quarta-feira, março 14, 2012
Atrás do pé no traseiro - ZUENIR VENTURA
O GLOBO - 14/03/12
E se Jerôme Valcke tiver razão? A dúvida me ocorreu lendo o que tem sido escrito sobre os problemas nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, inclusive o artigo do Romário anteontem. Será que a verdade está atrás da frase infeliz, ou pelo menos indelicada, pronunciada pelo destemperado secretário-geral da Fifa? Como se sabe, antes de se retratar e pedir desculpas, ele disse que o governo brasileiro merecia receber um pé no traseiro pelo atraso nas obras. Depois, culpou a tradução. Usando a expressão "se donner un coup de pied aux fesses", ele alegou ter querido significar não o literal "chute na bunda", mas o metafórico "acelerar o ritmo". Houve justa indignação, réplica e tréplica, e o nível do bate-boca desceu abaixo da cintura. Parou em "vagabundo", dito por um assessor da Presidência. Afinal, a paz foi selada. Restou a pergunta: vai dar tempo? Os otimistas lembram que como organizador de grandes eventos o Brasil é conhecido por deixar tudo para a última hora, mas nunca deixou de fazer - da Copa de 50 à Rio-92, das três visitas oficiais do Papa João Paulo II aos Jogos Pan-Americanos de 2007. Não vai ser agora que irá falhar. O problema, porém, é que, na melhor das hipóteses, há o alto custo dessa opção pela correria no final: improvisações, remendos, obras mal acabadas.
Mas pior ainda que o atraso é a tentativa de tapar o sol com a peneira, fazendo de conta que está tudo bem. "Não se pode esconder que o país está atrasado em boa parte dos preparativos para a Copa", diz O GLOBO em editorial. Também Romário, que como deputado federal visitou todas as cidades-sede, ficou impressionado com o que falta terminar, sobretudo no projeto de mobilidade urbana, um dos principais legados previstos. "Pelo que sei, menos de 30% das obras foram iniciadas". Quanto aos aeroportos, ele informa que só Rio, Campinas, Curitiba e Natal "deram início às obras. É uma situação preocupante. Uma vergonha".
O que fazer? É simples. Para realizar uma Copa que nos dê orgulho, não basta a renúncia de Ricardo Teixeira nem adianta falar grosso com a Fifa ou camuflar o problema. A solução, como sugeriu o tal Jérôme Valcke, é mesmo um pontapé no traseiro, mas no bom sentido, o de acelerar o ritmo das obras.
A propósito, somos muito suscetíveis a certas verdades. O Senado, para variar, acaba de ostentar mais um escândalo, ao inchar seus gabinetes com 2.500 funcionários comissionados, que custam ao bolso do contribuinte R$ 1,6 milhão por mês. No lugar dos doze servidores previstos, chega a haver até 67, como os de Ivo Cassol. Ou 54, de Fernando Collor. Mas, se alguém disser o que merecem, eles vão reagir como o governo, com indignação.
Já passou da hora de todos os brasileiros dignos e patriotas darem um chute no traseiro desse desgoverno que se apoderou do Brasil em 2003 e se manteve através de golpes, mensalões, compras de votos, fraudes eleitorais, intimidação e eliminação de toda e qualquer oposição real.
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