sábado, agosto 04, 2012

Patrões e patroas sem-noção - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA


Você, que não perde um capítulo da novela do mensalão e torce pela condenação de todos os vilões, já parou para pensar se existe uma Carminha em seu íntimo? Lembre que o exercício da cidadania começa em casa, ao acordar para o café.

Você é uma patroete ou patrão sem-noção, que desrespeita as empreguetes – ou valoriza o trabalho de quem limpa, cozinha, lava e passa para você e sua família?

Não faz sentido discursar contra a corrupção na aula de pilates ou no salão de beleza e, durante o alongamento e a escova progressiva, falar mal do “traste” que você mantém em casa, usando a linguagem da novela das 9, Avenida Brasil. Na “liga das patroas” da novela das 7, Cheias de charme, o uso da língua ferina contra as empregadas é mais que um passatempo, é um vício.

Se Zé Dirceu & Cúmplices precisam ser presos para dar exemplo e moralizar a política, como disciplinar as Carminhas soltas e impunes por aí? E olha que Carminha é emergente e já fez de tudo. O Brasil está cheio de Sandrinhas, Therezinhas, Ruthinhas (incluo meu nome para não fulanizar) que nunca fritaram um ovo, jamais fazem sua cama ou lavam suas calcinhas, não servem uma mesa, não lavam a louça e nunca usaram um aspirador de pó ou uma enceradeira. Elas têm horror a detergente e desperdiçam boa parte da vida procurando poeira para dar bronca. Humilham as empregadas domésticas fixas – um luxo no mundo moderno e civilizado. Quem já morou na Europa sabe.

Quando Nina começou a se vingar de Carminha, invertendo os papéis, a novela ficou meio chata. Na voz e nos gestos de Nina, as barbaridades cotidianas se tornam caricaturais, inverossímeis. Antes, tudo estava em seu devido lugar: sininho, exploração, chiliques, maus-tratos. Carminha era sem dúvida mais convincente no papel de patroa perua cheia de grana.

Se você não é uma Carminha, certamente conhece uma. Tive uma amiga de esquerda em São Paulo com atitudes singulares. No quarto, ao lado de sua cama, ela apertava a campainha ao acordar e lá vinha a empregada com bandeja e o café da manhã preparado. A doméstica dormia num anexo da casa, era obrigada a usar uniforme com touquinha. Servia almoço e jantar. Sentava-se na cozinha para ser chamada por um sininho várias vezes durante as refeições.

Conversei com Léa Silva, conhecida como Tia Léa, dona de uma laje no Vidigal, favela pacificada do Rio de Janeiro, onde serve refeições para estrangeiros. Há 38 anos ela trabalha em “casa de família”, desde adolescente. E já penou com Carminhas e Chayenes. “Sabe o que é levar na cama da patroa uma bandeja com café e ela jogar tudo longe, as coisas se esparramarem na cama, porque ela não gostou de alguma coisa?”, pergunta. Tia Léa detesta o som do sininho. Acha campainha menos desagradável.

Tia Léa era acordada de madrugada para atender os amigos da patroa. E o quarto de serviço? “Cheio de entulho”, diz. “Aquele chuveiro frio da Nina na novela... é assim em muitos lugares. Eu esperava a patroa sair para esquentar água na panela e tomar banho de baldinho. Colchão costuma ser horroroso. Roupa de cama é o resto do resto.”O macarrão com salsicha que Nina serviu para Carminha é realidade em muitos lares. “Comida de empregada era uma, comida dos patrões era outra.” Numa casa, empregada era proibida de comer as “partes nobres” do frango. “Para nós ficavam as asas, o pescoço e os pés da galinha. Um dia, eu desfiei a asa bem fininha e fiz um empadão para mim e para as outras empregadas. Para quê! A madame chegou e não gostou nada. Acabou pegando o empadão para ela.” Às vezes, não é só a comida que é diferente. Os pratos, os talheres e os copos são separados. Como se patroetes tivessem nojo das empreguetes.

Um dos autores de Cheias de charme, Filipe Miguez, me disse que tenta mostrar “de maneira leve” as agressões e irregularidades de uma relação típica de Terceiro Mundo. A patroa Chayene joga sopa na cara da empregada, mas é denunciada na polícia. Em outra casa, uma menina, filha da empregada que morreu, trabalha sem carteira assinada. “No Sudeste, é menos comum, mas no Norte e Nordeste isso ainda acontece muito. A garota cresceu ali, tem casa e comida, e a mentalidade é de casa-grande e senzala”, diz Filipe.

Se é para encher a boca com cidadania, vamos convocar o Supremo para julgar se você é uma patroa cidadã? E não adianta pedir desmembramento do processo para se safar. Sua empregada tem carteira assinada? Direito a INSS, férias e 13º salário? Quantas horas trabalha por semana? Você a chama com sininho e campainha? Grita? Está sempre insatisfeita? Controla o que ela come? As dependências têm dignidade? Preocupa-se com sua saúde ou apenas reclama que ela está doente e deixou você na mão?

Faça esse teste simples. Dependendo do resultado, quem sabe você precisa de uma reviravolta didática em sua vida.

O mundo é dos psicopatas - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA


Eles são sedutores, não dá para saber do que são capazes. Já me relacionei com uma psicopata assassina sem ter idéia



Vivo encontrando psicopatas. Não me espantei quando li as notícias sobre o recente massacre nos Estados Unidos, protagonizado por James Holmes, de 24 anos, cujos disparos atingiram 70 pessoas numa sala de cinema, 12 delas mortas. Já me relacionei com uma psicopata assassina, sem jamais suspeitar. Há muitos anos, morei uma temporada no México. Vivia com uma amiga, Regina, em Cuernavaca. Regina era produtora de espetáculos e rapidamente se relacionou com um grupo de cantoras local. Uma delas, cujo nome prefiro ocultar por delicadeza, era uma garota simpática que nos convidou a vê-la no bar de um hotel local. Nunca esqueci aquela noite luxuosa para meus padrões na época, pois, sabedora de nossa difícil situação financeira, a cantora ofereceu as bebidas. Voltei ao Brasil sozinho. Anos depois, Regina reapareceu com a novidade. A cantora matara o namorado, um americano. E o esquartejara na banheira do quarto de hotel! Depois, espalhara os pedaços pela Cidade do México. Crime muito semelhante ao recentemente ocorrido em São Paulo. Foi presa e nunca mais soubemos dela. Até hoje não consigo entender: como aquela garota risonha foi capaz de esquartejar o namorado?

Essa é a grande questão sobre os psicopatas: são sedutores. Não se percebe do que são capazes até quando algo tremendamente terrível acontece. Li faz pouco um belo livro,Precisamos falar sobre Kevin, da americana Lionel Shriver. Ela conta, do ponto de vista da mãe chocada, a trajetória de um garoto que se torna serial killer – o livro foi também adaptado para o cinema, com direção de Lyanne Ramsay. A mensagem final é de desesperança. Percebe-se que não havia nada a fazer, desde o momento em que Kevin nasceu, a não ser aguardar a tragédia. Tive o privilégio de conhecer, socialmente, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva, autora deMentes perigosas – O psicopata mora ao lado. Com ela, entendi que a psicopatia não tem cura, pois o sujeito não tem nenhum sentimento em relação ao outro. Eis um caso verdadeiro: a avó de um garoto negou alguma coisa que ele queria. Uma bobagem qualquer. O anjinho botou o gato da vovó no micro-ondas e ligou.

Eis o outro lado da moeda: ser psicopata até certo grau é uma característica valorizada pela sociedade. Há alguns anos, falava-se na lei de Gérson, “levar vantagem em tudo”. A expressão saiu de moda, mas no cerne continua valendo. As crianças são educadas não para amar, mas para vencer o próximo. O que importa é subir na vida, ser rico, doa a quem doer. Quando escrevi a novela Morde & assopra, na TV Globo, minha colaboradora, Cláudia Souto, propôs que o prefeito e sua mulher dessem um golpe na merenda escolar. Quase rejeitei a ideia. Pensava que ninguém seria capaz disso. Por coincidência, pouco depois vários escândalos com a merenda escolar pipocaram pelo interior de São Paulo. O corrupto rouba na merenda. Na conta de hospitais. Sabe que gente passará fome, até morrerá por causa de seus atos. Pouco importa, na lógica psicopata. Muitos altos executivos colocam a empresa acima de tudo, até das relações familiares. E daí, se ganham bem?Um grande número de psicopatas, porém, não chega ao extremo, como atesta Ana Beatriz. Simplesmente, usa os outros. Não quero me fazer de vítima do mundo. Talvez por ser autor de novelas, eu atraia um número grande de personalidades com um traço doentio. São pessoas dispostas a fazer qualquer coisa para conquistar a fama – que, no Brasil, se traduz em conseguir um papel na televisão. Com frequência, alguém se aproxima oferecendo amizade. Até há pouco tempo, eu era um tanto ingênuo. Acreditava. Muitas vezes a amizade acabou subitamente, com acusações e raiva, quando não ofereci em contrapartida um papel na próxima novela. Só então eu descobria: o objetivo não era a amizade, mas entrar na TV!

Meu sobrenome é Carrasco. Por ser de origem espanhola, não significa que algum de meus antepassados enforcasse alguém profissionalmente. Mas cresci com o peso que um nome desses carrega. Há anos, em Lisboa, descobri um Pátio do Carrasco. Lá morava, no passado, justamente o... carrasco, em português. Olhei as casas simples, imaginei aquele homem, brincando com as crianças, trazendo um pão para o jantar. Se alguém lhe perguntasse sobre seu cotidiano de mortes, ele responderia:

– É minha profissão.

Ninguém se engane. A falta de sentimento pela dor alheia tornou-se uma vantagem no mundo dos negócios e da política. O psicopata é um vencedor.

Sincericídio - IVAN MARTINS

REVISTA ÉPOCA

As coisas que a gente revela, mas não deveria



Sem mais nem menos, você sonhou que duas ex-namoradas estavam no banco de trás do seu carro, se beijando. A cena é bonita e você acorda, feliz, para encarar sua linda mulher bocejando de sono. Faz o quê: divide com ela o seu entusiasmo com a fantasia inconsciente? Aproveita e diz que foi a segunda vez, em menos de dois meses, que você sonhou com a Fulana?

Você pode fazer as duas coisas ou apenas uma delas, mas saiba que essa atitude tem nome. Chama-se sincericídio - o ato de contar verdades íntimas que têm potencial para criar problemas no seu relacionamento.


OK, se você é uma mulher ou um homem maduro, que vive ou namora com uma pessoa igualmente madura, esta coluna não é exatamente para você. Gente madura talvez possa contar ao parceiro tudo o que sente, sem restrições e sem receios. Mas a maior parte dos casais está longe de ser assim bem resolvido. A maioria vive a dificuldade essencial das relações modernas, nas quais o anseio diário por liberdade e sinceridade esbarra - dia sim, dia não - nos limites da personalidade e da insegurança de cada um. É para esses leitores normais que a coluna de hoje se destina.

Eles sabem que nem sempre é fácil calar a boca, mas é necessário.

Depois de algum um tempo de relacionamento, os homens começam a achar que aquela gata de pernas lisinhas ali ao lado virou seu brother. Aparece uma mulher bonita na novela e o sujeito vibra: “Como ela está gostosa, hem?!” Os dois estão numa festa, entra a amiga dela num pretinho mínimo, e o cara não se aguenta: “Por que você não chama ela para jantar com a gente?” Isso sem falar das ex, que constituem um capítulo à parte. Alguns homens tendem a exibir enorme intimidade com as mulheres que passaram pela vida deles. Falam delas com carinho, desenvoltura e conhecimento de causa. Para eles é tudo inocente e natural, mas para as mulheres deles não parece nada disso. Elas acham desconcertante.

Antes que me acusem de abraçar sem ressalvas o ponto de vista feminino, um reparo: as mulheres também sabem ser sincericidas. Elas tomam um copo a mais de cerveja e se põem a discorrer, na frente do namorado, sobre os dotes masculinos do jovem colega de trabalho. “Nota nove!” É claro que uma bobagem dessas não deveria irritar um macho seguro, mas frequentemente o macho não é assim tão seguro, e se melindra. Ele tampouco gosta quando a moça, insistentemente, se põe a elogiar um tipo muito popular entre as mulheres, que ambos conhecem. Ele diz algo negativo, ela sai em defesa. Ele faz uma crítica, ela contesta. Ela está sendo apenas sincera, mas, na terceira vez que acontecer, o sujeito vai estar com as orelhas em pé.

Isso tudo, claro, está no terreno das miudezas contornáveis. Casais bem-humorados podem discutir as gostosas e os bonitões da TV sem o menor problema. Também podem rir das tolices reveladoras que um e outro dizem em público, movidos pela mistura de álcool e libido. Com algum convívio e confiança, são capazes de ultrapassar até a barreira das ex e dos machos alfas, tratando isso como se fosse uma pequena inconveniência contornável, que na verdade é.

O que me preocupa é outra espécie de coisa, mais grave.

O sincericídio digno desse nome consiste em dizer coisas que o outro não precisa e não deve ouvir. Aquilo que é, por definição, inconfessável, mas que as pessoas às vezes falam, movidas por um impulso autodestrutivo ou de agressão ao outro. Elas podem, no meio de uma discussão, fazer críticas ao caráter do parceiro que são irreversíveis. Quando se conhece alguém por dentro, a gente sabe das falhas, conhece as fraquezas, mas gosta assim mesmo e deveria calar a boca sobre os detalhes. Mas às vezes a gente fala e arrebenta tudo. Isso é sincericídio.

Sincericídio é também expor o seu desejo ao parceiro como se fosse um ovo de Páscoa aberto sobre a mesa. Ninguém é tão seguro a ponto de conviver com essas coisas. Nossa mente não tem censura e nem preocupação pelo outro. Ela produz desejos que pertencem apenas a nós mesmos e que nos cabe administrar em silêncio. Talvez em companhia de amigos ou do analista. Despejar sobre o parceiro a torrente de fantasias que a mente cria nos sonhos ou na rotina massacrante do trabalho é apenas uma forma de sadismo. Ele não precisa saber. Ela pode viver perfeitamente sem esse conhecimento.

O contrário do sincericídio é a mistura de honestidade e carinho pelo outro. A gente diz o que pensa, mas protege de informações que machucam e não têm implicações sobre o presente. A gente conta o que é importante, mas não vai afogar o outro em pequenas vaidades ou atribulações. O que você fez no passado, por exemplo, para que dividir? Às vezes a sinceridade é apenas uma forma de exibicionismo. A atração que você sente por Sicrana ou por Beltrano, guarde para você. O galanteio que você ouviu do colega ou o sorriso que ele ganhou da secretária mais bonita do prédio, quem realmente quer saber? A nossa vida não precisa ser um jornal que o outro recebe toda manhã, cheio de noticias. Dividir a vida e dizer a verdade não é sinônimo de contar tudo o que nos acontece ou passa pela nossa cabeça. Isso é sincericídio. E talvez seja burrice.

"Não existe homem fiel" - CRISTIANE SEGATTO

REVISTA ÉPOCA


Hormônios, Zezé Di Camargo e a natureza da infidelidade


A frase não é minha, mas reflete a crença de grande parte dos brasileiros. Na quinta-feira (2) foi repetida pelo cantor Zezé Di Camargo durante uma entrevista coletiva. “Não existe homem fiel. Existe homem numa fase fiel”, disse ele ao dar pistas de que se separou de Zilu, com quem esteve casado por 30 anos.

Ninguém precisa ser um estudioso para saber que a infidelidade é mais comum do que parece, mas os estudos existem. Não são tão abundantes quanto as “puladas de cerca”, mas os achados nos permitem afirmar uma ou duas coisas.

Décadas de pesquisa demonstram que, pelo menos historicamente, a infidelidade é mais frequente entre os homens que entre as mulheres. Nos Estados Unidos, de 20% a 40% dos homens heterossexuais casados terão ao menos um affair durante a vida. Entre as mulheres, o índice varia de 10% a 25%.

A cada ano, de 1,5 a 4% das pessoas casadas têm um caso. É o que nos conta uma reportagem publicada neste mês pela revista Psychology Today, assinada por Hara Estroff Marano. Suspeito que o índice real de infidelidade – tanto lá quanto aqui – seja muito superior ao confessado.
Há um fato novo: a traição está deixando de ser uma prática marcadamente masculina. As pesquisas mais recentes flagram a mudança na população abaixo de 45 anos. Os índices de infidelidade entre homens e mulheres estão convergindo.
A maior parte das traições começa no ambiente de trabalho. Com mais mulheres trabalhando fora, as chances que elas têm de encontrar um affair se tornam tão altas quanto as oportunidades que os maridos têm. Além disso, a independência financeira deu às mulheres a liberdade de arriscar. E muitas estão fazendo isso.

Aos meus ouvidos, a frase de Zezé soa ultrapassada. Ou pelo menos incompleta. Homens e mulheres traem. As motivações para a traição, no entanto, ainda parecem ser diferentes. É o que dizem os especialistas.

Entre as mulheres, a principal razão de traição ainda são necessidades emocionais. Basicamente, elas traem porque não estão felizes com o casamento.
Entre os homens, a traição é independente da qualidade do casamento. Eles traem quando o casamento vai bem e quando vai mal.

O fator determinante para a traição – tanto entre os homens, quanto entre as mulheres – é a oportunidade. “As pessoas casadas se envolvem com outras pessoas quase sempre sem planejar”, diz o psicólogo Barry McCarthy.

Nenhum lugar oferece mais oportunidades que o ambiente de trabalho. Ele permite o contato constante com um grande número de pessoas, quase sempre com interesses comuns. E ainda torna plausível a desculpa clássica: “Benhê, vou dar uma esticada aqui no escritório”.

Não é mais possível entrar em qualquer discussão sobre infidelidade sem levar em conta as pesquisas recentes sobre os hormônios e a maquinaria do cérebro. Em estudos feitos com ressonância magnética, a antropóloga Helen Fisher demonstrou que existem sistemas neurais diferentes que determinam a atração, o amor romântico e o vínculo. Eles podem operar de forma independente entre si.

“Todo mundo começa um casamento acreditando que nunca terá um affair”, diz Helen. “Por que, então, nossos dados coletados em várias partes do mundo demonstram que as pessoas traem mesmo quando são felizes no casamento?”

A resposta: “Você pode ter um vínculo forte com um parceiro e sentir um amor romântico intenso por outro. E, ao mesmo tempo, perceber que outras pessoas lhe despertam desejo sexual”, diz Helen.

Hormônios, hormônios, hormônios. Podemos submetê-los às regras da cultura. Fazemos isso o tempo todo para que a vida em sociedade seja viável. Mas eles são rebeldes.

Vai ter que engolir - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 04/08

Os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, que se estranharam no início do julgamento do mensalão, por causa da questão de ordem levantada por Márcio Thomaz Bastos (o desmembramento do processo), terão de se aturar.
Tomarão posse, em novembro, como presidente e vice do STF, respectivamente.

Questão de estilo...
Aliás, um sábio do Direito fez o seguinte comentário sobre o primeiro embate dos dois:
— Barbosa diz a coisa certa de maneira errada. Lewandowski diz a coisa errada de maneira certa.

Errou de Anita

A advogada Tatiana Saboya foi contratada pela professora Anita Leocádia Prestes, a filha de Prestes, para processar sites que publicaram uma foto dela como ré no mensalão.
Na verdade, a acusada é Anita Leocádia Pereira da Costa, que era assessora do deputado Paulo Rocha (PT-PA).

Correção...
O site Bol já admitiu o erro do material que publicou, produzido, segundo sua direção, pelo Uol.

Led Zeppelin
Robert Plant, a voz do Led Zeppelin, virá ao Brasil em outubro.
A turnê, organizada pela XYZ Live, passará por Rio, Belo Horizonte, São Paulo, Brasília, Curitiba e Porto Alegre entre 18 e 29 de outubro.

País rico é outra coisa

Os cartolas da Grécia, nestas Olimpíadas, alugaram um dos clubes mais exclusivos de Londres, o Carlton Club, em Saint James, por 150 mil libras esterlinas por semana.
Coisa de uns R$ 477 mil.

A VIRGEM DE ROUPA NOVA

Amanhã, 20 devotas vão trocar o vestido e o manto da imagem de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. A cerimônia começa às 16h, quando a escultura desce pelo elevador. O ritual é feito há 200 anos, anualmente. No de agora, a imagem vai ganhar uma vestimenta assinada pelo estilista da alta-costura Guilherme Guimarães, encomendada pelo professor Carlos Alberto Serpa. Veja a foto da roupa num manequim em frente à estátua da santa. O vestido é bordado com 600 cristais Swarovski. O manto é de cetim azul, bordado com pérolas, fios de cadarço e plumas nas pontas, “para dar uma ideia de nuvem”, conta Guilherme. A festa vai até dia 15. Que Nossa Senhora da Glória do Outeiro nos proteja, amém •

Ação penal 470

Coleguinhas que trabalham na TV Câmara, em Brasília, receberam da Secretaria de Comunicação da Casa, cujos cargos de chefia são ocupados por petistas, um comunicado com recomendações para a cobertura do julgamento do mensalão no STF.
Diz: "Vamos SEMPRE nos referir, na cobertura do julgamento, ao SUPOSTO MENSALÃO. Ou seja, podemos usar o termo, mas NUNCA desacompanhado do 'suposto' ou sinônimos."

Como se vê...

Deixa pra lá.

Procura-se
Verdadeiro arquivo ambulante, Geovani Pereira da Silva, contador do bicheiro Cachoeira, tentou um habeas corpus no STJ. Mas o ministro Gilson Dipp negou o pedido.
A defesa de Geovani diz que ele só se entregará se puder responder aos processos em liberdade.

Literatura fantástica

O livro "O inverno das fadas" (Casa da Palavra), da escritora Carolina Munhóz, de 24 anos, vendeu 7 mil exemplares no primeiro mês após o lançamento.

Ela é Bárbara!Dona Maria Bárbara, uma senhorinha de 73 anos, virou musa da turma que condena o que chama de especulação imobiliária em Niterói, RJ.
A vovó recusou uma oferta de R$ 5 milhões feita por uma construtora e não vendeu sua casa (foto), em Icaraí. Veja como ficou espremida entre os prédios.

Por isso...

Hoje, o movimento POP Goiaba, da cidade, vai homenagear dona Maria, às 10h, com banda de música e a entrega de um "certificado de resistência';

Salvamos uma árvore
As preces da turma da coluna foram ouvidas.
A Fundação Rio-Águas diz que a árvore na Freguesia, em Jacarepaguá, transformada em abrigo noturno por um grupo de 25 garças, motivo de foto aqui ontem, não será mais ceifada pela obra de canalização do Rio Sangrador.

Engraçadinho
Acredite. Slogan de um candidato a vereador em São Pedro da Aldeia, RJ: "Mario Gago, a voz do povo."

Cena carioca
O golpe do falso sequestro por telefone anda tão banal que, quinta, o marido da faxineira de um casal parceiro da coluna teve o seguinte diálogo com o bandido:
— Sequestramos seu filho! — disse o golpista, com choro de criança ao fundo.
— Esquece, não tenho filho. Sei que é golpe... — reagiu nosso herói.
— Foi mal. A gente tenta. Vai que pega, né?! — respondeu o bandido.

PT quer proibir uso do termo ‘mensalão’ e sugere ‘ação penal’ - O ESTADÃO

O ESTADÃO - 04/08

Advogados ligados à sigla alegam que palavra implica pré-julgamento; partido teme efeito eleitoral do caso

Débora Bergamasco / BRASÍLIA


Advogados do PT querem proibir a imprensa de usar a palavra “mensalão”. Em reunião ontem, em São Paulo, cerca de 30 advogados do partido decidiram que tomarão “providências jurídicas” para que seja usada a designação “Ação Penal 470” em reportagens sobre o suposto pagamento a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula.

Em entrevista ao Estado, o coordenador jurídico do PT Marco Aurélio de Carvalho afirmou que “a palavra ‘mensalão’ exprime um juízo de valor pejorativo ao caso”. Sua principal queixa é contra o uso recorrente feito pela TV Globo e pela Globo News, “que muitas vezes escrevem a palavra até em negrito no vídeo”. “Uma concessão pública não deveria divulgar teses, apenas informações para o público”.

Mais do que uma eventual pressão sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal, a preocupação dos petistas é como impacto que a cobertura diária e intensa do julgamento possa ter nas eleições municipais. Por isso, primeiro tentarão resolver a situação com representantes da mídia. Se não funcionar, entrarão com ações na Justiça contra quem, na avaliação do partido, ferir os princípios da isonomia.

Carvalho argumentou que, em um dos programas da Globo, “foram dedicados 15 minutos para a acusação e apenas 8 segundos para a defesa”, segundo as contas de seu grupo.

A Rede Globo respondeu às críticas argumentando que “utiliza o nome consagrado para o caso que todos os veículos de comunicação, e que os próprios acusados, usam ao se referir a ele”. A emissora disse que “tem feito uma cobertura de um julgamento”. “Na memória, demos espaços para a versão dos acusadores e dos acusados. No julgamento, quando chegar a hora da defesa se manifestar, ela terá o seu espaço. Antes, é impossível”, afirmou a emissora.

Uma nova abertura dos portos - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 04/08


Para ser competitivo e líder no mercado mundial, o Brasil precisa de uma nova abertura dos portos


Após vencer a inflação e as restrições cambiais que inibiam o crescimento econômico, o Brasil está descobrindo que é preciso superar outras restrições importantes para crescer a taxas mais elevadas.

Numa economia globalizada, a atividade produtiva só consegue se desenvolver sendo competitiva em relação ao resto do mundo. Nesse aspecto, o Brasil vinha fazendo pouco nos últimos 30 anos. A lista dos problemas é extensa -entre eles as deficiências do sistema portuário, especialmente em relação à produção do agronegócio.

Nos últimos anos, houve forte mudança na geografia da nossa produção de grãos. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que, em 2001, respondiam por 32% da produção de soja e de milho, são responsáveis, hoje, por 52% do total.

Esse deslocamento da produção tende a se acentuar no futuro. No entanto, seu escoamento é realizado predominantemente pelos portos do Sul e do Sudeste, sobretudo São Francisco do Sul, Paranaguá e Santos.

Por esses portos, saíram 85,9% dos 58,3 milhões de toneladas exportadas em 2011. Enquanto isso, os portos do Arco Norte, de Porto Velho a São Luís, somados a Salvador, responderam por apenas 14,1% do total embarcado para o exterior, devido à carência de infraestrutura adequada e de acessos por rodovia, ferrovia ou hidrovia.

Como a nossa produção de grãos está cada vez mais distante dos portos disponíveis, é fortemente afetada pelos custos do transporte rodoviário.

Estudos realizados pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) indicam que, em média, os custos do transporte rodoviário no Brasil (US$ 85 por tonelada) são quase três vezes maiores dos que os que incidem sobre os produtores norte-americanos (US$ 23 por tonelada) devido às diferenças nas distâncias percorridas.

Além dos custos decorrentes da distância entre produção e porto, as ineficiências nos congestionados portos brasileiros também punem a produção.

No relatório "The Global Competitiveness Report", do Fórum Econômico Mundial, o Brasil está na 130ª colocação no ranking de eficiência/qualidade portuária. No mesmo ranking, os procedimentos alfandegários estão na 124ª posição, sendo os grandes responsáveis pela baixa competitividade brasileira em relação ao restante do mundo. Assim, nossos produtores, tanto na agricultura como na indústria, podem ser considerados verdadeiros heróis quando vendem para o exterior.

Para viabilizar os investimentos nos portos do Arco Norte -especialmente Porto Velho, Santarém, Belém (Outeiro) e São Luiz- e suas ligações com as áreas de produção, com ênfase no aproveitamento dos grandes sistemas fluviais dos rios Madeira, Tapajós e Tocantins, é preciso redesenhar as tradicionais prioridades do sistema de transporte do país.

É importante ressaltar o novo olhar estratégico que o governo federal dirige ao Brasil que existe acima do paralelo 16. O Ministério dos Transportes vem priorizando a rodovia Cuiabá-Santarém, bem como a hidrovia do Tocantins, cujos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental estão em fase adiantada.

A ampliação dos portos de Outeiro e Itaqui está em pleno andamento e poderá, em breve, recepcionar boa parte da produção da região.

Um grupo de trabalho coordenado pela Casa Civil da Presidência da República e liderado pela ministra Gleisi Hoffmann, com a participação de todos os segmentos da produção, vem estudando os gargalos em busca de soluções para a modernização dos portos, permitindo que olhemos com otimismo para o futuro.

Mas conceder serviço público à iniciativa privada não deve significar, simplesmente, trocar um monopólio por outro. Um bom começo, na área dos portos, seria a revogação do decreto nº 6.620, de 2008, com a finalidade de incentivar o setor privado e estimular verdadeiramente a livre concorrência.

O Brasil precisa, definitivamente, de uma nova abertura dos portos para garantir competitividade e liderança no mercado mundial. Confiamos que seja agora.

Dois legados - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 04/08


RIO DE JANEIRO - Dois mitos do século 20 morreram em Los Angeles num dia 5 de agosto: Carmen Miranda, em 1955, aos 46 anos, e Marilyn Monroe, em 1962, aos 36. Eram fenomenais, maiores que a vida e fo ram vítimas, ambas, de anos de abuso de substâncias legais, mas letais.

Deixaram um imenso legado artístico e são cultuadas hoje por pessoas que nem eram nascidas quando elas partiram. A forma como se administra seus legados é que difere.

Marilyn, por exemplo. Nesses 50 anos, seu rosto nunca saiu da mídia, e sua imagem em "O Pecado Mora ao Lado", com o vestido branco esvoaçando e a calcinha à mostra, foi copiada, caricaturada e explorada de todo jeito, por fãs sinceros ou apenas espertos. Há pouco, materializou-se numa estátua de oito metros de altura, exposta numa praça de Chicago.

Os livros a seu respeito já chegam a mil -qualquer um que tenha passado 15 minutos perto dela sente-se apto a escrever suas "memórias de Marilyn". E a teoria segundo a qual ela foi morta pelo FBI, a mando dos Kennedy, continua a render vários livros por ano. Tudo isso é visto com indiferença ou prazer pelos herdeiros de Lee Strasberg, fundador do Actor's Studio, a quem Marilyn deixou seu espólio.

Eles sabem que é esse material que mantém Marilyn viva e faz com que seus filmes nunca deixem de circular. Não importa o formato (VHS, laser, DVD, blu-ray, o que vier), eles sempre estarão à venda e atraindo propostas para Marilyn estrelar campanhas publicitárias, produtos de beleza, joias, até óculos. É daí que vem o dinheiro -e Marilyn ganha mais hoje do que em vida.

Já a eternidade de Carmen depende de seus amorosos fãs. Amanhã, um grupo deles, reforçado pelo Império Serrano, o Bola Preta e a Confraria do Garoto, irá ao seu túmulo no São João Batista pedir algo modesto, mas que lhe é devido há muito tempo: uma estátua no Rio.

O poder do dinheiro - ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA

O GLOBO - 04/08


Michael J. Sandel, cujos cursos em Harvard atraem multidões e está longe de ser um inimigo do livre mercado, propõe em seu livro "O que o dinheiro não compra" um debate essencial sobre os espaços que o dinheiro não deve invadir.

Relata, entre irônico e amargo, que nos Estados Unidos, onde o mercado é rei, o upgrade em uma cela carcerária sai por módicos 82 dólares por noite. Sem aflições éticas, médicos, por sua vez, praticam uma "medicina de boutique”. Trocando em miúdos, por uma taxa que varia entre 1.500 e 25.000 dólares anuais, os pacientes adquirem uma assinatura pela qual têm acesso ao celular de seu médico e garantia de atendimento prioritário. Quem não pode pagar vai para o fim da fila ou procura outro médico. O juramento de Hipócrates já era.

Quem precisa de dinheiro tem a opção de vender um rim ou servir, nos laboratórios farmacêuticos, de cobaia humana para novos medicamentos pela tarifa de 7.500 dólares. Se tudo isso se faz às claras é que a sociedade americana absorveu o princípio de que tudo está à venda e tem preço.

Sandel dá ao livro o seguinte subtítulo: "Os limites morais do mercado" Reflexão oportuna entre nós, no momento em que o Supremo Tribunal Federal começa a julgar os 38 réus acusados pelo procurador-geral da República de comprar e vender votos no Congresso Nacional. Oportuna porque o mensalão é o melhor exemplo de invasão e perversão pela lógica da compra e venda de um espaço que lhe deveria ser impermeável.

O Supremo Tribunal Federal vai julgar se a acusação procede e, em que medida, para cada um dos réus. Se, julgada procedente, ainda assim houvesse complacência na punição, uma impunidade disfarçada, o ricochete na sociedade brasileira seria devastador. Em vertiginosa espiral descendente correria um rastilho de corrupção, absorvida na cultura, transformando cada lugar de poder em um próspero balcão de negócios.

Sendo possível comprar, impunemente, o voto de alguns parlamentares por que todos — salvo por questões de consciência individual — cedo ou tarde não venderiam os seus? O voto, transformado em produto, seria cotado segundo as vantagens em jogo, sujeito a uma avaliação em dinheiro. A lucratividade da carreira política atrairia a elite dos velhacos. O Congresso ganharia a animação de uma feira livre em que as leis seriam vendidas a peso de ouro, talhadas na medida dos interesses de quem as comprou. Difícil imaginar ultraje maior à democracia.

A exemplo do Legislativo, transformado em feira, por que um juiz não venderia uma sentença? Por que um guarda de trânsito não rasgaria a multa em troca de uma propina? Ou o policial de uma UPP não receberia dinheiro e deixaria os traficantes trabalharem em paz? O que impediria, no Executivo, qualquer funcionário federal, estadual ou municipal de fraudar uma licitação, facilitar a solução de um problema ou conceder qualquer outra benesse que a inventividade brasileira não teria dificuldade de imaginar?

Se o dinheiro pudesse comprar o que não deveria jamais estar à venda ganharia tal centralidade na vida da sociedade que ninguém se conformaria de não tê-lo e o buscaria a qualquer preço. Nessa corrida do ouro, a sociedade se tornaria cada vez mais violenta e inescrupulosa. Impunidade, corrupção e violência se retroali-mentariam. Abominável mundo novo em que um socorro urgente que alivie a dor, o voto de um deputado, a sentença de um juiz, tudo se equivaleria na condição de produto oferecido a quem der mais.

A compra do voto de um parlamentar para neutralizar a oposição e eternizar um partido no poder é a quintessência do desprezo pela democracia que, por definição, viceja no campo argumentativo dos conflitos de interesses e ideias. Absolvê-la é dar o sinal verde para a generalização da lógica do tudo se compra, tudo se vende; deriva que nos levaria, imperceptivelmente, a deslizar de uma economia de mercado a uma sociedade de mercado.

Na sociedade de mercado, quem insiste em definir, como um imperativo ético, que espaços ou relações devem ser infensos ao poder do dinheiro entra no rol dos ingênuos e retrógrados que não entenderam como funciona o mundo contemporâneo. Normas éticas e gestos de solidariedade, que dão sentido e coesão à convivência entre pessoas, se transformam em peças de um museu que ninguém mais visita. Cabe ao dinheiro e somente a ele dar forma ao presente e ao futuro.

Resquícios de esperança e a vontade de dar uma chance ao futuro me levaram a falar deste risco no condicional. A sentença dirá se é tempo de passar ao presente do indicativo.

Defesa de mensaleiros usa o ‘antijogo’ - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 04/08

Táticas advocatícias podem estender o julgamento durante muito tempo, quando, para o país, o ideal é ser cumprido o calendário do STF


Embora seja cedo para se prever com segurança tendências no julgamento do mensalão, a primeira escaramuça, na abertura dos trabalhos, quinta, leva à suposição de que, diante das incontáveis provas reunidas na acusação pelo Ministério Público Federal, parece restar à defesa o emprego de táticas de guerrilha. Nenhuma delas ilegal, registre-se.

Na dificuldade de se contrapor, também com provas sólidas, à tese da existência de uma "organização criminosa" montada para lavar dinheiro sujo e com ele comprar uma base parlamentar ao primeiro governo Lula, restaria aos acusados manejar para, sempre com base na lei, retardar ao máximo o julgamento.

Não foi, é claro, por inexperiência que o caleja-do Márcio Thomaz Bastos, advogado de um ex-dirigente do Banco Rural, e ministro da Justiça no primeiro governo Lula, levantou na Corte uma questão de ordem já rejeitada em três oportunidades anteriores. Restou, apenas, a estranheza de o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do voto do relator do processo, Joaquim Barbosa, ter lido extenso voto a favor do pedido de desmembramento do processo, feito por Thomaz Bastos. Foi o que bastou para Joaquim Barbosa explodir, em termos nada protocolares: "Deslealdade."

Desavenças pessoais à parte, o relator, ao lembrar as rejeições anteriores da mesma reivindicação, inclusive com o voto de Lewandowski — mas é certo que nada impede juiz de mudar de posição durante um julgamento —, ressaltou questão fundamental: "Está em jogo a credibilidade deste tribunal."

Ela estaria arranhada caso vingasse a tese de que todos os réus sem foro privilegiado — 35 dos 38 — teriam de ser processados a partir da primeira instância. Ora, o previsível longo tempo de tramitação de cada caso significaria a virtual absolvição de todos, por prescrição. Além disso, seria contraditório desmembrar um processo que trata de uma "organização criminosa’? cuja formação foi exposta, ontem, pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

Não pode demorar o desfecho deste processo, por envolver aspectos sérios do momento institucional do país. Infelizmente, táticas advocatícias de defesa poderão ir em sentido contrário —, a considerar a questão de ordem levantada na abertura do julgamento.

O presidente do Supremo, Ayres Britto, conseguiu formular, em junho, com os demais magistrados, um calendário para o julgamento pelo qual todos os 11 juízes poderão votar, inclusive Cezar Peluso, a ser aposentado compulsoria-mente a 3 de setembro. Pode ser que a tática de criação de "incidentes" durante as sessões vise a impedir o pronunciamento de Peluso (embora haja a possibilidade de ele poder antecipar o voto, sem cumprir a ordem preestabelecida na Corte). Ou a facilitar a argumentação em torno de prescrição de crimes. Mas tudo é especulação.

Para usar uma imagem futebolística, usual em hostes petistas, a defesa parece praticar o "antijogo’! •

A importância da indústria para os Estados - PATRÍCIA MARRONE


O Estado de S.Paulo - 04/08


A participação do conjunto composto pela soma das indústrias (extrativa mineral, de transformação, construção civil e de produção e distribuição de eletricidade, gás, água e esgoto e limpeza urbana) no valor adicionado interno bruto total, tem se mantido em torno de 27,2% desde 1995, segundo as Contas Nacionais do IBGE. Extraída desse conjunto, a participação média da indústria de transformação girou em torno de 17,2% da riqueza nacional num período de 15 anos. Mas, desde 2007, os resultados têm se mostrado inferiores à média e com desvios crescentes, caindo de 19,2%, em 2004, para 16,6%, em 2009.

As mudanças ocorreram de forma heterogênea entre os Estados, conforme mostram dois tipos de indicadores: a participação do valor adicionado da indústria de transformação de cada Estado em relação ao valor adicionado total gerado nele, em todos os setores e a parcela do valor adicionado da indústria de transformação de cada Estado em relação ao total do Brasil nesse setor. Quanto ao primeiro indicador, a participação da indústria de transformação reduziu-se em Santa Catarina (de 28%, em 1995, para 22%, em 2009), com quedas também no Rio Grande do Sul, no Amazonas, no Pará, em Roraima, no Amapá, no Maranhão, em Mato Grosso e no Espírito Santo. Ela tem permanecido praticamente constante em São Paulo (ao redor de 22,6%), no Paraná e em Minas Gerais (com 18% cada um), no Rio de Janeiro (9,8%) e em Pernambuco, no Ceará, em Mato Grosso do Sul, no Tocantins, no Piauí e no Rio Grande do Norte. E apresentou crescimento na Bahia (de 12,6% para 16,2%), em Goiás (de 11% para 15%), além da Paraíba, de Rondônia e do Acre.

Passando ao segundo indicador, apesar de a indústria de transformação paulista ter mantido o seu peso dentro do Estado, ela, que em 1995 respondia por 54% do valor adicionado dessa indústria no País, em 2010 já havia reduzido sua participação para apenas 41%. A riqueza gerada por ela alcança R$ 295,6 bi. Com uma indústria diversificada, preponderam R$ 63,6 bi gerados pela automobilística, de ônibus e caminhões, R$ 35,6 bi do refino do petróleo, R$ 26,9 bi de açúcar, R$ 18 bi de farmacêuticos e R$ 15,4 bi de autopeças. Juntos, esses ramos respondem por 54% do valor adicionado das manufaturas no Estado.

Ao contrário da queda de São Paulo, a participação da indústria de transformação estadual em relação à total nacional cresceu no Paraná, em Minas Gerais e em Goiás. No Paraná, dos R$ 54,6 bilhões gerados pela indústria de transformação, em 2010, R$ 16,2 bi vieram da automobilística, ônibus e caminhões, R$ 6 bi do abate de suínos e aves e R$ 4,3 bi de fertilizantes. Em Minas Gerais, dos R$ 73,7 bilhões gerados, R$ 18,6 bi vieram da automobilística, R$ 10,3 bi da fabricação de laminados planos de aço e R$ 8,2 bi da fabricação de laticínios.

A queda de participação da indústria de transformação na economia decorreu de fatores como a perda de competitividade imposta pelo câmbio e o custo Brasil, o último tão citado quanto carente de providências corretivas. A ênfase dos investimentos privados em novos processos industriais, em detrimento de investimentos em produtos inovadores e a falta do direcionamento dos pesquisadores universitários para as áreas de ponta também contribuíram para a falta de sustentação da indústria. Por outro lado, incentivos fiscais e a melhor distribuição regional da renda contribuíram para o crescimento da importância da indústria em alguns Estados.

A nova agenda de desenvolvimento regional lançada pelo BNDES em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio procura fomentar os investimentos estaduais em infraestrutura. Nesse sentido, os setores relevantes de cada região deveriam ser ouvidos, para que as suas prioridades sejam atendidas e ampliem a sua contribuição para as economias locais e para a nacional. Também seria desejável fomentar cadeias produtivas onde o Brasil pode ampliar sua vantagem competitiva, diversificando a manufatura nos Estados para novas áreas, além da automobilística.

À espera dos finais - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 04/08

Pode ser ingenuidade política, mas acho que o país está mais participativo e não dirá, como Lula: ‘Tenho mais o que fazer’



Dois sucessos do momento continuarão em cartaz por cerca de mais um mês, mantendo o público em sus-pense sobre o final. Quem não está interessado em descobrir como vai terminar "Avenida Brasil" e quem não quer saber qual será o desfecho do julgamento do mensalão? Que destino terão Carminha e Nina? O que acontecerá com José Dirceu? Pra só falar dos personagens principais. Com "Primo Basílio" Eça de Queirós tinha a "ambição de pintar a sociedade portuguesa" do fim do século XIX, composta por uma burguesia que ele considerava decadente. Não se sabe se, com sua novela livremente inspirada naquele romance, João Emanuel Carneiro tem também a pretensão de refletir o país da CPI do Cachoeira e dos men-saleiros. De qualquer maneira, pode-se estabelecer alguma analogia entre o clima moral do folhetim e o da realidade política atual, nos quais predominam boas doses de cinismo, mentira e hipocrisia. A diferença é que no folhetim quase todo mundo age um pouco como vilão;em Brasília, todos se esforçam para parecer inocentes mocinhos, inclusive os vilões.

Eça construiu uma trama que levou Luísa, a patroa adúltera, a sucumbir à tortura psicológica imposta por Juliana, a empregada, que descobre cartas de amor entre os amantes e com elas vai chantagear sua vítima até a morte por medo, culpa e desespero. João Emanuel repete o esquema, mas faz de Nina uma Juliana muito mais perversa e, de Carminha, uma Luísa menos frágil e ingênua, e que está mais disposta a matar a chantagista do que morrer de desgosto. Já Max é um canalha ainda mais bandido do que Basílio, que, segundo Eça, era "antes um pulha pobre, depois um pulha rico”

Ao contrário, porém, do que se passa no romance e na novela, onde abundam provas materiais (cartas num caso e fotos no outro), no espetáculo que começou a se desenrolar no STF esta semana a defesa alega que há falta delas para produzir uma justa condenação. Será? Será que daqui a 20 anos vamos ter no Senado 38 novos Collors? Ou 20? Que seja apenas um? Será que vão prevalecer as chamadas razões técnicas (ou seriam razões cínicas?) Se isso acontecer, não se sabe como reagirá uma sociedade saturada pela corrupção e pela impunidade, e cansada dos escândalos e da "falta de provas’! Afinal, os tempos são outros. O Brasil pós-leis da Ficha Limpa e da Transparência Pública parece estar trocando a indignação pela ação. Pode ser ingenuidade política, mas acho que o país está mais participativo e não dirá, como Lula: "Tenho mais o que fazer" •

Caminho para os gastos olímpicos - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 04/08

O interesse por confrontos de clubes e de seleções distorceu os preceitos amadoristas do esporte



ENTRE 750 e 780 anos antes de Cristo, começaram os Jogos Olímpicos na Grécia, estritamente no amadorismo. O único prêmio entregue aos vencedores era a coroa de louros. Mas o amadorismo não durou muito tempo -as equipes representavam as cidades e a vontade de vencer acabou interferindo na beleza ética do espírito olímpico. A participação de grandes atletas gerou até o financiamento de equipes, afastando a exclusiva participação não profissional. Esse é padrão atual do desporto brasileiro.

Desde o século 19, o crescimento do interesse pelos confrontos dos clubes e das seleções (hoje estimulado por competentes profissionais de várias áreas) distorceu os preceitos amadoristas. Levou a quebras éticas nos confrontos. Predomina, na prática, o privilégio do desporto profissional. Transpostas para o presente, as informações que a pesquisa histórica levantou sugerem que o profissionalismo, aceito no Brasil, não é só invenção dos promotores de disputas esportivas. É comum ver na TV combates que parecem violentos, mas incluem golpes treinados para serem espetaculares.

Sob outro ângulo cabe pensar por que os Jogos Olímpicos de Londres não trouxeram, ao menos ainda, muitos sucessos para atletas de nosso país. Alguma coisa está errada. Causa aparente: autoridades do desporto preferem a monocultura do futebol profissional, que lhes dá mais lucro e cartaz, a contribuir para as práticas amadoras.

Os privilégios do esporte profissional levaram o Brasil a editar a Lei Geral da Copa de 2014. Fez concessões variadas, a ponto de até aceitar a revogação, durante o próximo campeonato mundial, de normas do Código de Defesa do Consumidor, com benefícios para a Fifa (Federação Internacional de Futebol). Elas incluem vistos e permissão de trabalho para seus indicados.

Pode ser que sejam confirmadas as previsões de grandes lucros para o Brasil nos próximos certames do futebol profissional. Não justificarão, porém, a desatenção com a Constituição, no referente ao amadorismo, para favorecer rendimentos de clubes, dirigentes e futebolistas. Desatenção que sacrifica o financiamento do esporte educacional e amador. Esquece o inciso 2º do art. 217 da Carta Magna, que manda observar "a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional". Prioritária, veja bem.

Nesse mesmo campo, a "Revista do Advogado", da Associação dos Advogados de São Paulo, de julho, divulgou número intitulado "Contratos", que inclui texto de Márcia Serra Negra, Ulisses Simões da Silva e André de Martini Menossi. Eles discutem, entre outros assuntos, a aceitação, pelo Brasil, de restrições impostas pela Fifa, chegando a normas do direito do consumidor, para excluir a responsabilidade da entidade por gastos acrescidos, oriundos dela.

A prioridade constitucional sugere remédios aptos para aumentar o número de atletas amadores, mas os interesses econômicos predominam para estimular simpatias e antipatias alheias ao valor atlético. Também foi assim em períodos da Grécia clássica. A rivalidade crescia e a vitória a qualquer custo inspirou condutas estranhas à esportividade, sem levar à melhor qualidade atlética. A lei sugere que os critérios atuais de aplicação dos dinheiros públicos, para o esporte, sejam repensados.

Recordar é viver - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 04/08


O feitiço acabou se virando contra o feiticeiro. Se a polêmica sobre o desmembramento do caso do mensalão na Justiça, levantada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, tinha a intenção imediata de implodir o julgamento no Supremo Tribunal Federal e, como efeito colateral, atrasar o processo a ponto de impedir que o ministro Cezar Peluso possa votar antes de se aposentar, o efeito foi outro.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ficou sozinho no palco, e sua acusação dominará o noticiário durante todo o fim de semana. A defesa, que dividiria com ele esse segundo dia de julgamento, só será protagonista dos trabalhos a partir de segunda-feira.

Nesse intervalo, ficará única para a discussão da opinião pública a peça acusatória de Gurgel, que fez relembrar os detalhes daqueles dias de crise política de 2005, quando a todo momento surgia um fato novo para estarrecer a cidadania. Diante da profusão de provas e evidências desfiadas por Gurgel, fica muito difícil sustentar que o mensalão foi uma farsa, que nunca existiu. Essa tese passou a ser mais facilmente disseminada nos anos seguintes à crise, quando o ex-presidente Lula se recuperou do golpe e passou a fazer um governo muito popular, que permitiu que mudasse de posição diante da maior crise que enfrentou sem que lhe fosse cobrada mais rigorosamente essa incoerência.

Daquele homem arrasado que pensou em renunciar ao mandato no fundo de uma depressão, e que pediu perdão aos brasileiros, dizendo-se traído, ao líder arrogante que passou a defender todos os envolvidos e disse que se encarregaria de demonstrar "a farsa" do mensalão, que teria por objetivo derrubá-lo do poder, vai uma distância muito grande que nada justifica, a não ser a decantada capacidade do brasileiro de a cada 15 anos esquecer os últimos 15 anos, segundo Ivan Lessa, ou, mais pessimista ainda, Millôr Fernandes, que dizia que a cada 15 minutos o brasileiro esquece os últimos 15 minutos. Pois a acusação de Gurgel teve a virtude de relembrar as "tenebrosas transações" ocorridas naquele período, desde os carros-fortes que carregavam a dinheirama dos mensaleiros até a lavagem do dinheiro em diversas modalidades financeiras e os saques na boca do caixa, tudo se encadeia, perfeitamente provado em perícias e documentos.

Diante do exposto, inclusive das confissões feitas rigorosamente por todos os acusados, fica impossível alguém dizer que não houve movimentação ilegal de dinheiro entre o PT e seus aliados políticos, com a utilização de diversas manobras para mascarar as negociações.

A tese do mero caixa dois para pagamento de campanhas eleitorais fica fragilizada diante do sofisticado sistema de desvio de dinheiro público montado para irrigar cofres dos partidos com empréstimos fictícios e contas no exterior. E, mesmo que fosse verdade, o desvio de dinheiro público é crime que não se atenua com o objetivo final da aplicação do produto do roubo, mesmo que tivessem feito doação a obra de caridade ou ao Fome-Zero, conforme salientou Gurgel

A acusação encarou também os comentários de que não haveria provas nos autos para condenar o ex-ministro José Dirceu, classificando-os de "risíveis". Para derrubar essa visão, Roberto Gurgel salientou que as provas testemunhais têm o mesmo valor das documentais e citou a teoria do "domínio final do fato", do jurista Heleno Fragoso, que define o autor do crime como aquele que pode decidir quanto à sua realização e consumação.

"Nas palavras do mestre, seria autor não apenas quem realiza a conduta típica, objetiva e subjetivamente, e o autor mediato, mas também, por exemplo, o chefe da quadrilha que, sem realizar a ação típica, planeja e decide a atividade dos demais, pois é ele que tem, eventualmente em conjunto com outros, o domínio final da ação."

Para enfatizar que José Dirceu era realmente o "mentor, protagonista e idealizador" do esquema, Gurgel citou o testemunho de diversos políticos, líderes partidários e empresários que negociavam pessoalmente com ele "entre quatro paredes", algumas vezes até mesmo no Palácio do Planalto.

Roberto Gurgel chamou a atenção para o fato de que os chefes de quadrilha não mandam ordens por escrito, não combinam os golpes por telefone ou por e-mails. E, mesmo sem o chamado "ato de ofício", é possível definir a responsabilidade de José Dirceu no comando da quadrilha.

Assunto incontornável - SÉRGIO TELLES


O Estado de S.Paulo - 04/08


Esta semana, o julgamento do mensalão pelo STF é assunto que se impõe de forma incontornável. Acontecimento que traçará rumos para nosso futuro, o que for definido ali mostrará se nossas instituições estão estabilizadas, com os três poderes agindo de forma independente, ou se continuamos um país atrasado, a encenar lamentáveis simulacros de democracia, impossibilitado de exercê-la plenamente.

Alguns não gostam quando se aponta para a divisão entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, preferindo esconder a disparidade com tranquilizadores eufemismos. Mas é somente reconhecendo a diferença que podemos superá-la. Ufanismos patrióticos baratos e ingênuos são incutidos na população desinformada para proveito dos predadores que ocupam o poder.

Os mais pessimistas - ou realistas? - acreditam que no julgamento vencerá a tese apregoada por Lula e adotada pelo PT. Como se sabe, o ex-presidente, ao se defrontar inicialmente com as denúncias, pediu desculpas à nação e, alegando nada saber, como sempre fazia, se disse "traído". Ao constatar que a tormenta não o derrubara, esqueceu-se do que havia dito e passou a afirmar que o mensalão não acontecera, tudo não teria passado de uma maquinação golpista das "elites", difundida pela imprensa "burguesa e venal".

Para o comum dos mortais, a negação de uma realidade incômoda e sua substituição por uma versão mais conveniente é entendida como uma mentira, produto de deliberada má-fé visando a enganar o outro, ou como sintoma de determinadas patologias mentais, como a mitomania ou o delírio, que criam realidades paralelas, distantes dos acontecimentos objetivos. Mas não é assim com os políticos. Para eles, essa é uma prática corriqueira, usual especialmente nos regimes totalitários. Ela se aproxima do antigo e resistente conceito de "soberania", usado pelo poder sempre que quer impedir a discussão ou a crítica das indefensáveis arbitrariedades ou ilegalidades de seus atos. De certa forma, a veterana "soberania" é o oposto da moderna "accountability", exigência por parte da sociedade de prestação de contas daqueles que foram colocados em posição de poder. Derrida diz que a "soberania" não deveria ser defendida ou praticada e sim analisada ou desconstruída, pois assim se revela seu caráter narcísico e onipotente, que induz a danosas consequências.

No fim do julgamento do mensalão, terá sido dado um passo decisivo em nossa história. Por isso, há uma grande expectativa no ar. E um temor.

****

A foto em que James Holmes aparece com os cabelos tingidos de cor laranja, com o olhar perdido e melancólico, é a própria ilustração da loucura, da perda de identidade, da fragmentação do ego, da eclosão da psicose. Ali está exposto seu lado frágil e desamparado, contraparte de sua delirante identificação com o poderoso Coringa, arqui-inimigo de Batman capaz de exercer um terrível morticínio em Aurora, no Colorado.

Quando ocorre um crime dessa magnitude, os especialistas esmiúçam a vida do assassino, no intuito de estabelecer hipóteses sobre as causas de seu comportamento aberrante. Muitas vezes fica patente que os assassinos são provenientes de famílias profundamente disfuncionais, onde sofreram marcantes traumas. A constatação de que muitos passam por privações semelhantes sem desenvolver comportamentos homicidas apontaria para a existência de outros fatores determinantes. Mesmo assim, o regular aparecimento desses dados confirma a importância dos fatores ambientais (família, relações primárias constitutivas do sujeito) que potencializam ou neutralizam tendências genéticas.

Ao contrário do senso comum, que atribui ao crime cometido a culpa sentida pelo criminoso, Freud mostra que a culpa precede e motiva o crime cometido. Atormentado por um inexplicável sentimento de culpa decorrente de conflitos inconscientes, o sujeito termina por praticar um crime para receber a desejada punição que aliviará a pressão até então exercida por seu sádico superego. Assim como Holmes e outros grandes criminosos que chegam à mídia, qualquer meliante pé de chinelo também teria seus motivos secretos para explicar seus delitos. Por esse motivo, Freud especulava se no futuro os julgamentos de criminosos não seriam substituídos por tratamentos de doentes.

A concepção psicanalítica que mostra a necessidade de punição como a motivação profunda dos crimes provocaria uma verdadeira revolução nos procedimentos legais ligados a confissão, julgamento e condenação dos crimes. Sem invalidar a necessidade da punição pela infração da lei, propõe que no julgamento sejam levadas em conta as condições psíquicas inconscientes do infrator, algo até o momento inexequível.

O caso de James Holmes conjuga à sua loucura pessoal a loucura social coletiva dos Estados Unidos, que consiste na negação do perigo implícito na venda irrestrita de armas de fogo. Os lobbies da indústria de armas submetem toda a sociedade fazendo uso indevido da 2.ª Emenda da Constituição norte-americana, que assegura o direito do cidadão de se armar, direito garantido num momento histórico em que todos deveriam estar preparados para lutar contra os ingleses, caso eles quisessem tomar posse novamente da colônia.

Há um fato tocante no crime de James Holmes. Poucos dias antes de consumar seu gesto, ele enviou a um professor de psiquiatria da universidade onde estudava um caderno com anotações detalhadas sobre o que planejava fazer. Infelizmente, o destinatário não teve oportunidade de ler a missiva, que só foi reconhecida após a consumação dos fatos.

O ato de Holmes pode ser entendido como um pedido de socorro. Mesmo nos quadros psicóticos mais graves, nos quais a personalidade está cindida, fracionada, dividida, dominada por delírios e alucinações, persiste um lado que mantém a crítica e o contato com a realidade, que reconhece a própria insanidade, embora esteja debilitado demais para contê-la. Assistindo impotente ao cortejo da loucura, só lhe resta emitir débeis pedidos de socorro ao exterior, que podem passar despercebidos por aqueles a quem recorre.

O caderno de Holmes mostra que a chacina esteve presente por um longo tempo em sua mente, tomando corpo até ser concretizada na realidade. Ao enviá-lo ao psiquiatra, possivelmente Holmes pedia que alguém de fora o impedisse de executar aquilo que seu lado transtornado o impelia a realizar e que sozinho não tinha forças para evitar.

Mensalão na comarca de Brasília - JORGE BASTOS MORENO - Nhenhenhém


O GLOBO - 04/08

Logo na abertura da primeira sessão do mensalão, o presidente do Supremo, Ayres Britto, confundiu nomes dos convidados especiais da Corte com os dos advogados de defesa. Retomando a leitura, estendeu aos réus o tratamento de "doutor" que havia dado aos convidados, mas logo se deu conta de que, com isso, estava reverenciando os 38 acusados e passou a citá-los diretamente pelo nome, sem o honroso título.

A gafe de Ayres Britto me reportou ao que contava Tancredo Neves sobre como eram tratados os réus quando integrava a banca de advogados do Tribunal de Júri da comarca de São João del Rei .

Como em São João del Rei tudo é solene, o juiz, segundo Tancredo, determinava: "Que entre o réu!" Tocava-se a corneta e entrava, como guarda de honra do réu, um soldado da PM, vestido de guerreiro romano, marchando forte e batendo continência com uma mão ao juiz e, com a outra, anunciando solenemente: " Sua Excelência o réu!".

E tome palmas !

Em alto estilo
No evento, anteontem, da União Brasileira de Biodiesel, o presidente da entidade, Juan Diego Ferres, botou o ex-presidente Lula numa saia mais justa do que a usada pela Suelen em "Avenida Brasil". Ao agradecer a atenção dispensada ao setor, Ferres pediu :

- Volta, Lula !

Depois de um silêncio constrangedor, foi a vez de o ex-presidente discursar. E Lula começou lembrando justamente a atenção especial que Dilma dá ao biodiesel. Falou durante 30 minutos, até encontrar o gancho para responder a Ferres, encerrando seu discurso com chave de ouro e sob o delírio da plateia :

- Companheiro Ferres, você me pede para voltar, mas eu já voltei. Voltei de uma enfermidade grave! Voltei do sofrimento de um tratamento doloroso! Voltei do câncer. E voltei para defender a reeleição da presidente Dilma em 2014 !

Lobão vira cordeiro
Sentado na mesa ao lado da dos chefes de Estado que festejavam, em almoço, o ingresso da Venezuela no Mercosul, o ministro Lobão percebeu que estavam falando dele e esticou os ouvidos. Era a presidente Cristina Kirchner puxando o assunto :

- Dilma, o Lobão tem a cara de clérigo. Eu acho isso desde que nos reuníamos no grupo parlamentar Brasil-Argentina. Eu era senadora, e ele também.

Comentário da Dilma :

- Clérigo? Ele tem a cara de ex-comunista !

E contou um episódio ocorrido ainda no governo Lula, quando Lobão foi voto vencido numa reunião na qual prevaleceu uma proposta mais conservadora do comunista Haroldo Lima e saiu lamentando :

- O único ex-comunista deste governo sou eu !

Macho
Ministro do PT recusou-se a gravar para candidato em Porto Alegre, por ser Manuela .

Cliente
O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o famoso Kakay, costuma dizer que a pior coisa para advogado é defender inocente. O culpado, segundo ele, já chega consciente do que fez e do que pode lhe acontecer. E obedece cegamente às instruções da defesa. Ah, e o mais importante, lembra Kakay, paga à vista .

Já o inocente chega acreditando na lei e na Justiça. Questiona a estratégia da defesa, recusa os álibis sugeridos pelo advogado, pede fiado, prometendo pagar só depois da sua absolvição.

Corajoso
E não é que o Renan Calheiros pensa mesmo em ser presidente do Senado novamente ?

Ele não se contenta em exercer impunemente o cargo de líder do PMDB do Senado .

Falta-lhe a modéstia do verdadeiro político perfilado por Millôr: "Com o passado que tenho, aceito qualquer presente" .

Lição
Uma das mais gaiatas definições do mensalão foi dada por um amigo da coluna ao filho hiperativo de 4 anos, que lhe perguntou o signficado do termo: 

—Mensalão, filho, é o impeachment atrasado do Lula.

Dono
A propósito, indagado por um amigo sobre o que achava da declaração de Miro Teixeira de que “o mensalão não é o julgamento do Zé Dirceu, mas do Lula”, o filho de dona Olga e do seu Castorino ficou seculares segundos em silêncio e
concordou com a cabeça.

‘Slow’ K
Se eu fosse o Murilão da Vale, ficava trancado em casa. Déda está no Rio querendo o potássio de Sergipe.

A República sindical e os seus riscos - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR


O Estado de S.Paulo - 04/08


O movimento pendular da História traz curiosos ensinamentos sobre o Brasil. Décadas atrás, a sucessão de greves e a exacerbação do sindicalismo, sob o disfarce das "reformas de base", acabaram conduzindo o País a uma amarga revolução, que suprimiu a democracia e grande parte dos direitos humanos.

Agora, curiosamente, neste clima de liberdades meio sem limites que estamos vivendo, parecemos estar repetindo aqueles tempos tormentosos. Realmente, observa-se nos dias presentes um fortalecimento com pouca maturidade dos sindicatos e das centrais sindicais, clara consequência de uma diretriz de governo traçada pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

As greves repetem-se no serviço público, voltadas maciçamente para a busca de benefícios para os grevistas, sem que os idealizadores e participantes demonstrem estar pensando, ao menos um pouquinho, na população atingida. Parece estar ocorrendo uma espécie de renascimento da República sindical sonhada por João Goulart, Leonel Brizola e outros radicais de esquerda em 1964.

Curioso observar que ocorreu no governo Lula a anulação e dilaceração da União Nacional dos Estudantes (UNE), que foi inchada e anestesiada pelos recursos petistas, a ponto de se converter num de seus apêndices, tornando-se dócil, obediente e manobrável. Mas essa mesma tática, voltada para os sindicatos e as centrais sindicais, ao pretexto, quem sabe, de fortalecer o governo petista, acabou por conturbar a vida do País e difundir a impressão de que a democracia é o melhor dos regimes, mas não quando estamos submetidos ao exagero das greves.

Torna-se evidente que falta algo para bloquear o prevalecimento desses interesses de classe sobre os da população. Sim, parece faltar a lei que regulamente o direito de greve no serviço público, mas isso não se constitui em tema que atormente os nossos políticos, nem mesmo a presidente Dilma Rousseff.

Quando a Constituição federal de 1988 foi votada e aprovada, prevaleceu sem restrições a disposição que permite o direito de greve. Isso foi um erro, porque os limites a essa liberdade deveriam estar perfeitamente delineados já a partir daquele momento.

Realmente, o artigo 9.º da Carta Magna dispôs que é assegurado o direito de greve e reservou para lei posterior a definição dos serviços ou atividades essenciais e as necessidades inadiáveis da comunidade. Veio a seguir, em 28 de junho de 989, a Lei Federal n.º 7.783, que afirmou não ser possível a decretação de greves nos serviços que envolvam abastecimento de água, assistência médica, produção e distribuição de energia e também transporte coletivo. Mas isso é somente o que disseram as palavras, porque a lei é ostensivamente ignorada, ao fundamento de que ainda não foi regulamentada, muito embora sejam claras as objeções tanto da Constituição como da lei federal.

A importância que o atual governo consagra aos sindicatos pode ser vista pela indicação de um líder sindical para presidir a Câmara dos Deputados, o deputado federal Marco Maia (PT-RS), eleito com o apoio de 21 dos 22 partidos representados na Casa. Maia, sempre que pode, gosta de destacar a sua origem sindicalista e por isso é compreensível que não tenha a menor boa vontade em regulamentar o direito de greve nos serviços públicos.

Como a força dos sindicatos é dirigida para o bem dos seus filiados, sem nenhuma preocupação com os serviços prestados ao público, verifica-se que as sucessivas greves no setor público acabam punindo preferencialmente a população - inclusive as crianças, que ficam sem escola. A ausência de punição dos líderes sindicais e grevistas representa um claro sinal de que eles podem continuar pondo de joelhos a população, humilhando-a e usando o seu sofrimento para obterem os resultados pretendidos.

É inacreditável que isso continue a ocorrer, como dizia Martin Luther King, diante do silêncio dos bons.

Veja-se a greve do Metrô na cidade de São Paulo, algumas semanas atrás, durante a qual aproximadamente 5 milhões de pessoas, das mais carentes, sofreram amargamente por dias seguidos, sem que ao final tivesse ocorrido nem mesmo um puxão de orelha nos grevistas.

Tais grevistas conhecem bem esse caminho percorrido para obter as vantagens pretendidas. Ao sinal verde da impunidade, podem por ele trilhar novamente, quantas vezes quiserem, sem nenhum risco para o pescoço deles. Se isso acorresse na iniciativa privada, e não em serviço público de tamanha relevância, certamente as consequências seriam outras.

Enfim, fazer greves, humilhar a população que usa os serviços públicos, causar prejuízos à iniciativa privada e ao País não geram consequência alguma para quem as organiza nem para os que delas participam. Não é difícil prever os resultados sociais dessa conduta, caso não se promovam mudanças, claramente necessárias.

O estímulo que o então presidente Lula consagrou aos sindicatos, sendo ele próprio um ex-líder sindical, causou a impressão de que ele havia deixado um ovo de serpente no colo de sua sucessora. Mas, vê-se agora, se deu justamente o contrário do que se poderia imaginar na ocasião: ela parece estar alisando e acariciando o filhotinho da serpente, talvez segura de que não será picada. Esse talvez seja um erro grave, porque os movimentos grevistas dilaceram o vergonhoso e combalido sistema educacional do País, além de afetarem a produtividade.

São necessárias coragem e determinação para inserir na Constituição federal e na legislação ordinária claros limites entre os direitos de greve no setor privado e no setor de serviços públicos. E isso somente a presidente Dilma teria condições de fazer, por ser detentora de maioria no Congresso Nacional. Pode, mas não faz.

Um relator na berlinda - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 04/08


BRASÍLIA - O relator do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Joaquim Barbosa, virou o inimigo número um do PT.

A berlinda começou quando, ainda em 2007, Barbosa deu um voto duríssimo recebendo a denúncia dos então 40 réus do mensalão, que foi acompanhada, nos principais pontos, pelos demais ministros da corte.

Mas nem sempre foi assim. A nomeação do primeiro negro para o Supremo foi propagandeada como grande avanço institucional do governo Lula. A cor da pele foi condição preliminar estabelecida pelo próprio Lula, que pediu aos conselheiros, Márcio Thomaz Bastos à frente, currículos de negros com notório saber jurídico e reputação ilibada.

Quem participou do processo lembra que os títulos de Joaquim Barbosa e sua carreira acadêmica internacional o colocaram quilômetros à frente dos demais nomes levantados.

Ele ainda foi festejado pelo PT pelos embates que travou com Gilmar Mendes, um dos alvos preferenciais do partido, por ter sido nomeado por Fernando Henrique Cardoso.

Setores do petismo consideram a indicação para a mais alta corte da Justiça do país equivalente à colocação de "companheiros" em postos do governo. Não lhes passa pela cabeça que, uma vez investido da toga, o indicado passa a ser magistrado, membro de um Poder independente.

Ao afirmar a existência do mensalão e, ao que tudo indica, se preparar para pedir a condenação da grande maioria dos réus, Barbosa passa a ser vítima de campanha difamatória.

O acadêmico brilhante de antes vira "despreparado", um "promotor em pele de juiz". Advogados e políticos dizem que o ministro só chegou ao STF graças ao "sistema de cotas".

Caberá ao relator manter o sangue frio para fundamentar seu voto e driblar a tentativa de desestabilizá-lo.

Episódios como o embate com Ricardo Lewandowski na abertura do julgamento, dizem seus pares, não ajudará a legitimar sua posição no caso ao qual se dedica há sete anos.

O grande golpe - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 04/08


O Banco Central foi citado várias vezes na peça de acusação apresentada ontem. O publicitário Marcos Valério teve oito reuniões no BC com diretor. Uma vez, nem precisou marcar, tal a intimidade. O que ele queria, não levou. O estouro do escândalo impediu que bancos em liquidação fossem transferidos para os operadores do mensalão. Isso daria a eles o bilhão que procuravam .

Eles, como disse Sílvio Pereira, pretendiam arrecadar R$ 1 bilhão. Enquanto operaram o escândalo que é objeto da Ação Penal 470, os réus cometeram vários delitos: tráfico de influência, ganhos em contratos de prestação de serviço, lavagem de dinheiro. Mas preparavam um bote muito maior .

Estavam de olho nos restos dos bancos que haviam sido liquidados pelo Proer. Primeiro, a ideia era entregar o Banco Mercantil de Pernambuco ao Banco Rural. Depois, o espólio do Banco Econômico entraria no esquema. Ambos liquidados pelo Proer. Alguns bons ativos foram vendidos, os com menos liquidez ficaram no Banco Central. Nos anos que se seguiram ao Proer, o Banco Central foi realizando o trabalho de liquidação de passivos e recuperação de ativos .

Bastaria a mudança de fatores de correção, a reinterpretação das regras, uma manipulação de balanço, para que essas instituições em liquidação virassem uma mina de dinheiro. O Banco Rural queria o Banco Mercantil de Pernambuco, do qual tinha 20%. Queria suspender a liquidação. Marcos Valério queria fazer negócios com o Econômico.

Na época, o Banco Central estava sendo pressionado a aceitar os negócios. A diretoria resistiu às pressões. Mas Marcos Valério parecia estimulado a continuar tentando. Tudo foi abortado pelo estouro do escândalo. Portanto, a denúncia do ex-deputado e réu Roberto Jefferson acabou impedindo o grande golpe que daria a eles os recursos necessários para os seus projetos .

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou uma peça forte em que fez acusações sólidas a 36 dos 38 réus, exibiu a hierarquia da organização criminosa e explicou o "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção". Mostrou relação entre votos no Congresso e saques em dinheiro pelos envolvidos. Ele se baseou mais em provas testemunhais, apesar de dizer que as provas documentais são peças contundentes .

O que os advogados de defesa apostam é que as provas documentais serão consideradas fracas para comprovar, por exemplo, o comando do então ministro-chefe da Casa Civil. Gurgel se baseou nos abundantes depoimentos que mostram o comando do ex-ministro José Dirceu e seu envolvimento em reuniões ou decisões que não se imagina que um ministro da Casa Civil tenha participação, como a defesa feita dos interesses de um banco no Banco Central e que são intermediadas por um publicitário.

A acusação foi cristalina. Chamou os réus de quadrilha e refez conexões entre as pessoas e os episódios que, tantos anos depois, estão um pouco esquecidos. Alguns são bizarros, como os saques no Rural feitos por Simone Vasconcelos, ex-diretora financeira de Marcos Valério, que em uma das vezes chegou a R$ 600 mil. O dinheiro foi levado em carro forte para a sede da SMP&B, de Valério.

Deveria ter causado espanto à então diretoria de Liquidação e Desestatização o pedido do publicitário. Ele não pertencia a qualquer instituição financeira, mas pediu reuniões com um diretor para falar dos interesses de um banco. O mensalão já foi um escândalo suficientemente grande, mas o grupo queria muito mais e por isso mirou o Banco Central. Felizmente, o escândalo estourou antes .

Desmoralização - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 04/08


A Venezuela ganhou seu jogo no Mercosul com escandaloso gol de mão. No futebol, até mesmo erro crasso de juiz pode validar um resultado. No Mercosul, vai ser preciso saber como esse erro poderá ser corrigido.

Para quem está chegando agora no assunto, dia 29 de junho, os chefes de governo do Mercosul que compareceram à reunião de cúpula de Mendoza, Argentina, declararam unilateralmente a suspensão do Paraguai, que vinha resistindo à entrada da Venezuela, e se apressaram a incorporar a Venezuela. Na última terça-feira, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em nome do seu país, tomou posse como membro do Mercosul, em Brasília, depois de se encaminhar, para o salão nobre, pela rampa do Palácio do Planalto.

A alegação da cúpula para a suspensão do Paraguai, cujo Senado até agora não cumpriu a formalidade de aprovar a admissão da Venezuela, era de que o impeachment do então presidente, Fernando Lugo, e a transferência do cargo ao então vice-presidente, Federico Franco, não seguiram todos os trâmites democráticos - na medida em que não haviam dado tempo suficiente para defesa do então presidente Lugo.

No episódio em que se livrou do Paraguai, também sem garantir a seus dirigentes o direito de defesa, e em que tratou de enfiar a Venezuela para dentro, o trio dirigente do Mercosul (Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e José Mujica) cometeu duas graves irregularidades, depois incompreensivelmente defendidas pelo Itamaraty, que tanto se orgulha da lisura de seu comportamento.

A primeira foi a suspensão propriamente dita do Paraguai, sem justificativa suficiente para tanto. Mesmo se fosse legítima, a suspensão não aboliria nem a necessidade (ou não) da ratificação pelo Paraguai da entrada de um novo sócio no bloco, tampouco seu direito a ela.

E a segunda foi a inclusão da Venezuela sem que fosse cumprido o Tratado de Assunção, de 2001, que exige o depósito prévio dos instrumentos de ratif1cação assinado por todos os membros preexistentes do Mercosul.

O presidente do Uruguai, que participou da farsa, a justificou depois com uma declaração estapafúrdia: "Lo político supera ampliamente a lo jurídico" - como se razões políticas pudessem se sobrepor às regras básicas do jogo, especialmente depois de terem sido alegadas supostas questões jurídicas que tivessem se sobreposto às questões políticas que provocaram o impeachment de Lugo.

Se a letra explícita e o espírito do Tratado de Assunção são tão flagrantemente atropelados, o mesmo pode muito bem vir a acontecer com qualquer outra disposição essencial que faça parte da constituição do bloco. Qual será, daqui para a frente, por exemplo, a força de qualquer outro tratado assinado entre o Mercosul e outra potência econômica se qualquer conveniência política da hora puder desrespeitar os fundamentos jurídicos dos tratados?

No entanto, deixando de lado tanto o meramente jurídico como o meramente político, está fora de dúvida de que a admissão da Venezuela, nas condições em que se deu, contribui para a desmoralização do bloco. Mas não é só isso. Servirá, também, de precedente para que, no futuro, qualquer agrupamento de sócios se sinta autorizado, com ou sem as bênçãos do Itamaraty, a dar o mesmo tratamento a decisões soberanas do Brasil.

"MINHA AMIGA É O TALENTOSO RIPLEY" - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 04/08


A colecionadora de arte peruana Jacqueline Shor compara a história de sua ex-melhor amiga com a do filme "O Talentoso Ripley". Ela acusa Graziela Martine de ser golpista, como no longa em que Matt Damon assume personalidades diferentes para levar uma vida de luxo. "Ele não conseguia enganar todo mundo?", diz.

Jacque afirma que Grazi roubou pelo menos três talões de cheque seus, falsificou suas assinaturas e teria lhe causado um rombo de no mínimo R$ 100 mil. A amiga tinha livre acesso ao tríplex onde ela vive com o marido espanhol e quatro cachorras, nos Jardins.

A suspeita de estelionato virou inquérito na 15ª delegacia de polícia, no Itaim. Virou também o assunto da "high society" de SP.

Graziela não respondeu a um e-mail e cinco ligações da coluna. Seu advogado, Átila Machado, afirma que a cliente se apresentará à delegacia na semana que vem. "Estão demonizando ela, mas a gente vai apresentar nossa versão dos fatos."

"A Grazi deve me achar a pessoa mais burra do mundo", afirma Shor. Ela calcula que, por mês, a ex-amiga lhe tirava cerca de R$ 4.000. Diz que não percebia a "sangria" nas contas porque Grazi sacaria valores "picadinhos" (algumas centenas de reais a cada retirada). Mostrou à coluna fotos de cheques que teriam sido falsificados, conseguidos com um de seus bancos.

Jacque diz ter descoberto tudo há três semanas. Na hora, telefonou à amiga. "Dei todas as chance para ela [se explicar]." No dia, promoveu um jantar com presença do estilista Amir Slama, para quem desabafou ter sofrido "a pior decepção de sua vida". Grazi não foi. Ela, "que costumava ligar dez vezes por dia", só voltou a dar sinal de vida na manhã de 26 de julho.

Enviou mensagem para o celular de Jacque. "Nenhuma alergia, doença ou inquérito é pior do que ficar para o resto da sua vida sem sua amizade", escreveu.

Grazi trabalhava voluntariamente no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura). Era relações-públicas, convidando pessoas para mostras. Parou de ir quando a briga com Jacque virou caso de polícia. O museu diz que ela sempre foi correta.

Graziela tinha trânsito entre as socialites. Em 2011, entrou na berlinda por causa de uma briga com Joanna Trabulsi, num casamento. Na ocasião, bebidas foram arremessadas no ar.

Após a descoberta do suposto desfalque, mas antes de ser intimada pela polícia, Grazi continuou frequentando eventos. Na página do Facebook de amiga em comum, aparece sorrindo num almoço, na semana retrasada. Jacque mostra carta enviada por ela em 2011, que assim termina: "Que Deus te devolva tudo em triplo!".

picada leve

Bebês de até um ano passarão a ser imunizados contra a catapora pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Hoje, é preciso recorrer à rede privada e pagar cerca de R$ 150 pela dose. Em 2013, os postos de saúde oferecerão a vacina tetraviral, que, além de proteger contra sarampo, caxumba e rubéola, já cobertas no sistema, incluirá também a defesa contra a doença.

QUEDA
O Ministério da Saúde estima uma redução de 80% nas hospitalizações pela catapora, que atingem cerca de 11 mil pessoas por ano.

VOTO CERTO
O ministro Cezar Peluso deve mesmo antecipar seu voto no julgamento do mensalão, caso ele não termine antes de sua aposentadoria no STF (Supremo Tribunal Federal), marcada para o dia 3 de setembro.

VOTO CERTO 2
"O regimento do STF permite expressamente o voto", disse à coluna um dos juristas mais respeitados do país, amigo íntimo e interlocutor frequente de Peluso. Advogados defendem que ele não vote, já que não teria possibilidade de alterar seu parecer caso surgisse um fato novo depois de sua saída da corte.

VOTO CERTO 3
O interlocutor de Peluso contesta: "Se o juiz antecipa o voto, é porque já está plenamente convencido da culpa do réu. E não vai mudar sua convicção".

Se tivesse dúvidas, o ministro decano não teria nem sequer participado do início das discussões, como fez nesta semana.

lINHA DIRETA
Lula telefonou várias vezes para Brasília no primeiro dia do julgamento para conversar com o advogado Márcio Thomaz Bastos.

CONSELHO
José Dirceu esteve com o advogado Sergio Bermudes no Rio de Janeiro, na semana passada.

Professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) e um dos mais respeitados processualistas do Brasil, Bermudes atua no STF há mais de 40 anos e é considerado profundo conhecedor dos meandros do tribunal.

TORCIDA
Em conversas com vários interlocutores, Dirceu revelava uma de suas maiores preocupações: a possibilidade de o ministro José Antonio Dias Toffoli ser considerado impedido de participar do julgamento. Pior: a de outro ministro, Marco Aurélio Mello, pedir oficialmente a suspeição -o que ele não fez.

PLACAR
E o ex-ministro da Casa Civil também falava de suas mais recentes previsões: ele pode até ser condenado, mas com pena mínima.

RETIRO
Como Dirceu, que agora submergiu, seu advogado, José Luis Oliveira Lima, também está recluso.

Em Brasília, ele e seu sócio, Rodrigo Dall'Acqua, montaram QG no restaurante Gero, no Lago Norte. Distante dos points dos colegas.

MOSSAD
A portas fechadas e com a presença de agentes do Mossad, o serviço secreto israelense, Dan Shechtman, físico-químico ganhador do Prêmio Nobel de Química em 2011, reuniu-se com o governador Geraldo Alckmin anteontem. Discutiram parcerias entre os centros de pesquisa daqui e de lá. O encontro foi mediado por Floriano Pesaro, líder da bancada do PSDB na Câmara dos Vereadores.

MESA VERDE

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ganhou jantar em sua homenagem organizado por Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu de consumo consciente. O evento aconteceu no apartamento de Mattar, em Cerqueira Cesar, anteontem, e a apresentadora Rosana Jatobá estava lá.

CURTO-CIRCUITO

O livro "Cooperativa dos Vendedores Autônomos do Parque Ibirapuera", de Mônica Dallari com apresentação de Eduardo Suplicy, tem lançamento hoje, às 10h, no MAM.

O artista Paulo von Poser pintou os murais do comitê do candidato a vereador Andrea Matarazzo (PSDB-SP) que será inaugurado amanhã, a partir das 15h, nos Jardins.

A loja Gierre faz venda especial dias 7 e 8 com renda revertida para a Associação Cedro do Líbano de proteção à infância.

com ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, LÍGIA MESQUITA e OLÍVIA FLORÊNCIA