REVISTA VEJA
O julgamento dos réus do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que começou na quinta-feira passada, em Brasília, está tendo cobertura especial do site de VEJA, com transmissão ao vivo direto do plenário do tribunal. As falas dos ministros são acompanhadas de comentários dos jornalistas da revista e de especialistas com o uso do Storify, ferramenta de internet que permite contextualizar eventos em tempo real sem interferir na transmissão de imagens e sons. Quatro jornalistas de VEJA e VEJA.com presenciarão todo o julgamento no plenário e na sala de imprensa do Supremo Tribunal. Suas contribuições ajudarão o leitor ligado em VEJA.com a entender a essência das discussões entre os ministros e os advogados, muitas vezes travadas em impenetrável jargão jurídico.
Ao fim das sessões mais significativas do julgamento, o site de VEJA colocará no
ar uma mesa-redonda comandada pelo jornalista Augusto Nunes e com a participação do advogado Roberto Podval, do historiador Marco Antonio Villa e do colunista Reinaldo Azevedo. A eles caberá fazer paralelos históricos, avaliar o impacto político e a qualidade jurídica dos pareceres e pôr em perspectiva as decisões emanadas dos votos dos ministros do STF. As primeiras mesas-redondas foram ao ar na quinta e na sexta-feira passadas. Elas voltam a ser montadas nos próximos dias 8 e 14 de agosto, quando, segundo o cronograma do Supremo, o julgamento terá fases decisivas concluídas. A partir de 20 de agosto, os programas de debate serão toda segunda, quarta e quinta em VEJA.com.
A intensa cobertura de internet complementa as reportagens semanais de VEJA e suas versões digitais para tablet. O esforço para acompanhar o julgamento do mensalão é mais do que justificado. Da lucidez, isenção e sabedoria jurídica dos onze ministros do STF poderá emergir um padrão mais elevado para a prática política no Brasil. Contra suas decisões não cabem recursos. Elas são definitivas. Ficam também para a história como uma jurisprudência que não poderá mais ser desafiada pelos políticos sem a certeza da punição.
domingo, agosto 05, 2012
No rastro do dinheiro - REVISTA ÉPOCA
REVISTA ÉPOCA
A saga da polícia federal em busca das provas do mensalão – e o momento em que marcos valério foi obrigado a colaborar com a Justiça
No começo da manhã de 13 de julho de 2005, uma quarta-feira que mudaria a história política do Brasil, uma equipe da Polícia Federal invadiu o prédio de número 380 na Avenida João Azeredo, em Belo Horizonte. Funcionava ali o arquivo do Banco Rural; começava naquele momento o dia mais difícil da carreira daqueles sete delegados e agentes. Pesava sobre eles a responsabilidade de encontrar e apreender os documentos que comprovariam o recém-descoberto esquema do mensalão. Com papéis, havia mensalão. Sem papéis, havia somente as palavras iracundas de Roberto Jefferson – o deputado do PTB que confessara como o governo do PT comprara os partidos da base aliada no Congresso.
Uma semana antes, enquanto a reputação de deputados e ministros estilhaçava- se a cada ária de Jefferson, delegados da PF haviam encontrado em Brasília a testemunha mais importante – e desconhecida – do caso: José Francisco de Almeida Rego, ex-tesoureiro da notória agência do Banco Rural na Capital Federal. Segundo Jefferson, era nessa agência que deputados e assessores buscavam o dinheiro do mensalão – algo que todos os envolvidos, àquela altura, negavam. Pressionado, Rego contou que a agência funcionava como uma espécie de sucursal financeira em Brasília do publicitário Marcos Valério, onde se distribuía dinheiro vivo à larga por ordens dele. Ordens que chegavam por fax ou e-mail, enviados da sede do Banco Rural em Belo Horizonte,onde se controlavam as contas de Valério.Como tudo era feito na camaradagem, e o dinheiro entregue não deixava vestígios, a prova do mensalão estava no arquivo central do Banco Rural. Lá, acreditava-se, constariam os pedidos de saque com os nomes dos beneficiários. Eram esses papéis que os policiais buscavam naquele dia.
“Só saímos daqui com esses documentos”, disseram os delegados assim que chegaram ao arquivo do Rural e entregaram a ordem judicial de busca e apreensão aos funcionários do banco. Prosseguiu-se entre eles o corre-corre que só o desespero provoca. Enquanto os delegados aguardavam a papelada, outras equipes da PF faziam batidas na agência do Rural em Brasília e na sede do banco, em Belo Horizonte (o arquivo do Rural fica noutro endereço). Os policiais tinham esperança de encontrar provas semelhantes nos dois locais.As más notícias, porém, viajavam rapidamente entre os rádios da PF.Câmbio: nada na agência do Rural em Brasília – apenas dez recibos de pagamento,mas sem nomes.Câmbio: nada na sede do Rural em Belo Horizonte.
Os documentos, ao que tudo indicava, haviam sido destruídos. No arquivo do Rural, as horas transcorriam lentamente. Dez da manhã.Meio-dia.Duas da tarde.
Quatro da tarde – e nada.Os sete policiais acossaram os funcionários e repetiram o ultimato: todo mundo só deixaria o prédio quando os papéis aparecessem. Súbito, apareceram.
Os advogados do Rural permitiram que os policiais fossem à sala onde estavam separadas caixas com os documentos. A equipe da PF constatou, num exame rápido, que se tratava dos papéis procurados. Havia faxes, e-mails, cheques e notas comas ordens de pagamento enviadas por gerentes de Marcos Valério à agência do Rural em Brasília. Eles exibiam os nomes dos deputados e de assessores pilhados no mensalão – entre eles, o petista João Paulo Cunha (ex-presidente da Câmara), José Janene (líder do PP) e Valdemar Costa Neto (presidente do PL). Não havia mais como negar – até aquele dia, Marcos Valério jurava que não repassara dinheiro a Delúbio Soares, e Delúbio Soares jurava que não recebera nada. A prova material confirmava o que Jefferson contara. O mensalão estava provado.
Os policiais informaram o achado a seus superiores em Brasília, lacraram os documentos e partiram rumo ao aeroporto da Pampulha. Entraram no Cessna Citation, prefixo PT-LVF, avião usado pela PF em suas principais operações – e deram ordem para que o piloto decolasse rumo a Brasília. Enquanto o Citation taxiava na pista, tocou o celular de um delegado. Era o juiz federal Jorge Gustavo Costa, da Quarta Vara de Minas Gerais, o mesmo que autorizara a busca no arquivo do Banco Rural. “Não é para decolar”, disse ele.“Voltem, lacrem tudo e devolvam o material.O processo vai subir.”Subir, no jargão jurídico, significava enviar os documentos do caso ao Supremo Tribunal Federal, onde o inquérito passaria a tramitar. Até então, o processo transcorria na Justiça Federal de Minas, onde estão sediadas as empresas de Marcos Valério.A razão da mudança estava implícita: o esquema envolvia parlamentares e ministros,que têm o direito de ser julgados apenas no STF.
Nada mais natural, portanto, que remeter o processo ao Supremo. O que causou estranheza entre os investigadores foi a espantosa velocidade da decisão: as provas haviam sido descobertas havia poucas horas. Nunca antes na história deste país a Justiça fora tão ágil. Os delegados foram informados pelo juiz Costa de que o advogado Marcelo Leonardo, que defendia Valério, lhe dissera havia pouco que seu cliente resolvera colaborar coma Justiça – e entregaria acusados com foro no STF. Ou seja: Valério entregaria o que provavelmente sabia que a PF já obtivera. Em seguida, o juiz Costa checou os documentos apreendidos, percebeu a gravidade do caso e ligou para o então presidente do Supremo, Nelson Jobim. “Traga o processo para cá pessoalmente”, disse Jobim. (Na semana seguinte, o juiz levou os documentos a Brasília.)
Até essa decisão do juiz Costa, os delegados esperavam ter alguns dias para analisar o material apreendido, escrever um relatório comas informações nele descobertas – e, só então, enviá-lo com o exame inicial das provas ao Supremo. Esse é o procedimento normal nesses casos. Mas o mensalão, ao que parece, era diferente. Às 20h40, os delegados já se encontravam na sede do Banco Rural em Belo Horizonte, cercados de advogados, lá deixando os documentos lacrados. A petição de Marcelo Leonardo pedindo que o inquérito fosse remetido ao STF só foi anexada ao processo dois dias depois. Alguém tinha pressa.
Na mesma noite do dia 13 de julho, ante o risco da queda da cúpula da República, Delúbio voou a Belo Horizonte. Foi jantar com Marcos Valério. Iniciava-se aí a montagem da versão da defesa. Os fatos viriam a público e eram inegáveis. Era preciso, portanto, enxergá- los sob outra luz, a luz do caixa dois – e não da compra de apoio político. Na mesma noite, o advogado Marcelo Leonardo pediu uma audiência de seu cliente como então procurador-geral da República,Antonio Fernando de Souza. No dia seguinte, Valério e seu advogado foram a Brasília. Às 15 horas, já estavam com Antonio Fernando. Entregaram a lista de beneficiários do valerioduto – e afirmaram que tudo não passava de caixa dois.Um dia depois, Delúbio foi à Procuradoria-Geral confirmar a versão de Valério. A República sobrevivera.
Mala de rodinhas
Se, hoje, a versão do caixa dois se transformou quase num cacoete dos réus, de tanto ser repetida nos últimos anos, naquele momento era uma novidade. Na noite seguinte à busca da PF no arquivo do Rural, quando o país soube que Marcos Valério entregara a lista com os nomes dos beneficiários do mensalão, pensava-se apenas na espantosa confirmação de que houvera pagamentos sujos a deputados. Parecia uma confissão. Era uma manobra – a manobra jurídica dos “recursos não contabilizados”.A versão é conhecida: Valério afirmou ter recebido uma proposta de Delúbio para tomar empréstimos, por meio de suas empresas, e repassar os recursos obtidos ao PT. De acordo com Valério, a proposta surgiu a partir de seu relacionamento com Delúbio e da “perspectiva de que, mantendo um bom relacionamento com o Partido do Governo, obtivesse serviços para suas empresas, inclusive em futuras campanhas eleitorais”.Delúbio, segundo Valério, dissera que os valores emprestados ao PT seriam restituídos com juros. Além disso, de acordo com a versão de Valério, Delúbio garantira que José Dirceu honraria o pagamento da dívida com as empresas de Valério diante de qualquer dificuldade.O dinheiro serviria para pagar dívidas de campanha da base aliada, que não teriam sido declaradas.
Por essa engenhosa versão, os R$ 55 milhões distribuídos por Marcos Valério a líderes do PT, do PP, do PR, do PMDB e do PTB tinham uma origem legal (empréstimos bancários no Rural e no banco BMG) e destino certo (pagar fornecedores de campanha). No decorrer do processo do mensalão, as investigações derrubaram as duas teses. A origem de boa parte do dinheiro era ilegal, desviada em grande parte dos cofres públicos, por meio de contratos das agências de Marcos Valério com o governo (isso está demonstrado em perícias da PF e do MP). Os empréstimos eram apenas um capital inicial para, nas palavras do procurador-geral Antonio Fernando, a “quadrilha” começar suas “atividades criminosas”. Laudos do Banco Central revelaram que os empréstimos foram concedidos sem lastro financeiro, não eram pagos – e nem eram cobrados pelos bancos. E o destino do dinheiro? Todos os réus embarcaram na versão do caixa dois. Disseram que quitaram despesas de campanha. Crime eleitoral tem penas menores e prescreve antes de corrupção. Quase nenhum beneficiário apresentou notas ou declinou nomes de fornecedores. O dinheiro sumira.
De caixa dois, portanto, faltaram provas. Mas sobraram evidências de corrupção, de favores indevidos – de que, em suma, as sucessivas provas de malfeitorias constituíam, no conjunto, o esquema de compra de apoio político mantido pelo governo do PT no Congresso. Em junho, pouco antes das descobertas da PF, deputados e assessores do PP confirmaram a ÉPOCA que parlamentares do partido recebiam mesada de José Janene, líder do partido, conforme denunciado por Jefferson. Quem entregava a propina era o assessor João Cláudio Genu. Meses depois, os extratos bancários de Valério e a lista entregue por ele ao MP confirmaram Genu como sacador e o PP como beneficiário do esquema. Janene se referiu ao esquema, em depoimento à PF, como um “acordo de cooperação financeira” entre PT e PP.
Naqueles meses iniciais do caso, o mecanismo de investigação era simples. Funcionava assim: a PF e a CPI dos Correios, que também investigava o caso no Congresso, recebiam provas e mais provas, como sigilos bancários, fiscais e telefônicos. As provas envolviam os nomes dos beneficiários do mensalão. Os acusados, que sempre negavam udo, admitiam o que era impossível desmentir – mas davam nova interpretação às evidências. Era o que Valério fizera quando resolveu entregar o caixa dois. O que era impossível desmentir, no entanto, já era grave demais, por mais benevolente que fosse a interpretação. Em 15 de agosto, também em reportagem publicada por ÉPOCA, o presidente do PR, Valdemar Costa Neto, admitiu que fizera um “acordo financeiro” com o PT. No caso dele, ainda mais grave. Valdemar contou, e confirmou depois à PF, que o acordo fora fechado numa reunião na qual se encontravam o então candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, o líder petista José Dirceu e Delúbio Soares. Valdemar contou que vendera o apoio do PR (então PL) ao PT por R$ 10 milhões. Por que Valdemar disse isso? Porque havia provas bancárias de que ele recebera os R$ 10 milhões de Marcos Valério. Melhor chamar de “acordo” o que era uma negociação financeira paga com dinheiro sujo.
Escândalos de desvio de dinheiro são, infelizmente, comuns na política brasileira.Compra de apoio de deputados no varejo também aparece frequentemente no noticiário. O mensalão, no entanto, foi a primeira vez em que líderes de legendas admitiram vender apoio em troca de dinheiro vivo – entregue em malas de rodinhas, como afirmou Valdemar a ÉPOCA. No decorrer das investigações, PP e PTB admitiriam a mesma prática (leia no quadro abaixo as provas testemunhais). Era o caso, pela primeira vez comprovado na história brasileira, em que altos integrantes de um Poder – o Executivo – oferecem dinheiro em troca de apoio a altos integrantes de outro Poder – o Legislativo. Por si só,uma tentado contra a independência dos Poderes e as instituições democráticas.Quando o procurador-geral da República,Roberto Gurgel, definiu em sua acusação na última sexta-feira o mensalão como“o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”, ele não cometeu um exagero retórico. Foi apenas preciso.
Falta de sintonia
As investigações eram intensas – mas dispersas, erráticas. Havia as CPIs no Congresso, que irradiavam depoimentos bombásticos. O marqueteiro Duda Mendonça, que trabalhou na campanha de Lula, confessou ter recebido o pagamento pelos serviços em contas secretas em paraísos fiscais – tudo quitado por Marcos Valério.As CPIs recebiam muitas provas, mas não tinham técnicos suficientes para analisar os documentos. Havia também as investigações da PF e do Ministério Público.Ambas deveriam ser feitas em colaboração.Não foi o que aconteceu. Antonio Fernando, o chefe do MP, reunira uma equipe de confiança, composta de outros três procuradores. Mas não confiava na equipe do delegado Luís Flávio Zampronha, que comandava as investigações da PF. As desconfianças eram mútuas, e em pouco tempo as relações se deterioraram a tal ponto que não havia mais diálogo.
A falta de sintonia produziu trapalhadas, boa parte delas mantida em sigilo até hoje. Os procuradores determinaram, sem compartilhar detalhes com os delegados, que a PF interceptasse o telefone de um“suspeito”que aparecera na lista de entrada dos prédios onde funcionavam o Banco Rural em Brasília e a sede dos Correios, foco de corrupção no governo. A PF mobilizou pessoal e recursos para manter a vigilância. Logo descobriu a identidade do suspeito: um mero funcionário de uma empresa de segurança – informação que poderia ter sido checada com facilidade pelos policiais.“ Perdemos tempo em muitas bobagens desse tipo”, diz um dos policiais que participaram da investigação.
Percalços como esse, é claro, não impediram os avanços. Dois acusados resolveram colaborar com o Ministério Público: o doleiro Lúcio Funaro e o ex secretário- geral do PT Silvio Pereira, o Silvinho, amigo de Dirceu. Funaro intermediara pagamentos do valerioduto a Valdemar. Em três depoimentos sigilosos ao MP, Funaro entregou os comprovantes dos pagamentos a Valdemar – e, por tabela, contou como, pouco antes do escândalo vir a público, Valdemar e Delúbio estavam prestes a ajudá-lo a fazer negociatas com fundos de pensão de estatais. Silvinho confirmou reuniões do deputado João Paulo Cunha, presidente da Câmara na época do mensalão, com Valério, a quem a Câmara contratara como publicitário e de quem João Paulo recebera dinheiro.
À medida que os depoimentos eram tomados pela PF e pelo MP (foram mais de 600), surgiam mais vínculos de Dirceu com o restante da quadrilha. Jefferson o acusara de chefiar o mensalão. Líderes partidários como Valdemar e Janene confirmaram que Dirceu participava do que chamavam de “acordos”. Em depoimentos, Valério e sua mulher, Renilda, disseram que Dirceu sabia dos acertos. As informações eram verossímeis. Dirceu era o líder do Campo Majoritário, corrente mais forte do PT, da qual também participavam Lula, José Genoino, Silvinhoe Delúbio – enfim, a cúpula do governo se misturava à cúpula do PT. Como explicou Jefferson e todos sabiam em Brasília, nenhum“acordo” era fechado sem o aval de Dirceu.
O acordo do mensalão – definido como compra de apoio político, como diz o Ministério Público – é um fato. Assim como a execução financeira desse acordo. Mas não foi o único. Nos depoimentos, constam outros acordos não republicanos de Dirceu com aliados, acordos negociados ou fechados no decorrer do mensalão. O mais grave envolve uma negociação entre Portugal Telecom e o Banco Espírito Santo para comprar a antiga Telemig.Valério era o intermediário dessa operação. Jefferson contou à Justiça que Dirceu prometeu que, se o negócio fosse fechado, Valério repassaria e 8 milhões ao PTB, como pagamento pelo apoio do partido de Jefferson ao governo.
Lendo os depoimentos do caso, surgem evidências de que se tentou fazer negócio. Em 11 de janeiro, Dirceu recebeu na Casa Civil Valério e Ricardo Espírito Santo, acionista do Banco Espírito Santo.Duas semanas depois,Emerson Palmieri, tesoureiro informal do PTB, sob orientação de Jefferson, viajou para Portugal ao lado de Valério e deRogério Tolentino, um dos sócios de Valério. Os três estiveram como presidente da Portugal Telecom. Tudo isso está admitido nos autos.Não se sabe por que o negócio não prosperou. Dirceu já prestou serviços de consultor à Portugal Telecom.
Há um elemento ainda mais constrangedor para Dirceu no processo. Envolve Maria Ângela Saragoça, ex-mulher dele. Ela recebeu favores dos bancos Rural e BMG,em episódios contado sem diferentes versões por todos os envolvidos. Em novembro de 2003,no auge do mensalão, Maria Ângela vendeu por R$ 115 mil um apartamento para Tolentino, o sócio de Valério.A operação foi intermediada por Ivan Guimarães, tesoureiro do PT ao lado de Delúbio e diretor do Banco do Brasil – e, dependendo de quem conta a história, também por Silvio Pereira. Tudo coincidência, segundo todos.Depois de vender o apartamento, Valério, segundo Maria Ângela admitiu, ajudou-a a conseguir um empréstimo de R$ 42 mil no Banco Rural. Como dinheiro, ela comprou um apartamento maior. Dois meses depois, Valério conseguiu um emprego para Maria Ângela no BMG. Como Maria Ângela é funcionária pública, ela disse à Justiça que trabalhava no BMG “três horas por dia”, após o expediente.
Na sexta-feira, quando foi ao plenário do Supremo Tribunal Federal apresentar sua peça de acusação, o procurador- geral Gurgel iniciou sua fala dizendo que haveria provas suficientes para condenar Dirceu.Antes de listá-las, invocou uma teoria jurídica conhecida como “domínio do fato”. Sistematizada pelo jurista alemão Hans Welzel, tal teoria visa complementar outra teoria, conhecida como “restritiva”. Simplificando bastante, a “teoria restritiva”considera como autor do crime só quem realiza diretamente a ação criminosa. Para Welzel, também é autor do crime quem tem o “domínio do fato”, aquele que está no controle da ação criminosa. Em casos ligados a formação de quadrilha ou vínculos mafiosos, segundo Welzel, é extremamente difícil encontrar provas materiais definitivas de envolvimento dos líderes, pois em geral eles costumam não deixar rastros – eles não “sujam as mãos”. Mas seu envolvimento pode ser comprovado por meio das testemunhas que contribuem com o inquérito.
Segundo Gurgel, os depoimentos coletados pelo Ministério Público provam que José Dirceu tinha o “domínio do fato”.Vários dos testemunhos mostram que ele esteve presente a algumas das negociações em que se ofereceu dinheiro em troca de apoio – e, quando não esteve presente, homologou os acordos por telefone.A peça acusatória de Gurgel apresentou abundância de provas contra os réus do mensalão. Faz parte da estratégia da defesa desqualificar essas provas, invocando a “teoria restritiva”. Cabe aos juízes do Supremo Tribunal Federal decidir entre as alegações dos advogados que assessoramos réus do mensalão – entre eles, grandes nomes do Direito brasileiro como Arnaldo Malheiros Filho ou Márcio Thomaz Bastos (leia sua entrevista na página 80) – e a acusação consistente elaborada pela Procuradoria-Geral da República com base no trabalho até hoje pouco conhecido da Polícia Federal.
A saga da polícia federal em busca das provas do mensalão – e o momento em que marcos valério foi obrigado a colaborar com a Justiça
Diego Escosteguy e Marcelo Rocha
No começo da manhã de 13 de julho de 2005, uma quarta-feira que mudaria a história política do Brasil, uma equipe da Polícia Federal invadiu o prédio de número 380 na Avenida João Azeredo, em Belo Horizonte. Funcionava ali o arquivo do Banco Rural; começava naquele momento o dia mais difícil da carreira daqueles sete delegados e agentes. Pesava sobre eles a responsabilidade de encontrar e apreender os documentos que comprovariam o recém-descoberto esquema do mensalão. Com papéis, havia mensalão. Sem papéis, havia somente as palavras iracundas de Roberto Jefferson – o deputado do PTB que confessara como o governo do PT comprara os partidos da base aliada no Congresso.
Uma semana antes, enquanto a reputação de deputados e ministros estilhaçava- se a cada ária de Jefferson, delegados da PF haviam encontrado em Brasília a testemunha mais importante – e desconhecida – do caso: José Francisco de Almeida Rego, ex-tesoureiro da notória agência do Banco Rural na Capital Federal. Segundo Jefferson, era nessa agência que deputados e assessores buscavam o dinheiro do mensalão – algo que todos os envolvidos, àquela altura, negavam. Pressionado, Rego contou que a agência funcionava como uma espécie de sucursal financeira em Brasília do publicitário Marcos Valério, onde se distribuía dinheiro vivo à larga por ordens dele. Ordens que chegavam por fax ou e-mail, enviados da sede do Banco Rural em Belo Horizonte,onde se controlavam as contas de Valério.Como tudo era feito na camaradagem, e o dinheiro entregue não deixava vestígios, a prova do mensalão estava no arquivo central do Banco Rural. Lá, acreditava-se, constariam os pedidos de saque com os nomes dos beneficiários. Eram esses papéis que os policiais buscavam naquele dia.
“Só saímos daqui com esses documentos”, disseram os delegados assim que chegaram ao arquivo do Rural e entregaram a ordem judicial de busca e apreensão aos funcionários do banco. Prosseguiu-se entre eles o corre-corre que só o desespero provoca. Enquanto os delegados aguardavam a papelada, outras equipes da PF faziam batidas na agência do Rural em Brasília e na sede do banco, em Belo Horizonte (o arquivo do Rural fica noutro endereço). Os policiais tinham esperança de encontrar provas semelhantes nos dois locais.As más notícias, porém, viajavam rapidamente entre os rádios da PF.Câmbio: nada na agência do Rural em Brasília – apenas dez recibos de pagamento,mas sem nomes.Câmbio: nada na sede do Rural em Belo Horizonte.
Os documentos, ao que tudo indicava, haviam sido destruídos. No arquivo do Rural, as horas transcorriam lentamente. Dez da manhã.Meio-dia.Duas da tarde.
Quatro da tarde – e nada.Os sete policiais acossaram os funcionários e repetiram o ultimato: todo mundo só deixaria o prédio quando os papéis aparecessem. Súbito, apareceram.
Os advogados do Rural permitiram que os policiais fossem à sala onde estavam separadas caixas com os documentos. A equipe da PF constatou, num exame rápido, que se tratava dos papéis procurados. Havia faxes, e-mails, cheques e notas comas ordens de pagamento enviadas por gerentes de Marcos Valério à agência do Rural em Brasília. Eles exibiam os nomes dos deputados e de assessores pilhados no mensalão – entre eles, o petista João Paulo Cunha (ex-presidente da Câmara), José Janene (líder do PP) e Valdemar Costa Neto (presidente do PL). Não havia mais como negar – até aquele dia, Marcos Valério jurava que não repassara dinheiro a Delúbio Soares, e Delúbio Soares jurava que não recebera nada. A prova material confirmava o que Jefferson contara. O mensalão estava provado.
Os policiais informaram o achado a seus superiores em Brasília, lacraram os documentos e partiram rumo ao aeroporto da Pampulha. Entraram no Cessna Citation, prefixo PT-LVF, avião usado pela PF em suas principais operações – e deram ordem para que o piloto decolasse rumo a Brasília. Enquanto o Citation taxiava na pista, tocou o celular de um delegado. Era o juiz federal Jorge Gustavo Costa, da Quarta Vara de Minas Gerais, o mesmo que autorizara a busca no arquivo do Banco Rural. “Não é para decolar”, disse ele.“Voltem, lacrem tudo e devolvam o material.O processo vai subir.”Subir, no jargão jurídico, significava enviar os documentos do caso ao Supremo Tribunal Federal, onde o inquérito passaria a tramitar. Até então, o processo transcorria na Justiça Federal de Minas, onde estão sediadas as empresas de Marcos Valério.A razão da mudança estava implícita: o esquema envolvia parlamentares e ministros,que têm o direito de ser julgados apenas no STF.
Nada mais natural, portanto, que remeter o processo ao Supremo. O que causou estranheza entre os investigadores foi a espantosa velocidade da decisão: as provas haviam sido descobertas havia poucas horas. Nunca antes na história deste país a Justiça fora tão ágil. Os delegados foram informados pelo juiz Costa de que o advogado Marcelo Leonardo, que defendia Valério, lhe dissera havia pouco que seu cliente resolvera colaborar coma Justiça – e entregaria acusados com foro no STF. Ou seja: Valério entregaria o que provavelmente sabia que a PF já obtivera. Em seguida, o juiz Costa checou os documentos apreendidos, percebeu a gravidade do caso e ligou para o então presidente do Supremo, Nelson Jobim. “Traga o processo para cá pessoalmente”, disse Jobim. (Na semana seguinte, o juiz levou os documentos a Brasília.)
Até essa decisão do juiz Costa, os delegados esperavam ter alguns dias para analisar o material apreendido, escrever um relatório comas informações nele descobertas – e, só então, enviá-lo com o exame inicial das provas ao Supremo. Esse é o procedimento normal nesses casos. Mas o mensalão, ao que parece, era diferente. Às 20h40, os delegados já se encontravam na sede do Banco Rural em Belo Horizonte, cercados de advogados, lá deixando os documentos lacrados. A petição de Marcelo Leonardo pedindo que o inquérito fosse remetido ao STF só foi anexada ao processo dois dias depois. Alguém tinha pressa.
Na mesma noite do dia 13 de julho, ante o risco da queda da cúpula da República, Delúbio voou a Belo Horizonte. Foi jantar com Marcos Valério. Iniciava-se aí a montagem da versão da defesa. Os fatos viriam a público e eram inegáveis. Era preciso, portanto, enxergá- los sob outra luz, a luz do caixa dois – e não da compra de apoio político. Na mesma noite, o advogado Marcelo Leonardo pediu uma audiência de seu cliente como então procurador-geral da República,Antonio Fernando de Souza. No dia seguinte, Valério e seu advogado foram a Brasília. Às 15 horas, já estavam com Antonio Fernando. Entregaram a lista de beneficiários do valerioduto – e afirmaram que tudo não passava de caixa dois.Um dia depois, Delúbio foi à Procuradoria-Geral confirmar a versão de Valério. A República sobrevivera.
Mala de rodinhas
Se, hoje, a versão do caixa dois se transformou quase num cacoete dos réus, de tanto ser repetida nos últimos anos, naquele momento era uma novidade. Na noite seguinte à busca da PF no arquivo do Rural, quando o país soube que Marcos Valério entregara a lista com os nomes dos beneficiários do mensalão, pensava-se apenas na espantosa confirmação de que houvera pagamentos sujos a deputados. Parecia uma confissão. Era uma manobra – a manobra jurídica dos “recursos não contabilizados”.A versão é conhecida: Valério afirmou ter recebido uma proposta de Delúbio para tomar empréstimos, por meio de suas empresas, e repassar os recursos obtidos ao PT. De acordo com Valério, a proposta surgiu a partir de seu relacionamento com Delúbio e da “perspectiva de que, mantendo um bom relacionamento com o Partido do Governo, obtivesse serviços para suas empresas, inclusive em futuras campanhas eleitorais”.Delúbio, segundo Valério, dissera que os valores emprestados ao PT seriam restituídos com juros. Além disso, de acordo com a versão de Valério, Delúbio garantira que José Dirceu honraria o pagamento da dívida com as empresas de Valério diante de qualquer dificuldade.O dinheiro serviria para pagar dívidas de campanha da base aliada, que não teriam sido declaradas.
Por essa engenhosa versão, os R$ 55 milhões distribuídos por Marcos Valério a líderes do PT, do PP, do PR, do PMDB e do PTB tinham uma origem legal (empréstimos bancários no Rural e no banco BMG) e destino certo (pagar fornecedores de campanha). No decorrer do processo do mensalão, as investigações derrubaram as duas teses. A origem de boa parte do dinheiro era ilegal, desviada em grande parte dos cofres públicos, por meio de contratos das agências de Marcos Valério com o governo (isso está demonstrado em perícias da PF e do MP). Os empréstimos eram apenas um capital inicial para, nas palavras do procurador-geral Antonio Fernando, a “quadrilha” começar suas “atividades criminosas”. Laudos do Banco Central revelaram que os empréstimos foram concedidos sem lastro financeiro, não eram pagos – e nem eram cobrados pelos bancos. E o destino do dinheiro? Todos os réus embarcaram na versão do caixa dois. Disseram que quitaram despesas de campanha. Crime eleitoral tem penas menores e prescreve antes de corrupção. Quase nenhum beneficiário apresentou notas ou declinou nomes de fornecedores. O dinheiro sumira.
De caixa dois, portanto, faltaram provas. Mas sobraram evidências de corrupção, de favores indevidos – de que, em suma, as sucessivas provas de malfeitorias constituíam, no conjunto, o esquema de compra de apoio político mantido pelo governo do PT no Congresso. Em junho, pouco antes das descobertas da PF, deputados e assessores do PP confirmaram a ÉPOCA que parlamentares do partido recebiam mesada de José Janene, líder do partido, conforme denunciado por Jefferson. Quem entregava a propina era o assessor João Cláudio Genu. Meses depois, os extratos bancários de Valério e a lista entregue por ele ao MP confirmaram Genu como sacador e o PP como beneficiário do esquema. Janene se referiu ao esquema, em depoimento à PF, como um “acordo de cooperação financeira” entre PT e PP.
Naqueles meses iniciais do caso, o mecanismo de investigação era simples. Funcionava assim: a PF e a CPI dos Correios, que também investigava o caso no Congresso, recebiam provas e mais provas, como sigilos bancários, fiscais e telefônicos. As provas envolviam os nomes dos beneficiários do mensalão. Os acusados, que sempre negavam udo, admitiam o que era impossível desmentir – mas davam nova interpretação às evidências. Era o que Valério fizera quando resolveu entregar o caixa dois. O que era impossível desmentir, no entanto, já era grave demais, por mais benevolente que fosse a interpretação. Em 15 de agosto, também em reportagem publicada por ÉPOCA, o presidente do PR, Valdemar Costa Neto, admitiu que fizera um “acordo financeiro” com o PT. No caso dele, ainda mais grave. Valdemar contou, e confirmou depois à PF, que o acordo fora fechado numa reunião na qual se encontravam o então candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, o líder petista José Dirceu e Delúbio Soares. Valdemar contou que vendera o apoio do PR (então PL) ao PT por R$ 10 milhões. Por que Valdemar disse isso? Porque havia provas bancárias de que ele recebera os R$ 10 milhões de Marcos Valério. Melhor chamar de “acordo” o que era uma negociação financeira paga com dinheiro sujo.
Escândalos de desvio de dinheiro são, infelizmente, comuns na política brasileira.Compra de apoio de deputados no varejo também aparece frequentemente no noticiário. O mensalão, no entanto, foi a primeira vez em que líderes de legendas admitiram vender apoio em troca de dinheiro vivo – entregue em malas de rodinhas, como afirmou Valdemar a ÉPOCA. No decorrer das investigações, PP e PTB admitiriam a mesma prática (leia no quadro abaixo as provas testemunhais). Era o caso, pela primeira vez comprovado na história brasileira, em que altos integrantes de um Poder – o Executivo – oferecem dinheiro em troca de apoio a altos integrantes de outro Poder – o Legislativo. Por si só,uma tentado contra a independência dos Poderes e as instituições democráticas.Quando o procurador-geral da República,Roberto Gurgel, definiu em sua acusação na última sexta-feira o mensalão como“o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”, ele não cometeu um exagero retórico. Foi apenas preciso.
Falta de sintonia
As investigações eram intensas – mas dispersas, erráticas. Havia as CPIs no Congresso, que irradiavam depoimentos bombásticos. O marqueteiro Duda Mendonça, que trabalhou na campanha de Lula, confessou ter recebido o pagamento pelos serviços em contas secretas em paraísos fiscais – tudo quitado por Marcos Valério.As CPIs recebiam muitas provas, mas não tinham técnicos suficientes para analisar os documentos. Havia também as investigações da PF e do Ministério Público.Ambas deveriam ser feitas em colaboração.Não foi o que aconteceu. Antonio Fernando, o chefe do MP, reunira uma equipe de confiança, composta de outros três procuradores. Mas não confiava na equipe do delegado Luís Flávio Zampronha, que comandava as investigações da PF. As desconfianças eram mútuas, e em pouco tempo as relações se deterioraram a tal ponto que não havia mais diálogo.
A falta de sintonia produziu trapalhadas, boa parte delas mantida em sigilo até hoje. Os procuradores determinaram, sem compartilhar detalhes com os delegados, que a PF interceptasse o telefone de um“suspeito”que aparecera na lista de entrada dos prédios onde funcionavam o Banco Rural em Brasília e a sede dos Correios, foco de corrupção no governo. A PF mobilizou pessoal e recursos para manter a vigilância. Logo descobriu a identidade do suspeito: um mero funcionário de uma empresa de segurança – informação que poderia ter sido checada com facilidade pelos policiais.“ Perdemos tempo em muitas bobagens desse tipo”, diz um dos policiais que participaram da investigação.
Percalços como esse, é claro, não impediram os avanços. Dois acusados resolveram colaborar com o Ministério Público: o doleiro Lúcio Funaro e o ex secretário- geral do PT Silvio Pereira, o Silvinho, amigo de Dirceu. Funaro intermediara pagamentos do valerioduto a Valdemar. Em três depoimentos sigilosos ao MP, Funaro entregou os comprovantes dos pagamentos a Valdemar – e, por tabela, contou como, pouco antes do escândalo vir a público, Valdemar e Delúbio estavam prestes a ajudá-lo a fazer negociatas com fundos de pensão de estatais. Silvinho confirmou reuniões do deputado João Paulo Cunha, presidente da Câmara na época do mensalão, com Valério, a quem a Câmara contratara como publicitário e de quem João Paulo recebera dinheiro.
À medida que os depoimentos eram tomados pela PF e pelo MP (foram mais de 600), surgiam mais vínculos de Dirceu com o restante da quadrilha. Jefferson o acusara de chefiar o mensalão. Líderes partidários como Valdemar e Janene confirmaram que Dirceu participava do que chamavam de “acordos”. Em depoimentos, Valério e sua mulher, Renilda, disseram que Dirceu sabia dos acertos. As informações eram verossímeis. Dirceu era o líder do Campo Majoritário, corrente mais forte do PT, da qual também participavam Lula, José Genoino, Silvinhoe Delúbio – enfim, a cúpula do governo se misturava à cúpula do PT. Como explicou Jefferson e todos sabiam em Brasília, nenhum“acordo” era fechado sem o aval de Dirceu.
O acordo do mensalão – definido como compra de apoio político, como diz o Ministério Público – é um fato. Assim como a execução financeira desse acordo. Mas não foi o único. Nos depoimentos, constam outros acordos não republicanos de Dirceu com aliados, acordos negociados ou fechados no decorrer do mensalão. O mais grave envolve uma negociação entre Portugal Telecom e o Banco Espírito Santo para comprar a antiga Telemig.Valério era o intermediário dessa operação. Jefferson contou à Justiça que Dirceu prometeu que, se o negócio fosse fechado, Valério repassaria e 8 milhões ao PTB, como pagamento pelo apoio do partido de Jefferson ao governo.
Lendo os depoimentos do caso, surgem evidências de que se tentou fazer negócio. Em 11 de janeiro, Dirceu recebeu na Casa Civil Valério e Ricardo Espírito Santo, acionista do Banco Espírito Santo.Duas semanas depois,Emerson Palmieri, tesoureiro informal do PTB, sob orientação de Jefferson, viajou para Portugal ao lado de Valério e deRogério Tolentino, um dos sócios de Valério. Os três estiveram como presidente da Portugal Telecom. Tudo isso está admitido nos autos.Não se sabe por que o negócio não prosperou. Dirceu já prestou serviços de consultor à Portugal Telecom.
Há um elemento ainda mais constrangedor para Dirceu no processo. Envolve Maria Ângela Saragoça, ex-mulher dele. Ela recebeu favores dos bancos Rural e BMG,em episódios contado sem diferentes versões por todos os envolvidos. Em novembro de 2003,no auge do mensalão, Maria Ângela vendeu por R$ 115 mil um apartamento para Tolentino, o sócio de Valério.A operação foi intermediada por Ivan Guimarães, tesoureiro do PT ao lado de Delúbio e diretor do Banco do Brasil – e, dependendo de quem conta a história, também por Silvio Pereira. Tudo coincidência, segundo todos.Depois de vender o apartamento, Valério, segundo Maria Ângela admitiu, ajudou-a a conseguir um empréstimo de R$ 42 mil no Banco Rural. Como dinheiro, ela comprou um apartamento maior. Dois meses depois, Valério conseguiu um emprego para Maria Ângela no BMG. Como Maria Ângela é funcionária pública, ela disse à Justiça que trabalhava no BMG “três horas por dia”, após o expediente.
Na sexta-feira, quando foi ao plenário do Supremo Tribunal Federal apresentar sua peça de acusação, o procurador- geral Gurgel iniciou sua fala dizendo que haveria provas suficientes para condenar Dirceu.Antes de listá-las, invocou uma teoria jurídica conhecida como “domínio do fato”. Sistematizada pelo jurista alemão Hans Welzel, tal teoria visa complementar outra teoria, conhecida como “restritiva”. Simplificando bastante, a “teoria restritiva”considera como autor do crime só quem realiza diretamente a ação criminosa. Para Welzel, também é autor do crime quem tem o “domínio do fato”, aquele que está no controle da ação criminosa. Em casos ligados a formação de quadrilha ou vínculos mafiosos, segundo Welzel, é extremamente difícil encontrar provas materiais definitivas de envolvimento dos líderes, pois em geral eles costumam não deixar rastros – eles não “sujam as mãos”. Mas seu envolvimento pode ser comprovado por meio das testemunhas que contribuem com o inquérito.
Segundo Gurgel, os depoimentos coletados pelo Ministério Público provam que José Dirceu tinha o “domínio do fato”.Vários dos testemunhos mostram que ele esteve presente a algumas das negociações em que se ofereceu dinheiro em troca de apoio – e, quando não esteve presente, homologou os acordos por telefone.A peça acusatória de Gurgel apresentou abundância de provas contra os réus do mensalão. Faz parte da estratégia da defesa desqualificar essas provas, invocando a “teoria restritiva”. Cabe aos juízes do Supremo Tribunal Federal decidir entre as alegações dos advogados que assessoramos réus do mensalão – entre eles, grandes nomes do Direito brasileiro como Arnaldo Malheiros Filho ou Márcio Thomaz Bastos (leia sua entrevista na página 80) – e a acusação consistente elaborada pela Procuradoria-Geral da República com base no trabalho até hoje pouco conhecido da Polícia Federal.
O mensalão e a “pressão da mídia” - EUGÊNIO BUCCI
REVISTA ÉPOCA
Com o início do julgamento do processo do mensalão, no Supremo Tribunal Federal (STF), muita gente voltou a falar em“pressão da mídia”.Muita gente mesmo. políticos, magistrados, jornalistas, advogados e cidadãos a granel apontam o dedo contra a tal “pressão da mídia”, quase sempre em tom de reprovação.A“mídia”, afirmam eles, estaria prejulgando os acusados e afrontandoosministros do stf comuma cobrança indevida e monstruosa. Já houve até quem comparasse essa “pressão” com uma “faca no pescoço”, como se os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e televisão assumissemaforma de uma guilhotina colossal ameaçando nucas desprotegidas.
Por favor, se pode haver exageros e ataques pessoais inaceitáveis em algumas reportagens, há muitomais despropósito nesse discurso sobre a “pressão da mídia”. pense bem, você, leitor: o que eles querem dizer com isso? Estará em curso uma campanha dos meios de comunicação para condenar à execração pública todos os réus, sejam eles culpados ou inocentes?
Para responder a essas perguntas, comecemos comumesclarecimento de ordem semântica: “mídia” não é sinônimo de imprensa.oembaralhamento entre as noções de“mídia” e imprensa é traiçoeiro, perigoso. Estabelece umsinal de igual entre jornalismo, programas de auditório, novelas e publicidade, além de sugerir que tudo o que o jornalismo faz é propaganda ideológica. Nada mais falso.
“Mídia” é uma palavra esquisita. veio para nosso idioma pela transcrição da pronúncia inglesa do termo latino media, que é o plural de medium (meio). Media significa meios ou, em nosso caso, meios de comunicação: rádio, televisão, internet, veículos impressos e muito mais. dentro de cada um desses meios, os gêneros de programas são incontáveis. Há os humorísticos, as novelas, as missas, os cultos animados por telepregadores, aos borbotões bíblicos, além de transmissão de jogos de futebol. Há de tudoemais um pouco. Nada disso, porém, é jornalismo. Aliás, quando o jornalismo se deixa confundir com o entretenimento ou comapublicidade, ele se barateia, perde substância e deixa de informar com precisão.
Ora, quem se ocupa da cobertura do julgamento domensalão não é a“mídia”, mas os jornalistas, que trabalham para os mais diversos veículos, com as mais diversas orientações editoriais. quem vê nessa cobertura uma campanha da “mídia” acusa as empresas de “mídia” de articular uma conspiração “midiática”, dentro da qual os repórteres não passariam de serviçais dos interesses dos patrões, que são contra o governo. logo, imprensa é igual a propaganda e, em vez de informar, promove uma lavagem cerebral na nação, ela também inocente e desprotegida, como uma criança, como o pescoço em flor dos ministros do supremo.
Agora pense bem, você, leitor. você é criança? você não tem discernimento próprio? você é um cordeirinho nas mãos da máquina da“mídia”?Emais: será que você não tem direito de conhecer a fundo o processo do mensalão, que, por todos os motivos, já é um processo judicial histórico? Eu e você sabemos quemuitas vezes jornalistas se prestam a papéis indignos, mas não podemos qualificar de indigna a cobertura geral domensalão. Ao contrário: apesar de seus excessos, essa cobertura contribui para que conheçamos melhor os fatos e os argumentos de cada um. todos sabemos também que à imprensa não cabe julgar. o que ela deve fazer é contar o que se passa. se ela não cumprir esse dever, de forma crítica, independente e plural, a sociedade não terá como acompanhar a evolução do processo e não terá como fiscalizar e avaliar a decisão de cada um dos magistrados.
Não, não há “pressão da mídia”. Existe, sim, a exaltação de ânimos diferentes na opinião pública, e essa exaltação se reflete na imprensa. Existe a mobilização de setores da sociedade civil, para um lado e para outro, é bom lembrar, ora a favor dos réus, ora contra eles, em manifestações legítimas. quanto à imprensa, ela vem informando e debatendo, sob enfoques diferentes, dependendo de cada órgão jornalístico, numa diversidade que está aumentando no Brasil.
Quanto mais informação houver, mais chance teremos de que esse julgamento seja justo. A imprensa erra, é verdade, mas os erros que ela comete vão sendo contestados por outras vozes, numambiente plural, como deve ser,em que a opinião pública polemiza livremente. A liberdade de imprensa vai equilibrando a liberdade de imprensa. Naturalmente.
Os jornalistas, bem ou mal, estão cumprindo seu dever. que os ministros do supremo façamomesmo – e isso aqui não é pressão contra ninguém.os jornalistas estão cumprindo seu dever ao informar os fatos. Que os ministros do stf façamomesmo
Com o início do julgamento do processo do mensalão, no Supremo Tribunal Federal (STF), muita gente voltou a falar em“pressão da mídia”.Muita gente mesmo. políticos, magistrados, jornalistas, advogados e cidadãos a granel apontam o dedo contra a tal “pressão da mídia”, quase sempre em tom de reprovação.A“mídia”, afirmam eles, estaria prejulgando os acusados e afrontandoosministros do stf comuma cobrança indevida e monstruosa. Já houve até quem comparasse essa “pressão” com uma “faca no pescoço”, como se os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e televisão assumissemaforma de uma guilhotina colossal ameaçando nucas desprotegidas.
Por favor, se pode haver exageros e ataques pessoais inaceitáveis em algumas reportagens, há muitomais despropósito nesse discurso sobre a “pressão da mídia”. pense bem, você, leitor: o que eles querem dizer com isso? Estará em curso uma campanha dos meios de comunicação para condenar à execração pública todos os réus, sejam eles culpados ou inocentes?
Para responder a essas perguntas, comecemos comumesclarecimento de ordem semântica: “mídia” não é sinônimo de imprensa.oembaralhamento entre as noções de“mídia” e imprensa é traiçoeiro, perigoso. Estabelece umsinal de igual entre jornalismo, programas de auditório, novelas e publicidade, além de sugerir que tudo o que o jornalismo faz é propaganda ideológica. Nada mais falso.
“Mídia” é uma palavra esquisita. veio para nosso idioma pela transcrição da pronúncia inglesa do termo latino media, que é o plural de medium (meio). Media significa meios ou, em nosso caso, meios de comunicação: rádio, televisão, internet, veículos impressos e muito mais. dentro de cada um desses meios, os gêneros de programas são incontáveis. Há os humorísticos, as novelas, as missas, os cultos animados por telepregadores, aos borbotões bíblicos, além de transmissão de jogos de futebol. Há de tudoemais um pouco. Nada disso, porém, é jornalismo. Aliás, quando o jornalismo se deixa confundir com o entretenimento ou comapublicidade, ele se barateia, perde substância e deixa de informar com precisão.
Ora, quem se ocupa da cobertura do julgamento domensalão não é a“mídia”, mas os jornalistas, que trabalham para os mais diversos veículos, com as mais diversas orientações editoriais. quem vê nessa cobertura uma campanha da “mídia” acusa as empresas de “mídia” de articular uma conspiração “midiática”, dentro da qual os repórteres não passariam de serviçais dos interesses dos patrões, que são contra o governo. logo, imprensa é igual a propaganda e, em vez de informar, promove uma lavagem cerebral na nação, ela também inocente e desprotegida, como uma criança, como o pescoço em flor dos ministros do supremo.
Agora pense bem, você, leitor. você é criança? você não tem discernimento próprio? você é um cordeirinho nas mãos da máquina da“mídia”?Emais: será que você não tem direito de conhecer a fundo o processo do mensalão, que, por todos os motivos, já é um processo judicial histórico? Eu e você sabemos quemuitas vezes jornalistas se prestam a papéis indignos, mas não podemos qualificar de indigna a cobertura geral domensalão. Ao contrário: apesar de seus excessos, essa cobertura contribui para que conheçamos melhor os fatos e os argumentos de cada um. todos sabemos também que à imprensa não cabe julgar. o que ela deve fazer é contar o que se passa. se ela não cumprir esse dever, de forma crítica, independente e plural, a sociedade não terá como acompanhar a evolução do processo e não terá como fiscalizar e avaliar a decisão de cada um dos magistrados.
Não, não há “pressão da mídia”. Existe, sim, a exaltação de ânimos diferentes na opinião pública, e essa exaltação se reflete na imprensa. Existe a mobilização de setores da sociedade civil, para um lado e para outro, é bom lembrar, ora a favor dos réus, ora contra eles, em manifestações legítimas. quanto à imprensa, ela vem informando e debatendo, sob enfoques diferentes, dependendo de cada órgão jornalístico, numa diversidade que está aumentando no Brasil.
Quanto mais informação houver, mais chance teremos de que esse julgamento seja justo. A imprensa erra, é verdade, mas os erros que ela comete vão sendo contestados por outras vozes, numambiente plural, como deve ser,em que a opinião pública polemiza livremente. A liberdade de imprensa vai equilibrando a liberdade de imprensa. Naturalmente.
Os jornalistas, bem ou mal, estão cumprindo seu dever. que os ministros do supremo façamomesmo – e isso aqui não é pressão contra ninguém.os jornalistas estão cumprindo seu dever ao informar os fatos. Que os ministros do stf façamomesmo
FATOR DILMA - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 05/08
Há no QG de Fernando Haddad quem acredite que, num eventual segundo turno, o apoio de Dilma pode ser mais importante para o petista que o de Lula. É que a presidente tem bom trânsito na enorme classe média paulista, por causa da fama de não aceitar malfeitos no governo.
DE FORA...
Aliás, Dilma bateu o martelo: em agosto não vai gravar para nenhum candidato a prefeito.
IMAGINA NA COPA
Com a Olimpíada, os ingleses fugiram de Londres. As vendas do comércio caíram 21%, e até a frequência nos museus e nos teatros despencou.
MEMÓRIAS DE MÃE
Márcia Noleto, mãe de Mariana Noleto, a namorada do filho de Sérgio Cabral que morreu naquele acidente de helicóptero na Bahia, em junho do ano passado, vai reunir em livro depoimentos de outras mães que perderam seus filhos de maneira trágica.
DO OUTRO MUNDO
A publicitária Maria Christina Mendes Caldeira, que denunciou o deputado Valdemar Costa Neto, seu ex-marido, réu no mensalão, por falcatruas, declarou no Facebook que tem sonhado com José Alencar fazendo pedidos a ela. É. Pode ser.
COLEGUINHAS
Já passam de mil os jornalistas inscritos para cobrir a Assembleia Geral da ONU. O número ainda está longe dos 4.075 da Rio+20.
POUQUINHO DEVASSO
De Chico Buarque na revista Nosso Caminho, de Oscar Niemeyer, sobre sobre o Poetinha Vinicius de Moraes:
– As pessoas achavam que Vinicius era um devasso. Não era tanto. Só um pouquinho. Ah, bom!
A FORÇA DOS JORNAIS
No âmbito dos gastos das famílias brasileiras com leitura, os desembolsos com jornais cresceram de 15% para 20,7%, entre 2002-2003 e 2008-2009.No mesmo período, a compra de revistas caiu de 37% para 29,3%.
SEGUE...
Os dados constam de pesquisa com 50 mil famílias que será apresentada terça na 22ª Convenção Nacional de Livrarias, em São Paulo.
NÃO DEU SORTE
Carlos Nuzman, presidente do COB, escolheu dois dias para assistir às provas de natação: nas noites de quarta e sexta. Na quarta, Thiago Pereira ficou em quarto lugar nos 200 medley, sua especialidade. Sexta, Cesar Cielo perdeu o ouro nos 50 metros.
O BRUTO AGNALDO
A música Os brutos também amam, feita por Roberto e Erasmo Carlos, em 1972, para o amigo Agnaldo Timóteo, de 75 anos, é uma dos sucessos antigos do cantor que estão sendo remasterizadas pelo produtor Marcelo Fróes, do selo Descobertas.
Há no QG de Fernando Haddad quem acredite que, num eventual segundo turno, o apoio de Dilma pode ser mais importante para o petista que o de Lula. É que a presidente tem bom trânsito na enorme classe média paulista, por causa da fama de não aceitar malfeitos no governo.
DE FORA...
Aliás, Dilma bateu o martelo: em agosto não vai gravar para nenhum candidato a prefeito.
IMAGINA NA COPA
Com a Olimpíada, os ingleses fugiram de Londres. As vendas do comércio caíram 21%, e até a frequência nos museus e nos teatros despencou.
MEMÓRIAS DE MÃE
Márcia Noleto, mãe de Mariana Noleto, a namorada do filho de Sérgio Cabral que morreu naquele acidente de helicóptero na Bahia, em junho do ano passado, vai reunir em livro depoimentos de outras mães que perderam seus filhos de maneira trágica.
DO OUTRO MUNDO
A publicitária Maria Christina Mendes Caldeira, que denunciou o deputado Valdemar Costa Neto, seu ex-marido, réu no mensalão, por falcatruas, declarou no Facebook que tem sonhado com José Alencar fazendo pedidos a ela. É. Pode ser.
COLEGUINHAS
Já passam de mil os jornalistas inscritos para cobrir a Assembleia Geral da ONU. O número ainda está longe dos 4.075 da Rio+20.
POUQUINHO DEVASSO
De Chico Buarque na revista Nosso Caminho, de Oscar Niemeyer, sobre sobre o Poetinha Vinicius de Moraes:
– As pessoas achavam que Vinicius era um devasso. Não era tanto. Só um pouquinho. Ah, bom!
A FORÇA DOS JORNAIS
No âmbito dos gastos das famílias brasileiras com leitura, os desembolsos com jornais cresceram de 15% para 20,7%, entre 2002-2003 e 2008-2009.No mesmo período, a compra de revistas caiu de 37% para 29,3%.
SEGUE...
Os dados constam de pesquisa com 50 mil famílias que será apresentada terça na 22ª Convenção Nacional de Livrarias, em São Paulo.
NÃO DEU SORTE
Carlos Nuzman, presidente do COB, escolheu dois dias para assistir às provas de natação: nas noites de quarta e sexta. Na quarta, Thiago Pereira ficou em quarto lugar nos 200 medley, sua especialidade. Sexta, Cesar Cielo perdeu o ouro nos 50 metros.
O BRUTO AGNALDO
A música Os brutos também amam, feita por Roberto e Erasmo Carlos, em 1972, para o amigo Agnaldo Timóteo, de 75 anos, é uma dos sucessos antigos do cantor que estão sendo remasterizadas pelo produtor Marcelo Fróes, do selo Descobertas.
Na bica - SONIA RACY
O ESTADÃO - 05/08
Nome? Pelo que se apurou, Operação Barriga de Aluguel.
Roda viva
Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, pretende tirar um mês de férias depois de deixar o posto, em setembro.
Haja papel
Advogados credenciados para acompanhar o mensalão se queixam do excesso de burocracia do STF. Para entrar no plenário é preciso apresentar três documentos: crachá, cartão de acesso e carteirinha da OAB.
E telefonar todos os dias, confirmando presença.
Figurinha
Marqueteiros de Serra inovaram. Deve começar a circular, esta semana, nada menos que 500 mil cards colecionáveis do candidato. Com frases estimulantes e fotos inusitadas, clicadas durante a campanha.
Sem recall
Ja Haddad intensifica carreatas para se tornar mais conhecido como candidato de Lula. Está gastando sola, ou melhor, gasolina, do ‘haddadmóvel’. Todo fim de semana deste mês.
Gato e lebre
05.agosto.2012 | 1:03
Cerca de mil peças falsificadas da Osklen foram apreendidas, ontem, em Franca – interior de SP. Advogados da marca, com apoio da polícia local, chegaram aos malfeitores após investigação interna.
Negócio fechado
Alejandro Zambra foi embora do Brasil, mas deixou arranjada a publicação de seu terceiro livro, Formas de Volver a Casa. Pela Cosac Naify.
Faz um ano que Beatriz Yunes Guarita e sua cunhada Carla Guarita resolveram abrir um lugar para chamar de seu. E assim surgiu o Escritório de Arte, apostando em novos artistas. Não se arrependem. Com ajuda da curadora Denise Gadelha, apresentam hoje um interessante portfólio de talentosos jovens, como Willy Biondani, Marcos Pereira e Daniel Escobar. “Tenho um grande exemplo em casa e resolvi segui-lo”, explica Bia, filha do conhecido colecionador de arte Jorge Yunes. Carla, por sua vez, já trabalhava na área.
Responsabilidade social
O Banco Comunitário União Sampaio lançou, no site de financiamento colaborativo Catarse, campanha de doações para projetos sociais na região do Campo Limpo. Com sorteio de uma camisa do Santos autografada pelos jogadores que conquistaram a Libertadores 2011.
O projeto Ultragaz Cultural começa dia 13, em Heliópolis. Depois, percorre 22 cidades pelo Brasil.
Atenção: o dr. Renato Neves voltou a atender através de sua Fundação Eye Care, na avenida Brasil.
O Instituto C&A completa 21 anos e comemora. Investiu US$ 93 milhões em 1,6 mil projetos sociais em todo o País, especialmente com crianças, adolescentes e educadores.
Richard Hartzell, presidente da Mastercard América Latina, e Gilberto Caldart, presidente da Mastercard Brasil, ministram aulas sobre educação financeira na Escola Estadual Oswaldo Aranha. Dias 8, 9 e 10.
Sodré Santoro pilota leilão beneficente em prol do lançamento do Instituto More. Dia 21, no Leopolldo Jardins.
A Petrobrás divulga, semana que vem, segundo relatório de sustentabilidade de 2011. Poupou 21 bilhões de litros de água com ações de reúso.
A Mary Kay se juntou ao Instituto Se Toque. Pretende arrecadar R$ 39 mil com a venda do brilho para os lábios NouriShine Plus – na tonalidade Possibilities.
Acabam de se formar, no Palácio dos Bandeirantes, 730 alunos da Escola de Qualificação Profissional do Fundo Social de Solidariedade, projeto de Dona Lu Alckmin.
Dependência do petróleo - ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo - 05/08
O Brasil vai continuar importando mais gasolina pelos próximos dois anos porque, apesar da desaceleração econômica, o consumo de derivados continua crescendo e, mais sério ainda, a produção de etanol recua com problemas climáticos e financeiros. É um cenário que não deve mudar a curto prazo porque as refinarias que estão sendo agora construídas só entrarão em operação depois de 2014, daqui a dois anos. E isso com otimismo. As atuais, mesmo com algumas adaptações feitas pela Petrobrás, operam apenas petróleo leve e o da Bacia de Campos é pesado. Agora é esperar o pré-sal e acreditar nele. Só que a Petrobrás não pode deixar de investir também na Bacia de Campos, que dá sinais de declínio e responde pela produção nacional.
A grande realidade é que o Brasil está pagando o preço da dependência. É autossuficiente em petróleo, mas não em derivados.
Mas o que houve? A última refinaria construída no Brasil foi inaugurada em 1980 e vinha atendendo a demanda, até recentemente. De acordo com a Petrobrás, o mercado está aberto desde 1997, mas não houve interesse da iniciativa privada em construir refinarias.
A empresa passou a ampliar e modernizar suas refinarias, desde a década de 90, para elevar a capacidade de processamento de petróleo pesado e de produção de derivados que ainda precisam ser importados, diante do aumento da demanda, como o diesel, o gás liquefeito de petróleo e a nafta (matéria-prima petroquímica).
Mais recentemente, foi decidida a construção de quatro grandes unidades de refino: a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco: o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro; a Refinaria Premium I, no Maranhão; e a Refinaria Premium II, no Ceará, que foram projetadas para operar com petróleo pesado.
Com isso, a empresa espera reduzir a exportação de petróleo bruto e aumentar a exportação de derivados, cujo valor agregado é maior, permitindo maiores ganhos para a balança comercial.
Mas, o problema é que a primeira refinaria, a de Pernambuco, só deverá começar a produzir em novembro de 2014, se não houver mais atrasos.
Não é dramático. Tudo isso levou o Brasil a uma dependência delicada. Delicada, desconfortável, mas não dramática, porque há pelo menos quatro fatores atenuantes: 1. Os preços se mantêm em torno de US$ 102 o barril, de acordo com levantamentos diários da Opep, com base numa cesta de vários tipos de petróleo; 2 . Não há tendência de altas explosivas ( já chegou a US$ 150), porque a economia cresce à taxa de 2% anualizada, a demanda mundial estagna, a Arábia Saudita compensou o 1 milhão de barris por dia que deixou de ser comprado do Irã e ninguém acredita na ameaça dos aiatolás de bloquear o estreito de Ormuz; 3. Os consumidores estão reduzindo sua dependência da Opep, produzindo mais e comprando no Canadá, México e países africanos; 4. Os consumidores acumulam os maiores estoques dos últimos cinco anos.
Exportar ajuda. Outro fato atenuante para o Brasil é que o custo da importação de derivados tem sido em parte compensado pela Petrobrás com aumento da exportação de outros derivados, como o óleo combustível, o querosene de aviação e o bunker (combustível naval), além de petróleo pesado.
No primeiro trimestre de 2012, por exemplo, foram importados pela Petrobrás 764 mil barris diários de petróleo e derivados e exportados 714 mil barris, o que deixou um saldo negativo de apenas 50 mil barris/dia.
Mudar a matriz energética? Nada muda nos próximos dois anos e se algo mudar será para aumentar a dependência da importação de gasolina, diesel e derivados, o que certamente irá ocorrer se a economia voltar a crescer mais de 3%. Não há nada a fazer a não ser buscar uma matriz energética com menor dependência do petróleo e maior do gás, um grande esquecido. Nesse setor, os EUA estão iniciando uma verdadeira revolução. Aumentam cada vez mais seu consumo de gás e tentam reduzir o de petróleo, que produzem mais com a recuperação dos seus poços, e importam menos do Oriente Médio.
No Brasil, é esperar o pré-sal que já produz 3% do total no país, e aceitar a nova dependência. O certo, como disse com muita ênfase nesta semana a presidente da Petrobrás, Graça Foster, é corrigir os erros do passado, construindo refinarias apropriadas para atender a demanda de um mercado interno que só irá crescer nos próximos anos. Afinal, há 32 anos não se constrói uma refinaria no Brasil.
2012 está perdido. O que será de 2013? JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S.Paulo - 05/08
Até o governo jogou a toalha: o crescimento desse ano será baixo. As autoridades falam em 2,5%, o mercado estima um número levemente abaixo, de 1,9%, nós da MB projetamos no máximo 1,5%.
Todos os componentes da demanda agregada estão fracos. As exportações de manufaturados, em quantidade, tiveram resultado negativo no primeiro semestre (-3,7%), contra igual período do ano passado. Em junho, a queda foi grande: -21,6%, a despeito da desvalorização do real. A crise internacional reduziu o comércio, com a inestimável ajuda da Argentina. É bem verdade que a entrada da Venezuela no Mercosul vai revolucionar o comércio externo brasileiro; entretanto, até isso terá que esperar algum tempo. Neste ano, o saldo comercial vai cair, as importações continuarão a crescer e o vazamento da demanda para o exterior continuará importante.
Os investimentos se reduziram em todas as frentes.
Os projetos governamentais não andam, a Petrobrás deu uma saudável freada de arrumação (alguns, como o Comperj, não têm mais data certa para terminar) e muitas empresas estão postergando projetos, tendo em vista a incerteza vigente. A construção civil residencial ainda luta para tirar o atraso na entrega de apartamentos vendidos em 2009, 2010 e 2011. Naturalmente os lançamentos residenciais foram bastante contidos: segundo o Secovi, a queda foi de quase 40% em maio, em relação ao mesmo mês do ano passado. As estimativas preliminares para a formação bruta de capital ainda apontam para números muito fracos.
O consumidor ainda está muito cauteloso, mais preocupado com a redução de seus compromissos e eventuais atrasos do que em assumir novas dívidas. Os dados do comércio mostram uma migração para a compra de produtos mais baratos, cujos setores vendem bem, mas com uma nítida desaceleração. O caso dos veículos ainda é de difícil projeção, uma vez que após o início de ano medíocre, as vendas após pacote de estímulos melhoraram muito, reduzindo parte dos elevados estoques.
Entretanto, ainda não se pode separar bem o que é criação de demanda (decorrente da queda de preços advinda do imposto menor) do que é antecipação de compras devido ao caráter temporário da medida de estímulo. Só saberemos melhor o resultado depois de agosto, com ou sem prorrogação da redução do imposto. Se as vendas neste momento se reduzirem, o efeito antecipação terá sido poderoso. O que é certo é que não voltaremos a uma situação de forte crescimento do mercado, até porque, os setores de motos e de caminhões continuam absolutamente de joelhos.
A mágica de 2009 não se repetiu. A China está andando mais devagar, de sorte que um crescimento de 7,5% para este ano está de bom tamanho. No Brasil, as famílias estão endividadas e mais cautelosas, pois pela primeira vez em vários trimestres muitas empresas industriais e de construção civil estão diminuindo seus quadros.
O sistema financeiro precisa reduzir o peso da inadimplência das pessoas e a queda no crescimento da arrecadação limita de alguma maneira as possibilidades dos incentivos fiscais.
Algumas coisas também ficaram claras: em primeiro lugar o "pacotismo" não funcionou como grande estímulo, embora tenha elevado espetacularmente os pedidos de ajuda e de refresco fiscal. Em segundo lugar, cortes temporários e pontuais de tributos, paralelos a uma continuidade da elevação da carga fiscal (medida pela maior velocidade do crescimento da receita em relação ao PIB), mais complicam do que ajudam. Em terceiro lugar, a incerteza decorrente de bruscas alterações nas regras e a crise internacional deterioraram as expectativas e o desejo de investir. Em quarto lugar, para decepção de muitos a desvalorização do real não produziu o milagre que se esperava.
Finalmente, está claro que não adianta muito bombar a demanda quando os problemas estão na oferta e são mais estruturais do que se pensa.
A esse respeito, vale registrar uma coisa positiva, que é o início da atenção a questões de competitividade, como a preparação de medidas para a redução do custo da energia elétrica para a produção. Entretanto, precisamos de cautela, pois existe uma enorme falta de estudos e diagnósticos que embasem as mudanças com mais profundidade, evitando soluções apressadas, que exigem muitas reedições de MPs, o que causa grande confusão.
Este tem sido o caso, por exemplo, da chamada desoneração da folha que, na realidade, é a troca da base de cálculo da contribuição para a previdência. A universidades e boa parte dos órgãos de pesquisa, públicas e privadas, estão bastante distantes destas questões.
Pior que isso, é a forte politização de muitas análises que prestam um desserviço para o país. Apenas a título de exemplo, lembro-me de recentes e apaixonadas defesas, feitas pelos rapazes do Ipea, a propósito dos benefícios da entrada da Venezuela no Mercosul, argumentando, inclusive, a favor de efeitos positivos da integração produtiva Brasil/Venezuela. Digo isto porque o único projeto de integração que me ocorre é o da Refinaria Abreu de Lima, em Pernambuco, onde o país irmão jamais cumpriu qualquer de seus compromissos, transformando a refinaria, como já foi dito pela presidente da Petrobrás, num caso para a companhia entender e nunca mais esquecer ou repetir.
Então, o que pode acontecer em 2013? A visão oficial é que cresceremos 4,5% ou até mais, a partir de uma melhora que já estaria consolidada na virada do ano. Os argumentos a favor desta projeção se baseiam no efeito estatístico do carry-over de 2012, na retomada do consumo e na retomada dos investimentos públicos e privados, via concessões, e do melhor desempenho da Petrobrás após sua revisão dos projetos de expansão.
Minha própria percepção para o ano que vem é mais cautelosa, pelas seguintes razões:
1. A situação da Europa certamente continuará muito difícil pela grande distância entre as diversas proposições para salvar o euro e o que acontece na prática. Basta relembrar a fala do presidente do BCE no fim da semana passada, prometendo uma grande ação das autoridades e entusiasmando os mercados. Apenas no dia 27 de julho, nossa Bovespa subiu mais de 5%. Poucos dias depois o anúncio das decisões do mesmo BCE mostrou que nada havia a ser revelado exceto a discordância entre os líderes europeus. Neste meio tempo, a situação se deteriora.
2. Nos EUA a recuperação perde gás e se aproxima o momento de um corte fiscal de magnitude desconhecida, mas que será deflacionado. Uma recuperação mais forte nos EUA só em 2014.
3. O choque agrícola em curso é de grande magnitude e, dependendo das chuvas de agosto nos EUA, pode ser uma catástrofe na produção de grãos. Haverá uma pressão inflacionária em várias regiões do globo e percussões negativas na indústria de carnes.
4. No Brasil, acredito que a volta do consumidor ao mercado ocorrerá, mas de forma cautelosa. O mercado de trabalho vai arrefecer em alguma medida, pois não é possível continuar pagando reajustes salariais sistematicamente acima da produtividade. É receita certa para a queda de margem e até prejuízos, como mostram os resultados das empresas.
5. A construção civil residencial vai se recuperar, mas ainda de forma lenta.
6. O front inflacionário vai ficar mais apertado. Não é difícil que o custo alimentação no IPCA chegue no ano completo a uma alta de 10% e o IGP-M bem acima de 7%.
Em conclusão, parece-me razoável pensar em 3% ou pouco mais para o próximo ano.
Perdas e ganhos dos bancos - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 05/08
O Itaú perderá este ano R$ 19 bilhões com empréstimos não pagos. A informação é do presidente-executivo do banco, Roberto Setúbal. Isso não ameaça a instituição porque é apenas uma parte do ganho, mas o cálculo absoluto mostra a dimensão do risco. Setúbal admite que os juros são altos e que o governo estava certo em seu movimento pela derrubada das taxas.
Perguntei a Roberto Setúbal a razão de juros tão altos. Há fatos estranhos, como o de que as filiais do mesmo banco Itaú fora do Brasil, no Chile e Uruguai, por exemplo, têm spreads menores. Há diferenças no peso dos impostos, no tamanho do compulsório, mas, com todos os descontos, a diferença ainda é enorme. O banqueiro disse que as condições no Brasil são diferentes e afirmou que o nível de inadimplência aqui está maior do que nos países que enfrentaram recentes crises de crédito.
Nos bancos, os números são todos muito grandes, diz Setúbal, antes de avisar que só o Itaú perderá entre R$ 18 bilhões e R$ 19 bilhões este ano com empréstimos que não serão pagos. Isso representa 40% das margens dos empréstimos. Garante que o Brasil não está em crise de crédito, mas afirma que a inadimplência aumentou demais:
— O modelo de expansão do crédito não se esgotou, mas no futuro não crescerá como foi até agora. Os bancos ajudaram muito nesse esforço de ampliação do crescimento via crédito, mas daqui para a frente não poderá aumentar na mesma proporção.
Setúbal me disse — na entrevista para o meu programa na Globonews — que o movimento do governo de reduzir juros foi “adequado” e negou que tivesse havido briga entre o governo e os bancos privados. Foi apenas um mal entendido, segundo ele, ainda que admita: “Quando não somos entendidos, nos sentimos pressionados.” O fato é que os spreads caíram desde que o governo iniciou a campanha pela redução das taxas. Os bancos públicos tomaram a dianteira e foram seguidos pelos privados. E estão perdendo participação no mercado para os estatais.
A entrevista foi feita na sede da instituição financeira, em São Paulo. Ao contrário dos bancos de antigamente, os de agora não têm salas com móveis antigos e pesados para os seus executivos. Normalmente são salas de vidro, com móveis práticos, onde diretores dividem o mesmo espaço. É assim no Itaú. Numa mesma enorme sala, em mesas próximas, estão herdeiros de duas famílias milionárias: Setúbal e Moreira Salles. Roberto é o presidente-executivo do banco que resultou da fusão dos ativos do Itaú e Unibanco. Pedro Moreira Salles é o presidente do Conselho de Administração. Em outras mesas no mesmo espaço ficam os vice-presidentes.
Apesar de a marca que ficou ter sido Itaú, apagando todos os vestígios do nome Unibanco, eles garantem que não foi uma aquisição, mas sim uma fusão. O Itaú cresceu a cada crise. Em 1995, comprou o Francês e Brasileiro; em 97, o Banerj; em 98, Bemge; em 2002, o BBA; em 2005, o Banco de Boston e, em 2008, houve a fusão com o Unibanco, que havia comprado o Nacional em 96.
Cinco dos 137 bancos no país são responsáveis por mais de dois terços dos ativos bancários. Mesmo assim, Setúbal garante que não falta concorrência. Ele acha que haverá novas quedas de juros.
O Brasil está naquele momento em que precisa reduzir o custo dos financiamentos, para diminuir os casos de inadimplência, mas ao mesmo tempo não deve estimular ainda mais o crédito, para que o avanço seja sustentável. Como disse o FMI, é preciso evitar que o sistema bancário brasileiro, que alimentou a rápida expansão do crédito, não seja vítima do próprio sucesso.
Os pontos-chave
O banco Itaú perderá este ano R$ 19 bilhões com empréstimos inadimplentes
Nível de calote no Brasil está maior do que em países que enfrentaram crises de crédito
Como alertou o FMI, o sistema financeiro precisa tomar cuidado para não ser vítima do próprio sucesso
Esporte de verdade - ANTONIO PRATA
FOLHA DE SP - 05/08
Digam quanto vocês conseguem levantar, vão lá e levantem. Pronto, acabou
Neste domingo, todos os olhos do mundo estarão voltados para o velocista Usain Bolt, na disputa dos 100 m rasos. Bolt é, sem dúvida, a grande estrela destes Jogos; a imagem que os fotógrafos esperam captar, que os patrocinadores investiram para ter, que o público anseia por aplaudir é a do jamaicano comemorando a vitória, lançando sua flecha invisível pelos céus da Grã-Bretanha.
Bobagem. Após uma semana e meia em Londres, indo do arco e flecha ao handebol, acompanhando da esgrima ao badminton, posso afirmar com segurança que a mais nobre das modalidades não é a corrida, não é a natação, não é o hipismo, tampouco o futebol: o apogeu do esporte é o levantamento de peso.
É ali, meus caros, que o atleta chega mais perto de sua essência. É o homem e a barra. A carne e o chumbo. A força de seus músculos contra a força da gravidade. É, basicamente, nós contra Deus -e sem chance de trapaça.
Caiaques? Rifles? Discos? Petecas? Dardos? Bolas? Tergiversação. Ora, querem testar os limites do corpo? Digam quanto vocês conseguem levantar, vão lá e levantem. Pronto, acabou. Como descreveu meu amigo Matthew Shirts, historiador, brasilianista e profundo conhecedor da modalidade em questão, "É um esporte tão puro, tão grego, que beira o lirismo". Eu não poderia dizer melhor.
Só num mundo decadente e esquálido, em que a virilidade escorreu pelo ralo, correr rápido pode ser uma virtude. O que é um velocista senão o mais bem acabado filho da estirpe dos fujões? Seus genes foram selecionados, geração após geração, escapando de predadores, de inimigos, de credores, das tamancas da mamãe. Herói não é quem corre, é quem encara.
Grandes não são Phelps, que foge na água, nem Bolt, que foge na terra, são Kim Un Guk, Lin Qingfeng, Lu Xiaojun, Adrian Zielinski, que vi vencerem nas categorias até 62 kg, 69 kg, 77 kg e 85 kg de levantamento de peso, nos últimos dias. Imenso é Om Yun Chol, o pequeno Hércules norte-coreano, um homúnculo mais talhado para jóquei do que para halterofilista e que, com 1,52 m e 55 kg, conseguiu o feito raríssimo de erguer mais que três vezes o próprio peso, 168 kg, levando ouro na categoria até 56 kg.
É bem provável que Bolt vença hoje. É bem provável que em dezembro, na retrospectiva do "Fantástico", a imagem escolhida para resumir Londres-2012 seja a do jamaicano, comemorando.
Mas na minha retrospectiva particular, dia 31 de dezembro e pelo resto da vida, quando me lembrar desses jogos, será a careta do pequeno Om Yun Chol que virá à mente, colocando aqueles 168 kg acima de sua cabeça, a um metro e meio do chão. Esporte é isso aí, meu amigo, o resto é perfumaria.
Digam quanto vocês conseguem levantar, vão lá e levantem. Pronto, acabou
Neste domingo, todos os olhos do mundo estarão voltados para o velocista Usain Bolt, na disputa dos 100 m rasos. Bolt é, sem dúvida, a grande estrela destes Jogos; a imagem que os fotógrafos esperam captar, que os patrocinadores investiram para ter, que o público anseia por aplaudir é a do jamaicano comemorando a vitória, lançando sua flecha invisível pelos céus da Grã-Bretanha.
Bobagem. Após uma semana e meia em Londres, indo do arco e flecha ao handebol, acompanhando da esgrima ao badminton, posso afirmar com segurança que a mais nobre das modalidades não é a corrida, não é a natação, não é o hipismo, tampouco o futebol: o apogeu do esporte é o levantamento de peso.
É ali, meus caros, que o atleta chega mais perto de sua essência. É o homem e a barra. A carne e o chumbo. A força de seus músculos contra a força da gravidade. É, basicamente, nós contra Deus -e sem chance de trapaça.
Caiaques? Rifles? Discos? Petecas? Dardos? Bolas? Tergiversação. Ora, querem testar os limites do corpo? Digam quanto vocês conseguem levantar, vão lá e levantem. Pronto, acabou. Como descreveu meu amigo Matthew Shirts, historiador, brasilianista e profundo conhecedor da modalidade em questão, "É um esporte tão puro, tão grego, que beira o lirismo". Eu não poderia dizer melhor.
Só num mundo decadente e esquálido, em que a virilidade escorreu pelo ralo, correr rápido pode ser uma virtude. O que é um velocista senão o mais bem acabado filho da estirpe dos fujões? Seus genes foram selecionados, geração após geração, escapando de predadores, de inimigos, de credores, das tamancas da mamãe. Herói não é quem corre, é quem encara.
Grandes não são Phelps, que foge na água, nem Bolt, que foge na terra, são Kim Un Guk, Lin Qingfeng, Lu Xiaojun, Adrian Zielinski, que vi vencerem nas categorias até 62 kg, 69 kg, 77 kg e 85 kg de levantamento de peso, nos últimos dias. Imenso é Om Yun Chol, o pequeno Hércules norte-coreano, um homúnculo mais talhado para jóquei do que para halterofilista e que, com 1,52 m e 55 kg, conseguiu o feito raríssimo de erguer mais que três vezes o próprio peso, 168 kg, levando ouro na categoria até 56 kg.
É bem provável que Bolt vença hoje. É bem provável que em dezembro, na retrospectiva do "Fantástico", a imagem escolhida para resumir Londres-2012 seja a do jamaicano, comemorando.
Mas na minha retrospectiva particular, dia 31 de dezembro e pelo resto da vida, quando me lembrar desses jogos, será a careta do pequeno Om Yun Chol que virá à mente, colocando aqueles 168 kg acima de sua cabeça, a um metro e meio do chão. Esporte é isso aí, meu amigo, o resto é perfumaria.
Cronologia incontestável - JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 05/08
Dos males, o menor
A linha defensiva que admite o delito menor é uma garantia antecipada de que haverá condenações, seja qual for o entendimento e a decisão final dos juízes a respeito da tipificação do crime. Qualquer hipótese reconhece a existência de uma delinquência organizada com danos ao sistemas financeiro e político.
A negação de sua existência não
sobrevive à própria defesa adotada pelos réus, cuja base é uma suposta tolerância da população com o caixa 2 nas campanhas, aposta bastante discutível.
Seria pior
A eventual declaração de suspeição do ministro Dias Toffoli teria o efeito de atrasar ainda mais o julgamento do mensalão, inviabilizando o voto do ministro Cezar Peluso, que se aposenta em 3 de setembro. Se deixasse o processo agora, todos os atos relativos ao tema, dos quais participou desde 2009, seriam anulados. Assim, a decisão de participar acabou em prejuízo para os que pretendiam protelar o julgamento, atrás da prescrição.
Apagão
Um grupo de senadores teme que o foco da imprensa sobre o julgamento do mensalão deixe a CPI do Cachoeira descoberta e comprometa o avanço das investigações. A avaliação é de que a CPI é uma sob os holofotes e perde força sem a cobertura maciça da imprensa. Há pendências pontuais para o desdobramento das investigações, como o agendamento das oitivas de Fernando Cavendish e Luiz Antonio Pagot.
Alternativo
À medida que a volta do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) à Presidência do Senado ganha corpo, a oposição se articula para chegar ao nome do candidato alternativo. Candidato derrotado por José Sarney ano passado, o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) não pretende insistir e defende o nome do colega Pedro Taques (PDT-MT), admitindo que ele é mais palatável que o seu.
A sustentação oral do Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, tem o mérito, entre outros, de reorganizar a memória do escândalo que ficou conhecido como mensalão, providência indispensável para desfazer dois pilares da defesa do PT: o primeiro, a de que o episódio não passa de uma farsa criada pela mídia, e o segundo, por consequência do primeiro, de que simplesmente não existiu crime algum.
A recuperação da memória do caso é indispensável ainda como antídoto à estratégia tão recorrente nos políticos - e que no PT é método - de criar versões de sua conveniência para fatos desabonadores ao partido, confiando no esquecimento coletivo. No caso presente, o longo tempo entre os fatos e o julgamento - sete anos - serve como uma luva a esse propósito.
O mensalão, termo que o partido, sem se dar o ridículo, pretende censurar depois de utilizá-lo contra adversários, tem origem na delação de um dos integrantes do esquema, conteúdo que à mídia apenas coube transcrever. Nasce, portanto, com a legitimidade da denúncia que incrimina também seu autor.
A versão do partido para o escândalo, que conta com o esquecimento geral, o remete a uma linha de defesa de redução de danos, ao admitir o caixa 2 eleitoral, teoricamente um delito menor. Com isso, desmonta o segundo pilar da campanha de inocência - a de que tudo é uma ficção golpista.
Ficou mais difícil a defesa depois da sustentação de Gurgel, especialmente porque sua cronológica peça acusatória demonstra detalhadamente que o esquema - eleitoral ou não - contou com dinheiro público desviado do Banco do Brasil e com empréstimos forjados.
No lucro - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 05/08
BRASÍLIA - O procurador-geral Roberto Gurgel contou uma história com começo, meio e fim, mas recorrendo mais a relatos de testemunhas e menos a provas documentais. Esse vai ser o centro do julgamento.
Na profusão de nomes, valores, datas e fatos, algo aparentemente periférico se destaca: uma conta aritmética. Marcos Valério, o pivô, foi oito vezes ao Banco Central defender interesses do Banco Rural, que "emprestou" R$ 32 milhões para o esquema e foi brindado depois com R$ 1 bilhão na liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco. Negócio da China!
Gurgel explicou em bom e claro português, citando trechos de depoimentos e as páginas em que podem ser encontrados: os empréstimos eram "falsos, fictícios", apenas para encobrir "doações em troca de favores" acertados depois "entre quatro paredes da Presidência".
Ou seja, para que o dinheiro sujo circulasse entre o público e o privado, saísse do Banco do Brasil e de órgãos públicos para caixas de partidos e bolsos de políticos aliados ao Planalto de Lula e Dirceu.
Em resumo, o Banco Rural e o BMG simulavam empréstimos para encobrir a roubalheira e, em troca, ganhavam vantagens altamente compensadoras do governo Lula.
Segundo Gurgel, as notas eram envoltas em faixas com os logotipos do BB ou dos bancos privados e as quantias eram tão grandes que circulavam em caixas-fortes!
Na sua fala, de cinco horas, ele apontou José Dirceu como o "autor intelectual" do esquema e Delúbio Soares e Marcos Valério como "elos" entre o núcleo político e os núcleos operacional e financeiro.
Mas isso já foi amplamente dito, escrito, comentado. O que se quer saber é se, além da eventual pena dos culpados, essas quantias milionárias serão devolvidas aos cofres públicos.
Senão, mesmo com condenações, os envolvidos continuarão no lucro e ficará comprovado: o crime realmente compensa.
BRASÍLIA - O procurador-geral Roberto Gurgel contou uma história com começo, meio e fim, mas recorrendo mais a relatos de testemunhas e menos a provas documentais. Esse vai ser o centro do julgamento.
Na profusão de nomes, valores, datas e fatos, algo aparentemente periférico se destaca: uma conta aritmética. Marcos Valério, o pivô, foi oito vezes ao Banco Central defender interesses do Banco Rural, que "emprestou" R$ 32 milhões para o esquema e foi brindado depois com R$ 1 bilhão na liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco. Negócio da China!
Gurgel explicou em bom e claro português, citando trechos de depoimentos e as páginas em que podem ser encontrados: os empréstimos eram "falsos, fictícios", apenas para encobrir "doações em troca de favores" acertados depois "entre quatro paredes da Presidência".
Ou seja, para que o dinheiro sujo circulasse entre o público e o privado, saísse do Banco do Brasil e de órgãos públicos para caixas de partidos e bolsos de políticos aliados ao Planalto de Lula e Dirceu.
Em resumo, o Banco Rural e o BMG simulavam empréstimos para encobrir a roubalheira e, em troca, ganhavam vantagens altamente compensadoras do governo Lula.
Segundo Gurgel, as notas eram envoltas em faixas com os logotipos do BB ou dos bancos privados e as quantias eram tão grandes que circulavam em caixas-fortes!
Na sua fala, de cinco horas, ele apontou José Dirceu como o "autor intelectual" do esquema e Delúbio Soares e Marcos Valério como "elos" entre o núcleo político e os núcleos operacional e financeiro.
Mas isso já foi amplamente dito, escrito, comentado. O que se quer saber é se, além da eventual pena dos culpados, essas quantias milionárias serão devolvidas aos cofres públicos.
Senão, mesmo com condenações, os envolvidos continuarão no lucro e ficará comprovado: o crime realmente compensa.
Numismata passivo - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 05/08
Corcovado, Pão de Açúcar, Arcos da Lapa? Nada disso. Na próxima ida ao Rio, vou visitar a Casa da Moeda.
Com tanta coisa para fazer na Cidade Maravilhosa, você pode indagar que graça vejo em programa tão desenxabido. Talvez seja mesmo - mas leve em conta uma fantasia antiga: eu sempre quis ver dinheiro sendo feito na minha frente. O sonho, até há pouco inviável - pois a Casa da Moeda, criada em 1694, só agora foi aberta à visitação -, vem dos meus tempos de menino, e, não fosse pelo risco de ser mal interpretado pela polícia, talvez tivesse me estabelecido como fabricante de cédulas e moedas.
Na infância, quando nossa grana era produzida em Londres, pela Thomas de La Rue, eu pegava uma daquelas notas de 1 cruzeiro, com a efígie do Pedro Álvares Cabral, e me punha a imaginar como seria a bica de onde aquilo manava. Tinha visto impressoras a despejar exemplares de O Diário, que meus pais assinavam (e que se anunciava como "O maior jornal católico da América Latina". O que não impediu que O Diário acabasse. A América Latina, ainda que mal e mal, continua.).
Seria assim a fábrica da tal Thomas de La Rue? - devaneava eu. Por essa época, comecei uma coleção de notas e moedas que, previsivelmente, não foi adiante: mal entrava a peça, o colecionador ia trocá-la na Nova Mercearia por barrinhas de Chocolate Refeição. Tive dias de duas, três, cinco refeições. A coleção não engrenava. Mais adiante, herdei de alguém (um tio, provavelmente, pois coleção de moedas ou selos é coisa de tio) uma caixa abarrotada de notas e moedas brasileiras. Já fora de circulação, escaparam de virar chocolate. Por falta de sobrinho interessado, ainda estão aqui, nesta altura dos acontecimentos em que também o colecionador corre o risco de sair de circulação.
Fazer o quê com meu acervo de papel e metal vira-lata, parte dele cunhado pela Thomas de La Rue, parte pela Casa da Moeda do Brasil? A julgar pelo que também li no jornal, meu problema parece não ser muito diferente do que vivem os filhos de João Cabral de Melo Neto, às voltas com papéis empoeirados - quem diz isso é um dos herdeiros do poeta, referindo-se a cartas que o pai recebeu de uns missivistas chamados Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes.
Antes que a poeira viesse cobrir de vez aquela papelada, os rebentos cabralinos tomaram a decisão de passá-la nos cobres, num leilão marcado para os próximos dias. E nem estão pedindo fortunas pelas cartas. Somos desapegados, explicou à reportagem um dos herdeiros do autor de Museu de Tudo. Pedem mixarias, na verdade. Se me permitem um breve editorial em plena crônica, direi que considero um escândalo a obtusa naturalidade de quem, numa faxina em casa, se livra assim de documentos preciosos da nossa vida literária. Escandaloso também que, divulgada a notícia do leilão, não tenha havido uma corrida de instituições públicas das quais se espera empenho em preservar tamanhos tesouros, salvando-os, mais que da poeira, da insensibilidade de quem os vê como descartáveis papéis velhos.
Não sei o que farão meus filhos quando um dia se virem às voltas com herança bem menos relevante (embora tilintante), a minha coleção de notas e moedas. Aqui está como a recebi. Não lhe acrescentei um mísero centavo nesses anos todos - o que faz de mim, admito, um numismata passivo. Passivo e voyeur, descubro agora, tentado que estou pelo renitente desejo infantil de ver máquinas a despejar um dinheiro que hoje ganho tão penosamente. Duvido que a Casa da Moeda me permita saciar também o desejo de botar os dedos numa grana que imagino saia quente, literalmente quente, e que uns vigaristas haverão de requentar, ou de lavar em paraísos fiscais.
Não chegarei a tanto. A mim vai me bastar estar ali, vendo alguém fazer dinheiro, quem sabe excitado como outra turma, aquela que se aquece, perdoem a vulgaridade da comparação, num peep-show de outra natureza, mas não por isso menos excitante.
Por que tenho medo de Romney - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 05/08
Candidato republicano tende a ser uma usina de problemas no Irã e, pior, na América Latina
Eu tenho medo de Mitt Romney, o candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos. Não estou sozinho. Katrina vanden Heuvel, a publisher da revista "The Nation", escreveu dias atrás o seguinte:
"Como um homem das cavernas congelado numa geleira, Mitt Romney é um homem aprisionado no passado -de sua posição arcaica sobre direitos das mulheres à sua crença numa economia à la Herbert Hoover" (Hoover, presidente durante a Grande Crise de 1929, tornou-se o adversário número um do "New Deal", a política de estímulos adotada por seu sucessor e que acabou por tirar a América do buraco).
Já seria suficiente para temê-lo, mas Heuvel ainda salga a ferida ao completar: "Agora, parece que sua política externa também está presa no passado".
Não sei, não, Katrina, mas meu medo é menos o passado e mais o futuro, em relação, por exemplo, ao Irã: na visita que Romney fez a Israel, um de seus assessores, Dan Senor, afirmou, com todas as letras que, "se Israel tiver que agir por sua conta, de forma a evitar que o Irã desenvolva isso [capacidade nuclear], o governador [Romney] respeitaria tal decisão".
Desnecessário enfatizar o tremendo risco para o mundo todo no caso de Israel resolver atacar o Irã, por mais que entenda o temor de muitos em muitas partes com a possibilidade de uma ditadura -ainda por cima teocrática- possuir a bomba. Mas, aí, não cabem outras saídas que não sejam negociar, negociar e negociar de novo.
Um presidente norte-americano que estimule o apetite israelense é, portanto, para se temer.
Lembro que, antes mesmo das primeiras primárias republicanas, já havia escrito, neste espaço, que Romney seria, se eleito, "uma verdadeira usina de problemas para a diplomacia brasileira, a julgar por suas posições a respeito de América Latina" (texto de 3 de janeiro).
Baseava-me em relato de James Bosworth, blogueiro do Latin America Monitor, incrustado no "Christian Science Monitor", sobre alguns dos pontos que Romney já colocara no papel.
O republicano equipara Cuba e Venezuela como partes de um movimento "virulentamente antiamericano na América Latina, que busca minar as instituições de governança democrática e as oportunidades econômicas".
Que há uma aliança Cuba/Venezuela, não é segredo. Mas que seja realmente desestabilizadora é outra conversa. Tratar Hugo Chávez, se reeleito, como os EUA tratam Cuba é aproximar o fósforo de um tanque de gasolina.
Com a Venezuela no Mercosul, o Brasil é parte do tanque.
Segundo ponto: Romney pretende, nos primeiros cem dias no cargo, lançar uma "Campanha para Oportunidade Econômica na América Latina", que leva todo o jeito de ser uma retomada da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), posta em hibernação, aparentemente definitiva, justamente pelos desentendimentos entre Estados Unidos e Brasil.
Atritos comerciais são naturais em toda parceria, mas agregar a eles uma tintura ideológica é tudo o que Brasil e Estados Unidos deveriam dispensar.
Candidato republicano tende a ser uma usina de problemas no Irã e, pior, na América Latina
Eu tenho medo de Mitt Romney, o candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos. Não estou sozinho. Katrina vanden Heuvel, a publisher da revista "The Nation", escreveu dias atrás o seguinte:
"Como um homem das cavernas congelado numa geleira, Mitt Romney é um homem aprisionado no passado -de sua posição arcaica sobre direitos das mulheres à sua crença numa economia à la Herbert Hoover" (Hoover, presidente durante a Grande Crise de 1929, tornou-se o adversário número um do "New Deal", a política de estímulos adotada por seu sucessor e que acabou por tirar a América do buraco).
Já seria suficiente para temê-lo, mas Heuvel ainda salga a ferida ao completar: "Agora, parece que sua política externa também está presa no passado".
Não sei, não, Katrina, mas meu medo é menos o passado e mais o futuro, em relação, por exemplo, ao Irã: na visita que Romney fez a Israel, um de seus assessores, Dan Senor, afirmou, com todas as letras que, "se Israel tiver que agir por sua conta, de forma a evitar que o Irã desenvolva isso [capacidade nuclear], o governador [Romney] respeitaria tal decisão".
Desnecessário enfatizar o tremendo risco para o mundo todo no caso de Israel resolver atacar o Irã, por mais que entenda o temor de muitos em muitas partes com a possibilidade de uma ditadura -ainda por cima teocrática- possuir a bomba. Mas, aí, não cabem outras saídas que não sejam negociar, negociar e negociar de novo.
Um presidente norte-americano que estimule o apetite israelense é, portanto, para se temer.
Lembro que, antes mesmo das primeiras primárias republicanas, já havia escrito, neste espaço, que Romney seria, se eleito, "uma verdadeira usina de problemas para a diplomacia brasileira, a julgar por suas posições a respeito de América Latina" (texto de 3 de janeiro).
Baseava-me em relato de James Bosworth, blogueiro do Latin America Monitor, incrustado no "Christian Science Monitor", sobre alguns dos pontos que Romney já colocara no papel.
O republicano equipara Cuba e Venezuela como partes de um movimento "virulentamente antiamericano na América Latina, que busca minar as instituições de governança democrática e as oportunidades econômicas".
Que há uma aliança Cuba/Venezuela, não é segredo. Mas que seja realmente desestabilizadora é outra conversa. Tratar Hugo Chávez, se reeleito, como os EUA tratam Cuba é aproximar o fósforo de um tanque de gasolina.
Com a Venezuela no Mercosul, o Brasil é parte do tanque.
Segundo ponto: Romney pretende, nos primeiros cem dias no cargo, lançar uma "Campanha para Oportunidade Econômica na América Latina", que leva todo o jeito de ser uma retomada da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), posta em hibernação, aparentemente definitiva, justamente pelos desentendimentos entre Estados Unidos e Brasil.
Atritos comerciais são naturais em toda parceria, mas agregar a eles uma tintura ideológica é tudo o que Brasil e Estados Unidos deveriam dispensar.
Cem anos de mistério - MARCELO GLEISER
FOLHA DE S.PAULO - 05/08
Raios cósmicos afetam de viagens espaciais à memória de computadores, mas sua origem ainda é controversa
Neste mês, físicos celebram o centenário da descoberta dos raios cósmicos, esses chuveiros de partículas vindas do espaço. Apesar de hoje conhecermos bem sua natureza e composição, muitas perguntas permanecem em aberto, especialmente com relação aos raios cósmicos ultraenergéticos.
Que processo natural é capaz de acelerar partículas a energias milhões de vezes maiores do que as atingidas no colisor de partículas do Cern, onde foi descoberto o bóson de Higgs?
Apesar do nome, raios cósmicos têm uma importância prática, já que produzem 13% da radioatividade natural a que somos expostos. Tripulações de aviões recebem o dobro dessa radiação, e astronautas mais ainda. Aliás, raios cósmicos são um dos fatores que complicam viagens espaciais mais longas, como a ida de humanos a Marte.
Também interferem no funcionamento de computadores, causando erros de armazenamento de dados. Num estudo de 1990, cientistas da IBM estimaram que raios cósmicos induzem um erro para cada 256 megabytes de RAM por mês.
Em agosto de 1912, o físico austríaco Victor Hess subiu num balão até 5,3 km medindo o fluxo de partículas vindas do céu. A expectativa era de que o fluxo diminuiria com a altitude, exatamente o oposto do que Hess descobriu. A conclusão era clara: as partículas vinham do espaço.
Nas décadas seguintes, a composição dos raios cósmicos foi decifrada: 90% são prótons; 9% são núcleos dos átomos de hélio, as partículas alfa; 1% são elétrons. Uma pequena fração deles vem de núcleos atômicos forjados meros minutos após o Big Bang. Quando essas partículas se chocam com moléculas da atmosfera, a transformação de sua energia de movimento em matéria, segundo a fórmula E=mc2, cria uma reação em cadeia, um "chuveiro" de partículas.
A maioria dos raios cósmicos vem do Sol. Mas o mecanismo que gera os mais energéticos ainda é desconhecido. Certamente são criados em eventos astrofísicos dramáticos. Dos vários candidatos, dois têm destaque: buracos negros gigantes que existem no centro de galáxias ou explosões de raios gama, os eventos cósmicos mais energéticos que conhecemos, provavelmente causados quando uma estrela colapsa e vira uma estrela de nêutrons ou um buraco negro, ou quando duas estrelas de nêutrons colidem.
Um experimento recente da Universidade de Wisconsin, nos EUA, chamado de IceCube, apresentou evidências contra a hipótese de as explosões de raios gama serem responsáveis pelos raios cósmicos ultraenergéticos. A teoria prevê que raios gama e muitos neutrinos são gerados quando estrelas explodem e viram supernovas. Mas o IceCube não detectou sequer um neutrino vindo dessas explosões, o que torna difícil entender de onde vêm as partículas dos raios cósmicos.
Por outro lado, o Observatório Pierre Auger, onde trabalham vários brasileiros, viu forte correlação entre núcleos de galáxias ativos -onde há buracos negros gigantes- e raios cósmicos ultraenergéticos. Mas o debate ainda contiua.
Qualquer que seja a explicação, tais raios são uma ponte entre nós e os confins do espaço, reforçando nossa profunda relação com as grandes escalas do Cosmos.
Cidade Mara - SÉRGIO DÁVILA
FOLHA DE SP - 05/08
SÃO PAULO - Mais um morro da zona norte carioca deve receber uma Unidade de Polícia Pacificadora hoje. Aos poucos, o plano de "pacificação" das favelas do Rio é implantado por Estado e município.
A meta é deixar a cidade "pronta" para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. A ação deve levar à reeleição em outubro do atual prefeito, Eduardo Paes (PMDB).
Seria educativo se os governantes brasileiros dessem uma olhada em outro projeto de "pacificação" ocorrido numa grande cidade às vésperas de um evento esportivo.
A zona sul da Los Angeles dos anos 80 era uma área conflagrada. A região conhecida como South Central estava tomada por gangues. Amparado pelo órgão antidrogas do governo Reagan, o chefe de polícia local decidiu atacar o problema.
O capitão Nascimento angeleno chamava-se Daryl Gates. Falastrão e de métodos violentos, havia criado anos antes a Swat, o comando tático especial que influenciou polícias do mundo inteiro e inspirou o Bope do Rio.
Em operações cada vez mais midiáticas, Gates prendeu 50 mil pessoas, a maioria jovens e negros. Uma das prisões contou com a participação da própria Nancy Reagan.
Em 1984, Los Angeles estava "limpa". Os Jogos aconteceram em paz.
O problema foi o pós-festa. O Estado havia entrado na zona conflagrada, mas lá não continuou. Com o vácuo de poder, jovens imigrantes de El Salvador que tinham fugido da guerra civil encontraram terreno para delinquir.
Formaram novas gangues, chamadas "maras". Hoje, 30 anos depois, membros da principal delas, a Mara Salvatrucha, ultrapassaram os limites de South Central e estão espalhados pelos EUA.
Associaram-se aos cartéis de drogas mexicanos e chegaram até a capital do país, Washington, onde dominam os roubos de carros.
E ensinam uma lição: não basta pacificar, tem de permanecer.
O pós-mensalão - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 05/08
Não é possível saber de antemão qual o efeito do julgamento do mensalão no eleitorado nas eleições municipais deste ano, mas ele é temido pelo PT e dá esperanças à oposição na campanha eleitoral.
OPalácio do Planalto procura distanciar-se ao máximo do debate que ele suscita, e a presidente Dilma Rousseff já disse a interlocutores que essa é uma dor que o partido tem que sofrer e superar.
Mas não é apenas a oposição que joga suas esperanças num revés petista nesse julgamento. Também alguns partidos aliados não envolvidos nas acusações veem no eventual desgaste petista uma possibilidade de assumirem posições mais destacadas no governo federal.
O julgamento tem o potencial de definir as forças partidárias dentro e fora do PT, realinhando posições políticas e forjando um novo quadro de coalizões, seja qual for o resultado.
Não é à toa que, volta e meia, pessoas ligadas ao PT tentam afastar para longe do partido a palavra mensalão, especialmente em um ano eleitoral.
A tentativa mais alardeada foi a do próprio ex-presidente Lula, que assediou ministros do Supremo Tribunal Federal para convencê-los a adiar o julgamento para depois das eleições.
Tratou do tema diretamente com os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, com os quais tem relações de amizade, e esbarrou na indignação do ministro Gilmar Mendes, a quem teria ameaçado com denúncias do PT na CPI do Cachoeira para obter sua adesão à tese.
Mendes levou essa tentativa de intimidação ao presidente do Supremo, e confirmou a manobra de Lula para a imprensa.
O PT reclamou também de o STF usar o termo mensalão em seu noticiário sobre o julgamento, que passou a ser tratado oficialmente apenas como "ação penal 470".
Outra tentativa foi a de um grupo de advogados ligados ao PT, que enviou à presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, um pedido para que não permitisse que o julgamento do mensalão fosse usado nos programas eleitorais dos partidos oposicionistas.
Agora, há um movimento para pedir à Justiça que os meios de comunicação sejam impedidos de usar o termo mensalão em seu noticiário, obrigando-os a falar sempre da "ação penal 470" quando se referirem ao julgamento em curso.
Para a presidente Dilma, a condenação do grupo petista que comandou o mensalão significará reforço na sua capacidade de intermediação dentro do partido, hoje dependente do grupo majoritário "Construindo um Novo Brasil", liderado por Dirceu.
Naturalmente, esse grupo sairia enfraquecido na luta partidária, abrindo caminho para os petistas ligados à presidente, que hoje não têm influência decisiva no partido.
A condenação de Dirceu e sua turma levaria, ao mesmo tempo, à reorganização de forças partidárias dentro da base aliada. Partidos que pouco ou nada têm a ver com o mensalão, como o PSB e o PMDB, sairiam fortalecidos no pós-julgamento.
O PMDB tem dois envolvidos, José Borba e Anderson Adauto, que permanecem no partido e são prefeitos de Jandaia do Sul (PR) e Uberaba (MG).
No entanto, não há indícios de que a cúpula partidária estivesse envolvida, pois, na ocasião, apenas uma parte do partido estava no governo. Só depois da crise do mensalão é que o partido entrou oficialmente na base aliada.
Já o PSB não tem nada a ver com as negociações do mensalão, com apenas uma participação indireta na regional do Pará, que teria recebido uma ajuda em dinheiro.
O enfraquecimento do PT pode fazer com que os dois partidos assumam maiores responsabilidades na coalizão governamental.
Se, ao contrário do que esperam a oposição e mesmo alguns partidos aliados, petistas mais graduados forem absolvidos pelo STF, notadamente Dirceu, o PT será afetado em sua linha de ação, sendo previsível que o controle do partido fique explicitamente nas mãos do ex-ministro de Lula, que sairia das sombras para comandá-lo novamente.
Nesse caso, Dirceu teria formidável reinserção na vida partidária, com condições de influir decisivamente nos rumos do governo Dilma, voltando a ser a maior liderança política petista na impossibilidade de Lula retomar suas atividades políticas.
Seria também, provavelmente, a implosão da coalizão partidária que sustenta o governo nos moldes atuais.
Não é possível saber de antemão qual o efeito do julgamento do mensalão no eleitorado nas eleições municipais deste ano, mas ele é temido pelo PT e dá esperanças à oposição na campanha eleitoral.
OPalácio do Planalto procura distanciar-se ao máximo do debate que ele suscita, e a presidente Dilma Rousseff já disse a interlocutores que essa é uma dor que o partido tem que sofrer e superar.
Mas não é apenas a oposição que joga suas esperanças num revés petista nesse julgamento. Também alguns partidos aliados não envolvidos nas acusações veem no eventual desgaste petista uma possibilidade de assumirem posições mais destacadas no governo federal.
O julgamento tem o potencial de definir as forças partidárias dentro e fora do PT, realinhando posições políticas e forjando um novo quadro de coalizões, seja qual for o resultado.
Não é à toa que, volta e meia, pessoas ligadas ao PT tentam afastar para longe do partido a palavra mensalão, especialmente em um ano eleitoral.
A tentativa mais alardeada foi a do próprio ex-presidente Lula, que assediou ministros do Supremo Tribunal Federal para convencê-los a adiar o julgamento para depois das eleições.
Tratou do tema diretamente com os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, com os quais tem relações de amizade, e esbarrou na indignação do ministro Gilmar Mendes, a quem teria ameaçado com denúncias do PT na CPI do Cachoeira para obter sua adesão à tese.
Mendes levou essa tentativa de intimidação ao presidente do Supremo, e confirmou a manobra de Lula para a imprensa.
O PT reclamou também de o STF usar o termo mensalão em seu noticiário sobre o julgamento, que passou a ser tratado oficialmente apenas como "ação penal 470".
Outra tentativa foi a de um grupo de advogados ligados ao PT, que enviou à presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, um pedido para que não permitisse que o julgamento do mensalão fosse usado nos programas eleitorais dos partidos oposicionistas.
Agora, há um movimento para pedir à Justiça que os meios de comunicação sejam impedidos de usar o termo mensalão em seu noticiário, obrigando-os a falar sempre da "ação penal 470" quando se referirem ao julgamento em curso.
Para a presidente Dilma, a condenação do grupo petista que comandou o mensalão significará reforço na sua capacidade de intermediação dentro do partido, hoje dependente do grupo majoritário "Construindo um Novo Brasil", liderado por Dirceu.
Naturalmente, esse grupo sairia enfraquecido na luta partidária, abrindo caminho para os petistas ligados à presidente, que hoje não têm influência decisiva no partido.
A condenação de Dirceu e sua turma levaria, ao mesmo tempo, à reorganização de forças partidárias dentro da base aliada. Partidos que pouco ou nada têm a ver com o mensalão, como o PSB e o PMDB, sairiam fortalecidos no pós-julgamento.
O PMDB tem dois envolvidos, José Borba e Anderson Adauto, que permanecem no partido e são prefeitos de Jandaia do Sul (PR) e Uberaba (MG).
No entanto, não há indícios de que a cúpula partidária estivesse envolvida, pois, na ocasião, apenas uma parte do partido estava no governo. Só depois da crise do mensalão é que o partido entrou oficialmente na base aliada.
Já o PSB não tem nada a ver com as negociações do mensalão, com apenas uma participação indireta na regional do Pará, que teria recebido uma ajuda em dinheiro.
O enfraquecimento do PT pode fazer com que os dois partidos assumam maiores responsabilidades na coalizão governamental.
Se, ao contrário do que esperam a oposição e mesmo alguns partidos aliados, petistas mais graduados forem absolvidos pelo STF, notadamente Dirceu, o PT será afetado em sua linha de ação, sendo previsível que o controle do partido fique explicitamente nas mãos do ex-ministro de Lula, que sairia das sombras para comandá-lo novamente.
Nesse caso, Dirceu teria formidável reinserção na vida partidária, com condições de influir decisivamente nos rumos do governo Dilma, voltando a ser a maior liderança política petista na impossibilidade de Lula retomar suas atividades políticas.
Seria também, provavelmente, a implosão da coalizão partidária que sustenta o governo nos moldes atuais.
O réu ausente no mensalão - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 05/08
No julgamento do mensalão há um ausente no banco dos réus que teria poder de abortar o caso no seu início, mas se omitiu, não cumpriu seu papel e sistematicamente violou a lei entre 2003 e 2005. Trata-se do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), criado em 1998 com a missão específica de identificar transações bancárias suspeitas de lavagem de dinheiro. A legislação obriga os bancos a informarem ao Coaf todas as operações efetuadas em dinheiro vivo - depósitos ou saques - em valores acima de R$ 10 mil. Examinadas as transações, o órgão envia as que julgar suspeitas para o Ministério Público (MP) investigar.
No caso do mensalão, o Coaf escondeu as informações e não as repassou ao MP. Entre julho de 2003 e maio de 2005 as empresas do principal operador do esquema, o publicitário Marcos Valério, realizaram uma centena de saques em dinheiro vivo de valores entre R$ 100 mil e R$ 400 mil, transportados em malas até Brasília e distribuídos a parlamentares que, segundo a acusação, eram indicados pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Uma única notificação chegou ao MP de São Paulo em 2003. Depois, silêncio completo. E nenhuma ao MP de Minas Gerais, de onde saiu o grosso do dinheiro sacado por Valério na agência do Banco Rural em Belo Horizonte.
Se desde o primeiro momento o Coaf informasse as transações suspeitas de Valério e o MP pedisse abertura de inquérito à Polícia Federal, o mensalão teria sido obstruído no nascedouro. Ou o esquema seria obrigado a buscar outros meios de financiamento. "E por que o Coaf não agiu?", indagou a ex-deputada Denise Frossard em ofício dirigido ao então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ao qual o Coaf era subordinado. Recebeu em resposta um convite de visita do ministro da Justiça e hoje advogado de um réu no caso Márcio Thomaz Bastos. Ele prometeu à deputada que o fato não se repetiria porque o Coaf passaria por uma competente reforma. Na Fazenda a conversa com a ex-deputada foi interpretada como um recôndito desejo de Bastos de transferir o Coaf para o Ministério da Justiça. Se verdade é, não conseguiu.
O mensalão teve vertentes, filhotes e desdobramentos que não chegaram a ser apurados. O caso Coaf é um deles. Mas se destaca dos demais pelo importante papel que exerce no aparato policial para investigar crimes de lavagem de dinheiro. Como a investigação começa justamente a partir dele, sua omissão tem o poder de encobrir crimes e criminosos. Por isso não podem pairar dúvidas sobre sua atuação. Ele deveria funcionar no modelo de uma agência reguladora, agir com independência, autonomia e distanciado de más influências do poder político. Mas a realidade é outra.
Em 14 anos de existência, seu balanço apresenta resultados positivos, outros negativos. Ao completar dez anos, em março de 2008, o Coaf divulgou em relatório ter rastreado 686 contas bancárias de 748 pessoas ligadas à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que movimentaram R$ 63 milhões entre 2005 e 2007. A ação do Coaf permitiu à Justiça bloquear R$ 17,7 milhões dos criminosos. Ponto positivo.
Só que os negativos causam um estrago institucional tão nocivo que superam os positivos e comprometem sua credibilidade. E eles têm ocorrido a partir do uso político do órgão e da influência de quem tem poder para mandar. No caso do mensalão isso ficou flagrante: após a primeira notificação sobre as empresas de Valério, o Coaf emudeceu durante dois anos. Em conversa que tivemos em 2008, o advogado Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Coaf desde 2004, não explicou a omissão ao longo de dois anos e tratou de negar influência política: "Nunca sofri pressão política de algum superior, a não ser a interferência do chefe de gabinete do ministro (Palocci) no caso do caseiro".
Mensalão, violação da conta bancária do caseiro Francenildo Costa, saques em dinheiro de R$ 1,75 milhão feitos por dois aloprados do PT para comprar um dossiê falso contra tucanos. Tudo isso aconteceu, mas o Coaf não viu.
Cidadãos reféns - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 05/08
A soma de tibieza do poder público mais irresponsabilidade de certas categorias profissionais tem dado ocasião a um tipo de protesto trabalhista que vai muito além da suspensão do trabalho prevista em lei: trata-se do bloqueio deliberado de avenidas e rodovias importantes, asfixiando a livre circulação de pessoas e mercadorias e prejudicando indistintamente todos os cidadãos. O último episódio do gênero foram as manifestações de motofretistas que, em questão de minutos, trouxeram o caos a São Paulo e Rio de Janeiro.
No caso da capital paulista, na quinta-feira passada o congestionamento beirou os 150 quilômetros quando os motoqueiros fecharam parte da Paulista, da Brigadeiro Faria Lima, da Rebouças e da Marginal do Pinheiros. Em alguns pontos da marginal a fila superava 7 quilômetros e o bloqueio só foi desfeito quando a polícia usou bombas de gás lacrimogêneo. No Rio, o centro da cidade também travou.
Os motoboys protestavam contra a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que impôs normas mais rígidas para o exercício de sua profissão, cuja vigência estava prevista para começar na sexta-feira. O maior problema, na visão dos motoqueiros, era a exigência de um curso de capacitação, sem o qual eles não podem obter sua licença municipal. A questão é que o curso só podia ser ministrado pelo Detran, pelo Serviço Social do Transporte (Sest) ou pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e essas entidades não tinham condições de fornecer vagas em número suficiente para suprir a demanda. No mês passado, o Estado mostrou que apenas 2% dos motoboys haviam conseguido fazer o curso e seria impossível para todos os demais atender à exigência no prazo estipulado.
Como se nota, a reivindicação dos motoboys não era injusta - ao contrário: a situação só reafirmou a incúria dos administradores públicos, que fazem exigências aos cidadãos, mas não lhes dão condições de cumpri-las. Por isso, o Contran viu-se obrigado a adiar, pela terceira vez, o prazo para iniciar a fiscalização do respeito às normas. Agora, os motofretistas terão até fevereiro de 2013.
É interessante observar, todavia, que nem bem o protesto em São Paulo havia terminado, o Ministério das Cidades corria a anunciar o novo adiamento da vigência das regras, como a premiar os vândalos. Nenhuma mísera palavra de censura oficial à atitude truculenta dos motoboys foi dita, de modo que não será surpresa se eles voltarem a infernizar a cidade qualquer dia desses para impor sua agenda de reivindicações.
O mesmo pode-se dizer dos caminhoneiros autônomos que, entre o final de julho e o início de agosto, paralisaram a Rodovia Dutra, a principal do País, para protestar contra uma nova regra que exige descanso mínimo de 11 horas a cada 24 horas. Nesse caso, eles contaram com a camaradagem de policiais rodoviários interessados na crise, porque eles também estão reivindicando melhorias de trabalho.
Sem entrar no mérito do que exigiam os caminhoneiros, o fato é que o bloqueio, que durou uma semana, causou transtornos generalizados e houve violência. Ônibus de passageiros, caminhões com produtos perecíveis e ambulâncias com pacientes ficaram presos no congestionamento que, em alguns momentos, passou de 30 quilômetros. Além disso, como 90% dos caminhões que abastecem a região metropolitana do Rio estavam presos na Dutra, o preço de determinados alimentos disparou - um exemplo foi o da saca da batata na Ceasa-RJ, que subiu de R$ 40 para R$ 100.
A moda pegou e, na última quinta-feira, funcionários da General Motors bloquearam a Dutra, diante da fábrica da montadora em São José dos Campos, por cerca de uma hora. Foi um protesto contra a ameaça de demissão de cerca de 1.500 funcionários. Houve congestionamento de até 13 quilômetros. Também nesse caso, nada aconteceu com os manifestantes.
O direito de greve é indiscutível - consta da Constituição, em seu artigo 9.º. Cassar o fundamental direito alheio de ir e vir, no entanto, é inadmissível abuso, e o Estado não pode ignorar essa violência, ou pior, dela ser cúmplice.
Vista do mar - LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O Estado de S.Paulo - 05/08
Não faltam ao Rio de Janeiro belas paisagens e lugares para contemplá-los. Mas a vista que bate todas, a mãe de todas as vistas, é a vista para o mar. Apartamentos com vista para o mar são disputados, no Rio, por quem pode comprar ou alugá-los. Às vezes só o que o apartamento tem é a vista para o mar - que, claro, é destacada por quem o está vendendo ou alugando.
- Olha só que vistão.
- Uma beleza... Mas quantos quartos tem o apartamento?
- Quartos?
- É. No anuncio só dizia "vista para o mar" e mais nada.
- Tem um quarto. Mas olha que vista.
- Onde fica?
- A vista?
- O quarto.
- Você está nele.
- Mas aqui não é a sala?
- É a sala e o quarto. Mas olha que vista.
- Não tem cozinha?
- A cozinha é junto com o banheiro.
- Cozinha e banheiro, juntos?!
- Mas olha que vista!
***
Depois da quarta queda, com morte, da mesma janela, a polícia não está mais perto de esclarecer o mistério. Quatro quedas da mesma janela, num curto espaço de tempo? Suicídio não pode ser. Quatro pessoas se atirando pela mesma janela, sem deixar bilhete, uma atrás da outra? Improvável. Impossível.
O primeiro a ser interrogado é o dono do apartamento, e a primeira suspeita a seu respeito é: orgias. Festas loucas, com muito álcool, muita droga, muito sexo, culminando com alguém sendo jogado pela janela. Ou então, outra tese: ritos de magia negra, com os possuídos pelo Demônio mergulhando para a morte pela janela, entre gritos selvagens dos demais.
- Vamos, confesse. O que acontecia no seu apartamento? Como eram os rituais macabros?
- Eu não sei de nada. O apartamento está à venda. Eu nunca vou lá. Só quem vai é um corretor, para mostrar aos possíveis compradores.
O corretor não resiste ao interrogatório e confessa. Estava, sim, no apartamento quando as pessoas caíram pela janela. Estavam todas esticando o pescoço para enxergar um pedaço da vista do mar prometida no anúncio. Mas o corretor não se sentia culpado.
- Eu dizia: não se debrucem! Não se debrucem!
Se havia um culpado das mortes era a vista para o mar. Que prendessem a vista para o mar.
De onde surgem os amores - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 05/08
Uma amiga na casa dos 50 estava solteira há anos. Não tinha namorado e tampouco se sentia ansiosa com isso. Já havia casado duas vezes, tinha um filho bacana e podia muito bem viver sem amor, essas mentiras que a gente conta para nós mesmos.
De qualquer forma, para não perder o hábito, de vez em quando se produzia e ia pra balada, vá que. Mas voltava invariavelmente sozinha para casa. Até que um ex-paquera do tempo que ela era uma debutante fez contato ele, que morava no Exterior, voltaria para o Brasil e queria revê-la. Milagre by Facebook.
Ela disse claro, vai ser ótimo, mas não sabia quando exatamente a promessa desembarcaria no Salgado Filho. Seguiu sua vida. Foi para a piscina do clube num dia de semana e lá, estando acima do peso, suada e com um biquíni velho, escutou seu nome sendo pronunciado por uma voz aveludada. Era o dito cujo, testemunhando in loco no que a debutante havia se transformado depois de tantos anos. Ela pensou: o cara vai sair correndo.
Ele pensou: não desgrudo mais dessa mulher. E assim foi. Certa de que só estando impecável atrairia olhares, ela conquistou um guapo num dia em que se sentia pouco atraente.
Outra história. Atriz, loira, olhos verdes, leva um fora do noivo. Passa dias inchada de tanto chorar. Deprê em estágio avançado. A avó organiza um almoço do tipo italiano, aberto ao público. Ela vai e encontra um velho conhecido com quem brincava na infância. Ele, recém-separado. Ela, um trapo.
Ficam ali conversando, ela aos lamentos por sua situação, quando, em meio a soluços, a mulher se engasga. Mas engasga feio. De quase morrer. Uns 10 vieram esmurrar suas costas, e a guria vertendo lágrimas sem conseguir respirar, roxa como uma berinjela, já encomendando a alma. Ela me conta: naquele dia, eu havia saído de casa medonha, e o engasgo só piorou o quadro, eu parecia o demo convulsionando. Mas o amiguinho de infância não teve essa impressão. No dia seguinte, ligou para saber se ela passava bem, e estão casados há 15 anos.
Mais uma: depois de duas décadas de uma relação bem vivida, veio a separação amigável. Porém, mesmo amigável, nunca é fácil sair de um casamento, ainda mais de um casamento que não era um inferno, apenas havia acabado por excesso de amizade.
Ela pensou: agora é a hora do luto, um recolhimento me fará bem. Não deu uma semana e um estranho tocou o número do seu apartamento no porteiro eletrônico. Ela não reconheceu a voz, o nome, não sabia quem era, e não deu trela. Ele tentou no dia seguinte: ela tampouco abriu a porta, achou que o cara havia se enganado de prédio. No terceiro dia, ela resolveu esclarecer pessoalmente o equívoco. Desceu até a portaria para convencer o insistente de que ela não era quem ele procurava. Era.
Do que se conclui: de onde muito se espera – boates, festas, bares – é que não surge nada. O amor prefere se aproximar dos distraídos.
Uma amiga na casa dos 50 estava solteira há anos. Não tinha namorado e tampouco se sentia ansiosa com isso. Já havia casado duas vezes, tinha um filho bacana e podia muito bem viver sem amor, essas mentiras que a gente conta para nós mesmos.
De qualquer forma, para não perder o hábito, de vez em quando se produzia e ia pra balada, vá que. Mas voltava invariavelmente sozinha para casa. Até que um ex-paquera do tempo que ela era uma debutante fez contato ele, que morava no Exterior, voltaria para o Brasil e queria revê-la. Milagre by Facebook.
Ela disse claro, vai ser ótimo, mas não sabia quando exatamente a promessa desembarcaria no Salgado Filho. Seguiu sua vida. Foi para a piscina do clube num dia de semana e lá, estando acima do peso, suada e com um biquíni velho, escutou seu nome sendo pronunciado por uma voz aveludada. Era o dito cujo, testemunhando in loco no que a debutante havia se transformado depois de tantos anos. Ela pensou: o cara vai sair correndo.
Ele pensou: não desgrudo mais dessa mulher. E assim foi. Certa de que só estando impecável atrairia olhares, ela conquistou um guapo num dia em que se sentia pouco atraente.
Outra história. Atriz, loira, olhos verdes, leva um fora do noivo. Passa dias inchada de tanto chorar. Deprê em estágio avançado. A avó organiza um almoço do tipo italiano, aberto ao público. Ela vai e encontra um velho conhecido com quem brincava na infância. Ele, recém-separado. Ela, um trapo.
Ficam ali conversando, ela aos lamentos por sua situação, quando, em meio a soluços, a mulher se engasga. Mas engasga feio. De quase morrer. Uns 10 vieram esmurrar suas costas, e a guria vertendo lágrimas sem conseguir respirar, roxa como uma berinjela, já encomendando a alma. Ela me conta: naquele dia, eu havia saído de casa medonha, e o engasgo só piorou o quadro, eu parecia o demo convulsionando. Mas o amiguinho de infância não teve essa impressão. No dia seguinte, ligou para saber se ela passava bem, e estão casados há 15 anos.
Mais uma: depois de duas décadas de uma relação bem vivida, veio a separação amigável. Porém, mesmo amigável, nunca é fácil sair de um casamento, ainda mais de um casamento que não era um inferno, apenas havia acabado por excesso de amizade.
Ela pensou: agora é a hora do luto, um recolhimento me fará bem. Não deu uma semana e um estranho tocou o número do seu apartamento no porteiro eletrônico. Ela não reconheceu a voz, o nome, não sabia quem era, e não deu trela. Ele tentou no dia seguinte: ela tampouco abriu a porta, achou que o cara havia se enganado de prédio. No terceiro dia, ela resolveu esclarecer pessoalmente o equívoco. Desceu até a portaria para convencer o insistente de que ela não era quem ele procurava. Era.
Do que se conclui: de onde muito se espera – boates, festas, bares – é que não surge nada. O amor prefere se aproximar dos distraídos.
Bienal do Livro: a conta não fecha - RAUL WASSERMANN
O público que vai encara aquilo como uma ida ao shopping. Os leitores mesmo se recusam a ir. Ao final, números maquiados na mídia e prejuízos silenciados
Nas conversas sobre passado e futuro das bienais do livro, lembro sempre da Fenit, feira de indústria textil que já foi chamada de "a São Paulo Fashion Week dos anos 1960".
Aos poucos, participar dela ficou tão caro para a maioria das confecções que surgiu a moda de alugar espaços em hotéis para apresentar as coleções nos mesmos dias da Fenit.
Recentemente, Danuza Leão comentou a SPFW na Folha. Descreveu as badalações e escreveu: "Sem dúvida, a SPFW é muito luxuosa. Mas será que essa conta se paga?"
Tirando o "muito luxuosa", a mesma pergunta poderia ser feita às bienais do LIVRO de São Paulo, do Rio e até de alguns outros Estados.
O tempo passou. Veio a informática, passamos dos estandes dos anos 1970, armados a tábuas e pregos, às tentativas de nos tornarmos a Frankfurt ou a Paris dos trópicos.
Só que esquecemos dos leitores, da finalidade primeira de uma feira do livro: desenvolver o mercado.
Mesmo tendo presidido duas edições da bienal de São Paulo e participado de sua organização por um bom tempo, sempre defendi uma versão mais light, para o desenvolvimento do mercado. Eu me preocupava com a sua transformação em feirão.
Hoje temos investimentos em estandes luxuosos, que operam lado a lado com bancas de saldos, recebendo um público que passa por lá no fim de semana como variação da ida ao shopping. Os leitores, principalmente de não ficção, ficam em casa, buscando na internet o que não encontram nas livrarias, recusando-se a frequentar aquele ambiente superpovoado.
O Salão de Ideias, só para citar um espaço da bienal que antes atraía um colosso de gente, há várias edições simplesmente não acontece.
A programação cultural, aliás, já começou mal para a edição de 2012. Segundo a coluna "Painel das Letras", da Folha, a organização não havia confirmado até as vésperas do evento quais autores internacionais deveriam participar neste ano.
As editoras, preocupadas, afirmaram que vão trazer autores de fora. A organização, que captou dinheiro da lei Rouanet, disse que não tinha dinheiro para pagar as passagens, mas que incluiria os nomes sugeridos pelas editoras na programação.
Parceiras do mercado editorial, as livrarias não herdam nada, não há ação para levar o público a frequentá-las. O que existia foi enterrado.
Os números continuam sendo manipulados para sensibilizar a mídia. As declarações finais são sempre as mesmas, louvando a superação de todas as metas. Quem sai no prejuízo fica no silêncio, envergonhado.
Repito o que já disse há dois anos: por que não assumir que a fórmula está desgastada? Por que não criar um evento que só mostre a produção das editoras, com bons eventos culturais, proibição de descontos, iniciativas que levem público às livrarias e outros canais de venda e trazendo livreiros de todo o país?
Por que não retomar a tradição de dias reservados só para os profissionais? E por que não pensar em outro evento, com livreiros, que venda com descontos aqueles bons livros que toda editora tem, mas o público não encontra nas prateleiras?
Por que não fazer uma feira dirigida só ao público infantojuvenil? Vamos admitir: hoje adultos e crianças se atrapalham mutuamente.
Nada disso, entretanto, pode acontecer se não houver coragem e união da classe editorial. Insisto: é preciso sonhar com o desenvolvimento do mercado antes para colher em nossas empresas depois.
Enfim, a continuarmos na fórmula desgastada de sempre, só posso terminar com a pergunta de Danuza: será que essa conta se paga?