 clientes para financiamento de uma obra na modalidade financiamento associativo. A demanda ficou na casa dos R$ 47 milhões.

Gestão... 
A Ascenty, empresa brasileira de infraestrutura de internet, contratou os equipamentos de gestão de eletricidade da alemã Schneider Eletric por R$ 70 milhões.

...elétrica 
As máquinas são grandes estabilizadores de computadores que serão instaladas nos quatro data center da companhia.

Quando setembro vier - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 24/08

Está longe a solução do problema europeu. É o que pensa José Roberto Mendonça de Barros. Há riscos imediatos, como o de que a Corte Constitucional Alemã, em setembro, decida contra a participação da Alemanha no fundo de ajuda aos países em crise e no socorro à Espanha, através de empréstimo aos bancos. Mês que vem também será divulgado o relatório da troica sobre a Grécia.

Setembro é sempre um mês marcado na economia. Várias crises estouraram nesse período, como a da dívida latina, em 1982, e a da quebra do Lehman Brothers, em 2008. Não há nada assustador no calendário deste ano, exceto os dois momentos de stresse acima e muitas reuniões agendadas, como o encontro anual do FMI, que será em Tóquio. É tão aziago o mês que a Europa deve remarcar para outubro uma grande reunião da zona do euro.

- A crise europeia não é tão aguda quanto a do fim do ano passado, mas tem piorado nos últimos tempos. Nos dados do PIB da zona do euro no terceiro trimestre, até a Alemanha pode estar no negativo e o endividamento do país deve ser de 100% do PIB no fim o ano - disse José Roberto.

Ontem, em Berlim, François Hollande e Angela Merkel se reuniram com Antonis Samaras, o primeiro-ministro grego. A Grécia está pedindo "um pouco de ar para respirar", ou, em outras palavras, mais tempo para cumprir as metas fiscais. "A expulsão da Grécia da zona do euro pode ser um pesadelo que vai além das fronteiras da Grécia", alertou Samaras.

José Roberto disse que analistas que consideravam simples a saída da Grécia da zona do euro começam a mudar a avaliação, temendo o contágio. Há uma particular preocupação com a fuga de capitais. Quando sai € 1 milhão da Grécia para a Alemanha, por exemplo, o que ocorre é que o banco grego fica devendo ao Banco Central Europeu € 1 milhão, e isso vira credito do Bundesbank. E se a Grécia sair do euro? Hoje, os países maiores têm créditos de € 1 trilhão, e, desses, € 800 bilhões são devidos ao banco central alemão, explicou Mendonça de Barros.

O impasse dentro da Europa continua. O ministro das Finanças holandês, Jan Kees De Jager, em artigo escrito para ser publicado nesta sexta-feira, disse que a Alemanha tem que permanecer firme e não ceder às pressões gregas. "Adiar a decisão correta não ajuda a ninguém, nem aos gregos. Nossa ajuda não é incondicional. As pessoas da Holanda e da Alemanha adotaram medidas muito difíceis e ainda estão fazendo isso, e esperamos o mesmo retorno."

O ministro holandês disse o que se diz na Alemanha frequentemente.

- A Alemanha está certa a médio prazo e tem razão de achar que a festa da uva no sul da Europa foi exagerada, mas o fato é que a Itália está fazendo o que pode. Mário Monti tem enfrentado Merkel, dizendo isso. O ministro do trabalho dele tem que andar com escolta pelas ameaças que recebe por ter comandado mudanças na legislação trabalhista. Todos estão tentando fazer ajustes, mas não basta. Se não houver ajuda aos países em crise, a situação se agrava - afirmou José Roberto.

Mário Monti tem que conduzir eleições na Itália até abril do ano que vem. E Angela Merkel disputa no segundo semestre o seu terceiro mandato.

- Ela não pode ser ousada porque corre o risco de perder a eleição, mas a crise está se aprofundando. A Grécia está chegando a 30% de desemprego, a Espanha, a 25%, e a Itália, a 13%. O BCE no fim do ano passado evitou o pior, mas o sistema continua frágil - disse o economista.

Há vários setembros à frente antes que se possa dizer que haverá bom tempo.

Os pontos-chave

1- A crise da Europa tem muitos riscos pela frente, na visão de José Roberto Mendonça de Barros.

2- Economistas que consideravam simples a saída da Grécia do euro agora temem o contágio.

3- Até a Alemanha pode ter PIB negativo no terceiro trimestre e fechar 2012 com dívida de 100% do PIB.

Não usaram black-tie - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 24/08


A facilidade e a clareza com que o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski desmontaram as versões dos advogados de defesa sobre a acusação do desvio de dinheiro para as empresas de Marcos Valério em troca de vantagens pessoais para o então diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, dão conta da existência de uma organização criminosa sim, mas muito pouco sofisticada.

No aspecto examinado pelos dois ministros, a definição usada na denúncia da Procuradoria-Geral da República estaria mais bem traduzida se a qualificasse como tosca, face à privação de sutileza na arquitetura da obra.

Há muito a ser contado ainda, mas pelo que se sabe até agora não existiu preocupação com o requinte. Ao contrário: as ações eram feitas às escâncaras como se não houvesse amanhã, nem limites para um grupo que se sentia seguro na posse de um Estado aparelhado.

Foram usadas notas frias para justificar serviços não prestados, adulterados documentos para dar veracidade a versões falsas, autorizados repasses de dinheiro pelo telefone, no que o revisor descreveu como um ambiente de "total balbúrdia" reinante na administração do departamento de marketing do Banco do Brasil.

As desculpas esfarrapadas também dão conta da ausência de fino trato. Na defesa são citadas como evidências de boa-fé. Exemplo: por que o deputado João Paulo Cunha teria enviado a mulher à boca do caixa de uma agência de shopping center do Banco Rural em Brasília para receber um dinheiro contra assinatura de recibo se tivesse algo a esconder?

Porque era a pessoa de mais confiança, um seguro de que o assunto ficaria em família. Por que o deputado mentiu inicialmente dizendo que a mulher havia ido ao banco para pagar fatura de TV a cabo se não tivesse nada a esconder?

Sorte dele é que o revisor levou em conta a "verdade processual", que não inclui a contradição anterior.

Já da grosseira explicação de Henrique Pizzolato a respeito das andanças de um envelope com R$ 326 mil, relator e revisor fizeram picadinho. Uma lorota simbólica da ausência de rigor na montagem de um esquema baseado na confiança da impunidade.

Calma no Brasil. As reiteradas tentativas de se adivinhar o comportamento do Supremo, em particular o voto dos ministros, têm levado a precipitações que ora contribuem para a desinformação ora para uma exacerbação artificial do clima de beligerância na Corte.

De onde por vezes se tem a impressão de que estejam sob o crivo da suspeita os magistrados e não os réus.

Desde o início o contraditório natural, e até essencial, de um processo complexo como esse vem sendo confundido com uma guerra de egos, de posicionamentos políticos pessoais e de desacerto na condução das audiências.

A realidade, porém, contradiz essas suposições em boa medida alimentadas pelas defesas dos acusados às quais se tem dado ouvidos de maneira pouco criteriosa. Lançam-se dúvidas sobre a imparcialidade dos juízes sem levar em conta a parcialidade inerente à função dos advogados.

Nessas três semanas, não obstante previsões, algumas catastróficas, restou demonstrado que a sistemática escolhida pelo relator facilita o entendimento e que o revisor tem exata noção do conceito de submissão ao rito.

O modelo inclusive o permitiu fazer uma exposição bastante clara, organizada e concatenada. Digna de registro é a opção de ambos pelo uso do português, em detrimento do habitual juridiquês, numa mostra de respeito ao sagrado direito do público de compreender.

Haverá discordâncias? Muitas, como a primeira exposta ontem. Mas o colegiado é maior de idade, resolve os conflitos desviando-se dos atropelos e conduz o julgamento sem protelação.

Observação final: voto é convicção, mas Ricardo Lewandowski não precisaria ter transformado o seu em celebração ao fazer um "desagravo" a Luiz Gushiken. Bastava absolvê-lo.

A lógica da 'total balbúrdia' - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 24/08


Em dado momento da detalhada fundamentação do seu voto pela condenação do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro nas suas transações com o publicitário Marcos Valério e associados, também incriminados, o revisor do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, feriu, como dizem os juristas, a razão última de ser do aparelhamento do Estado nacional na era Lula. Depois de passar o pente-fino nos autos que tratam do desvio de recursos públicos na administração federal no período coberto pela denúncia, o ministro atinou com a lógica da aparente loucura, ou, nas suas palavras, a "total balbúrdia" que reinava na área do Banco do Brasil (BB) comandada por Pizzolato - uma amostra fidedigna do ambiente, condutas e fins disseminados no governo petista.

Logo nos meses iniciais do seu primeiro mandato, como revelou à época a jornalista Eliane Cantanhêde, da Folha de S.Paulo, o presidente Lula trocou 21 dos 33 ocupantes dos principais cargos do BB e instalou companheiros em sete vice-presidências e na maioria das diretorias da instituição, entre outros postos relevantes. Sem demolir uma estrutura baseada exclusivamente no mérito de funcionários de carreira (somente três cargos da cúpula do banco podiam ser preenchidos por quem não fosse concursado) dificilmente ocorreria a negociata - para ficar apenas nesse caso comprovado de ponta a ponta - pela qual a DNA, uma das agências de Marcos Valério, recebeu indevidamente mais de R$ 73 milhões do Fundo Visanet, de que o Banco participava, e premiou Pizzolato com R$ 326 mil em dinheiro vivo. Por sinal, a exemplo do que fizera na véspera o relator Joaquim Barbosa, Lewandowski reduziu a nada, na sua manifestação da quarta-feira, as alegações de inocência do acusado, já de si implausíveis.

Custa crer, do mesmo modo, que ele seria apenas a proverbial maçã podre do cesto de frutas em ótimo estado. Ou que cometesse os seus atos ilícitos à revelia de seus pares - menos ainda dos seus interlocutores no partido a que servia. A balbúrdia que o ministro identificou em um setor do BB que despendia, por suas naturais atribuições, grossos valores tampouco era expressão de desmazelo. "Essa falta de sistemática", apontou Lewandowski, ao destacar a precariedade das autorizações - dadas até por telefone - para vultosos repasses, tinha, a seu ver "um propósito". O que se apurou do escândalo do mensalão, antes e depois da abertura do processo no STF, deixa patente que propósito era esse. O aparelhamento do Banco do Brasil, assim como de outras entidades da administração indireta, sem falar do governo propriamente dito, não servia apenas para empregar sindicalistas e políticos derrotados em eleições - despreparados, quase sempre, para as funções que exerceriam.

Além disso, a ocupação do Estado sob Lula, notadamente dos seus ramos mais "lucrativos" em potencial, criou as condições necessárias para a manipulação de recursos públicos em benefício do partido que assumira o poder depois de atear fogo a suas vestimentas éticas ostentadas anos a fio - como evidenciaram os pagamentos prometidos pelo PT a políticos de outras legendas ainda na campanha presidencial em troca de apoio ao seu candidato. Mesmo que se tome pelo valor de face a versão petista de que a isso - e não para remunerar parlamentares pelos seus votos em favor do governo - se destinavam os milionários empréstimos conseguidos mais tarde graças ao bons ofícios de Marcos Valério, o acesso ao erário era indispensável para pôr o esquema em movimento, beneficiando em primeiro lugar o seu operador. O mensalão, ao que tudo indica, foi a ponta de um iceberg de proporções ainda por medir.

Esse não é o retrato completo dos anos Lula. Na Petrobrás, que forma com o Banco do Brasil a joia da coroa das estatais, pode não ter havido o que se denunciou e se comprovou na sesquicentenária instituição financeira, mas, aparelhada, ela não cumpriu uma única meta em sete anos - a ponto de a presidente Dilma Rousseff ter nomeado para a sua presidência a executiva Graça Foster com a missão de dar um choque de gestão na empresa. Em suma, com as clássicas exceções que confirmam a regra, o que não era preparo de terreno para corrupção era incompetência premiada.

Oração da vitória - DANIEL SOTTOMAIOR

FOLHA DE SP - 24/08


Não deveria haver reza coletiva por atletas em quadra. Um ser onibenevolente não veria mal em esperar 15 minutos até a seleção de vôlei ir ao vestiário


Um hipotético sujeito poderoso o suficiente para fraudar uma competição olímpica merece ser enaltecido publicamente? A se julgar pela ostensiva prece de agradecimento da seleção brasileira de vôlei pela medalha de ouro nas Olimpíadas, a resposta é um entusiástico sim!

Sagrado é o direito de se crer em qualquer mitologia e dá-la como verdadeira. Professar uma religião em público também não é crime nenhum, embora costume ser desagradável para quem está em volta.

Os problemas começam quando a prática religiosa se torna coercitiva, como é a tradição das religiões abraâmicas. Os membros da seleção de vôlei poderiam ter realizado seus rituais em local mais apropriado. É de se imaginar que uma entidade infinita e onibenevolente não se importaria em esperar 15 minutos até que o time saísse da quadra.

Mas uma crescente parcela dos cristãos brasileiros não se contenta com a prática privada: para eles, é importante a ostentação, pois ela demarca o território religioso e, melhor ainda, tem valor de proselitismo. Propaganda é a alma do negócio.

Mas, no caso das olimpíadas, a publicidade é irregular por dois motivos. Primeiro porque, da forma como é feita, deixa em situação constrangedora todos que não partilham da mesma crença. É evidente que a aceitação social está em jogo numa situação dessas. Na prática, a oração se torna uma obrigação que fere a liberdade constitucional de consciência e crença dos jogadores.

Além disso, o Comitê Olímpico Brasileiro é financiado por recursos públicos -2% da arrecadação bruta das loterias federais.

O que os atletas fizeram foi sequestrar aquele privilegiado espaço publicitário, pago com dinheiro de cidadãos brasileiros de todas as crenças e descrenças, para promover atividades sectárias que só beneficiam seus fins particulares, em detrimento de todos os demais cidadãos brasileiros.

Lamentavelmente, a sociedade ainda não presta atenção suficiente a esses abusos.

Hoje em dia, pega muito mal se um cristão for converter à força um negro, um índio ou um judeu, como tanto se fez nesta terra. Mas, no que diz respeito aos poderes públicos, somos todos, sim, cristãos à força: no preâmbulo da constituição, no dinheiro, no cerimonial dos poderes públicos, na simbologia de suas repartições, nas concessões públicas de rádio e TV, na destinação de recursos públicos e até nos esportes olímpicos.

Com a sua atitude, a seleção olímpica do país deixa de representar a mim e aos milhões de brasileiros não cristãos. Ao pessoal da seleção: esse é o resultado da sua oração. Valeu a pena? Sei que muitos dirão que sim. Esse é um dos aspectos mais corrosivos da religião: priorizando pretensos seres metafísicos em detrimento dos humanos de verdade, ela só causa sofrimento.

A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos já denunciou mais de um caso de sentenças judiciais em que magistrados se veem no direito de sentenciar cidadãos brasileiros a práticas religiosas cristãs, assim como a seleção sentenciou o Brasil a uma representação cristã. Desta maneira, não é de se admirar que 42% dos brasileiros vejam ateus com repulsa, ódio ou antipatia, o maior índice de rejeição conhecido no país.

Tonia Carrero, o pão com manteiga, a madrugada - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO


O Estado de S.Paulo - 24/08


Ontem Tonia Carrero fez 90 anos. Uma das raras divas absolutas do teatro e cinema brasileiros. Tivemos e temos poucas divas. Pessoas de beleza, talento e acima de tudo personalidade, que atravessam décadas e permanecem amadas. Meu primeiro choque, porque foi um choque, diante de Tonia foi na tela em Quando a Noite Acaba (1950), filme de Fernando de Barros, um dos homens responsáveis pelo seu lançamento no teatro, ao produzir a peça Um Deus Dormiu Lá em Casa, releitura da tragédia grega por Guilherme Figueiredo, dirigida por Silveira Sampaio em 1949. Quando se leem hoje as críticas da época, percebe-se o impacto que Tonia causou. No teatro, uma única mulher competia com ela em beleza, Maria Della Costa, viva e firme aos 86 anos. Dois anos mais tarde viria Eliane Lage, estrela da Vera Cruz, bela, elegante, enigmática. Viva, mora em Pirenópolis, com 84 anos, lúcida, divertida.

Ainda em Araraquara, veio a Tonia de Tico-tico no Fubá, (1952), biografia romanceada de Zequinha de Abreu. Superprodução da Vera Cruz, produzida também por Fernando de Barros e dirigida por Adolfo Celi, que seria o segundo marido de Tonia. Ela era Branca, a amazona, de pernas de fora em cima de um cavalo, fazendo acrobacias no picadeiro. Provocou a paixão em Zequinha de Abreu (Anselmo Duarte), que para ela compôs a valsa de mesmo nome. Uma triste valsa. Para nós, araraquarenses, havia um quê a mais (como se dizia), porque Branca, que na vida real tinha sido filha do chefe de estação (o filme abusa da licença poética) de Santa Rita do Passa Quatro, segundo o diretor de teatro Wallace Leal, mudou-se para Araraquara na velhice. Morava na esquina da Rua Oito com a Avenida Sete de Setembro.

Assim que formada, em 1956, a Companhia Tonia-Celi-Autran encenou a peça de Sartre,Entre Quatro Paredes. Terminada a temporada em São Paulo, excursionou pelo interior. Foi para Araraquara, representou no Teatro Municipal. Tonia, Paulo Autran, Margarida Rey e Geraldo Matheus interpretavam. Mais tarde, Osvaldo Loureiro substituiu Geraldo, que se tornou administrador da companhia. A filha dele e da atriz Monah Delacy, Christiane Torloni, nasceria no ano seguinte, 1957.

Uma noite, terminada a peça, os atores jantaram no Clube Araraquarense, espaireceram na varanda e em seguida Tonia e Paulo Autran se juntaram a alguns jovens atores de um grupo de teatro local, chamado Teca, e eu. Naquele momento, senti-me parte do filme Os Boas-Vidas (I Vitelloni), de Fellini, em que jovens provincianos (caipiras) se deslumbram com a visita de um famoso comediante e o conduzem pela cidade. No caso de Fellini, sempre mordaz, era um ator decadente que se achava o máximo.

Mas Tonia era a maior e mais bela atriz brasileira e justificava nosso enfeitiçamento. Um táxi conseguido a duras penas (era tarde da noite) nos levou à casa de Branca, aquela que Tonia tinha vivido no filme. Ela olhou a casa por um momento, saiu do táxi, pediu para ficar sozinha. Pensamos e infelizmente não fizemos, não acordamos Branca, que ainda vivia ali e teria àquela altura cerca de 70 anos. Depois, circulamos e, enfim, por sugestão de Inah Bittencourt, fomos ao outro lado da cidade, à padaria Perez, da família de Inah. A irmã de Inah, Inaiá, foi amiga íntima de Ruth Cardoso. Quando chegamos, quase uma da manhã, demos sorte. Pegamos a primeira fornada de pães mais do que quentes, quentíssimos. Pelando, como se dizia. Paulo Autran apanhou um, passou à Tonia, pegou outro para ele, ambos envolvidos pelo cheiro. Inah trouxe manteiga fresca.

Aquela cena ficou congelada em minha memória. Permanece clara, assim como o cheiro do pãozinho francês quente e da manteiga que se derretia e escorria pelas mãos de Tonia, lambuzava sua boca, seu queixo. Ela sorria e comia lentamente, com o prazer explodindo nos olhos claros. Aquilo era pura excitação.

Poucos sabem que na esquina da Avenida Barroso com a Rua Dois, em Araraquara, numa madrugada dos anos 50, houve um momento de magia. Tonia Carrero, que acaba de fazer 90 anos, e Paulo Autran, comeram pães frescos e se deliciaram. Para mim, a história dos reinos, das cidades e das pessoas é formada por pequenos episódios, insignificantes, mas que permanecem na memória de um e de outro. Há sempre uma testemunha de nossos pequenos gestos, frases, apenas não sabemos. Se eu tivesse sido convidado para os 90 anos da atriz, no Rio de Janeiro, teria levado uma cestinha de pães, manteiga e contaria essa história. A mulher que fascinava no palco (foram 54 peças) fascinava na intimidade, ao comer sensual e elegantemente, pão com manteiga, na madrugada de uma vila interiorana. Diva até no prosaico cotidiano. A padaria não existe mais, foi demolida. O teatro foi por terra. A casa de Branca ainda está lá, quase intacta.

Os campeões de audiência - MARIA CRISTINA FERNANDES


Valor Econômico - 24/08


As sessões do Supremo têm terminado um pouco antes de se iniciar a propaganda eleitoral. Os minutos que separam aquele cenário bege de togas pretas das megaproduções em película e efeitos especiais quebram o parágrafo no meio de uma oração com sujeito, verbo e predicado.

Lida sem pausa a oração fica assim: o peso da propaganda eleitoral para o sucesso das campanhas subordinou o negócio da política à busca por coligações eleitorais que aumentam os minutos de TV.

Muito ainda vai correr sobre publicitários, lideranças partidárias e homens de governo que a puseram em marcha mas o desvio de dinheiro público como motor dessa engrenagem já tem dois votos no plenário da Corte.

Julgamento e horário eleitoral são dois tempos de um jogo

A propaganda eleitoral, assim como a corrupção, não são uma invenção nacional. E em todo lugar convive-se com as mazelas que o sistema de propaganda eleitoral cria.

Jabuticaba é fazer um julgamento causado, em grande parte, pelas mazelas dessa propaganda eleitoral e dar início a uma nova rodada desses reclames nos mesmos moldes e regras como se uma coisa nada tivesse a ver com a outra.

No Brasil, o tamanho das coligações determina a duração do horário eleitoral e a quantidade de comerciais a serem exibidos. A grita de que sejam pagos com renúncia fiscal das emissoras só não é maior porque a referência que se está sempre a macaquear, os Estados Unidos, têm um sistema radicalmente privatista cujos danos são denunciados pelo próprio presidente da República.

Lá só há comerciais, a grande maioria pagos por lobbies privados e muitos dos quais de agressividade ímpar contra candidatos que se indisponham contra seus interesses. Dois anos atrás a Suprema Corte derrubou os últimos limites que havia ao gasto privado.

O Brasil leva ao limite a lógica da proporcionalidade que se retroalimenta. Ganha mais tempo de televisão quem tem o poder de formar maiores coligações. Vence as eleições quem tem um dos três maiores tempos de televisão. E, de posse do governo, o partido vitorioso tem os meios de formar as alianças que dão acesso à telinha.

A indústria da propaganda eleitoral mescla-se com a da comunicação de governo. Misturam-se clientes, verbas e descaminha-se o interesse público.

Produzem-se no Brasil, como se viu ontem, algumas das campanhas mais bem elaboradas do planeta.

São eficazes não exatamente para convencer o eleitor. Este confia mais na opinião da família e dos amigos. O que a propaganda faz é dar argumentos para o terço do eleitorado que costuma assistir. É este eleitor que alimenta a conversa na fila de ônibus, na repartição e nos bares.

A questão é saber se à sofisticação da promessa corresponde a eficácia da cobrança. Apenas um dos candidatos em tela passará pelo detector de mentiras que é a administração pública.

Em São Paulo, os candidatos chegaram à campanha com recursos desiguais dizendo mais ou menos aquilo que já se ouvia deles nas ruas.

O candidato do PRB apresenta as credenciais da defesa do consumidor. Num país em que ficou mais fácil fazer um enxoval de bebê do que marcar uma consulta com um pediatra, é um apelo que pega. Não formula uma proposta de governo com começo, meio e fim, mas tem um bom número: "Celso é 10".

No horário de estreia, seu vice, dirigente da OAB e líder do "Cansei" conta a história de um menino que tinha um passarinho na mão. Perguntou ao sábio se estava vivo ou morto. Apertaria o passarinho se a resposta fosse "vivo" e venceria a peleja. O sábio respondeu: "Pode estar vivo ou morto. Está em suas mãos". Pela parábola, vê-se que busca crédulos. Nesta altura da campanha, é natural que esteja bombando.

O último Datafolha mostrou que Russomano cresceu em toda a cidade mas, nos núcleos mais marcadamente petistas, a periferia extrema, cresceu junto com Fernando Haddad.

Já no entorno do centro expandido da capital, terreno mais consolidado do PSDB, o crescimento de Russomano se deu às custas de José Serra.

O candidato do PSDB estreou a campanha na TV em busca de uma vacina contra a rejeição crescente. Elenca todos os cargos que já ocupou na vida. Dá a entender que São Paulo deveria se orgulhar de ter sido administrada por ele durante um ano e quatro meses.

Passeia de bicicleta e empina pipa para fazer frente aos adversários mais jovens e se diz no "auge da experiência" - "O importante não é ser novo, mas ter ideias novas".

Ressuscita o mote de condutor da locomotiva paulista sem deixar claro por que isso faria diferença para o jovem com segundo grau e renda até cinco salários mínimos que capitaneia sua rejeição.

Fernando Haddad, menos conhecido até que Eymael, evitou cair na armadilha de se apresentar de cara ao leitor com as fotos de sua infância e adolescência.

Vacinou-se contra a ideia de que é marionete de Lula aparecendo sozinho na primeira metade do programa, andando com passo determinado pelos pontos mais conhecidos da cidade.

Até quando Lula aparece, num bate-papo com ele, não é do ex-presidente a última palavra, mas do candidato.

Lula tem o mais forte dos três apelos abrigados pelo programa.

O primeiro é o da pedagogia do voto. Lula aproveita-se da popularidade de Dilma na cidade para dizer que, assim como não se enganou ao escolhê-la, não tem dúvidas em pedir voto para Haddad.

A segunda é a história de que Lula e Dilma melhoraram a vida do paulistano dentro de casa e ele vai fazê-lo da porta para fora.

O terceiro apelo do candidato está na cena em que está ao lado da mulher e dos dois filhos enquanto discursa em convenção petista, nos moldes dos candidatos americanos. Só ficou faltando Stick, o labrador da família.

Começou batendo contra os "prefeitos de meio mandato e meio expediente". O troco já está a caminho, com a exploração, pelo PSDB, do mensalão.

Quem não parece não vir nunca é um candidato que encurte o caminho entre o julgamento e a campanha e mostre que estão em curso dois tempos de um mesmo jogo.

É a poupança externa - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 24/08



As contas externas não estão confirmando as afirmações reiteradamente repetidas de que o Brasil deixou de ser objeto das preferências do investidor estrangeiro.

Só em julho entraram US$ 8,4 bilhões como Investimento Estrangeiro Direto (IED), o que perfaz para os sete primeiros meses do ano o total de US$ 38,1 bilhões, praticamente o mesmo volume apresentado em igual período do ano passado. Em 12 meses, o IED acumulado alcançou US$ 66,3 bilhões, o equivalente a 2,8% do PIB.

Isso indica que as atuais projeções para o IED em 2012, tanto do Banco Central (de US$ 50 bilhões) quanto do mercado financeiro (US$ 55 bilhões), parecem conservadoras. No ano passado, essa rubrica apresentou um total de US$ 66,7 bilhões.

É volume de capitais mais do que suficiente para cobrir o rombo das Contas Correntes (fluxo de mercadorias, serviços e transferências de recursos pelas famílias), que chegar neste ano a US$ 56,0 bilhões, pelas projeções do Banco Central, ou a US$ 58,6 bilhões, nas avaliações do mercado aferidas pela Pesquisa Focus.

Mais ainda, trata-se de um capital de investimento, portanto, com permanência prevista para muitos anos. Dessa maneira, não tem os inconvenientes das aplicações especulativas, que a qualquer momento podem levantar voo e deixar a economia de mãos abanando.

Embora possa ser considerado uma espécie de colesterol bom para o coração da atividade produtiva, alguns economistas sempre olham com alarmismo para o tamanho do rombo em Contas Correntes, que, neste ano, deverá alcançar alguma coisa em torno dos 2,4% do PIB. Entendem que deixa vulnerável as finanças do País em relação ao resto do mundo, situação que, no passado, concorreu para suspensão de pagamentos e crise cambial.

O problema é que a vulnerabilidade não está propriamente nesses fluxos de recursos. Está na baixa capacidade de poupança do brasileiro, que não passa de 16% ou 17% do PIB. Esse baixo nível de poupança reduz a capacidade de investimento. E o investimento insuficiente é a principal causa do PIB nanico. Essa é a razão pela qual o Brasil precisa importar ou incentivar a entrada de capitais de investimento destinados a suprir a poupança interna. Mesmo assim, ainda não chegaram a 3,0% do PIB. Isso significa que, somadas, poupança interna e poupança externa não chegam a 22% do PIB, condição para permitir um crescimento econômico de pelo menos 4% ao ano.

Essa necessidade de atrair capitais externos, por sua vez, exige que o saldo das Contas Correntes seja negativo (apresente déficit). Se fosse superavitário, implicaria entrada de dólares que, juntamente aos que entrassem como investimento, produziriam enorme pressão sobre o câmbio. Ou seja, tenderia a derrubar as cotações do dólar e, assim, a tirar competitividade do setor produtivo brasileiro, especialmente da indústria.

Não dá para prever até quando os capitais continuarão seu desembarque generoso no Brasil. O que dá para dizer é que há uma abundância nunca vista de capitais parados nos mercados, interessados em promissoras aplicações. Apesar dos riscos já conhecidos, o Brasil se mantém na mira.

A política comanda a economia - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA DE SP - 24/08

Faz cinco anos que o mundo vive sob o impacto de uma das crises econômicas mais graves que a humanidade conheceu. Em países como Espanha e Grécia, a taxa de desemprego de hoje é igual à que ocorria nos Estados Unidos no auge da Grande Depressão dos anos 1930. No caso da Grécia, projeta-se que mais de 30% da população ativa estará desempregada no próximo ano. Certamente um recorde mundial.

Na minha coluna anterior, trouxe ao leitor da Folha um cronograma detalhado dos fatos que compõem a crônica destes dias terríveis nos países mais ricos do mundo. Hoje, gostaria de refletir sobre o que podemos esperar nos próximos meses e, principalmente, no início de 2013, nas economias avançadas que estão no centro desse longevo furacão econômico.

Uma primeira observação que se impõe ao analista é a de que, antes de chegar aos fenômenos econômicos em si, é preciso ter em conta a situação política nos países mais diretamente envolvidos. Vou mais longe nesta minha observação: para acompanhar e projetar a economia mundial no futuro próximo, é preciso conhecer a dinâmica política das democracias ocidentais e, principalmente, o padrão de comportamento das lideranças que formam os governos desses países. Daí a dificuldade de um grande número de analistas em acompanhar a economia nos últimos meses.

Podemos notar uma característica de ciclotimia no comportamento dos agentes econômicos, que oscila entre momentos de pânico associado a um fim de mundo próximo e momentos de maior estabilidade e confiança no futuro. Para mim, a origem desse comportamento vem exatamente do domínio da política sobre a teoria econômica no encaminhamento da crise.
Tomemos o exemplo da chanceler alemã, Angela Merkel, a mais poderosa mulher no mundo de hoje.

Todos sabem que a Alemanha é a peça-chave na equação econômica –e política– da zona do euro e que depende de seus dirigentes a continuidade da União Europeia nos padrões de hoje ou uma ruptura estrutural no seu conceito original.

Pois eu vinha notando uma mudança sutil –mas radical– nas declarações de Merkel em relação, principalmente, à possibilidade de o BCE intervir no mercado comprando títulos soberanos dos países vistos como mais frágeis.

Essa decisão é considerada por vários analistas como a única com poder suficiente para estabilizar os juros dos papéis soberanos de Espanha, Itália, Portugal e outros. Pois na semana passada, em uma bucólica viagem de Estado ao Canadá, a chanceler alemã deu uma clara declaração de apoio entusiasmado ao presidente do BCE, o italiano Mario Draghi.

Minhas incertezas em relação ao porquê do apoio de Merkel ao ousado plano do BCE –irresponsável, na opinião do Bundesbank– deixaram de existir quando, no fim de semana seguinte, li na internet um artigo fantástico de um analista político europeu associando essa mudança de 180 graus a um fato que tinha me escapado: a Alemanha terá eleições para seu Parlamento no ano que vem. E Merkel é candidatíssima a um terceiro mandato como chanceler da Alemanha.

Nessas condições, a única alternativa que se apresenta a ela é manter a crise na Europa sob controle via ações pontuais de apoio aos países na marca do pênalti. Ou seja, não há mais espaço de tempo até as eleições alemãs para grandes soluções estruturais sem que a chanceler incorra em altíssimos riscos eleitorais.

E o único e grande aliado de Merkel nessa busca para levar a crise em banho-maria até o ano que vem é Draghi. Com o BCE comprando, no mercado, títulos de prazos menores sem limite de valor, o Fundo Europeu de Estabilização poderá dar conta das necessidades financeiras dos países em dificuldades, inclusive a Itália.

Nesse cenário, haverá redução importante dos riscos de colapso financeiro e os mercados devem voltar a viver dias menos agitados, apesar de um cenário econômico difícil devido ao crescimento econômico ainda de recessão.

Reformas estruturais mais duradouras na zona do euro devem ficar mesmo para depois das eleições alemãs.