quarta-feira, março 14, 2012

Dilma em campo - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 14/03/12


Dilma já esperava a renúncia de Ricardo Teixeira desde outubro, quando esteve na Bélgica com Jerome Valcke, secretário-geral da Fifa.
Valcke contou que as investigações na Fifa contra Teixeira deixariam a situação do então presidente da CBF “insustentável”, e pediu à presidente que indicasse o sucessor.

Mas...
Segundo o relato de uma testemunha, Dilma sentiu cheiro de armadilha no ar e respondeu:

— Este é um problema privado, não público. Vocês se resolvam entre vocês.

Aliás...
Como se sabe, sexta agora, Dilma recebe Joseph Blatter, presidente da Fifa.

Samba do Paes
Noca da Portela compõe um jingle para a campanha de Eduardo Paes à reeleição.

A vida na planície
Segunda à noite, por volta de 20h30m, enquanto a jiripoca piava em Brasília, com o afastamento de Romero Jucá da liderança do governo, o ex-ministro Luiz Sérgio caminhava só pela orla do Leblon, com camisa da seleção.

No mais
Alguma coisa se move quando Dilma dispensa os serviços de Romero Jucá.
Jucá ocupava o posto desde FH. Nos tempos bíblicos, poderia ter sido servil tanto a Davi como a Golias. É um político típico do Brasil: sem ideias, assexuado ideologicamente e vive do toma lá dá cá.

Crise de melancolia
De Hugo Chávez, ontem, no Twitter, filosofando sobre sua doença e a de Lula:
— Um dia, eu caminhava com Lula, e ele me perguntou por Fidel. Eu disse que estava bem. Lula, então, disse, desviando o olhar: “É o último gigante...”

O PALÁCIO TIRADENTES, sede da Assembleia do Rio, deve perder sua função atual para abrigar o Museu da Democracia. A imponente construção de estilo eclético — erguida em 1922 no lugar do velho Parlamento Imperial, de 1640 — passaria a receber sessões só nas posses e em recepções solenes. No mais, ficaria aberta à visitação. O projeto é parte da demolição do prédio anexo, onde ficam os gabinetes dos deputados. Segundo Paulo Mello, presidente da Casa, com o fim do anexo, o plenário e os gabinetes devem ir mesmo para a Bolsa de Valores, ali perto, como saiu aqui ontem. Mello conta que já foi até iniciado um “processo de desapropriação da Bolsa pelo valor de mercado”. A ideia é recuperar o palácio original. “Inclusive o subsolo, para deixá-lo como era no tempo da Cadeia Velha, que ocupava o primeiro piso do Parlamento Imperial e onde ficou preso Tiradentes”, diz Mello. Vamos torcer, vamos cobrar

Jorge e Zélia
Salvador vai ganhar uma estátua em tamanho natural de Jorge Amado e Zélia Gattai, juntos, sentados no banco onde namoravam, com o cachorro do casal ao lado.
É esculpida pelo artista plástico Tatti Moreno.

Sabe o Mário?
O Arquivo Nacional, no Rio, vai montar uma exposição sobre Mário Lago.
A festa de abertura, dia 26, será com... roda de samba comandada pelo curador, Mariozinho Lago, filho do grande brasileiro (1911-2002). A mostra só será aberta ao público no dia seguinte, às 10h. Vai até 24 de maio.

Novo ramo
Carlos Alberto Parreira, o técnico boa-praça, abriu com três sócios uma importadora e exportadora de mercadorias de todos os tamanhos.
Alô, Padilha!
O Hospital Mário Kröeff, no Rio, que cuida de gente pobre com câncer, corre risco de suspender algumas atividades, caso o SUS não pague sua dívida, hoje em uns R$ 2,4 milhões.
O último pagamento foi dia 16 de dezembro de 2011.

A defesa de Bruno
No processo em que foi condenado no Rio por “agressão e sequestro” de Eliza Samúdio, o ex-goleiro Bruno deixou de indicar um advogado e passou a ser representado por um defensor público, recurso usado por quem não pode pagar.

Pequeno príncipe
O Miss T Brasil, concurso de beleza com 28 travestis e transexuais brasileiras, ganhou patrocínio do governo fluminense.
A disputa, que começa em julho, no Rio, classificará a vencedora para o Miss Internacional Queen, na Tailândia.

Ponte Betinho
Domingo, com a ponte engarrafada, nossa Elba Rama-lho, para não se atrasar, chegou para cantar no Teatro Municipal de Niterói... de barca.

A volta do Paissandu
A prefeitura do Rio autorizou a produtora de Léo Feijó a captar R$ 687.750 para reabrir o cinema Paissandu.

Pobre menino rico
Veja como está a crise na Europa. No Rio, o príncipe Harry não se hospedou no inglês Copacabana Palace, que sempre recebe a corte, mas... no espanhol Windsor Atlântica, mais barato.
Poupou uns R$ 300 por dia. 

Felizes por nada - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 14/03/12


Quando me perguntam a que atribuo o fato de minha última coletânea de crônicas estar há 32 semanas na lista dos mais vendidos, não me ocorre outra resposta: só pode ser por causa do título, já que o conteúdo é semelhante às coletâneas anteriores.

No entanto, nenhuma teve uma receptividade tão calorosa quanto Feliz por Nada, um livro que traz textos sobre as triviais situações do cotidiano, e não sobre a “Felicidade” aquela, com maiúscula e traje de gala. Como se explica?

Surgiu uma pista: foi divulgado, semana passada, o resultado de uma pesquisa que revela que o Brasil é o campeão mundial de felicidade. Mundial! As entrevistas devem ter sido feitas numa época do ano diferente da que estamos, pois quem consegue ser tão feliz prestes a entregar a declaração do imposto de renda? Pagamos os tubos para o governo, que gentilmente retribui nos dando uma banana. Os que buscam saúde de qualidade, educação de qualidade e segurança de qualidade têm que pagar por fora.

Os pedágios seguem altos. Tudo é caro: roupa, alimento, remédio, transporte. Aeroportos não dão conta do movimento, criminosos são soltos por falta de espaço nas prisões, o trânsito nas grandes cidades está estrangulado, o tráfico de drogas acontece a céu aberto. Nem precisamos perguntar para onde vão os bilhões que o governo arrecada e que deveriam ser reinvestidos no país. Vão para o mesmo lugar aonde vai nosso voto: para o bolso dos sem-escrúpulos.

Logo, somos realmente felizes por nada. Se não temos a bravura de nos mobilizarmos, ao menos nos sobra capacidade de extrairmos alegria de todo o resto: desde os gols do Neymar até uma receita nova de panqueca. Não deixa de ser um estágio existencial avançado – em vez de um povo frustrado por não ter a casa própria, o vestido de grife ou o iPad recém-lançado, as pessoas curtem a floreira embaixo da sua janela, o café da manhã com o namorado, o último capítulo da novela, o primeiro desenho que o filho fez na escola.

A notícia é boa, mas também é ruim: tudo indica que estamos valorizando as pequenas delicadezas que a rotina oferece com fartura, o que explica não nos importarmos tanto por sermos roubados e por vivermos sitiados dentro de edifícios gradeados.

Faço parte do time que acredita que ficar em casa lendo um livro ou se reunir com amigos para tomar um vinho equivale a uma festa a rigor (na verdade, considero melhor que uma festa a rigor). Individualmente, a simplicidade é uma forma saudável de levar a vida, é o que defendo. Mas quando uma nação inteira se revela satisfeita com merrecas, sem ter o básico garantido, alto lá. Consagrar o Brasil como campeão mundial de felicidade é passar atestado da nossa alienação e do nosso desinteresse pelo futuro. Seria mais decente nos emburrarmos um pouco.

Novo eixo - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 14/03/12


Há uma tentativa clara do governo de mudar o rumo gravitacional da política no Senado e também na Câmara. O problema será a reação de quem detém o poder. E assim, teremos pela frente um longo período de estica e puxa. Podem apostar



Assim que Dilma Rousseff saiu do Senado, onde recebeu o prêmio Bertha Lutz, uma roda de jornalistas começou a se formar em torno de Romero Jucá (PMDB-RR). Não deu tempo nem de o ex-líder do governo arrumar a gravata para as imagens da TV. Isso porque surgiu o sucessor, Eduardo Braga (PMDB-AM), atraindo a parafernália de microfones, focos de luz e câmeras. Da turma de TV, não sobrou ninguém em torno do antigo líder. A cena é emblemática para demonstrar a mudança do eixo gravitacional que a presidente Dilma Rousseff deseja empreender no parlamento.

Ao trocar os dois líderes — o do Senado e o da Câmara —, Dilma demonstra que deseja não só ampliar a interlocução no Legislativo, como cansaram de cobrar os próprios parlamentares. Ela quer ainda mudar o eixo gravitacional de seu governo. Algo como mudar o eixo de rotação do planeta da política. E isso, como na geologia, não é fácil.

Em qualquer artigo sobre o eixo de rotação da Terra, o leitor verá que esse movimento requer muita energia. Além disso, como o leitor pode pesquisar em vários sites, como silvestre.eng.br, "uma força realizada diretamente sobre o eixo não o inclina do modo esperado. O eixo forçado a se inclinar reage de uma forma surpreendente, tentando preservar sua orientação espacial anterior".

Por falar em preservar...

A indicação do senador Romero Jucá para relator do Orçamento de 2013, anunciada ontem por Renan Calheiros (PMDB-AL), é prova dessa reação, no sentido de tentar preservar a orientação espacial anterior. Prova de que teremos pela frente um período de turbulências: Dilma tentando levar o eixo de poder para outra banda e o grupo dominante da política nos últimos 20 anos querendo mantê-lo onde está. No meio dessa mudança na órbita dos planetas estão a montagem dos palanques para a eleição municipal, o Código Florestal, a votação dos royalties e dezenas de pedidos de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) congelados. Quanto ao Código Florestal, já há quem defenda junto ao Planalto deixar a votação para depois da Rio+20, de forma a evitar um confronto com os ambientalistas nesse clima pré-conferência sobre Desenvolvimento Sustentável.

Por falar em votações...

O Código Florestal será o primeiro grande teste de Arlindo Chinaglia (PT-SP) na Câmara, da mesma forma que a Fundação de Previdência do Servidor Público será o maior desafio de Eduardo Braga no Senado. Ele terá que mostrar que tem energia suficiente no partido e entre os aliados para segurar a força gravitacional onde a presidente Dilma deseja.

Da mesma forma que a presidente trabalha uma relação direta com o G-8 do PMDB no Senado, Dilma também dá demonstrações de que deseja ver o poder mais diluído na Câmara. Foi essa a primeira impressão de quem observou atentamente a forma como ela prestava atenção no discurso da vice-presidente da Casa, Rose de Freitas (PMDB-ES). De vez em quando, o presidente da Câmara, Marco Maia, puxava assunto e Dilma, com cara de poucos amigos, respondia de forma curta e, com o corpo virado na direção da tribuna do Senado, seguia olhando para a oradora. Depois, levantou-se e ficou esperando que Rose viesse abraçá-la. Foi o único discurso em que Dilma prestou atenção quase que o tempo todo. Para muitos, sinal de que não está descartada uma interlocução direta com a deputada. Se isso, entretanto, vai resultar em algum desdobramento na eleição para presidente da Câmara é outra história. Mas vale lembrar que Dilma jamais escondeu a sua preferência em trabalhar com as mulheres, consideradas mais sensíveis quando o assunto é políticas públicas.

Por falar em eleições...

Enquanto Dilma, PMDB e PT travam suas guerras por mudança de eixo, os reflexos dos poucos pontos que Fernando Haddad desfruta nas pesquisas de intenções de voto é uma mudança do eixo gravitacional do PT. Se antes o partido de Lula pressionava o deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP) a sair da disputa para apoiar Haddad, hoje essa conversa mudou. Os petistas hoje trabalham no sentido inverso, para que Chalita se mantenha no jogo. Isso porque passaram a ter medo de que o ex-governador José Serra (PSDB) possa vencer no primeiro turno, caso não haja um candidato de centro para tirar alguns votos dos tucanos. É bom lembrar que foi assim em 2010 no estado de São Paulo. O governador Geraldo Alckmin venceu Aloizio Mercadante na primeira rodada.

Atrás do pé no traseiro - ZUENIR VENTURA


O GLOBO - 14/03/12
E se Jerôme Valcke tiver razão? A dúvida me ocorreu lendo o que tem sido escrito sobre os problemas nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, inclusive o artigo do Romário anteontem. Será que a verdade está atrás da frase infeliz, ou pelo menos indelicada, pronunciada pelo destemperado secretário-geral da Fifa? Como se sabe, antes de se retratar e pedir desculpas, ele disse que o governo brasileiro merecia receber um pé no traseiro pelo atraso nas obras. Depois, culpou a tradução. Usando a expressão "se donner un coup de pied aux fesses", ele alegou ter querido significar não o literal "chute na bunda", mas o metafórico "acelerar o ritmo". Houve justa indignação, réplica e tréplica, e o nível do bate-boca desceu abaixo da cintura. Parou em "vagabundo", dito por um assessor da Presidência. Afinal, a paz foi selada. Restou a pergunta: vai dar tempo? Os otimistas lembram que como organizador de grandes eventos o Brasil é conhecido por deixar tudo para a última hora, mas nunca deixou de fazer - da Copa de 50 à Rio-92, das três visitas oficiais do Papa João Paulo II aos Jogos Pan-Americanos de 2007. Não vai ser agora que irá falhar. O problema, porém, é que, na melhor das hipóteses, há o alto custo dessa opção pela correria no final: improvisações, remendos, obras mal acabadas.
Mas pior ainda que o atraso é a tentativa de tapar o sol com a peneira, fazendo de conta que está tudo bem. "Não se pode esconder que o país está atrasado em boa parte dos preparativos para a Copa", diz O GLOBO em editorial. Também Romário, que como deputado federal visitou todas as cidades-sede, ficou impressionado com o que falta terminar, sobretudo no projeto de mobilidade urbana, um dos principais legados previstos. "Pelo que sei, menos de 30% das obras foram iniciadas". Quanto aos aeroportos, ele informa que só Rio, Campinas, Curitiba e Natal "deram início às obras. É uma situação preocupante. Uma vergonha".
O que fazer? É simples. Para realizar uma Copa que nos dê orgulho, não basta a renúncia de Ricardo Teixeira nem adianta falar grosso com a Fifa ou camuflar o problema. A solução, como sugeriu o tal Jérôme Valcke, é mesmo um pontapé no traseiro, mas no bom sentido, o de acelerar o ritmo das obras.
A propósito, somos muito suscetíveis a certas verdades. O Senado, para variar, acaba de ostentar mais um escândalo, ao inchar seus gabinetes com 2.500 funcionários comissionados, que custam ao bolso do contribuinte R$ 1,6 milhão por mês. No lugar dos doze servidores previstos, chega a haver até 67, como os de Ivo Cassol. Ou 54, de Fernando Collor. Mas, se alguém disser o que merecem, eles vão reagir como o governo, com indignação.

Grandes ideias - ROBERTO DaMATTA


O Estado de S.Paulo - 14/03/12



Para Celso Lafer e em memória de Vilmar Faria

Diz o folclore que num encontro entre o poeta Paul Valéry e o físico Albert Einstein, o primeiro declarou ter muitas ideias. Após ouvi-lo, o físico declarou: pois eu, pelo contrário, tive apenas uma ideia.

* * * *

Um criador de galinhas verificou que suas aves estavam morrendo. Aplicou os remédios tradicionais, mas mesmo assim as aves morriam. Na sinagoga, recomendaram-lhe contar o fato para o rabino.

- Mestre, minhas galinhas morrem, apesar de todas as precauções. Que devo fazer?

- Filho, respondeu o rabino, por que você não troca as janelas do galinheiro?

Assim fez o criador, mas as galinhas continuavam a morrer.

- Troque os poleiros, sugeriu o mestre.

Assim foi feito, mas as galinhas morriam do mesmo jeito.

- Por que não muda a grade do galinheiro?

E assim foi feito, mas as aves continuavam a morrer. Finalmente, um desconfiado rabino perguntou:

- Filho, você tem muitas galinhas?

- Milhares!, disse o discípulo.

- Então está bem, rematou o rabino, porque eu tenho muitas ideias!

* * * *

No primeiro mito encontramos o tema corriqueiro do poeta com muitas ideias em levi-straussiano contraste com o físico genial, que muda a concepção do mundo com apenas uma iluminação. No segundo, temos um criador de inúmeras galinhas em isomorfismo com um rabino com muitas ideias. Nos dois casos, temos o Brasil: muitos problemas com uma única ideia para resolvê-los (liquidar o neoliberalismo, por exemplo) ou muitas soluções e muitos recursos, mas com tudo terminando nas contas bancárias dos nossos amados governantes cuja integridade dura tanto quanto as galinhas do criador infeliz.

* * * *

A questão manifesta nessas mitologias é a nostalgia das grandes ideias. Vale lembrar que o século passado foi pródigo em ideias definidas e salvadoras - comunismo, nazismo, stalinismo, fordismo, nacionalismo, racismo - que levaram a duas guerras mundiais, a um holocausto e a bombardeios atômicos...

* * * *

O que ocorre quando existem muitas ideais e inúmeros crentes? Surge a fragmentação das receitas e começa o fim de um mundo, onde os mestres são sábios, os poetas são tolos e as galinhas não morrem.

Mas todos são felizes e vivem por cima do arco-íris, como na música de Arlen e Harburg. Ali, não há pobres nem prisioneiros políticos, mas também não existe imprensa livre nem competição. Suprime-se a agonia das dissensões. Em todas as utopias uma ideia grandiosa, única e exclusiva domina a história. A propaganda do governo que permeia as nossas televisões e revistas é um bom exemplo da natureza desses sonhos transformados em realidade.

* * * *

Utopias são a moldura de princípios tomados como receitas para redimir e curar o mundo. Uma delas é a da democracia das multidões na praça. Uma outra é a da realidade do indivíduo livre de peias e com o direito de buscar a sua felicidade.

* * * *

Suponha que, para ser feliz, você tenha de todo dia matar um pedestre desconhecido, como na história do Rubem Fonseca. A morte no trânsito já é tão rotineira e impessoal que virou um símbolo perfeito do poder abusivo e de um abuso do poder de quem não consegue viver a igualdade. Pois quem a culpa é sempre o fraco sinônimo do "outro". O superior não erra e continua inimputável, porque ele não se sente culpado e, no máximo, sente pode sentir - se for descoberto ou pego em flagrante - um tiquinho de vergonha. Daí vem o horror a uma imprensa livre. O símbolo do abuso nesta quinzena é o do ciclista que precisa ser "educado" para transitar no meio dos nossos automóveis, respeitando quem não tem o menor respeito! Na época da escravidão e dos barões - que transitaram do café para a Petrobrás, para as Agências Reguladoras, para a Casa Civil, para os ministérios e para os altos escalões dos três poderes -, quem estava por baixo sabia que era mesmo inferior e não ousava transitar em certos lugares. Se o fizesse, seria - exceto no Entrudo ou em alguma procissão - castigado ou morto.

* * * *

Neste Brasil ainda vertical, a utopia tinha muito pouco ver com a busca da igualdade (que os nossos utópicos dizem ser impossível até mesmo como uma utopia) - e muito mais a ver com o reestabelecimento das velhas hierarquias da sociedade por meio do Estado. Um sistema de "homens bons" (e de "gente boa"), todos com uma grande ideia que assegura como os grandes podem resolver e "cuidar" dos pequenos. O mal-estar do Brasil atual tem a ver com o fim das utopias onde todos sabiam dos seus lugares e com o nascimento de uma igualdade mundial que a todo o momento esbofeteia a nossa cara quando atropelamos um ciclista ou assistimos passivamente ao roubo dos nossos recursos por um estado canibal - predador da sociedade. Ou vemos a Europa e os Estados Unidos em crise. Nunca foi mais claro para nós mesmos, o nosso viés aristocrático materializado pelo aparelho estatal que resiste ao empreendedorismo e ao capitalismo dissidente e globalizado, em dúvida consigo mesmo e - precisamente por causa disso - muito mais aberto à democracia.

* * * *

A dúvida, porém, abre as portas para a humilde narrativa de um mundo sem verdades. Um planeta aberto à incerteza que é o avatar da igualdade. Uma igualdade pela primeira vez consciente de que é parte de um todo.

Será que estamos descobrindo uma outra grande ideia? A de saber que no mundo do humano não existe - afora a morte - nenhuma grande ideia que seja exclusivamente única e boa?

PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV


8h - Copa do Mundo de snowboard, Sportv 2

15h - Masters 1.000 de Indian Wells, tênis, Sportv 2

16h - Madureira x Criciúma, Copa do Brasil, Sportv

16h45 - Chelsea x Napoli, Copa dos Campeões, ESPN Brasil

16h45 - Real Madrid x CSKA Moscou, Copa dos Campeões, Band, ESPN e ESPN HD

17h30 - Torneio de Indian Wells, tênis, Bandsports

19h30 - São Paulo x Independente-PA, Copa do Brasil, ESPN Brasil e Sportv

19h45 - Fluminense x Zamora (VEN), Taça Libertadores, Fox Sports

22h - Cruz Azul (MEX) x Corinthians, Taça Libertadores, Globo (para SP) e Fox Sports

22h - Libertad x Vasco, Taça Libertadores, Globo (menos SP) e FX

22h - Coruripe-AL x Palmeiras, Copa do Brasil, Band, ESPN Brasil e Sportv

22h - Treze-PB x Botafogo, Copa do Brasil, ESPN e Sportv 2

22h - Miami Heat x Chicago Bulls, NBA, ESPN HD

0h30 - Masters 1.000 de Indian Wells, tênis, Sportv 2

O fingimento como tradição e método - ROSÂNGELA BITTAR


Valor Econômico - 14/03/12

O PT entra no décimo ano de governo federal, quatro ministros do Planejamento depois - Guido Mantega, Nelson Machado, Paulo Bernardo, Miriam Belchior -, sem haver conseguido implantar, nem mesmo iniciar a discussão de um projeto de Orçamento real para a União. Esse sempre foi o chamado cartão de visitas dos governos petistas, aliás o único por muitos anos, quando a dimensão do partido no comando de Executivos estaduais e municipais não tinha nem de longe a configuração de hoje.

Ao conquistar o país continental, a responsabilidade pela definição da política econômica e monetária, o poder de fazer chover e estiar, a ideia do Orçamento real, impermeável a manipulações e fantasias, não mais interessou ao partido.

Os mais atentos terão notado a absoluta falta de reação ao anunciado corte de R$ 55 bilhões - em todas as áreas, inclusive as sociais - feito pelo governo federal no Orçamento da União de 2012, em fevereiro. Talvez porque estejam todos, os políticos, caminhando para consagrar, ao lado do orçamento de ficção, o corte de ficção, no qual ninguém mais acredita, a começar pelos ministros e executivos do PT.

Todos os anos inicia-se a luta, às vésperas do Natal, para aprovar o Orçamento nos momentos finais do ano legislativo, quando na emoção e imprudência da entrada em férias, qualquer coisa passa pelo crivo do Congresso.

Às vésperas do Carnaval é a vez de o governo anunciar cortes naquele orçamento que o Congresso aprovou sem que ninguém do executivo erguesse obstáculo.

A partir daí, entre o Carnaval e o Natal seguinte, ou seja, a maior parte do ano, assiste-se a uma monótona e desafinada orquestra de ministros e parlamentares governistas a reclamar contra os cortes de verbas nas suas áreas e supressão das emendas feitas por deputados e senadores para atender aos projetos dos prefeitos e comunidades dos seus redutos eleitorais.

E apesar das reiteradas e anuais promessas, a cada ano, de oferecer à Nação um Orçamento realista, verdadeiro, parte o governo de novo para a velha fórmula que abriga o velho método de trabalhar com uma lei de nada.

O governo, este ano, mais uma vez, não surpreendeu. Dispensou a correção de defeitos históricos, distorções e inadequações imensas e processo global viciado da elaboração do Orçamento Geral da União para oferecer novamente ao país, no curso de 2012, uma peça com normas que não vão valer, sobre as quais impôs restrições e supressões que valerão menos ainda porque, isto também é praxe, haverá solução. Ficam desde logo todos avisados que o excesso de arrecadação virá em socorro de ministros e políticos para desfazer o feito.

Tudo é tão falso que os atingidos, este ano, sequer se desesperaram. Não se apressaram, como faziam, para tentar repor alguns programas obrigatórios exterminados pela decisão fria dos técnicos de dois ministérios, Planejamento e Fazenda, por onde transita esse enredo.

Até emendas de deputados depois se negociam, quanto mais os programas das áreas de saúde, de educação, de previdência. As emendas entram nas negociações da barganha e jogo de chantagem dos partidos da base governista com o governo federal que guarda a munição para uma hora de precisão: a aprovação de assuntos do seu interesse no Parlamento.

Quanto aos ministros, a falta de reação este ano se deve ao fato de que, finalmente, se conscientizaram que a elaboração do Orçamento e o consequente corte constituem um teatro, em que todos são protagonistas, e é melhor esperar a hora de sua intervenção no proscênio. Sabem que haverá o excesso, a arrecadação extraordinária, inesperada e de propósito não contabilizada antes.

O Orçamento participativo, realista, fica registrado como ideia antiga, destinada a hibernar nos recônditos da coxia.

Os expedientes nessa seara não têm limites. Este ano o governo comunicou ao Congresso que não vai transferir para a CEF uma receita de R$ 2,96 bilhões, relativa à multa adicional paga pelas empresas que demitem trabalhadores sem justa causa. Essa multa foi criada em 2001 para pagar expurgos feitos na correção monetária dos saldos do FGTS pelos planos econômicos. A conta já foi paga há anos, mas a multa está lá, viva. Agora, em mais uma invencionice orçamentária, não será repassada ao FGTS. Ficará no Tesouro para compor o superávit.

O; ministro Aloizio Mercadante se deixou contaminar pela inépcia do MEC e patina em assuntos que enredaram durante vários anos a administração de seu antecessor. Discute, mas seus argumentos não convencem, com os governadores a aplicação do piso salarial do professor, uma questão transcendental para o sucesso da educação mas onerosa para os governos estaduais, o que exige negociação delicada. Também as explicações que deu - alegou o tamanho continental do Brasil - para os erros e irregularidades sucessivos na aplicação da prova de ensino médio, o Enem, são apenas arrogantes, tal como dantes.

Um país que faz eleições gerais e entrega os resultados a vencedores e derrotados meia hora após fechar as urnas é um país absurdo se não consegue aplicar uma prova a estudantes do ensino médio.

Uma explicação de político próximo a Mercadante, para justificá-lo, é que o ministro da Educação entrou em bolha de proteção e deve assim permanecer, tolhido, nos meses de campanha eleitoral do seu antecessor, Fernando Haddad, que o ex-presidente Lula quer eleger prefeito de São Paulo. Foi a exigência de Lula no ato de apadrinhamento da nomeação de Mercadante para o MEC. A administração Haddad deve ser incensada, não criticada, porque ganhará purpurina necessária para vender o candidato, não para derrotá-lo. O publicitário João Santana tem encomenda para transformar os fracassos administrativos do acadêmico em sucessos de uma política comprometida com o resgate social na educação.

As respostas de Dilma ao mundo - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 14/03/12


A resposta à conjuntura internacional, marcada por baixo crescimento econômico, excesso de liquidez, desvalorizações competitivas das principais moedas e taxas de juros historicamente deprimidas, está definindo a política econômica do governo Dilma Rousseff. Para enfrentar esse ambiente, Brasília está estimulando a economia a crescer de forma mais rápida, adotando medidas para proteger a indústria nacional da competição estrangeira, dificultando a entrada de capitais e acelerando a redução da taxa de juros.

A presidente tem razão quando afirma que as condições do mercado internacional mudaram, exigindo do Brasil uma nova estratégia. Os riscos de agravamento da crise financeira mundial diminuíram de forma sensível nos últimos meses, não se fala mais (ou se fala pouco) da possibilidade de um banco quebrar ou de um país europeu dar um calote, mas, certamente, lidar com o que está aí já é bastante desafiador.

Em apenas três meses, o Banco Central Europeu (BCE) despejou € 1 trilhão em dinheiro barato nos bancos da zona do euro. A maior parte desses recursos voltou para os cofres do próprio BCE, indicando que as instituições financeiras não estão dispostas a financiar o setor produtivo neste momento. Por ora, o objetivo daquele banco central é esse mesmo: melhorar o balanço financeiro dos bancos e, ao mesmo tempo, permitir que eles sigam financiando as dívidas dos governos europeus.

Protecionismo, juros menores e controle de capitais são as armas

Uma outra parte do dinheiro emprestado pelo BCE circula pelo mundo em busca de rentabilidade. É o "tsunami monetário" ao qual se refere a presidente Dilma. A rigor, o tsunami ainda não veio. Poderá vir quando a situação europeia melhorar, diminuindo a aversão dos investidores a risco.

Os empréstimos do BCE a juro de 1% ao ano têm três anos de prazo. Em sincronia com os europeus, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, estendeu a duração de sua política monetária expansionista até o fim de 2014. Três anos são, portanto, o prazo que as autoridades monetárias tanto da Europa quanto dos EUA deram aos governos de seus países para melhorar a situação fiscal e recuperar a capacidade de crescimento das economias.

Entre 2012 e 2014, período que coincide com o restante do mandato da presidente Dilma, o Brasil viverá nesse ambiente internacional. A dúvida é se o governo aproveitará os três anos para tornar a economia nacional mais forte e competitiva ou se reagirá por meio de surtos e improvisações, preocupado permanentemente com o crescimento no curto prazo.

Há sinais nas duas direções. Quando elege como prioridade a aprovação do projeto que cria o Funpresp, o fundo de pensão dos funcionários públicos federais, o governo indica que está preocupado com o equilíbrio de longo prazo das contas públicas e interessado, portanto, em contribuir para o aumento da poupança doméstica. Quando transfere ao setor privado a gestão de serviços públicos, como os aeroportos, mostra que quer aumentar a eficiência do setor produtivo.

O mesmo não se pode dizer da campanha diuturna que se tem visto para erigir barreiras tarifárias à entrada de produtos importados - as exceções estão virando regra - e para encarecer os fluxos de capitais. Não é obrigando o consumidor brasileiro a pagar mais caro que o governo fortalecerá a indústria. Esta precisa de custos (tributários, trabalhistas e de capital) menores para produzir e competir.

O anacronismo dos preços altos cobrados no Brasil está refletido numa prática que se dissemina rapidamente - a das viagens aos Estados Unidos para a compra do enxoval de casamento ou do filho que vai nascer. O que antes era um hábito de gente endinheirada e esnobe, hoje é prática comum. A taxa de câmbio apreciada, que barateia as viagens ao exterior, é uma das explicações, mas não a principal. O verdadeiro estímulo está no diferencial de preços e de qualidade dos produtos.

É legítimo as autoridades se preocuparem com a indústria, as medidas de desoneração da folha vêm em boa hora, mas o ideal seria o governo trabalhar num conjunto mais amplo de reformas que induzam o aumento da produtividade. Desse rol não podem faltar medidas para ampliar a infraestrutura, qualificar a mão de obra, reduzir e racionalizar a carga tributária e estimular a inovação tecnológica.

Na ânsia de taxar capitais, o governo deve ter o cuidado de não espantar investidores e provocar o efeito contrário. É sabido que muitas empresas exportadoras recorrem a modalidades baratas de financiamento externo para compensar o câmbio apreciado. Sem elas, ficam apenas com o efeito negativo do câmbio. O governo sabe também que há uma tendência de longo prazo de apreciação da moeda brasileira. Contra isso não há muito o que fazer.

Na seara dos juros, parece claro que o Banco Central quer tirar proveito do ambiente menos inflacionário para mudar a taxa Selic de patamar. Esse movimento, como indica a piora das expectativas de inflação para 2013, tem limites. Sem o aumento dos níveis de poupança interna, processo que, por sua vez, depende da criação de poupança no setor público, dificilmente o BC conseguirá convergir os juros brasileiros a níveis internacionais. Não há mágica.

Questões chinesas em tempos de transição - ELIANA CARDOSO


O Estado de S.Paulo - 14/03/12


A cena passou-se no aeroporto de Xangai em 1994. "Você tem direito a três erros. Ontem você cometeu o primeiro", ouvi de Javed Burki, então diretor do Departamento da China no Banco Mundial. Na véspera, encerrando uma conferência, eu usara a expressão "privatização" em vez de "reforma das empresas estatais" ou "descentralização da propriedade". Lembrei-me da minha gafe política ao ler nos jornais brasileiros a discussão sobre o uso dos termos concessão e privatização.

Embora o vocabulário oficial chinês proibisse o uso do termo "privatização", o governo - mesmo guardando para si importantes monopólios - liquidou e privatizou milhares de empresas estatais. A criação de mercados para produtos agrícolas na década de 1980 e as privatizações dos anos 90 formaram os alicerces do milagre chinês. Essas medidas coincidiram no tempo com outra mudança: uma transição de caráter global, anunciada pela queda do Muro de Berlim.

Naquele ano de 1989, o massacre da Praça da Paz Celestial assustou o mundo. A China respondia não apenas à revolta doméstica, mas tornava clara a estrutura que lhe permitiria, ao contrário da União Soviética, trilhar um caminho de reformas graduais, mantendo a ditadura do Partido Comunista.

Assim, o surgimento da China e o fim da União Soviética marcaram o início dos tempos de transição que ainda vivemos. Lá se foi a era durante a qual, desde o século 15, países europeus - Portugal, Espanha, França, Inglaterra e a União Soviética, sucessivamente - gozaram, em nível global, de poder econômico, militar e político.

Com o desmantelamento da União Soviética, os EUA deixaram de ter rivais na arena mundial. Desde 2008, entretanto, essa supremacia se encontra ameaçada tanto por fraquezas internas (como a crise econômica, a crescente disparidade de renda, a deterioração da infraestrutura, o inchaço da dívida pública e a paralisia política) quanto por fatores externos (como as guerras no Oriente Médio e no Afeganistão, a ameaça de conflito com o Irã e o avanço da ascendência econômica chinesa).

Em tamanho do PIB, a China já passou à frente dos EUA, escreve Arvind Subramanian, pesquisador do Peterson Institute for International Economics. Os cálculos de Subramanian dependem da escolha de uma taxa de câmbio com base na paridade do poder de compra. A tarefa é ainda mais complicada que a de descobrir qual é a taxa neutra de juros no Brasil. Portanto, ao comparar os PIBs dos dois países, ainda me aferro ao uso da taxa de câmbio comercial, da qual depende o poder de compra nos mercados internacionais. Nesse cálculo mais simples, a China ainda não chegou lá, mas está a caminho.

Um dos sintomas da competição sino-americana é o combate verbal na imprensa dos dois países. Os chineses escrevem no Global Times: "A Rússia pagou um preço altíssimo pela transição democrática e a lição é clara: não devemos cometer o mesmo erro. O Ocidente quer apenas usar o discurso a favor da democracia para promover seus interesses. A crítica americana da prisão de dissidentes visa o boicote da autoridade chinesa e a obstrução de seu poder no cenário mundial".

Teoria conspiratória? Assim parece. Mas precisamos reconhecer que, ao pedirem democracia à China, os EUA convidam os governantes do país rival a abrir mão do poder. Portanto, não há surpresa na forma como os chineses interpretam a atitude americana e a ela reagem.

Os EUA também sofrem de paranoia. Os oráculos americanos estão convencidos de que o sucesso em evitar o impacto da crise de 2008 subiu à cabeça dos líderes chineses e os convenceu da excelência do partido único e do caminho traçado desde o final da década de 80. Entre os críticos americanos está Aaron Friedberg. Seu livro, A Contest for Supremacy: China, America and the Struggle for Mastery in Asia acusa a China de dominar os vizinhos, apontando o Tibete e Taiwan como exemplos óbvios. Ele teme que a dominação da Ásia pela China negue aos EUA acesso a mercados, tecnologia e recursos essenciais à vida americana.

A hostilidade latente entre a China e os EUA se revela na guerra cambial. A China resiste à valorização do yuan e o Fed tenta desvalorizar o dólar, enquanto o Banco Central Europeu procura, por sua vez, trazer o euro para baixo. O fogo cruzado espalha estilhaços pelo resto do mundo, forçando os emergentes a fazer uso temporário de barreiras ao capital estrangeiro.

No longo prazo, a supremacia chinesa parece inevitável. Temo pelo declínio do império americano - o que poderia tornar a cooperação econômica global mais difícil. Este não é um argumento a favor da supremacia dos EUA. Constato apenas que o mundo em transição é mais perigoso e incerto que o da segunda metade do século 20.

A dispersão do poder e o advento de populações mais vocais e assertivas fazem parte do cenário do novo milênio. Essa realidade renovada torna impossível a volta da hegemonia americana na sua encarnação de 20 anos atrás. Apesar disso, seria desejável que os EUA, ainda imprescindíveis na determinação do futuro mundial, fossem capazes de acomodar o peso crescente da China, para não aumentarem as incertezas que nos cercam neste mundo desconjuntado, onde ainda teremos de aprender a viver.

Enquanto isso, se você tem negócios na China e carrega segredos industriais, aqui vão algumas medidas de natureza prática. Em suas visitas ao país dos mandarins, lembre-se de deixar o telefone celular e o laptop em casa: alugue outros para uso temporário. Incapacite o Bluetooth dos aparelhos e, na volta, trate de limpá-los. Vigie seu telefone todo o tempo e o desligue durante reuniões. Nunca digite senhas de acesso: você pode carregá-las num pen drive para copiá-las e colar quando necessário. Finalmente, se seu telefone for inspecionado na alfândega chinesa, não torne a usá-lo. Boa viagem e bons negócios!

A luta do câmbio - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 14/03/12


O dólar continuará fraco aqui e em vários países emergentes, por razões estruturais. Os empréstimos e investimentos externos vão continuar entrando, felizmente, porque o Brasil teve no ano passado um déficit em transações correntes de US$ 60 bilhões. O governo deve mesmo adotar as medidas que tem adotado, como a elevação do IOF, mas elas não resolvem nem de longe o problema que se tenta resolver.

O ministro Guido Mantega admitiu ontem que o câmbio é "administrado" e não exatamente flutuante. Segundo ele, "o principal instrumento de defesa do país é a administração do câmbio". Há muito tempo no mercado financeiro a ideia é que o governo parece operar com uma banda informal. Compra reservas e toma medidas, como a elevação do IOF, quando o dólar se aproxima de R$ 1,60, e vende quando se aproxima de R$ 1,90.

A acumulação de reservas é caríssima. O Banco Central compra uma moeda que perde valor e aplica a juros perto do zero. Na outra ponta, o Tesouro se endivida a juros de 9,75%. Péssimo negócio se fosse uma pessoa ou empresa; mas é medida de prudência que já provou seu valor em outros momentos de extrema instabilidade e incerteza.

O ministro alega ter um arsenal, mas só saca da mesma arma: IOF. Em março e abril do ano passado elevou para um ano e depois para dois anos o prazo para que um empréstimo ou captação no exterior não pagasse imposto. Agora, no dia primeiro e no dia 12 deste mês o IOF foi elevado de novo, para três e para cinco anos.

O que pode ocorrer com as ameaças, e essas medidas tomadas em série, é o importador se convencer a trazer logo o produto, e o exportador adiar o fechamento do contrato de câmbio. Com isso o país exporta menos e importa mais; o oposto do que o governo quer com as medidas.

O economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, lembra que a indústria tem um problema grave de competitividade, está em recessão nos últimos três trimestres e corre o risco de continuar em recessão no primeiro trimestre deste ano:

- A produção hoje está mais baixa do que em 2007. O desemprego está baixo e os reajustes nominais dos salários estão em 8%. Já os preços dos bens duráveis estão em queda de 1,5% nos últimos 12 meses. Então a indústria tem custos se elevando, de um lado, preços caindo, de outro, e os problemas do custo Brasil.

O economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, acha que a preocupação do governo é razoável. Sem as medidas, o câmbio realmente estaria mais valorizado:

- O ideal seria ganhar tempo com essas medidas para implementar as reformas que reduzam o custo Brasil. Hoje (ontem) o dólar voltou a cair, o que significa que o tempo já está correndo. As medidas são boas mas têm efeito colateral ruim. Ao fechar a porta, barra-se o especulador, mas também o não especulador.

Quando o dólar se valoriza - e o real se desvaloriza - isso serve como um amortecedor para esses problemas. O custo de produzir no Brasil é alto. A logística é difícil e cara, é enorme a complexidade burocrática de se pagar impostos, entre outros problemas. Mas quando o dólar sobe, o exportador recebe mais pelo produto e sente menos o efeito dessa perda de competitividade. Quando o dólar cai, a indústria sente de forma mais pesada o custo Brasil.

- Limitar a entrada de importados com aumentos de impostos ou desvalorização do câmbio não vai resolver os problemas que são estruturais da indústria. Num primeiro momento, ela terá um alívio. Será temporário. As restrições às importações e o real mais fraco vão aumentar a inflação, prejudicando a indústria de outro jeito. Essas medidas só têm efeito no curtíssimo prazo - disse José Márcio Camargo.

O déficit em conta corrente deve crescer este ano. O Focus está prevendo US$ 70 bilhões. Mas com tanta liquidez no mundo, com um nível de reservas alto, com tanto interesse no Brasil não há dificuldade de financiar esse déficit. Como percentual do PIB ainda está em torno de 2,5%. Mesmo assim, se o déficit aumentar muito, isso acaba sendo um limitador ao crescimento. O país tem crescido acelerando o consumo, mas não o investimento. O país poupa pouco, e por isso precisa da poupança externa para continuar crescendo.

O governo está na estranha situação de tentar barrar o capital do qual precisa, pela falta de poupança interna, e de lamentar a queda do dólar que o ajuda no combate à inflação. Não é apenas a moeda do Brasil que se valoriza.

- Todos os emergentes sofrem o mesmo problema. Coreia do Sul, México, Chile, Canadá, Austrália, Turquia, África do Sul, Tailândia. Alguns deixam valorizar, outros tentam evitar. Os que tentam evitar acabam tendo inflação mais alta, como a Turquia - disse Camargo.

O dólar sobe e desce por fatores externos. O volume de dinheiro despejado pelos bancos centrais do Japão, Inglaterra, BCE e Fed é tão alto que é difícil criar barreira. Quando há o temor de que a crise internacional se agrave os capitais fogem para títulos do Tesouro americano e o dólar sobe. Isso aconteceu no fim do ano passado. Quando há calmaria, os capitais saem atrás de boa rentabilidade. Aí o dólar cai no mundo inteiro.

Essas medidas não têm muito fôlego. Hoje, administrar o câmbio é muito difícil. Seria bom se a atual equipe econômica não adotasse apenas medidas emergenciais e pensasse no que se pode fazer no médio e longo prazos. 

Ideli na cabeça - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 14/03/12


Os líderes aliados estão perplexos com a forma truculenta com que foram defenestrados os líderes Romero Jucá (PMDB-RR) e Cândido Vaccarezza (PT-SP). Cruel, como no caso do ex-ministro Afonso Florence. Na Esplanada, o que se diz é que a presidente Dilma cultiva um jardim de ressentimentos. A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais), que se dizia boicotada, e que fez os sucessores, foi a grande vitoriosa. Mas a que preço? Será que o governo ganhou? Vai dar certo?

Desconfiança e cautela no PMDB
A escolha de Eduardo Braga (AM), para líder do governo no Senado, intriga os mais experientes. Alegam que ele não tem o apoio da maioria governista do PMDB nem lidera a inorgânica minoria dissidente. Avaliam que trata-se de uma operação contra o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL). Na Câmara, o partido avalia que a escolha de Arlindo Chinaglia (PT-SP) consolida a candidatura do líder do PMDB, Henrique Alves (RN), para presidir a Casa na sucessão de Marco Maia (PT-RS). Argumentam que quem assume a tarefa de pedir lealdade e fidelidade ao governo, não poderá pregar a traição do acordo PT-PMDB.

"Nunca vi tantos homens participarem de uma sessão do Dia Internacional da Mulher como hoje. Muito tem valido a pena a eleição da primeira mulher presidenta” — Vanessa Grazziotin, senadora (PCdoB-AM), na entrega do prêmio Bertha Lutz à presidente Dilma

ACORDO MANTIDO. A ministra Ideli Salvatti ligou, ontem à noite, para o vice Michel Temer para dizer que o PT cumprirá o acordo de rodízio com o PMDB na presidência da Câmara. O novo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), também ligou para tranquilizar o líder do PMDB, Henrique Alves (RN). Aliás, o acordo PT-PMDB nasceu para impedir a reeleição de Aldo Rebelo, atual ministro do Esporte, e eleger Chinaglia.

Deselegância
Os assessores no Planalto apontam o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), como o responsável por vazar a demissão do ex-líder Romero Jucá. Anteontem, sua queda já era notícia quando esteve com a presidente Dilma.

Boa intenção...
Nas conversas com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), sexta-feira, com Renan Calheiros, anteontem, e com Jucá, ontem, a presidente Dilma afirmou que seu objetivo era unir a bancada do PMDB no Senado.

Código Florestal derrubou Vaccarezza
A fragorosa derrota do governo, no primeiro semestre, na votação do Código Florestal, quando Cândido Vaccarezza (PT-SP) foi sensível às posições da maioria da Câmara e a derrota anunciada do texto que veio do Senado, na votação prevista para agora, foram decisivas no processo de mudança na liderança do governo na Casa. A expectativa da presidente Dilma é que o novo líder derrote os ruralistas no Código Florestal, da mesma forma que aprovou o Orçamento da União para 2012.

Reagindo
O veto da cúpula do PDT à nomeação do deputado Brizola Neto (RJ) para o Trabalho não é unânime. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) lembra que "a experiência mostra que nem sempre as sugestões dos partidos são as melhores".

Negociando
O vice Michel Temer, o presidente do DEM, José Agripino (RN), e o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (RN), almoçaram ontem. Na mesa: o PMDB apoia ACM Neto em Salvador; e o DEM vai de Gabriel Chalita em São Paulo.

A SECRETARIA-Geral da Presidência, que com a prefeitura do Rio vai definir o local onde será a Cúpula dos Povos, na Rio+20, diz que parte da sociedade civil prefere a Quinta da Boa Vista porque teria uma infraestrutura melhor para os alojamentos. Os ambientalistas preferem o Aterro do Flamengo.

O PREFEITO Eduardo Paes, a pedido do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), vai receber a coordenação da Cúpula dos Povos na segunda-feira.

MIGALHA. O PT ofereceu apoio à deputada Angela Albino (PCdoB) à prefeitura de Florianópolis em troca da aliança com Fernando Haddad, em São Paulo. 

Pratas da casa - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 14/03/12

Com a nova configuração das lideranças no Congresso, o Planalto estimula a gênese de candidaturas ministeriais como opções à presidência da Câmara e do Senado em 2013, objeto do desejo dos peemedebistas. Ao afastar Romero Jucá (PMDB-RR) e Cândido Vaccarezza (PT-SP), Dilma Rousseff diminui seu grau de comprometimento com os postulantes declarados Renan Calheiros (AL) e Henrique Alves (RN), que agiam em parceria com a dupla apeada da interlocução oficial.

Além de Edison Lobão (Minas e Energia), senador licenciado, o governo estuda encorajar Mendes Ribeiro (Agricultura) como alternativa aos deputados.

Falta combinar Congressistas do PMDB desdenham da tentativa palaciana de patrocinar adversário para Alves. Sustentam ainda que Mendes Ribeiro (RS) não teria respaldo da bancada.

Flashback De um peemedebista que enxerga no revezamento de líderes na base governista a senha para o lançamento de nomes avulsos à Mesa da Câmara: "Dilma vai correr o risco de enfrentar um novo Severino".

Semântica Na conversa que teve com a presidente, Arlindo Chinaglia (PT-SP) disse não ter ouvido a expressão "rodízio" para delimitar o período em que comandará a base: "Não deu prazo".

Gesto Jaques Wagner (BA) deve receber afagos de Dilma hoje na posse de Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário). O deputado petista substitui Afonso Florence, da cota do governador da Bahia.

Sujeito oculto Até ontem favorito para o Ministério do Trabalho, Brizola Neto (PDT-RJ) submergiu. "A ordem do Planalto é se esconder num buraco até a nomeação", disse um pedetista.

Holofotes Guido Mantega saiu ileso do depoimento de ontem ao Senado. Só se incomodou com o burburinho na entrada do novo líder do governo, Eduardo Braga (PMDB-AM), na comissão.

Aprendiz Andrea Matarazzo avisou a aliados que deve deixar a Secretaria da Cultura em abril. Cuidará da campanha de José Serra, mantendo-se como curinga para a chapa tucana à Câmara de SP. Para seu lugar, um dos nomes cotados é o do empresário João Dória Júnior.

Atalho Desenvolto operador da pré-campanha de José Serra, Gilberto Kassab agora age para afastar o PTB da órbita de Gabriel Chalita (PMDB). O prefeito paulistano reativou conexão direta com o líder petebista Campos Machado e tenta convencê-lo a fechar com o PSDB.

Comitiva Dilma convidou ontem a senadora Marta Suplicy (PT-SP) para acompanhá-la na visita aos EUA, onde se encontrará com Barack Obama. A reunião está prevista para 9 de abril.

Terceiros Preocupados com o substitutivo de Roberto Santiago (PSD-SP) ao projeto que regulamenta as terceirizações, sindicatos ligados à CUT e juízes do trabalho buscam hoje o apoio de Ricardo Berzoini (PT-SP). Querem evitar que o texto passe na CCJ, agora sob comando do petista.

Domínio... O PMDB mineiro, que faz oposição a Antonio Anastasia (PSDB), usou em seu programa partidário discurso no qual Tancredo Neves, avô de Aécio, defende a liberdade. Em seguida, a inserção exalta a luta "pela imprensa livre e sem mordaça".

...público A propaganda também explora a imagem de Itamar Franco, morto no ano passado. O ex-presidente deixou a sigla em atrito com seus dirigentes em 2006.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"Enigmática essa 'premiação' ao senador Eduardo Braga. Com seu alinhamento a Roberto Requião, alguém acredita que ele votou a favor de Bernardo Figueiredo?"

DO DEPUTADO FEDERAL ANDRÉ VARGAS (PT-PR), associando a troca de líder da bancada governista no Senado ao polêmico veto da Casa à recondução do diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres.

contraponto

Só pensa naquilo

Ao discursar durante evento em homenagem a Dilma Rousseff, ontem no Senado, Marta Suplicy (PT-SP) tratava do avanço das mulheres em postos de comando. A petista disse ter sido abordada recentemente por uma jornalista quando estava ao lado de sua neta, de oito anos.

-Quiseram saber se a menina já brincava de ser presidente da República...

Diante da curiosidade da plateia, a senadora emendou, arrancando gargalhadas das autoridades:

-Ela foi direta. Disse que já brincava de ser eleita! 

Ora bolas, carambolas - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 14/03/12


Como Sérgio Porto já sabia, quem gosta de doce de coco preza muito o circunflexo. Eu acrescentaria: quem gosta de humor, também. Afinal, o que é o humor senão um acento deslocado, um chapeuzinho (de palhaço) que, se posto sobre qualquer palavra, pessoa ou situação, revela o que há de hilário por trás da aparente banalidade? E, ora bolas, carambolas: uma vez que todos nós nascemos, morreremos e não há nenhum sentido em estarmos aqui escrevendo crônicas, fazendo obturações, redigindo contratos ou brigando com a Marinalva do 702 por causa da vaga na garagem, tudo é absurdo e, portanto, risível. Só depende do jeito que olhamos.
Ou melhor, não olhamos, pois grande parte da educação consiste em reprimir a percepção do ridículo. Em forçar as crianças a, por exemplo, aceitarem que não há nada de engraçado no fato de o chefe do papai chamar-se seu Pinto e todos os adultos a ele assim se dirigirem durante o almoço, seriíssimos: "Como vai, seu Pinto?", "Passa o suco pro seu Pinto!", "E a sra. Pinto, tá bem?"
Foi só falar em seu Pinto, agora, e lembrei-me de seu xará: Pepino, o Breve, rei dos francos -com todo mérito, aliás, pois quem merece mais ser coroado pela franqueza do que alguém que aceita um epíteto tão desmoralizante? Para não dizerem que estou com uma ideia fixa, mudo para algo completamente diferente: o portentoso banco central alemão, Bundesbank. (Acho que todos os humoristas brasileiros deveriam depositar suas poupanças no Bundes, só pela piada.)
Não é apenas na baixaria, contudo, que o humor germina. Também cresce em solos mais nobres. A filosofia, por que não? Quando estava na faculdade e ouvi falar pela primeira vez sobre Adorno, abri um sorriso e fiquei esperando o momento em que o professor sublinharia a graça daquele nome, mas o momento não veio. Será que só eu percebia que éramos 30 pessoas discutindo seriamente o trabalho de um sujeito chamado Enfeite, Ornamento, Penduricalho? Ainda mais absurda me pareceu a situação ao me dar conta, no fim da aula, que boa parte do trabalho do dr. Enfeite consistia em acusar a indústria cultural de baratear a arte, de substituir as grandes obras por produtos vazios, ocos, por meros... adornos?
Por que será que fazemos tanto esforço para evitar o humor? Talvez porque, ao apontar as pequenas incongruências da vida, ele nos lembre do disparate maior: seu fim. Toda piada, ao revelar que as coisas não são o que parecem, derruba momentaneamente as barricadas que erguemos para esconder o cinzento horizonte.
"Tão preocupado em cair no ridículo que não vê que já caiu no abismo", escreveu o grande autor mineiro Campos de Carvalho. De fato, assim somos. Mas, ora bolas, carabolas -de novo: há algo mais ridículo do que tentar negar o abismo? Afinal, por melhor que seja o doce de coco, ele acabará inexoravelmente com um circunflexo no segundo "o". Nosotros también, compañeros. E já que a derradeira circunflexão é inevitável, não seria mais inteligente nos contorcermos rindo do que seguir dizendo, com a coluna ereta e as sobrancelhas arqueadas, "Seu Pinto, aceita mais um café?", enquanto mexemos as nossas xicrinhas?

Valorize o saber, segure seu petróleo - THOMAS FRIEDMAN


O ESTADÃO - 14/03/12

THE NEW YORK TIMES

Frequentemente alguém me pergunta: “Que país você admira, além do seu?” Minha resposta é sempre a mesma: Taiwan. “Taiwan? Por que Taiwan?”, as pessoas perguntam. É muito simples: porque Taiwan é uma rocha nua em um mar repleto de tufões sem recursos naturais que lhe permitam sobreviver – ela precisa importar até areia e cascalho da China para construção –, mas tem a quarta maior reserva financeira do mundo. Porque em vez de escavar a terra e minerar o que quer que encontre em baixo dela, Taiwan cultiva seus 23 milhões de habitantes, seu talento, energia e inteligência – homens e mulheres indistintamente. Sempre digo a meus amigos em Taiwan: “Vocês são as pessoas mais privilegiadas do mundo. Como foi que conseguiram ter tanta sorte? Vocês não têm petróleo, não têm minério de ferro, florestas, diamantes, ouro, apenas alguns pequenos depósitos de carvão e gás natural – e por causa disso desenvolveram hábitos e uma cultura que lhes permitiram aprimorar os talentos do seu povo, e os converteram no recurso mais valioso e mais autenticamente renovável do mundo hoje. Como foi que conseguiram tanta sorte assim?” Pelo menos, era o que eu achava instintivamente. Agora, aí estão as provas.

Uma equipe da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de apresentar um pequeno, mas fascinante, estudo que estabelece a correlação entre o desempenho no exame do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (o Pisa), que a cada dois anos aplica testes de matemática, ciências e compreensão de leitura para alunos de 15 anos de 65 países, e os ganhos totais obtidos com seus recursos naturais como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país participante. Em resumo, como se saem os alunos do ensino médio dos EUA em matemática em comparação com a quantidade de petróleo que bombeamos ou de diamantes que exploramos? Os resultados indicaram uma “significativa relação negativa entre o dinheiro que os países obtêm dos recursos naturais e o conhecimento e a capacidade de sua população de ensino médio”, disse Andreas Schleicher, que supervisiona os exames do Pisa para a OCDE. “Trata-se de uma avaliação global de 65 países que participaram do mais recente exame do Pisa”. Petróleo e Pisa não se misturam. (Veja o mapa de dados)

Como diz a Bíblia, acrescentou Schleicher: “Durante 40 anos, Moisés guiou os judeus em meio a grandes dificuldades através do deserto rumo à terra prometida no Oriente Médio, onde não havia petróleo. Mas, no fim, Moisés conseguiu. Hoje, Israel é uma das economias mais inovadoras e sua população tem um padrão de vida que a maioria dos países ricos em petróleo da região não tem condições de oferecer”.

Recursos. Portanto, segure o petróleo e valorize o conhecimento. Segundo Schleicher, nos resultados do último Pisa estudantes de Cingapura, Finlândia, Coreia do Sul, Hong Kong e Japão destacaram-se por suas notas elevadas e seus escassos recursos naturais, enquanto Catar e Casaquistão se destacaram por ter as rendas mais elevadas em razão do petróleo e as notas mais baixas do Pisa. (Arábia Saudita, Kuwait, Omã, Argélia, Bahrein, Irã e Síria apresentaram os mesmos resultados num teste semelhante de 2007 das Tendências do Estudo Internacional de Matemática e Ciências, TIMSS na sigla em inglês, enquanto, um fato interessante, estudantes do Líbano, Jordânia e Turquia – países do Oriente Médio com escassos recursos naturais – obtiveram resultados melhores.) Mas estudantes de muitos países ricos em recursos naturais da América Latina, como Brasil, México e Argentina, obtiveram uma classificação ruim. A África não foi testada. Canadá, Austrália e Noruega, países que também dispõem de abundantes recursos naturais, continuam com boas notas no Pisa, em grande parte, afirma Schleicher, pois os três países adotaram políticas destinadas a economizar e investir a receita proporcionada por tais recursos, em vez de consumi-los.

Somando tudo isso, os números mostrarão que, se quisermos realmente saber qual será o desempenho de um país no século 21, não deveremos contar seus recursos de petróleo ou suas minas de ouro, mas seus professores extremamente eficientes, pais zelosos e estudantes aplicados. “Os resultados do aprendizado na escola, hoje, permitem prever com bastante acerto os resultados em termos sociais e da riqueza que os países colherão no longo prazo”, diz Schleicher.

Os economistas conhecem há muito tempo essa “doença holandesa”, que aparece quando um país se torna tão dependente da exportação de recursos naturais que sua moeda se valoriza enormemente e, como resultado, sua indústria nacional fica esmagada sob montanhas de produtos de importação baratos, enquanto suas exportações encarecem demais. O que a equipe do Pisa revelou é uma doença relacionada a essa situação: parece que as sociedades que dependem fundamentalmente de seus recursos naturais criam pais e jovens que perdem em parte seus instintos, hábitos e incentivos para se esforçarem e aperfeiçoarem seus talentos.

Por outro lado, diz Schleicher, “em países dotados de escassos recursos naturais – como Finlândia, Cingapura ou Japão – a educação apresenta grandes resultados e confere uma situação social elevada, ao menos em parte porque o público em geral compreendeu que o país precisa sobreviver valorizando seus conhecimentos e suas capacidades, e elas dependem da qualidade da educação… Os pais e filhos destes países sabem que o talento do seu filho decidirá as chances que ele terá na vida e nada mais poderá salvá-los e, portanto, eles criam toda uma cultura e um sistema educativo ao seu redor”. Ou, como afirma meu amigo indiano-americano, K.R. Sridhar, fundador da empresa Bloom Energy de células de combustível do Vale do Silício: “Quando você não tem recursos materiais, passa a explorar o recurso de sua engenhosidade”.

É por isso que os países com o maior número de companhias listadas no Nasdaq são Israel, China/Hong Kong, Taiwan, Índia, Coreia do Sul e Cingapura – nenhum dos quais dispõe de recursos naturais para explorar.

Mas no estudo há também uma importante mensagem para o mundo industrializado. Nestes tempos difíceis para a economia, nós nos sentimos tentados a respaldar nosso padrão de vida atual incorrendo em responsabilidades financeiras ainda maiores para o futuro.

Evidentemente, numa recessão prolongada o estímulo também influi, mas “a única maneira possível é criarmos nossa solução proporcionando a um número maior de pessoas o conhecimento e a capacidade de competir, colaborar e conectar de modo a levar nosso país para frente”, afirma Schleicher.

Em suma, ele prossegue, “o conhecimento e a capacidade tornaram-se a moeda global das economias do século 21, embora sem um banco central que imprima esta moeda. É claro que é sensacional ter petróleo, gás e diamantes, que permitem comprar empregos. Mas, no longo prazo, acabarão enfraquecendo a sociedade, a não ser que exista o hábito de construir escolas e adotar uma cultura de aprendizado para a vida toda. “O que nos manterá caminhando para a frente”, diz Schleicher, será sempre “nossa contribuição pessoal”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

O clube na esquina - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 14/03/12



A decisão da presidente Dilma Rousseff de trocar os líderes do governo na Câmara e no Senado não encerra mistério: é dela a prerrogativa de escolher para essas funções pessoas que cumpram os requisitos de confiança e afinidade.

Se não atendem ou a partir de determinado momento deixam de atender ao que convém ao governo, a substituição é o movimento natural. Até aí, tudo nos conformes.

Resta nebuloso, entretanto, o nome do jogo que a presidente pretende disputar com profissionais de um ramo no qual ainda é aprendiz. Se Lula não operar no bastidor, ela entra em desvantagem.

Dilma quis tirar Romero Jucá para afirmar autoridade ante a derrota comandada pelo PMDB em votação no Senado e, no embalo, aproveitou para livrar-se de Cândido Vaccarezza na Câmara cravando uma na ferradura do PT para ser "justa"?

Pode ser, mas não tem muita lógica. O problema não está nas pessoas, mas nos procedimentos, na maneira como a coisa vem funcionando. Mal. O atrito não é causa, é consequência de um conjunto de insatisfações.

Sendo elas generalizadas - prova está na manifestação pluripartidária de contrariedade - e em boa medida oriundas da forma de Dilma Rousseff governar, não podem ser resolvidas com providências pontuais e/ou desconectadas da natureza da questão.

Se a intenção da presidente foi dar à base um sinal "exemplar", cumpre ao seu entorno informá-la de que confrontos com o Congresso podem até render pontos favoráveis nas pesquisas de opinião, mas não são construtores da harmonia necessária ao bom andamento dos trabalhos presidenciais.

Mesmo em se tratando de um Parlamento subalterno, não se pode perder de vista o potencial de oportunidades existentes ali de se produzir danos ao Executivo. Muito mais que o contrário.

Há casos na História. Para só citar um recente guardando as proporções, pergunte-se a Fernando Collor se hoje repetiria o exercício de imperialismo na relação com o Congresso se lhe fosse dada uma segunda chance na Presidência.

Na queda de braço alguém termina machucado. E nas coisas de poder sempre cabe ao mais poderoso moderar o uso da força, pois ao fim e ao cabo é quem tem mais a perder.

Trocar Romero Jucá para dar uma traulitada na tríade formada por ele com José Sarney e Renan Calheiros, convenhamos, não é má ideia. Mas, do ponto de vista objetivo da Presidência, é preciso pesar perdas e ganhos.

Alguém tem dúvida de que mais dia menos dia as cobras mostrarão a letalidade do veneno em que foram criadas? Dilma bateu de frente. Corre o risco de levar o troco pelas costas.

O clube do "te pego na esquina" desde ontem tem nova diretoria: Jucá, Renan e Sarney. Este logo bate em retirada e os dois primeiros, assim como dois terços do Senado, têm sete anos de mandato pela frente. Mais que o dobro dos três que restam a Dilma.

Objetivamente não tem nada a temer nem a perder. Uma dúzia de cargos? Se acharem que vale a pena, não hesitam e pagam para ver.

Vaticínio. Às 22h de segunda-feira, véspera de sua destituição da liderança do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza avisou a um interlocutor: "O Congresso vai virar um inferno".

No mesmo dia ligou para o ex-presidente Lula, que disse não ter sido consultado por Dilma a respeito das trocas na Câmara e do Senado.

Mal comparando. A renúncia de Ricardo Teixeira à presidência da CBF lembra os parlamentares que costumavam - quando ainda havia o costume de temer punições - abrir mão dos mandatos para evitar abertura de processos por quebra de decoro.

Mérito. Veja o leitor como andam as coisas: Afonso Florence deixa o Ministério do Desenvolvimento Agrário bem na foto pelo simples motivo de ter sido demitido "apenas" por, digamos, déficit de desempenho. 

O governo da retranca - ROLF KUNTZ


O Estado de S.Paulo - 14/03/12


Com superávit comercial de US$ 77,5 bilhões no ano passado, o agronegócio, execrado por uma boa parte do governo federal, continuou sendo o principal fator de segurança do setor externo. Sua história de sucesso deve conter algum ensinamento a respeito de como vencer no mercado internacional. Mas os condutores da política econômica preferem continuar jogando na retranca, como se algum país se tornasse mais competitivo com uma política estritamente defensiva. Em pouco mais de uma semana o governo mexeu duas vezes no IOF cobrado sobre empréstimos tomados no exterior. Na primeira, estendeu de dois para três anos o prazo das operações sujeitas à alíquota de 6%. Na segunda, ampliou a restrição para cinco anos. Essa medida poderá, como as anteriores, funcionar por algum tempo, mas o mercado, como sempre, será capaz de contorná-la. Mesmo na melhor hipótese, no entanto, o controle de capitais e a consequente depreciação cambial seriam medidas de alcance limitado. Ao insistir nesse caminho, o governo demonstra, mais uma vez, uma notável incapacidade de aprender. A tentativa de mudar o acordo automotivo com o México é mais uma prova disso - uma vergonhosa imitação da política argentina em relação ao Brasil.

Entre 2001 e 2011 o valor nominal das exportações brasileiras aumentou 339,1%, de US$ 58,3 bilhões para US$ 256 bilhões. Nesse período o câmbio foi flutuante. O aumento das vendas foi possibilitado, na maior parte do período, pela combinação de um cenário externo favorável (até 2008) com ganhos de eficiência acumulados a partir dos anos 90. Entre 1989 e 1998, com o câmbio controlado, as vendas externas haviam crescido apenas 48,7%. Desde a mudança cambial de agosto de 1968, a depreciação administrada havia servido principalmente para compensar e disfarçar inúmeras deficiências do setor produtivo. Até o começo dos anos 90, quando começou a abertura do mercado nacional, o protecionismo havia completado o disfarce, impondo ao consumidor produtos caros e bem abaixo do padrão internacional.

A abertura foi penosa para muitas indústrias. Alguns empresários se haviam preparado para a mudança e foram capazes de enfrentar a nova competição externa. Suas companhias prosperaram nos anos seguintes e muitas ganharam espaço no mercado internacional. Mas a mudança mais notável vinha ocorrendo, desde muito tempo antes, no setor agropecuário, graças à adoção de novas tecnologias, a políticas agrícolas eficazes e, finalmente, ao abandono dos velhos controles de preços.

Desde o relaxamento desses controles, velhas crises de abastecimento deixaram de ocorrer e o peso da alimentação no custo de vida diminuiu sensivelmente. Várias vezes, desde os anos 90, os institutos de pesquisa de preços refizeram a estrutura de seus índices e mudaram a ponderação do custo dos alimentos. Também isso contribuiu para aumentar a capacidade de consumo de bens duráveis e semiduráveis, com benefício importante para a indústria.

As exportações cresceram velozmente a partir da reforma cambial de 1999, mas a participação brasileira no comércio mundial continuou modesta. Passou de 1,2% em 2001 para 1,6% em 2o1o e continuou por aí no ano passado. Mas a participação das exportações agrícolas no total mundial deu um salto, no mesmo período, de 4,7% para 7,3%, segundo os últimos números consolidados do Ministério da Agricultura. Apesar do aumento de preços, o aumento da fatia brasileira decorreu principalmente da expansão do volume. Entre 1997 e 2010, as cotações aumentaram 23%, enquanto o volume cresceu 200%.

Os exportadores do agronegócio foram prejudicados, assim como os empresários industriais, pela sobrevalorização do real. Além disso, tiveram de competir com produtores altamente subsidiados e de batalhar pelo ingresso em mercados muito protegidos. Os exportadores brasileiros de carne foram os grandes fornecedores do mercado russo, durante anos, embora tivessem de operar fora das cotas, reservadas para outros países.

Com todas essas desvantagens, o agronegócio brasileiro tem sido capaz, no entanto, de se manter competitivo e de atemorizar os concorrentes, a ponto de se tornar alvo de campanhas protecionistas na Europa.

De onde vem a competitividade do agronegócio brasileiro? Os formuladores da política deveriam pensar seriamente no assunto. Se o fizessem, talvez confiassem menos em fórmulas velhas e comprovadamente limitadas, como o controle cambial e o protecionismo. Mas deveriam também dar uma espiada na competitividade da China. O sucesso chinês não decorre apenas do câmbio depreciado e da mão de obra barata. Modernização, pesquisa, educação e enormes investimentos em infraestrutura também são importantes. Os chineses, ao contrário de muitos desenvolvimentistas, cultuam a eficiência.

Busca de espaço - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 14/03/12


A cada dia fica mais claro que a presidente Dilma está tentando ampliar seu espaço de manobra dentro do próprio governo, inclusive na coordenação política, contradição que já indica o tamanho do problema. Embora o objetivo esteja no caminho certo da busca da autonomia, por si só não garante a qualidade da equipe, e as últimas escolhas são desalentadoras, como exemplifica bem a indicação do senador Marcelo Crivella, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus , do bispo Macedo, para o Ministério da Pesca.

O choro da presidente na transmissão de posse, desde que se dê de barato que a atuação do deputado Luiz Sérgio, tanto na Coordenação Política quanto na Pesca, não merece que se derramem lágrimas por sua perda, pode ter sido provocado, pelo menos em parte (não esquecer que no dia anterior ela havia passado três horas conversando com o ex-presidente Lula), pela enorme dificuldade que está enfrentando na convivência com essa coalizão partidária.

Não tendo força para desmontar este xadrez que a obriga a dividir em feudos partidários o governo, ela tem de escolher dentro dos partidos quem seja mais fiel a ela, porque, se não, ficará sempre sujeita a pressões e a chantagens políticas.

Há muito tempo que as nomeações do Executivo não são medidas pela capacitação do indicado, mas pelo apoio político que ele tem ou deixa de ter.

As crises são geradas sempre por interesses particulares e não por programas ou teses. Não há um partido que se mobilize para vetar alguém por questões programáticas.

A retirada do senador Romero Jucá da liderança do governo se deve a dois fatores: a presidente deve ter identificado o seu ex-líder, se não como o mentor da rebelião que barrou a recondução de Bernardo Figueiredo ao comando da Agência Nacional dos Transportes Terrestres, pelo menos como um aderente ao movimento que tinha como objetivo provocar sua derrota pessoal.

Aproveitou a oportunidade para trocar esse líder que já não tinha sua confiança e estava no cargo mais por pressão do grupo dominante no Senado, e pôs no lugar um senador que fazia parte do grupo independente, o ex-governador do Amazonas Eduardo Braga, num sinal de que pretende ter uma atuação no Senado também independente do grupo do senador Renan Calheiros.

A reação foi imediata: Calheiros indicou Jucá para a presidência da fundamental comissão do Orçamento, onde ele terá oportunidade de demonstrar o quanto ficou magoado com a demissão.

É preciso saber agora como reagirá o presidente do Senado, José Sarney, que é muito ligado à presidente Dilma, mas faz parte dessa cúpula do Senado.

Na Câmara, a escolha do ex-presidente Arlindo Chinaglia para ocupar a liderança do governo mostra que ela quer buscar o entendimento com outros partidos além do PT, e Chinaglia tem bom relacionamento mesmo com a oposição.

A presidente Dilma está tentando montar um Ministério e uma equipe política no Congresso que deva mais a ela do que aos seus partidos ou até mesmo ao ex-presidente Lula, para, afinal, começar o seu governo.

Ainda a propósito da decisão do Supremo sobre a tramitação das medidas provisórias, o jurista Gustavo Binenbojm se coloca a favor dessa intervenção, entendendo que ela veio para fortalecer a democracia, e não o contrário.

Binenbojm diz que há duas objeções clássicas ao controle judicial sobre questões políticas: a primeira é o princípio da separação dos poderes; a segunda, a suposta ausência de legitimação democrática dos membros da Suprema Corte, que não estariam autorizados a rever as decisões dos agentes políticos eleitos do Legislativo e do Executivo.

A primeira objeção já foi há muito superada, diz ele, pelo entendimento que a separação de poderes não importa uma compartimentalização asséptica das funções legislativa, executiva e jurisdicional.

Para o jurista, a ideia do controle recíproco é imanente à democracia constitucional. "É próprio da democracia constitucional não haver poder sem controle".

Ele se debruça com mais atenção na segunda objeção, "mais complexa".

Gustavo Binenbojm lembra que a chamada "dificuldade contramajoritária" impõe ao Judiciário - em especial, ao Tribunal Constitucional - a obediência a determinados standards ou parâmetros de atuação, de modo a não criar tensões indesejáveis com os demais poderes nos quais se deposita, mais diretamente, a soberania popular.

Mas ele lembra que há um espaço de legitimidade próprio para a atuação da Suprema Corte. "Em linhas gerais, esse espaço é definido pela defesa das minorias, dos direitos fundamentais e das regras processuais da democracia".

Binenbojm diz que hoje, com certa naturalidade, entende-se que a Constituição é o estatuto jurídico da democracia e que os direitos fundamentais, aí incluídos os direitos das minorias, e as regras do jogo democrático "são condições estruturantes e essenciais à própria existência do regime democrático".

Assim, afirma, quando a Justiça Constitucional anula leis, atos ou procedimentos ofensivos a tais direitos e regras - ainda que aprovados pela maioria dos representantes eleitos pelo povo -, sua intervenção se dá a favor e não contra a democracia.

No caso das medidas provisórias, Binenbojm acha que o Supremo tem gradualmente atuado na correção de alguns "defeitos" do processo democrático, gerados pelo desrespeito a regras constitucionais que estabelecem o chamado devido processo constitucional legislativo.

"Pouco importa que tais regras envolvam o funcionamento interno do Poder Legislativo. O importante é que, ao ignorar ou manietar o alcance de tais regras da Constituição, o Legislativo provoca uma lesão ao próprio regime democrático brasileiro."

O Supremo, por isso, agiu "de forma absolutamente legítima, proporcionando um reequilíbrio entre os poderes Executivo e Legislativo, e fortalecendo a deliberação democrática na tramitação das medidas provisórias", afirma Gustavo Binenbojm.