ZERO HORA - 04/03/12
Existem pessoas frágeis, mas sexo frágil, esqueça. As mulheres nunca estiveram tão fortes, decididas, abusadas até. O que é saudável: quem não busca corajosamente sua independência acaba sobrando e vivendo de queixas. Uma sociedade de homens e mulheres que prezam sua liberdade e atingem seus objetivos é um lugar mais saudável para se viver. Realização provoca alegria.
O que não impede que prestemos atenção no que essa metamorfose pode ter de prejudicial. As mulheres se masculinizaram, é fato. Não por fora, mas por dentro. As qualidades que lhes são atribuídas hoje, e as decorrentes conquistas dessa nova maneira de estar no mundo, eram atributos considerados apenas dos homens. Agora ninguém mais tem monopólio de atributo algum: nem eles de seu perfil batalhador, nem nós da nossa afetividade. Geração bivolt. Homens e mulheres funcionando em dupla voltagem, com todos os atributos em comum. Mas seguimos, sim, precisando uns dos outros – como nunca.
Não são poucas as mulheres potentes que parecem conseguir tocar o barco sozinhas, sem alguém que as ajude com os remos. Mas é só impressão. Talvez não precisemos de quem reme conosco, mas há em todas nós uma necessidade ancestral de confirmar a fêmea que invariavelmente somos.
E isso se dá através da maternidade, do amor e do sexo. Se não for possível ter tudo (ou não se quiser), ao menos alguma dessas práticas é preciso exercer na vida íntima, caso contrário, viraremos uns tratores. Muito competentes, mas com a identidade incompleta.
Nossa virilização é interessante em muitos pontos, mas se tornará brutal se chegarmos ao exagero de declarar guerra aos nossos instintos.
Ok, ser mãe não é obrigatório, ter um grande amor é sorte, e muitas fazem sexo apenas para disfarçar o desespero da solidão, mas seja qual for o contexto em que nos encontramos, é importante seguir buscando algo que nos conecte com o que nos restou de terno, aquela doçura que cada mulher sabe que ainda traz em si e que deve preservar, porque não se trata de uma fragilidade paralisante, e sim de uma característica intrínseca ao gênero, a parte de nós que se reconhece vulnerável e que não precisa se envergonhar disso. Se é igualdade que a gente quer, extra, extra: homens também são vulneráveis.
“Cuida bem de mim”, dizia o refrão de uma antiga música do Dalto, e que Nando Reis regravou recentemente. Cafona? Ora, se a gente não se desfizer da nossa prepotência e não se permitir um tantinho de insegurança e delicadeza, a construção desta “nova mulher” terá se desviado para uma caricatura. A intenção não era a gente se transformar no estereótipo de um homem, era?
Cuide-se bem, e permita que os outros lhe cuidem também. Viva o dia internacional dessa porção mulher que anda resguardada demais, mas que não deveria ficar assim tão escondida: não nos desmerece em nada.
domingo, março 04, 2012
O partido da Força - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 04/03/12
O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), está só aguardando a decisão do TSE, sobre o direito do PSD a tempo de televisão e ao Fundo Partidário, para criar seu próprio partido. O partido da Força, que comanda 1.691 sindicatos e que representa 14,12% do movimento sindical, nasceria com uma bancada de 50 deputados, segundo aliados de Paulinho.
Minha Casa atravessa o Código
Ao contrário do que deseja o Planalto, o Código Florestal não deve ser votado nesta semana. Os líderes querem mais tempo para negociar a questão urbana e o item função estratégica da propriedade rural. A bancada ruralista encontrou um argumento de peso para dilatar as negociações. Ocorre que o artigo 26, que trata da proteção das áreas verdes urbanas, vai encarecer, e muito, a execução do programa Minha Casa Minha Vida. Nas áreas de expansão urbana, o artigo exige uma reserva de 20 m² de área verde por habitante nos novos empreendimentos. Numa casa destinada a quatro pessoas a reserva será de 80 m².
"Somos contra a hegemonia do PT. O PMDB não participa da definição de políticas públicas do governo Dilma”
— Danilo Forte, deputado federal (PMDB-CE)
ELES FICAM. ATÉ QUANDO? O presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, homem de confiança do ministro Guido Mantega (Fazenda), e o presidente da Previ, Ricardo Flores, quadro de ouro dos sindicalistas do PT, serão mantidos nos seus cargos. Eles foram orientados a baixar a bola e compatibilizar seus interesses. O objetivo é criar um clima favorável para Mantega na audiência pública no Senado, dia 13.
Mobilização
O Conselho Nacional de Saúde, vinculado ao ministério, quer reunir 1,5 milhão de assinaturas pedindo a destinação de 10% do Orçamento da União para a saúde pública. O governo não quer nem ouvir falar nessa possibilidade.
A linha
A direção nacional do PT está trabalhando para que prevaleça entre os petistas mineiros o apoio à reeleição do prefeito Márcio Lacerda (PSB). Desta vez, não devem ser contra a uma coligação que inclua o PSDB e vão indicar um novo vice.
PR: Dilma bate o martelo
A presidente Dilma não vai mais insistir com o senador Blairo Maggi (PR-MT) para que ele assuma a pasta dos Transportes. E também não vai convidar outro político do PR para ocupar a função. Ela decidiu manter, apesar das queixas dos liberais, Paulo Sérgio Passos no comando da pasta. A direção do PR já foi comunicada de sua decisão, mas alguns de seus dirigentes não acreditam que esta seja uma posição definitiva.
Só falta combinar...
A chapa de Lindbergh Farias (PT) para o governo do Rio está pronta. O secretário José Mariano Beltrame será o vice e Régis Fichtner, candidato ao Senado. O atual vice, Luiz Pezão, será ministro, e o governador Sérgio Cabral embaixador...
Controle
Se depender do ministro Aguinaldo Ribeiro (Cidades), seu secretário-executivo será Alexandre Cordeiro, da Controladoria-Geral da União. Ele espera o aval da Casa Civil. O intuito do ministro é passar uma imagem de moralidade.
OS GOVERNADORES aliados, nas conversas com suas bancadas, relatam que tem sido muito difícil se adaptar ao estilo da presidente Dilma. Eles têm saudades da informalidade do ex-presidente Lula.
NA DEFESA. Constrangido, o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), comenta o manifesto dos deputados do partido: "Essa insatisfação é generalizada e permeia toda a base do governo, à excessão do PT".
A PRESIDENTE Dilma criou uma força tarefa para descobrir quem é o mentor intelectual do manifesto do PMDB, criticando a hegemonia do PT no governo.
Minha Casa atravessa o Código
Ao contrário do que deseja o Planalto, o Código Florestal não deve ser votado nesta semana. Os líderes querem mais tempo para negociar a questão urbana e o item função estratégica da propriedade rural. A bancada ruralista encontrou um argumento de peso para dilatar as negociações. Ocorre que o artigo 26, que trata da proteção das áreas verdes urbanas, vai encarecer, e muito, a execução do programa Minha Casa Minha Vida. Nas áreas de expansão urbana, o artigo exige uma reserva de 20 m² de área verde por habitante nos novos empreendimentos. Numa casa destinada a quatro pessoas a reserva será de 80 m².
"Somos contra a hegemonia do PT. O PMDB não participa da definição de políticas públicas do governo Dilma”
— Danilo Forte, deputado federal (PMDB-CE)
ELES FICAM. ATÉ QUANDO? O presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, homem de confiança do ministro Guido Mantega (Fazenda), e o presidente da Previ, Ricardo Flores, quadro de ouro dos sindicalistas do PT, serão mantidos nos seus cargos. Eles foram orientados a baixar a bola e compatibilizar seus interesses. O objetivo é criar um clima favorável para Mantega na audiência pública no Senado, dia 13.
Mobilização
O Conselho Nacional de Saúde, vinculado ao ministério, quer reunir 1,5 milhão de assinaturas pedindo a destinação de 10% do Orçamento da União para a saúde pública. O governo não quer nem ouvir falar nessa possibilidade.
A linha
A direção nacional do PT está trabalhando para que prevaleça entre os petistas mineiros o apoio à reeleição do prefeito Márcio Lacerda (PSB). Desta vez, não devem ser contra a uma coligação que inclua o PSDB e vão indicar um novo vice.
PR: Dilma bate o martelo
A presidente Dilma não vai mais insistir com o senador Blairo Maggi (PR-MT) para que ele assuma a pasta dos Transportes. E também não vai convidar outro político do PR para ocupar a função. Ela decidiu manter, apesar das queixas dos liberais, Paulo Sérgio Passos no comando da pasta. A direção do PR já foi comunicada de sua decisão, mas alguns de seus dirigentes não acreditam que esta seja uma posição definitiva.
Só falta combinar...
A chapa de Lindbergh Farias (PT) para o governo do Rio está pronta. O secretário José Mariano Beltrame será o vice e Régis Fichtner, candidato ao Senado. O atual vice, Luiz Pezão, será ministro, e o governador Sérgio Cabral embaixador...
Controle
Se depender do ministro Aguinaldo Ribeiro (Cidades), seu secretário-executivo será Alexandre Cordeiro, da Controladoria-Geral da União. Ele espera o aval da Casa Civil. O intuito do ministro é passar uma imagem de moralidade.
OS GOVERNADORES aliados, nas conversas com suas bancadas, relatam que tem sido muito difícil se adaptar ao estilo da presidente Dilma. Eles têm saudades da informalidade do ex-presidente Lula.
NA DEFESA. Constrangido, o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), comenta o manifesto dos deputados do partido: "Essa insatisfação é generalizada e permeia toda a base do governo, à excessão do PT".
A PRESIDENTE Dilma criou uma força tarefa para descobrir quem é o mentor intelectual do manifesto do PMDB, criticando a hegemonia do PT no governo.
Não suporto mais cotas - ETHEVALDO SIQUEIRA
O ESTADÃO - 04/03/12
A questão das cotas criadas pela lei 12.482 interessa muito mais a nós, cidadãos, assinantes desse serviço, do que às operadoras de TV por assinatura ou aos produtores nacionais de conteúdos. Somos 42 milhões de brasileiros que pagam para ter opção, para ver algo exclusivo, diferenciado, segmentado, que não encontramos na TV aberta. Em 4 anos, seremos mais de 100 milhões. Esse é o critério em que me baseio para combater as cotas.
Somos, portanto, socialmente muito mais importantes nesse debate. E queremos que seja preservado nosso sagrado direito de escolha do que vamos ver na TV paga, sem interferência do Estado. Nossa liberdade como assinantes-telespectadores não pode ser condicionada a qualquer outro interesse, nem, muito menos, a critérios ideológicos, partidários ou corporativos.
Não queremos ser tutelados, até porque o maior valor a ser preservado nessa área é nossa liberdade, ou seja, o direito de escolher livremente, seja entre os filmes ou documentários do mais alto nível, seja entre os enlatados da pior qualidade ou os mais estúpidos reality shows, como, em geral, costumam ser.
Duas faces da lei. É claro que a lei 12.482 tem aspectos positivos, ao unificar a legislação setorial e promover a abertura do mercado. Mas, em contrapartida, criou coisas inaceitáveis como as cotas para produtoras nacionais de cinema e TV e conferiu à Agência Nacional de Cinema (Ancine) o poder de dizer o que podemos e o que devemos ver na TV paga.
O que aconteceu com a lei 12.482 é resultado de um velho vício do legislador brasileiro, que é desfigurar a maioria dos projetos com a inclusão de dezenas de emendas oportunistas e demagógicas. O projeto inicial, oriundo da Câmara dos Deputados, tinha apenas dois objetivos centrais: unificar a legislação de TV por assinatura e regular a entrada das empresas de telecomunicações (as Teles) nesse mercado. Mas, acabou virando esse monstro jurídico, cheio de penduricalhos e emendas protecionistas.
O que os defensores das cotas (ou cotistas) deveriam levar em conta é que a TV aberta e a TV por assinatura são mundos muito diferentes. Enquanto a TV aberta exige regulação especial, mais rígida, por ser universal, gratuita e por utilizar um bem público finito e não renovável, que é o espectro de frequências eletromagnéticas, a TV paga, por sua vez, destina-se a um público muito mais segmentado, que paga para ver algo mais condizente com seu gosto e sua cultura.
A polêmica que se trava agora decorre da tentativa de normatização da lei pela Ancine, após a consulta pública que se encerrou ontem. Por isso, diante de uma ação do Partido Democratas (DEM) e de outras ações que deverão ingressar no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade das cotas, é preciso aprofundar o debate sobre o tema.
Cotas para tudo. O Brasil virou o país de cotas. A começar de cotas raciais - coisa que repugna a qualquer país civilizado. Essa política, entretanto, é defendida e preferida pelos cotistas e pela esquerda mais atrasada e míope que domina alguns segmentos do Executivo e do Legislativo do País.
Corporativistas, estatizantes e xenófobos, eles se dizem patriotas e defensores da cultura nacional. No entanto, nada os irrita mais do que ouvir a defesa do critério da qualidade, do mérito ou da competência nessa questão. Experimente dizer a um deles que esse critério é o melhor. Ele reagirá ficará furioso e xingará você de "reacionário, elitista, neoliberal e inimigo do produtor e da cultura nacional".
Pessoalmente, tenho paixão por bons conteúdos nacionais. Mas, não quero ver xaropadas para ajudar produtores medíocres ou por razões ideológicas. O leitor sabe que os bons filmes não precisam de reserva de mercado nem de cota protecionista, como, por exemplo, Central do Brasil ou Tropa de Elite 1 ou 2.
Hoje, 70% dos assinantes veem mais canais abertos via TV paga do que os canais pagos de conteúdo específico. Ou seja, já privilegiam a cultura nacional.
O caminho certo. A melhor estratégia para se proteger legitimamente o produtor e o conteúdo nacional baseia-se em financiamento, fomento, incentivo, pesquisa, desoneração fiscal e educação, bem como patrocínios públicos e privados aos projetos de maior relevância.
O pior caminho, em contrapartida, é o da fixação de cotas compulsórias, com a reserva de fatias de mercado e espaços, equivalentes a 3 horas e meia de programação nacional por semana, em horário nobre.
Ele enxerta produções nacionais nas grades dos diversos canais, sejam eles ou não de boa qualidade. Não há qualquer critério de mérito nessa inclusão.
A nova lei confere à Ancine o poder de definir o que é o horário nobre para uma emissora de TV paga. E até de punir os canais que não seguirem suas determinações. A nova lei amplia os poderes legais da Ancine e dão a essa agência a incumbência inconstitucional de regular conteúdos e a programação dos diversos canais de TV por assinatura.
Pior ainda: nem a Ancine, nem o Ministério das Comunicações, nem os cotistas dão uma única palavra sobre os canais abertos comerciais alugados, ilegalmente, em tempo integral ou parcial, a igrejas de todas as confissões, muitas delas pedindo dinheiro a cada minuto.
Nossa liberdade não pode ser condicionada a qualquer outro interesse
A questão das cotas criadas pela lei 12.482 interessa muito mais a nós, cidadãos, assinantes desse serviço, do que às operadoras de TV por assinatura ou aos produtores nacionais de conteúdos. Somos 42 milhões de brasileiros que pagam para ter opção, para ver algo exclusivo, diferenciado, segmentado, que não encontramos na TV aberta. Em 4 anos, seremos mais de 100 milhões. Esse é o critério em que me baseio para combater as cotas.
Somos, portanto, socialmente muito mais importantes nesse debate. E queremos que seja preservado nosso sagrado direito de escolha do que vamos ver na TV paga, sem interferência do Estado. Nossa liberdade como assinantes-telespectadores não pode ser condicionada a qualquer outro interesse, nem, muito menos, a critérios ideológicos, partidários ou corporativos.
Não queremos ser tutelados, até porque o maior valor a ser preservado nessa área é nossa liberdade, ou seja, o direito de escolher livremente, seja entre os filmes ou documentários do mais alto nível, seja entre os enlatados da pior qualidade ou os mais estúpidos reality shows, como, em geral, costumam ser.
Duas faces da lei. É claro que a lei 12.482 tem aspectos positivos, ao unificar a legislação setorial e promover a abertura do mercado. Mas, em contrapartida, criou coisas inaceitáveis como as cotas para produtoras nacionais de cinema e TV e conferiu à Agência Nacional de Cinema (Ancine) o poder de dizer o que podemos e o que devemos ver na TV paga.
O que aconteceu com a lei 12.482 é resultado de um velho vício do legislador brasileiro, que é desfigurar a maioria dos projetos com a inclusão de dezenas de emendas oportunistas e demagógicas. O projeto inicial, oriundo da Câmara dos Deputados, tinha apenas dois objetivos centrais: unificar a legislação de TV por assinatura e regular a entrada das empresas de telecomunicações (as Teles) nesse mercado. Mas, acabou virando esse monstro jurídico, cheio de penduricalhos e emendas protecionistas.
O que os defensores das cotas (ou cotistas) deveriam levar em conta é que a TV aberta e a TV por assinatura são mundos muito diferentes. Enquanto a TV aberta exige regulação especial, mais rígida, por ser universal, gratuita e por utilizar um bem público finito e não renovável, que é o espectro de frequências eletromagnéticas, a TV paga, por sua vez, destina-se a um público muito mais segmentado, que paga para ver algo mais condizente com seu gosto e sua cultura.
A polêmica que se trava agora decorre da tentativa de normatização da lei pela Ancine, após a consulta pública que se encerrou ontem. Por isso, diante de uma ação do Partido Democratas (DEM) e de outras ações que deverão ingressar no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade das cotas, é preciso aprofundar o debate sobre o tema.
Cotas para tudo. O Brasil virou o país de cotas. A começar de cotas raciais - coisa que repugna a qualquer país civilizado. Essa política, entretanto, é defendida e preferida pelos cotistas e pela esquerda mais atrasada e míope que domina alguns segmentos do Executivo e do Legislativo do País.
Corporativistas, estatizantes e xenófobos, eles se dizem patriotas e defensores da cultura nacional. No entanto, nada os irrita mais do que ouvir a defesa do critério da qualidade, do mérito ou da competência nessa questão. Experimente dizer a um deles que esse critério é o melhor. Ele reagirá ficará furioso e xingará você de "reacionário, elitista, neoliberal e inimigo do produtor e da cultura nacional".
Pessoalmente, tenho paixão por bons conteúdos nacionais. Mas, não quero ver xaropadas para ajudar produtores medíocres ou por razões ideológicas. O leitor sabe que os bons filmes não precisam de reserva de mercado nem de cota protecionista, como, por exemplo, Central do Brasil ou Tropa de Elite 1 ou 2.
Hoje, 70% dos assinantes veem mais canais abertos via TV paga do que os canais pagos de conteúdo específico. Ou seja, já privilegiam a cultura nacional.
O caminho certo. A melhor estratégia para se proteger legitimamente o produtor e o conteúdo nacional baseia-se em financiamento, fomento, incentivo, pesquisa, desoneração fiscal e educação, bem como patrocínios públicos e privados aos projetos de maior relevância.
O pior caminho, em contrapartida, é o da fixação de cotas compulsórias, com a reserva de fatias de mercado e espaços, equivalentes a 3 horas e meia de programação nacional por semana, em horário nobre.
Ele enxerta produções nacionais nas grades dos diversos canais, sejam eles ou não de boa qualidade. Não há qualquer critério de mérito nessa inclusão.
A nova lei confere à Ancine o poder de definir o que é o horário nobre para uma emissora de TV paga. E até de punir os canais que não seguirem suas determinações. A nova lei amplia os poderes legais da Ancine e dão a essa agência a incumbência inconstitucional de regular conteúdos e a programação dos diversos canais de TV por assinatura.
Pior ainda: nem a Ancine, nem o Ministério das Comunicações, nem os cotistas dão uma única palavra sobre os canais abertos comerciais alugados, ilegalmente, em tempo integral ou parcial, a igrejas de todas as confissões, muitas delas pedindo dinheiro a cada minuto.
Nossa liberdade não pode ser condicionada a qualquer outro interesse
Capital e trabalho unidos - GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 04/03/12
Em 10 de fevereiro de 1979, Luiz Inácio, o sindicalista, ao contemplar a galera nas arquibancadas e gerais do Estádio do Morumbi, teve um estalo: fazer uma assembleia-geral de trabalhadores num campo de futebol. Assistia, ao lado de companheiros, a uma partida entre Corinthians e Ponte Preta pelo Campeonato Paulista - 2 x 0 para o Timão.
Março do mesmo ano, 80 mil metalúrgicos em greve acorreram ao gramado do Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, para ouvir o líder, sem microfone, gritar refrãos que a massa repetia. Os trabalhadores queriam 34,1% de aumento para repor as perdas salariais. Velhos e doloridos tempos.
Surfando nas ondas de sofrimento e alegria proporcionadas pelo seu time do coração, e depois de décadas de tenaz esforço para organizar o movimento sindical e ingressar no caminho da política, Lula alcançou os píncaros da glória. Galgou ao mais alto posto da Nação, o de presidente da República, de onde se retirou, após oito anos, sob o reconhecimento de que seu governo acelerou a dinâmica social e deu rumo seguro à economia. Novos tempos.
A folhinha registra fevereiro de 2012. Atento ao cenário institucional, o ex-presidente fez a conta: entre o fevereiro de ontem e o de hoje, 33 anos se passaram.
Por que esse registro, cheio de simbolismos?
Porque na imponente sede da Avenida Paulista que abriga a Fiesp, onde Lula começou a praticar as artes da locução e da negociação, as maiores centrais sindicais - entre elas a CUT, entidade que criou para ser o braço sindical do seu partido, o PT - e empresários dos mais diversos segmentos da indústria praticaram, na semana passada, uma liturgia em nada semelhante à que ele comandava em tempos idos. Ali, representantes de trabalhadores e patrões exercitaram um ritual entoando o mantra: "Nesta causa, estamos unidos; todos por um, um por todos". O jogo da união momentânea - até porque seria ingênuo supor que as peças daquele tabuleiro nunca mais litigarão - tem nome: desindustrialização. Que se traduz pela perda relativa do emprego e do valor adicionado da indústria. Fundamentos explicam-na, entre eles o forte crescimento da produtividade no setor industrial em comparação com os demais, fator que acarreta queda nos preços das manufaturas e a consequente redução da participação da indústria no valor agregado e no emprego total.
O estiolamento das cadeias produtivas ocorre desde a década de 90, na esteira da política macroeconômica. De lá para cá milhares de postos de trabalho foram fechados por aqui. O painel não deixa dúvidas: se a indústria manufatureira registrava participação no PIB de 27,2% em 1985, esse índice despencou para 15,8% em 2010. A queda do emprego na indústria entre setembro de 1985 e setembro de 2010 foi de 28%, já a participação dos manufaturados na pauta de exportações baixou de 55% em 2005 para 39,4% em 2010. O rosário de lembranças registra um passado em que a pauta de exportações abrigava aviões, automóveis, confecções, aparelhos, etc. Hoje tais itens são marginais. Mas a pauta de importações engorda a olhos vistos. Em 2003 o coeficiente de importação era de 12,5%; no segundo trimestre do ano passado, 22,9%.
Não por acaso, Paulo Skaf, o anfitrião do encontro de trabalhadores e empresários na Fiesp, pinçou, no meio das estatísticas, o dado que calou fundo: de cada quatro produtos consumidos hoje no País, um é importado. Fechando o pacote de perdas, o presidente do Grupo Marcopolo, a maior fabricante brasileira de carroceria de ônibus, José Antônio Fernandes Martins, fez o desabafo: "Meu custo de produção na Índia é de R$ 14 por hora; no Brasil, R$ 52". Conclusão: o Brasil apresenta-se como a alternativa menos confortável entre os sete países que abrigam o grupo, fruto dos males que afligem a indústria: concorrência predatória de outros países, câmbio flutuante, alta taxa de juros, pesada carga tributária e logística "podre". A peroração, recheada de mágoas e decepção com o governo, ganhou força com os adjetivos das centrais sindicais, que acenam com a mobilização de massas nos Estados até o mês de maio.
O que esperam o capital e o trabalho depois da missa pela integração de propósitos? Que o governo encontre mecanismos para fazer face ao esvaziamento das fábricas, permitir às empresas enfrentar o tsunami das importações e incentivar a política de exportação de manufaturas. Talvez por não ter o que oferecer, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, decidiu não comparecer ao conclave. Seria tarefa complexa comprometer-se com ajustes na política que se adota há duas décadas, centrada na taxa de câmbio sobrevalorizada, que reduz drasticamente as exportações de manufaturados e propicia intenso processo de substituição de produtos domésticos por importados.
O fato é que qualquer mexida no caldo econômico não pode deixar de considerar a moldura das economias contemporâneas, sob a qual se expandem fenômenos como a internacionalização das redes produtivas, a mudança na forma de gestão das empresas, a expansão do sindicalismo de classes médias, o fortalecimento do agronegócio ou a nova divisão internacional do trabalho. O painel industrial mudou: tradicionais polos de produção se esvaziam, enfraquecendo cadeias como as de siderurgia, a têxtil, de vestuário, de estaleiros, etc.
O fecho da história de arrefecimento da indústria mostra as curvas do tempo. A classe trabalhadora ganhou impulso na expansão do chão de fábrica. Agora definha pelo estreitamento das plantas industriais. A greve era, outrora, a arma dos trabalhadores para abrir negociações. Hoje trabalhadores procuram empresários para dialogar. Ontem a turba desfilava na Paulista apontando seu aríete contra a pirâmide da indústria, a Fiesp. Hoje centrais sindicais fazem passeata de mãos dadas com os industriais. Antigos adversários se unem. Cena incrível, porém verdadeira. Capital e trabalho comendo no mesmo prato.
Os neutrinos não tão rápidos - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 04/03/12
Depois de muita euforia, especulação e intrigas contra Einstein, saiu o pré-veredito sobre os neutrinos supostamente mais rápidos do que a luz. Digo pré-veredito porque existem ainda alguns pontos a ser esclarecidos. Mas, ao que tudo indica, segundo declaração da última semana de cientistas do laboratório de física de partículas europeu Cern ligados ao experimento, a culpa do erro de cerca de 50 bilionésimos de segundo é um mau contato numa fibra ótica. O princípio base da teoria da relatividade de Einstein, de que nada pode viajar mais rápido do que a luz, sobreviveu.
No experimento, neutrinos criados no Cern, na Suíça, viajam 730 km através da crosta terrestre até chocarem-se com os detectores do laboratório em Gran Sasso, na Itália. Os cientistas do experimento Opera, em Gran Sasso, identificaram dois possíveis efeitos que podem ter causado mudanças no tempo de viagem dos neutrinos. O primeiro, uma conexão defeituosa entre a fibra ótica que leva sinais entre o sistema GPS e o relógio-mestre do detector, pode ter diminuído o tempo de viagem dos neutrinos.
Para complicar, o segundo efeito, um instrumento que opera dentro do detector e que deveria estar sincronizado com os sinais de GPS, pode aumentar o tempo de viagem.
Como os dois efeitos agem contrariamente, os cientistas do Cern e da colaboração Opera estão estudando sua magnitude para então decidir qual dos dois domina a medida final. Porém, Lucia Votano, diretora do laboratório Gran Sasso, afirmou que "suspeita principalmente" da fibra ótica, o que confirmaria a validade da teoria de Einstein. Em maio, os dois laboratórios vão repetir o experimento usando pulsos de curta duração com uma precisão bem maior do que a atual. O caso poderá então ser fechado.
Conforme escrevi aqui no dia 2 de outubro de 2011, "embora o time de cientistas tenha sido extremamente cauteloso na análise de possíveis erros sistemáticos, é muito provável que algo tenha-lhes escapado. Talvez no processo de produção dos neutrinos -o momento em que surgem, talvez na medida do tempo entre os vários sinais que registram os resultados de colisões nos computadores, talvez algum efeito geológico ainda desconhecido. Ou, claro, pode ser que os neutrinos tenham viajado mesmo algumas dezenas de bilionésimos de segundo mais rápido do que os fótons, as partículas da luz. Mas não apostaria nisso."
Continuo não apostando. De todo modo, a controvérsia é extremamente importante e nos ensina muito sobre como funciona a ciência. Sabendo que seus resultados aparentemente contrariavam um dos fundamentos da ciência moderna, os cientistas dos dois laboratórios buscaram diligentemente por erros em suas medidas e equipamentos para tentar eliminá-los.
Talvez tenham se precipitado ao declarar para o mundo o que tinham achado antes de confirmar que estavam certos. Porém, agiram com humildade ao confrontar uma questão de extrema complexidade, pedindo ajuda aos colegas espalhados pelo mundo. Não há dúvida de que alguns se aproveitarão da situação e tentarão atacar a credibilidade da ciência. Obviamente, esses indivíduos não entendem que errar e admitir o erro são passos essenciais na busca pela verdade.
Depois de muita euforia, especulação e intrigas contra Einstein, saiu o pré-veredito sobre os neutrinos supostamente mais rápidos do que a luz. Digo pré-veredito porque existem ainda alguns pontos a ser esclarecidos. Mas, ao que tudo indica, segundo declaração da última semana de cientistas do laboratório de física de partículas europeu Cern ligados ao experimento, a culpa do erro de cerca de 50 bilionésimos de segundo é um mau contato numa fibra ótica. O princípio base da teoria da relatividade de Einstein, de que nada pode viajar mais rápido do que a luz, sobreviveu.
No experimento, neutrinos criados no Cern, na Suíça, viajam 730 km através da crosta terrestre até chocarem-se com os detectores do laboratório em Gran Sasso, na Itália. Os cientistas do experimento Opera, em Gran Sasso, identificaram dois possíveis efeitos que podem ter causado mudanças no tempo de viagem dos neutrinos. O primeiro, uma conexão defeituosa entre a fibra ótica que leva sinais entre o sistema GPS e o relógio-mestre do detector, pode ter diminuído o tempo de viagem dos neutrinos.
Para complicar, o segundo efeito, um instrumento que opera dentro do detector e que deveria estar sincronizado com os sinais de GPS, pode aumentar o tempo de viagem.
Como os dois efeitos agem contrariamente, os cientistas do Cern e da colaboração Opera estão estudando sua magnitude para então decidir qual dos dois domina a medida final. Porém, Lucia Votano, diretora do laboratório Gran Sasso, afirmou que "suspeita principalmente" da fibra ótica, o que confirmaria a validade da teoria de Einstein. Em maio, os dois laboratórios vão repetir o experimento usando pulsos de curta duração com uma precisão bem maior do que a atual. O caso poderá então ser fechado.
Conforme escrevi aqui no dia 2 de outubro de 2011, "embora o time de cientistas tenha sido extremamente cauteloso na análise de possíveis erros sistemáticos, é muito provável que algo tenha-lhes escapado. Talvez no processo de produção dos neutrinos -o momento em que surgem, talvez na medida do tempo entre os vários sinais que registram os resultados de colisões nos computadores, talvez algum efeito geológico ainda desconhecido. Ou, claro, pode ser que os neutrinos tenham viajado mesmo algumas dezenas de bilionésimos de segundo mais rápido do que os fótons, as partículas da luz. Mas não apostaria nisso."
Continuo não apostando. De todo modo, a controvérsia é extremamente importante e nos ensina muito sobre como funciona a ciência. Sabendo que seus resultados aparentemente contrariavam um dos fundamentos da ciência moderna, os cientistas dos dois laboratórios buscaram diligentemente por erros em suas medidas e equipamentos para tentar eliminá-los.
Talvez tenham se precipitado ao declarar para o mundo o que tinham achado antes de confirmar que estavam certos. Porém, agiram com humildade ao confrontar uma questão de extrema complexidade, pedindo ajuda aos colegas espalhados pelo mundo. Não há dúvida de que alguns se aproveitarão da situação e tentarão atacar a credibilidade da ciência. Obviamente, esses indivíduos não entendem que errar e admitir o erro são passos essenciais na busca pela verdade.
Recrutando as cariocas - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 04/03/12
Deve ser obra do famoso peso da idade, porque a cada ano fica mais difícil enfrentar a descompressão, na volta de minha temporada na ilha. Aliás, não costuma ser bem uma descompressão, antes é o seu contrário. Sai-se do sossego da ilha para enfrentar todas as fontes de estresse geradas pela cidade grande e mergulhar onde as coisas estão acontecendo e os destinos nacionais são discutidos e traçados. É meio chato mesmo e faz um bem enorme à saúde a gente passar um bom tempo sem assistir a noticiários de televisão e ler jornais, é uma espécie de spa mental e emocional, uma boa faxina em tanta tralha acabrunhante que não cessam de nos enfiar no juízo.
Mas este ano tem sido diferente, até porque voltei em cima do carnaval, que aqui no Rio está ficando parecido com o da Bahia de antigamente, com a óbvia exceção das escolas de samba. Carnaval de rua, foliões fantasiados, bandas de sopro, todo mundo pulando solto. Na Bahia, antigamente, era assim, o carnaval era livre. Hoje, pelo que ouço e leio, a organização e a condução das grandes empresas em que se tornaram os blocos de Salvador só faltam transformar pular carnaval em ordem-unida e contratar sargentos dos Fuzileiros Navais para enquadrar os foliões - tudo bem, são os tempos. Mas aqui no Rio, o carnaval vem se espalhando pela cidade cada vez mais e tenho a impressão de que o ano, diversamente do que se diz, ainda não vai começar agora. Aguardaremos o feriadão da Semana Santa. Não podemos aspirar a folgar como os deputados, mas também somos filhos de Deus.
Está tudo tão devagar que, honestamente, as notícias mais quentes continuam a vir da ilha e receio que mais uma vez, no centro delas, avulta a figura ímpar de Zecamunista, de quem não esperava falar novamente tão cedo, mas existe o dever do jornalista para com a notícia e ele é notícia. Apesar de cercada de sigilo e precauções, sua visita ao Rio, ainda este mês, está confirmada. O projeto do lançamento nacional dos Bem-te-vis da Pátria aqui no Rio continua a ser desenvolvido e ele me revelou, num dos muitos telefonemas que me tem dado, que, a depender dos contatos a serem feitos, deverá iniciar de pronto a etapa do recrutamento e alistamento, em moldes semelhantes aos dos Voluntários da Pátria, também criados no Rio.
- E você vai participar do alistamento?
- Claro, eu vou coordenar a formação da ala principal, a ala feminina.
- A ala principal é a feminina?
- Evidente. Minha experiência política demonstra que se pode confiar muito mais na militância feminina que na masculina, a mulher é a base dos Bem-te-vis da Pátria. E eu vou coordenar esse setor não é por nada, é porque sempre tive muito jeito para lidar com as mulheres, elas gostam de mim, eu trato todas como boas camaradas. E a mulher carioca, então... Não há brasileiro que não almeje, ou almejado não haja, ou a almejar não venha, a graça do favor de uma mulher carioca! A mulher carioca é a quintessência sublime da sedução feminina, da beleza e do encanto, a mais-valia da natureza, a palavra de ordem do Universo! A mulher carioca...
- Zeca, me desculpe, mas está me parecendo que suas intenções, com esses Bem-te-vis da Pátria, estão mais relacionadas com as cariocas que com o combate à corrupção.
- Tem razão, mas é só a aparência, é que eu me entusiasmo, quando toco nesse assunto. Eu de fato tenho grande admiração pela mulher carioca, isso vem de pequeno, faz parte de minha formação, já deve estar em meu DNA. No meu tempo, a gente chamava mulher gostosa de peixão. Ninguém se lembra disso, mas eu me lembro. Eu pegava a revista O Cruzeiro e passava o dia inteiro vendo as fotos daqueles peixões em Copacabana, cada peixão de desmontar o esqueleto!
- Eu lembro. Os peixões também se chamavam uvas. Ela é uma uva!
- Uva! Isso mesmo! Aqueles peixões, aquelas uvas, as vedetes! Angelita Martinez! Ai! Anilza Leoni! Ai! Íris Bruzzi! Ai! Elvira Pagã! Aaai!
- É, Zeca, parece que vai ser difícil você se concentrar muito nos Bem-te-vis da Pátria, nessa sua estada no Rio.
- Não, você está enganado, é que eu me entusiasmo com facilidade, você me conhece, é meu coração de orador revolucionário. O assunto me empolga e aí eu faço logo um comício, mas claro que os Bem-te-vis da Pátria são minha absoluta prioridade. O bem-te-vi é um passarinho de valentia e dignidade, muito melhor que o tucano, um folgado que só tem bico e pose e faz cocô o tempo todo. Você vai ver a força de nosso movimento.
- É, você ainda não me deu detalhes de nada, só sei que vai haver uma camisa com um bem-te-vi dizendo que está vendo os ladrões.
- Isso é apenas um aspecto, eu tenho muito mais para contar. Mas, antes de mudar de assunto, eu queria lhe fazer uma pergunta: não dá para dizer no jornal que eu sou virgem de carioca? De repente cola e aí vai ver que desperta o espírito de pioneirismo de alguma leitora ou a sede de glória de outra, pode ser que tenha alguma tarada... Enfim, nada de mais, você bem que podia dizer isso no jornal, eu nunca lhe pedi nada.
- Isso não, não fica bem, para isso é melhor a internet. Já os Bem-te-vis da Pátria, tudo bem, são um projeto cívico. Quer dizer que você estará examinando candidatas a alistar-se nos Bem-te-vis. Como é esse exame?
- Ah, é complexo, são vários exames. Mas eu só aplico um.
- Qual é ele?
- O psicotoque. Quem inventou fui eu. Você acha que a carioca...
“Vô” Volpe - LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 04/03/12
Não sei com que idade morreu o meu avô materno, Vicente Volpe. A lembrança que tenho dele é a de um homem empertigado, sempre elegante e perfumado, que não perdera seu sotaque de imigrante. Viera de uma cidade perto da Calábria, e desconfiávamos que a imprecisão geográfica escondia seu medo de ser identificado como calabrês, com tudo que tradicionalmente e nem sempre corretamente caracterizava a região, desde a prevalência da Máfia até a ardência da linguiça.
Vicente Volpe casou-se com Emma Halfen Volpe, filha de imigrantes alemães, e tiveram quatro filhos, duas mulheres e dois homens. Uma das mulheres veio a ser minha mãe.
O “vô” Volpe, como o chamávamos, era maçom. Sua última profissão foi a de caixeiro-viajante, no tempo em que os caixeiros-viajantes usavam guarda-pó branco para proteger a roupa da fuligem e das fagulhas das locomotivas. Não havia vergonha maior, para um caixeiro-viajante, do que perder o trem.
O “vô Volpe” contava que certa vez chegara na estação quando seu trem já tinha partido. Escondera-se no hotel, onde ficara, sem comer e sem aparecer na janela, até a manhã do dia seguinte, para escapar da troça impiedosa dos outros caixeiros-viajantes. Mas também contava que perder o trem só lhe acontecera uma vez na vida. Se não me engano, o que o “vô” Volpe vendia em todo o interior do Rio Grande do Sul era lápides para túmulos.
Por que estou contando tudo isso? Porque na velhice, com os seus – imagino – 70 e poucos anos, o “vô” Volpe começou a recuperar o cabelo que perdera a partir dos 40. Primeiro, uma leve penugem, depois fios de verdade, inconfundíveis, brotaram no topo da sua cabeça. Ele não chegou a ter uma neo-melena penteável, que tapasse toda a careca.
Mas é provável que se vivesse mais um pouco teria de volta todo o cabelo da juventude. O que explicava aquilo? A “vó” Emma nos assegurou que não era nenhuma loção mágica. Estrume, pó de gafanhoto, nada. Talvez o fenômeno fosse mais comum do que a gente imaginava. Mas não conhecíamos ninguém na idade dele que estivesse recuperando cabelo com a mesma velocidade e no mesmo volume. A única explicação era: milagre.
Anos depois, pensando no “vô” Volpe, e antes daquele filme em que o Brad Pitt nasce velho e morre bebê, escrevi uma história assim: um vovô começa a recuperar não só o cabelo da sua juventude mas a própria juventude, e regride até a infância, infernizando a todos com suas malcriações. Lembro que a história termina com a família reunida para combinar o que fazer com o velhinho, e uma filha dizendo:
– Vovô, vai brincar lá fora, vai.
Gosto de pensar que, com um pouco mais de vida, o “vô” Volpe, que era, como se dizia na época, mas não na frente da “vó” Emma, um namorador, também ganharia uma segunda juventude. Com todos os cabelos.
E tenho pensado muito no “vô” Volpe porque estão nascendo cabelos na minha careca. Está bem, ainda é cedo para saber no que vão dar. No momento parece que se encaminham para uma espécie de punk geriátrico, mas tudo pode acontecer. Confio na força calabresa dos genes do “vô” Volpe.
Não sei com que idade morreu o meu avô materno, Vicente Volpe. A lembrança que tenho dele é a de um homem empertigado, sempre elegante e perfumado, que não perdera seu sotaque de imigrante. Viera de uma cidade perto da Calábria, e desconfiávamos que a imprecisão geográfica escondia seu medo de ser identificado como calabrês, com tudo que tradicionalmente e nem sempre corretamente caracterizava a região, desde a prevalência da Máfia até a ardência da linguiça.
Vicente Volpe casou-se com Emma Halfen Volpe, filha de imigrantes alemães, e tiveram quatro filhos, duas mulheres e dois homens. Uma das mulheres veio a ser minha mãe.
O “vô” Volpe, como o chamávamos, era maçom. Sua última profissão foi a de caixeiro-viajante, no tempo em que os caixeiros-viajantes usavam guarda-pó branco para proteger a roupa da fuligem e das fagulhas das locomotivas. Não havia vergonha maior, para um caixeiro-viajante, do que perder o trem.
O “vô Volpe” contava que certa vez chegara na estação quando seu trem já tinha partido. Escondera-se no hotel, onde ficara, sem comer e sem aparecer na janela, até a manhã do dia seguinte, para escapar da troça impiedosa dos outros caixeiros-viajantes. Mas também contava que perder o trem só lhe acontecera uma vez na vida. Se não me engano, o que o “vô” Volpe vendia em todo o interior do Rio Grande do Sul era lápides para túmulos.
Por que estou contando tudo isso? Porque na velhice, com os seus – imagino – 70 e poucos anos, o “vô” Volpe começou a recuperar o cabelo que perdera a partir dos 40. Primeiro, uma leve penugem, depois fios de verdade, inconfundíveis, brotaram no topo da sua cabeça. Ele não chegou a ter uma neo-melena penteável, que tapasse toda a careca.
Mas é provável que se vivesse mais um pouco teria de volta todo o cabelo da juventude. O que explicava aquilo? A “vó” Emma nos assegurou que não era nenhuma loção mágica. Estrume, pó de gafanhoto, nada. Talvez o fenômeno fosse mais comum do que a gente imaginava. Mas não conhecíamos ninguém na idade dele que estivesse recuperando cabelo com a mesma velocidade e no mesmo volume. A única explicação era: milagre.
Anos depois, pensando no “vô” Volpe, e antes daquele filme em que o Brad Pitt nasce velho e morre bebê, escrevi uma história assim: um vovô começa a recuperar não só o cabelo da sua juventude mas a própria juventude, e regride até a infância, infernizando a todos com suas malcriações. Lembro que a história termina com a família reunida para combinar o que fazer com o velhinho, e uma filha dizendo:
– Vovô, vai brincar lá fora, vai.
Gosto de pensar que, com um pouco mais de vida, o “vô” Volpe, que era, como se dizia na época, mas não na frente da “vó” Emma, um namorador, também ganharia uma segunda juventude. Com todos os cabelos.
E tenho pensado muito no “vô” Volpe porque estão nascendo cabelos na minha careca. Está bem, ainda é cedo para saber no que vão dar. No momento parece que se encaminham para uma espécie de punk geriátrico, mas tudo pode acontecer. Confio na força calabresa dos genes do “vô” Volpe.
Pedras no caminho - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 04/03/12
Não há tarefas fáceis na política econômica. Conter o tsunami de dólares usando regras, impostos, pedágios, quarentenas ou a compra da moeda americana no mercado é muito difícil. Uma forma de reduzir a atratividade de capitais de curto prazo seria a queda forte dos juros, e isso é o que se busca, mas devagar e a médio e longo prazos para não realimentar a inflação. Além disso, está ainda sem resolver o dilema da remuneração da poupança.
O Ministério da Fazenda está estudando como enfrentar o limite de queda dos juros produzido pela remuneração fixa da poupança, que é atrelada à Taxa de Referência (TR) mais 6% ao ano. É um rendimento pequeno, mas levando-se em conta que a caderneta de poupança não tem imposto, acaba representando um pouco mais. Qualquer mudança nesse ponto, no entanto, esbarra em vários problemas. Um deles é que esta é a forma de poupança que mais atrai o pequeno aplicador, o que não tem outras opções ou maiores informações. O segundo é que esse investidor sofreu um golpe que deixou um trauma difícil de superar quando teve seu dinheiro preso no Plano Collor. Hoje, qualquer decisão que possa ser entendida como "mexer na poupança" é vista como uma heresia. Em 2009, quando os juros chegaram no nível mais baixo dos últimos anos, 8,75%, o Ministério da Fazenda chegou a lançar uma proposta de baixar um imposto sobre as maiores aplicações. Deu muita crítica e o assunto foi arquivado. Agora, com luvas de pelica, voltam a estudar o tema. Que não tomem nenhuma medida apressada.
Mas, mesmo que caia bastante, a taxa de juros que está hoje em 10,5% continuará alta demais num mundo de juros zero. O Brasil fica sendo, com esses juros, um local irresistível para investimento. Representa um risco muito menor de calote do que está expresso na nota imprecisa que recebe das agências, e remunera o capital estrangeiro com uma das maiores taxas do mundo. Para instituições aqui sediadas, tomar empréstimo no exterior para reemprestá-lo no Brasil é uma tentação irresistível. O Banco do Brasil acabou de fazer uma captação assim para oferecer crédito para pessoas e empresas internamente. Mesmo com o IOF incidindo sobre toda operação de empréstimos externos com menos de três anos, vale a pena pelas altas taxas cobradas em qualquer modalidade de crédito no Brasil.
O tsunami se forma não apenas pela montanha de dólares e euros emitidos pelos bancos centrais dos Estados Unidos e Europa. Acontece por outros desequilíbrios da economia brasileira, como o custo de capital, que abre possibilidades de inúmeras operações lucrativas para bancos e grandes empresas, sejam nacionais ou estrangeiras.
Se dinheiro tivesse carimbo e destino conhecido, seria mais fácil. O governo poderia estabelecer que se ele fosse especulativo não poderia entrar; se fosse para o setor produtivo poderia. Mas como definir um dinheiro captado por um banco comercial - como o fez o BB - para reduzir o custo de oferta de empréstimos no mercado brasileiro? Isso será mais dólares entrando no país, ajudando a apreciar a moeda brasileira, mas ao mesmo tempo alimenta o consumo que tem mantido a economia com algum crescimento no meio da crise externa.
Um dos principais problemas da política econômica brasileira hoje é como evitar a desvalorização do dólar, mas isso está fora da nossa jurisdição. Há inúmeros fatores que o Brasil não controla e que afetam o preço da moeda americana. Tudo o que se pode fazer tem sido feito, mas o dólar sobe e desce puxado ou empurrado por eventos sobre os quais o governo brasileiro não tem qualquer influência. Uma onda de pânico faz com que toda essa massa de liquidez que anda pelo mundo corra para títulos do Tesouro americano, e aí o dólar sobe abruptamente provocando desequilíbrios; uma onda de otimismo faz com que os capitais procurem outros mercados, diminua a aversão ao risco, como se diz no mercado, e isso faz o real se apreciar fortemente.
Além de impostos e outras barreiras normativas, o que mais o país pode fazer no curto prazo? De vez em quando as autoridades fazem declarações ameaçadoras do tipo: "não assistiremos impassíveis" ou "temos arsenal e o usaremos". Isso produz alguma pequena ondulação, para logo depois tudo voltar para a tendência indesejada. No "Financial Times" de sexta-feira, uma das matérias era sobre a decisão do Brasil de travar "uma guerra" contra a "guerra cambial". Mas a munição pode ser mais do mesmo protecionismo com que o Brasil enfrentou em sua história, recorrentemente, qualquer ameaça sobre a indústria.
As soluções são de mais longo prazo e conhecidas - aumentar a taxa de poupança, reduzir o custo Brasil, diminuir os juros de equilíbrio, derrubar o déficit. Tudo faz parte daquela lista de tarefas que o Brasil vem adiando.
Neste momento, o que acontece é que quando o mar de liquidez sobe o barquinho da moeda brasileira também sobe. Como o país teve de fato avanços o real se apreciaria mesmo, mas parte da alta é efeito da grande onda que se formou. E não podemos deter a onda. Surfá-la não será fácil. Os dilemas da política econômica hoje são complexos e o arsenal do governo é de armas obsoletas ou muito óbvias.
Não há tarefas fáceis na política econômica. Conter o tsunami de dólares usando regras, impostos, pedágios, quarentenas ou a compra da moeda americana no mercado é muito difícil. Uma forma de reduzir a atratividade de capitais de curto prazo seria a queda forte dos juros, e isso é o que se busca, mas devagar e a médio e longo prazos para não realimentar a inflação. Além disso, está ainda sem resolver o dilema da remuneração da poupança.
O Ministério da Fazenda está estudando como enfrentar o limite de queda dos juros produzido pela remuneração fixa da poupança, que é atrelada à Taxa de Referência (TR) mais 6% ao ano. É um rendimento pequeno, mas levando-se em conta que a caderneta de poupança não tem imposto, acaba representando um pouco mais. Qualquer mudança nesse ponto, no entanto, esbarra em vários problemas. Um deles é que esta é a forma de poupança que mais atrai o pequeno aplicador, o que não tem outras opções ou maiores informações. O segundo é que esse investidor sofreu um golpe que deixou um trauma difícil de superar quando teve seu dinheiro preso no Plano Collor. Hoje, qualquer decisão que possa ser entendida como "mexer na poupança" é vista como uma heresia. Em 2009, quando os juros chegaram no nível mais baixo dos últimos anos, 8,75%, o Ministério da Fazenda chegou a lançar uma proposta de baixar um imposto sobre as maiores aplicações. Deu muita crítica e o assunto foi arquivado. Agora, com luvas de pelica, voltam a estudar o tema. Que não tomem nenhuma medida apressada.
Mas, mesmo que caia bastante, a taxa de juros que está hoje em 10,5% continuará alta demais num mundo de juros zero. O Brasil fica sendo, com esses juros, um local irresistível para investimento. Representa um risco muito menor de calote do que está expresso na nota imprecisa que recebe das agências, e remunera o capital estrangeiro com uma das maiores taxas do mundo. Para instituições aqui sediadas, tomar empréstimo no exterior para reemprestá-lo no Brasil é uma tentação irresistível. O Banco do Brasil acabou de fazer uma captação assim para oferecer crédito para pessoas e empresas internamente. Mesmo com o IOF incidindo sobre toda operação de empréstimos externos com menos de três anos, vale a pena pelas altas taxas cobradas em qualquer modalidade de crédito no Brasil.
O tsunami se forma não apenas pela montanha de dólares e euros emitidos pelos bancos centrais dos Estados Unidos e Europa. Acontece por outros desequilíbrios da economia brasileira, como o custo de capital, que abre possibilidades de inúmeras operações lucrativas para bancos e grandes empresas, sejam nacionais ou estrangeiras.
Se dinheiro tivesse carimbo e destino conhecido, seria mais fácil. O governo poderia estabelecer que se ele fosse especulativo não poderia entrar; se fosse para o setor produtivo poderia. Mas como definir um dinheiro captado por um banco comercial - como o fez o BB - para reduzir o custo de oferta de empréstimos no mercado brasileiro? Isso será mais dólares entrando no país, ajudando a apreciar a moeda brasileira, mas ao mesmo tempo alimenta o consumo que tem mantido a economia com algum crescimento no meio da crise externa.
Um dos principais problemas da política econômica brasileira hoje é como evitar a desvalorização do dólar, mas isso está fora da nossa jurisdição. Há inúmeros fatores que o Brasil não controla e que afetam o preço da moeda americana. Tudo o que se pode fazer tem sido feito, mas o dólar sobe e desce puxado ou empurrado por eventos sobre os quais o governo brasileiro não tem qualquer influência. Uma onda de pânico faz com que toda essa massa de liquidez que anda pelo mundo corra para títulos do Tesouro americano, e aí o dólar sobe abruptamente provocando desequilíbrios; uma onda de otimismo faz com que os capitais procurem outros mercados, diminua a aversão ao risco, como se diz no mercado, e isso faz o real se apreciar fortemente.
Além de impostos e outras barreiras normativas, o que mais o país pode fazer no curto prazo? De vez em quando as autoridades fazem declarações ameaçadoras do tipo: "não assistiremos impassíveis" ou "temos arsenal e o usaremos". Isso produz alguma pequena ondulação, para logo depois tudo voltar para a tendência indesejada. No "Financial Times" de sexta-feira, uma das matérias era sobre a decisão do Brasil de travar "uma guerra" contra a "guerra cambial". Mas a munição pode ser mais do mesmo protecionismo com que o Brasil enfrentou em sua história, recorrentemente, qualquer ameaça sobre a indústria.
As soluções são de mais longo prazo e conhecidas - aumentar a taxa de poupança, reduzir o custo Brasil, diminuir os juros de equilíbrio, derrubar o déficit. Tudo faz parte daquela lista de tarefas que o Brasil vem adiando.
Neste momento, o que acontece é que quando o mar de liquidez sobe o barquinho da moeda brasileira também sobe. Como o país teve de fato avanços o real se apreciaria mesmo, mas parte da alta é efeito da grande onda que se formou. E não podemos deter a onda. Surfá-la não será fácil. Os dilemas da política econômica hoje são complexos e o arsenal do governo é de armas obsoletas ou muito óbvias.
Dores do sistema - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 04/03/12
O ministro Carlos Ayres Britto tomou na semana passada uma decisão aparentemente secundária, mas representativa de um debate que voltará à cena principal tão logo o Tribunal Superior Eleitoral dê início ao exame das ações do PSD reivindicando tempo de televisão e parcela do fundo partidário proporcionais à bancada de 47 deputados na Câmara.
Em caráter liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal decidiu que o partido do prefeito Gilberto Kassab não tem direito a participar das comissões permanentes da Casa porque "não passou pelo teste das urnas".
Corroborou a posição do presidente da Câmara, Marco Maia, que havia negado o acesso às comissões sob o argumento de que o cálculo de distribuição deve ser feito conforme o tamanho das bancadas saídas das urnas.
Problema interno na Câmara? Mais ou menos. O mesmo critério é adotado nas legislações que regem a divisão do fundo partidário e a partilha do tempo de televisão. Tanto a lei 9.096 quanto a 9.054 são claras: estabelecem que a regra da proporcionalidade aplica-se conforme os votos obtidos na última eleição.
Ora, se o PDS não elegeu nenhum dos deputados que hoje integram sua bancada na Câmara, teoricamente o partido de Kassab teria entrado numa batalha perdida.
Problema de Kassab e do PSD? Mais ou menos. A depender das decisões que os colegiados do Supremo e do TSE venham a tomar sobre essas questões, pode vir a ser um problema para um sistema eleitoral sabidamente deformado.
Ayres Britto indicou numa direção: a da interpretação absolutamente literal da lei. Mas há divergências quanto à maneira de se abordar essas questões que poderão levar a um debate sobre legalidade e legitimidade na representação dos partidos.
O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, também integrante do STF e do Tribunal Eleitoral, acha que será preciso levar em conta a realidade.
Segundo ele, quando a Justiça resolveu abrir uma brecha na regra da fidelidade partidária admitindo trocas de partido em caso de criação de nova legenda e também quando aprovou o registro definitivo do PSD - duas decisões das quais o ministro discordou e por isso diz estar "a cavaleiro" para opinar - aceitou o conceito da relatividade na aplicação das normas.
"Como ignorar a existência de um partido com 47 deputados e puni-lo até a próxima eleição? A regra beneficia o desempenho eleitoral, mas os fatos mudaram a realidade e, portanto, é preciso levar em conta o relevo maior da representação existente", argumenta.
Na ação sobre o acesso às comissões ainda a ser votada no plenário do Supremo, há chance de o PSD ganhar, uma vez que a Constituição remete a questão ao regimento interno da Câmara e este fala em "sessão legislativa" e não em "legislatura" para efeito de distribuição de postos.
A diferença? Legislatura ocorre a cada quatro anos, diz respeito ao mandato todo, e sessão legislativa é aberta duas vezes ao ano (no início de fevereiro e em agosto, depois do recesso). Como o PSD conseguiu registro no ano passado, na sessão em curso estaria apto a integrar comissões.
Quanto ao tempo de televisão e o dinheiro do fundo partidário (hoje tem direito a R$ 125 mil ao ano, se ganhar na Justiça passa a receber R$ 19 milhões), a teoria joga contra o PSD, uma vez que os termos da legislação são categóricos: a repartição dar-se-á na proporção dos votos obtidos na última eleição.
E na última eleição o PSD não existia. Os deputados que passaram a integrá-lo conquistaram votos que, como decidiu anteriormente a Justiça, transformados em mandatos, pertencem aos partidos.
Isso em tese, na letra fria, pois, é como diz o ministro Marco Aurélio: ignorar a realidade quem há de?
A despeito da tendência a de afastar da literalidade, o ministro reconhece: uma decisão maleável enfraquece as tentativas da Justiça de estabelecer balizas mais firmes aos meios e modos eleitorais.
Mas aí, pondera que o problema não é do juiz, mas do sistema. "Não fecha, é casuístico e privilegia a forma em detrimento do conteúdo".
O DNA das palavras - CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SP - 04/03/12
RIO DE JANEIRO - A Justiça acolheu o pedido de um cidadão que deseja modificar um verbete do dicionário de Antônio Houaiss, publicado sob a responsabilidade do instituto criado pelo famoso filólogo.
O verbete em causa é "cigano" e seus derivados, como ciganear, ciganice e outros. Como é praxe nos dicionários, há a relação de todos os significados de determinada palavra, inclusive aqueles que podem ser considerados ou que são realmente pejorativos.
Dando seguimento à ação, a Justiça pediu o recolhimento do estoque existente do dicionário em questão e estabeleceu pesa-
da quantia a ser paga ao querelante, devido à indenização moral a que teria direito.
No passado, um intelectual de origem judaica também questionou o verbete "judiação", constante de muitos dicionários. Não me lembro no que deu a ação, mas a palavra continua constando do léxico, com o significado de maltrato a alguém. É a linguagem do povo, verdadeiro autor e usuário das palavras.
O que se exige de um dicionário é que traga o maior número de significados para cada vocábulo, inclusive para aqueles que podem ser pejorativos ou insultuosos a determinados indivíduos, comunidades ou instituições.
Qualquer palavra pode mudar de significado conforme as circunstâncias e o tom da pronúncia. É o caso de "cachorrada", altamente pejorativa, derivada de cachorro e cão. "Você é um cão" pode ser elogioso, no sentido de fidelidade, apego a
um amigo. Mas pode ser pejorativo, com o sentido de canalha: "Você não passa de um cão".
Há o caso de "barbeiragem" e "barbeiro", palavras relativas a um ofício antigo e digno, mas que a gíria adotou para designar, inicialmente, um mau motorista, e, depois, qualquer um que cometa uma ação errada.
RIO DE JANEIRO - A Justiça acolheu o pedido de um cidadão que deseja modificar um verbete do dicionário de Antônio Houaiss, publicado sob a responsabilidade do instituto criado pelo famoso filólogo.
O verbete em causa é "cigano" e seus derivados, como ciganear, ciganice e outros. Como é praxe nos dicionários, há a relação de todos os significados de determinada palavra, inclusive aqueles que podem ser considerados ou que são realmente pejorativos.
Dando seguimento à ação, a Justiça pediu o recolhimento do estoque existente do dicionário em questão e estabeleceu pesa-
da quantia a ser paga ao querelante, devido à indenização moral a que teria direito.
No passado, um intelectual de origem judaica também questionou o verbete "judiação", constante de muitos dicionários. Não me lembro no que deu a ação, mas a palavra continua constando do léxico, com o significado de maltrato a alguém. É a linguagem do povo, verdadeiro autor e usuário das palavras.
O que se exige de um dicionário é que traga o maior número de significados para cada vocábulo, inclusive para aqueles que podem ser pejorativos ou insultuosos a determinados indivíduos, comunidades ou instituições.
Qualquer palavra pode mudar de significado conforme as circunstâncias e o tom da pronúncia. É o caso de "cachorrada", altamente pejorativa, derivada de cachorro e cão. "Você é um cão" pode ser elogioso, no sentido de fidelidade, apego a
um amigo. Mas pode ser pejorativo, com o sentido de canalha: "Você não passa de um cão".
Há o caso de "barbeiragem" e "barbeiro", palavras relativas a um ofício antigo e digno, mas que a gíria adotou para designar, inicialmente, um mau motorista, e, depois, qualquer um que cometa uma ação errada.
No trono em Paris - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 04/03/12
Não exagero ao dizer que nossa chegada causou sensação no 55 bis do boulevard Montparnasse. Logo nos demos conta, Mariza e eu, de que éramos ali praticamente os únicos estrangeiros, e mais: que não havia outros jovens naquele edifício de 1880, em cujas empoeiradas caves havia cartazes do tempo da Segunda Guerra com instruções para o que fazer em caso de bombardeio aéreo. Não detonamos uma só bomba, mas nenhum habitante fazia mais barulho do que nós, com o papagueio de nossas hordas de visitantes latino-americanos e o matraqueado, a horas mortas, da minha Olivetti Lettera 22, ruidoso instrumento que os antigos usavam para escrever.
Eu mesmo não atentei para o desconforto auditivo que infligia aos demais, até ser advertido por mademoiselle Rakov, a septuagenária vizinha búlgara a quem já dediquei uma crônica - e muito mais dedicaria, se tivesse podido saber o que ela fazia em companhia dos rapazes que, no mínimo em duplas, recebia em seu apartamento, pegado ao meu, de onde, madrugada adentro, vazavam cascatas de risadas. Lascivas? Estive perto de sabê-lo na noite em que, vencidos os 99 degraus de acesso ao sexto andar, vi abrir-se a porta em frente e dela emergir o vulto encarquilhado da Rakov, mais desgrenhada que nunca, com seus formidandos joanetes, um cálice de aguardente búlgara entre os dedos nodosos e um aliciante sorriso de pouquíssimos dentes. "Vous êtes beaux, monsieur!", exclamou ela, no que me soou como convite para chafurdar em seu covil. É tarde para me arrepender.
Com momices de menina sapeca, a Rakov um dia me contou que tomara a iniciativa de espalhar no prédio a informação de que o jeune homme brésilien era um romancista às voltas com as musas. Fiz uma retificação: não se tratava de romance, e sim de nova versão das Sagradas Escrituras na qual o Demônio triunfaria. Longe de se escandalizar, a vizinha sacudiu-se num riso rascante que fez fremir a gigantesca verruga encravada no sopé de seu nariz de couve-flor. Simpatizava com o casal de forasteiros - no que, diria Antonio Houaiss, era reciprocada.
Com a concièrge, porém, suas relações eram de beligerância. Não passava dia em que eu, xeretando no olho mágico, não as visse empenhadas no mesmíssimo bate-boca. A Rakov esganiçava desaforos que a concièrge encaixava sem se abalar, limitando-se a pôr lenha na refrega com um imutável insulto, sussurrado em voz acolchoada: ordure! (lixo).
Ao contrário da Rakov, apreciadora da pinga brasileira, a concièrge jamais foi admitida em nosso tugúrio, que praticamente se resumia à sala, convertida à noite em quarto de dormir. A lareira não funcionava, mas impressionava. O espelho sobre ela não era menos imponente, embora tomado por colônias de fungos - os mesmos, quem sabe, que comprometiam ainda mais a desbotada dignidade do papel de parede. "Aqui outrora retumbaram hinos!", fantasiava eu pela voz de Raimundo Correia. Em vez de hinos, porém, tudo o que se ouvia ali era a fuzarca dos pombos residentes na chaminé.
O aquecimento dependia da solitária modernidade existente em nosso lar, um avantajado radiador no hall de entrada. Encarregado de aquecer toda a moradia, expedia um bafo tórrido que certa noite assou a mala de uma visita enquanto papeávamos. Bem no centro do banheiro havia uma banheira pequena e funda, com um degrau para o freguês sentar. Na entrega das chaves, a senhoria, Marie-Hélène de Oliveira, de quem falei na semana passada, explicou que o bidê tinha a função alternativa de lavatório de verduras. Ao lado da pia, onde deveria estar o vaso sanitário, tremelicava uma veneranda geladeira. Sim, banheiro sem WC mas com geladeira. A privada ficava num cubículo no final do estreito corredor-cozinha. O camarada se aboletava e os joelhos por pouco não relavam na parede. A compensação estava na ampla vidraça, através da qual se contemplava um mar de telhados parisienses. Sim, a impressão de estar pairando sur les toits de Paris, que nem na canção da Piaf. Nos trâmites de atender a prosaicas necessidades da carne, você, quer dizer, eu, podia ver, ao fundo, nada menos que as cúpulas da basílica do Sacré-Coeur de Montmartre. Nunca, antes ou depois, experimentei com tanto realismo a sensação de estar sentado num trono.
Fator Chalita - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 04/03/12
O novo Datafolha sobre a corrida eleitoral paulistana evidencia o dano potencial da candidatura de Gabriel Chalita para o PSDB. Ex-tucano e amigo de Geraldo Alckmin, o peemedebista obtém seus mais expressivos índices de intenção de voto exatamente nas faixas do eleitorado em que José Serra também alcança melhor desempenho: as de maior escolaridade e renda.
Chalita ocupa a segunda posição nos dois segmentos, embora bem atrás de Serra. Os números fundamentam a estratégia do PT de preservar o candidato do PMDB no páreo para incomodar o ex-governador, já que Fernando Haddad se mantém estacionado.
Casa do Saber
Chalita oscila de 15% a 26% no eleitorado de nível superior. Serra vai de 40% a 43% nos cenários testados. No grupo que declara rendimento mensal familiar acima de 10 salários mínimos, o peemedebista pontua de 12% a 21%, contra 42% a 56% do tucano.
Ecumênico
Ligado à Renovação Carismática da Igreja Católica, Chalita pontua mais entre os espíritas (13%) que entre os católicos (8%).
Vestibular
Haddad, que vai usar o ProUni como bandeira de campanha, não decola entre o público com formação superior: tem os mesmos 3% nessa faixa que registra no eleitorado em geral.
Time 1
Antes de consultar Alckmin sobre a indicação do secretário Edson Aparecido (Desenvolvimento Metropolitano) para coordenação de sua campanha, Serra apresentou ao governador a escalação de seu QG.
Time 2
Figuram na lista o ex-governador Alberto Goldman; o senador Aloysio Nunes; Ieda Areias, ex-secretária particular de Serra; o deputado federal Walter Feldman e o vice-governador Guilherme Afif, da cota do PSD.
Avança...
Quando receberam sinal verde de Eduardo Campos, os dirigentes do PSB da capital ofereceram três nomes para vice de Haddad e discutiram até coligação proporcional com o PT.
... e recua
Desde que o prefeito Gilberto Kassab interveio, quarta-feira, as negociações pararam. Tucanos acreditam que só uma intervenção direta de Campos tira a sigla da órbita serrista.
Malha fina 1
O governo acompanha a investigação sobre a compra de um apartamento em dinheiro vivo pelo presidente Aldemir Bendine, iniciada no ano passado, e que tem potencial para ser o próximo lance na briga interna que assola a instituição.
Malha fina 2
O imóvel foi declarado na escritura por R$ 150 mil, mas outro apartamento, no mesmo andar, foi avaliado em R$ 310 mil. A avaliação do Planalto é que Bendine não escapa do episódio sem pelo menos uma multa da Receita Federal.
Carona
Sem conseguir ser recebido por Guido Mantega (Fazenda), o SindiReceita foi bater à porta de José Eduardo Cardozo (Justiça) para pedir para que os fiscais do órgão recebam adicional de fronteira, bem como policiais federais e rodoviários.
RH
Dilma Rousseff não desistiu de trocar as ministras Ana de Hollanda e Luiza Bairros. Para a Cultura, busca um nome que represente a classe artística, mas não seja político. Para a Igualdade Racial, quer repetir o perfil de uma mulher negra.
Celebridade Maria das Graças Foster se queixou a amigos que não pode mais andar incógnita no calçadão sem ser abordada por pessoas com ações da Petrobras pelo baixo valor dos papéis.
Tiroteio
O aparelhamento do PT ultrapassou qualquer limite e agora ameaça minar o desempenho do maior banco público e do maior fundo de pensão estatal do país.
DO SENADOR AÉCIO NEVES (PSDB-MG), sobre a briga entre o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, e o presidente da Previ, Ricardo Flores, que recrudesceu com investigação sobre um ex-vice-presidente do BB.
Contraponto
Santo de casa
Em visita à Prefeitura de São Bernardo, anteontem, os deputados petistas Jilmar Tatto (SP), Arlindo Chinaglia (SP) e Marco Maia (RS) folheavam informativo do governo Luiz Marinho (PT), que tem carta de Lula abordando as obras no bairro em que vive. Tatto, líder do partido na Câmara, comentou ao notar que as principais realizações do prefeito são fruto de parceria federal:
-Olha, gente. Vou levar esse folheto aos colegas do Congresso. É por isso que não vai dinheiro para outro lugar. Vem tudo para São Bernardo. Assim não dá!
O novo Datafolha sobre a corrida eleitoral paulistana evidencia o dano potencial da candidatura de Gabriel Chalita para o PSDB. Ex-tucano e amigo de Geraldo Alckmin, o peemedebista obtém seus mais expressivos índices de intenção de voto exatamente nas faixas do eleitorado em que José Serra também alcança melhor desempenho: as de maior escolaridade e renda.
Chalita ocupa a segunda posição nos dois segmentos, embora bem atrás de Serra. Os números fundamentam a estratégia do PT de preservar o candidato do PMDB no páreo para incomodar o ex-governador, já que Fernando Haddad se mantém estacionado.
Casa do Saber
Chalita oscila de 15% a 26% no eleitorado de nível superior. Serra vai de 40% a 43% nos cenários testados. No grupo que declara rendimento mensal familiar acima de 10 salários mínimos, o peemedebista pontua de 12% a 21%, contra 42% a 56% do tucano.
Ecumênico
Ligado à Renovação Carismática da Igreja Católica, Chalita pontua mais entre os espíritas (13%) que entre os católicos (8%).
Vestibular
Haddad, que vai usar o ProUni como bandeira de campanha, não decola entre o público com formação superior: tem os mesmos 3% nessa faixa que registra no eleitorado em geral.
Time 1
Antes de consultar Alckmin sobre a indicação do secretário Edson Aparecido (Desenvolvimento Metropolitano) para coordenação de sua campanha, Serra apresentou ao governador a escalação de seu QG.
Time 2
Figuram na lista o ex-governador Alberto Goldman; o senador Aloysio Nunes; Ieda Areias, ex-secretária particular de Serra; o deputado federal Walter Feldman e o vice-governador Guilherme Afif, da cota do PSD.
Avança...
Quando receberam sinal verde de Eduardo Campos, os dirigentes do PSB da capital ofereceram três nomes para vice de Haddad e discutiram até coligação proporcional com o PT.
... e recua
Desde que o prefeito Gilberto Kassab interveio, quarta-feira, as negociações pararam. Tucanos acreditam que só uma intervenção direta de Campos tira a sigla da órbita serrista.
Malha fina 1
O governo acompanha a investigação sobre a compra de um apartamento em dinheiro vivo pelo presidente Aldemir Bendine, iniciada no ano passado, e que tem potencial para ser o próximo lance na briga interna que assola a instituição.
Malha fina 2
O imóvel foi declarado na escritura por R$ 150 mil, mas outro apartamento, no mesmo andar, foi avaliado em R$ 310 mil. A avaliação do Planalto é que Bendine não escapa do episódio sem pelo menos uma multa da Receita Federal.
Carona
Sem conseguir ser recebido por Guido Mantega (Fazenda), o SindiReceita foi bater à porta de José Eduardo Cardozo (Justiça) para pedir para que os fiscais do órgão recebam adicional de fronteira, bem como policiais federais e rodoviários.
RH
Dilma Rousseff não desistiu de trocar as ministras Ana de Hollanda e Luiza Bairros. Para a Cultura, busca um nome que represente a classe artística, mas não seja político. Para a Igualdade Racial, quer repetir o perfil de uma mulher negra.
Celebridade Maria das Graças Foster se queixou a amigos que não pode mais andar incógnita no calçadão sem ser abordada por pessoas com ações da Petrobras pelo baixo valor dos papéis.
Tiroteio
O aparelhamento do PT ultrapassou qualquer limite e agora ameaça minar o desempenho do maior banco público e do maior fundo de pensão estatal do país.
DO SENADOR AÉCIO NEVES (PSDB-MG), sobre a briga entre o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, e o presidente da Previ, Ricardo Flores, que recrudesceu com investigação sobre um ex-vice-presidente do BB.
Contraponto
Santo de casa
Em visita à Prefeitura de São Bernardo, anteontem, os deputados petistas Jilmar Tatto (SP), Arlindo Chinaglia (SP) e Marco Maia (RS) folheavam informativo do governo Luiz Marinho (PT), que tem carta de Lula abordando as obras no bairro em que vive. Tatto, líder do partido na Câmara, comentou ao notar que as principais realizações do prefeito são fruto de parceria federal:
-Olha, gente. Vou levar esse folheto aos colegas do Congresso. É por isso que não vai dinheiro para outro lugar. Vem tudo para São Bernardo. Assim não dá!
Trair e coçar... - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 04/03/12
BRASÍLIA - Uma base aliada gigantesca como a de Dilma é uma faca de dois gumes. No início, os governantes adoram. Depois, lamentam.
Conveniente no Congresso, uma base tão inflada e heterogênea vira um problema na hora de fatiar os cargos de governo e um drama em ano eleitoral. É quando a chantagem corre solta, como agora.
PMDB, PDT, PSB, PTB, PR, os aliados se dizem insatisfeitos com o governo e irritados com o PT e ameaçam: Olha que vamos apoiar o Serra! As colunas de Oscar Niemeyer no Palácio do Planalto tremem.
Se vão trair mesmo ou não é outra história, mas o fato é que a candidatura de José Serra pelo PSDB sacode não só a campanha do petista Fernando Haddad, que ia tão bem, como desestabiliza a aliança em torno de Dilma. Uma penca de partidos estava pronta a apoiar Haddad, mas recuou e hoje negocia a céu aberto com os dois lados, pressionando o governo por cargos e favores.
A nomeação do bispo da Universal Marcelo Crivella (PRB) para o Ministério da Pesca reflete isso, tanto quanto o choro de Dilma na cerimônia de posse. É improvável que o motivo tenha sido Luiz Sérgio, demitido duas vezes do mesmo governo, na segunda por telefone, e muito plausível que seja pela enorme pressão a que ela está submetida.
Não é fácil resistir, até porque Dilma se aconselha com Lula e a prioridade dele é derrotar os tucanos em São Paulo. Se depender de Lula, Dilma cede e pronto. Mas isso contraria a natureza da presidente, mais técnica do que política.
Enquanto quem criava caso eram os partidos médios, dava para enrolar, mas o problema passou a ser com o gigante PMDB, que tem o vice Michel Temer e foi aliado de FHC. Dos seus 76 deputados, 45 assinaram manifesto contra a sanha hegemônica petista. O alvo ostensivo foi o PT, o real é o governo Dilma.
Os aliados adoram ser governo, mas estão se coçando para trair.
BRASÍLIA - Uma base aliada gigantesca como a de Dilma é uma faca de dois gumes. No início, os governantes adoram. Depois, lamentam.
Conveniente no Congresso, uma base tão inflada e heterogênea vira um problema na hora de fatiar os cargos de governo e um drama em ano eleitoral. É quando a chantagem corre solta, como agora.
PMDB, PDT, PSB, PTB, PR, os aliados se dizem insatisfeitos com o governo e irritados com o PT e ameaçam: Olha que vamos apoiar o Serra! As colunas de Oscar Niemeyer no Palácio do Planalto tremem.
Se vão trair mesmo ou não é outra história, mas o fato é que a candidatura de José Serra pelo PSDB sacode não só a campanha do petista Fernando Haddad, que ia tão bem, como desestabiliza a aliança em torno de Dilma. Uma penca de partidos estava pronta a apoiar Haddad, mas recuou e hoje negocia a céu aberto com os dois lados, pressionando o governo por cargos e favores.
A nomeação do bispo da Universal Marcelo Crivella (PRB) para o Ministério da Pesca reflete isso, tanto quanto o choro de Dilma na cerimônia de posse. É improvável que o motivo tenha sido Luiz Sérgio, demitido duas vezes do mesmo governo, na segunda por telefone, e muito plausível que seja pela enorme pressão a que ela está submetida.
Não é fácil resistir, até porque Dilma se aconselha com Lula e a prioridade dele é derrotar os tucanos em São Paulo. Se depender de Lula, Dilma cede e pronto. Mas isso contraria a natureza da presidente, mais técnica do que política.
Enquanto quem criava caso eram os partidos médios, dava para enrolar, mas o problema passou a ser com o gigante PMDB, que tem o vice Michel Temer e foi aliado de FHC. Dos seus 76 deputados, 45 assinaram manifesto contra a sanha hegemônica petista. O alvo ostensivo foi o PT, o real é o governo Dilma.
Os aliados adoram ser governo, mas estão se coçando para trair.
Pela honra do mandatário - MARIO VARGAS LLOSA
O ESTADÃO - 04/03/12
O presidente do Equador, Rafael Correa, ganhou uma importante batalha legal contra a liberdade de imprensa em seu país, e deu mais um passo para transformar o seu governo em um regime autoritário. A Corte Nacional de Justiça, a máxima instância da magistratura, condenou o jornal El Universo, decano da imprensa equatoriana com mais de 90 anos de existência, por injúrias ao presidente, com uma sentença extremamente severa: US$ 40 milhões e 3 anos de cadeia para os principais responsáveis do diário, os irmãos Carlos, César e Nicolás Pérez. (Correa depois "perdoou" a multa e pediu a anulação da sentença.)
O processo se iniciou há pouco menos de um ano, em razão de um artigo do jornalista Emilio Palacio, que, comentando a atuação de Correa numa confusa rebelião da polícia, em setembro de 2010, na qual acabou envolvido, afirmava: "O ditador deveria lembrar, por fim, e isto é muito importante, que com o indulto, no futuro, um novo presidente, talvez inimigo seu, poderia levá-lo perante um tribunal penal por ter ordenado que se disparasse e sem aviso prévio contra um hospital cheio de civis e gente inocente". Correa considerou a frase lesiva à sua honra.
Comemorando a decisão do Tribunal, enquanto seus partidários queimavam na rua exemplares do diário incriminado, o chefe de Estado do Equador disse que, com a sentença, haviam sido alcançados três objetivos: "provar que El Universo mentiu e é possível julgar, não os palhaços, mas os donos do circo, além de mostrar que cidadãos podem reagir aos abusos da imprensa".
Ele não disse se estava satisfeito por sua honra ter sido reparada, e por uma razão muito simples: porque agora, precisamente, essa honra - aliás do seu nome e do seu governo - está sendo desprestigiada internacionalmente por uma operação judicial que toda a imprensa livre do mundo, as organizações de jornalistas, dos direitos humanos e partidos e governos democráticos consideram um atropelo cínico e exorbitante da liberdade de expressão. Levando em conta que esse atropelo não é o primeiro nem será o último, essa operação traz com consequências trágicas para o seu país.
Nem é preciso dizer que a sentença da Corte Nacional de Justiça do Equador coloca uma espada de Dâmocles sobre todos os meios de comunicação e os adversários do governo, advertindo-os de que qualquer crítica ao poder poderá acarretar represálias.
A intimidação e a ameaça de instalar a autocensura no mundo da informação, obrigando jornalistas e formadores de opinião a se tornarem censores de si mesmos e a escrever olhando furtivamente ao seu redor, é um método que todos os ditadores modernos praticam.
O exemplo mais conspícuo na América Latina, depois do caso óbvio de Cuba, é o do comandante Hugo Chávez, da Venezuela, seguido por sua aluna exemplar, a argentina Cristina Kirchner - mais hipócrita, mas mais efetiva do que o da anacrônica censura prévia ou o mero fechamento policial de meios de comunicação indomesticáveis.
O desaparecimento de um jornalismo livre e sua substituição por uma mídia neutralizada e incapaz de exercer a crítica é o sonho, também, das pseudodemocracias demagógicas e devastadas pelo populismo.
Na verdade, quando começou a se destacar, em abril de 2005, em plena crise constitucional, Correa, economista católico, com títulos pelas Universidade de Lovaina e de Illinois e uma brilhante carreira acadêmica, inspirou muitas esperanças. Aparentemente movido por sentimentos generosos e idealistas, acreditava-se que fortaleceria as instituições democráticas, a justiça social e a modernização do Equador.
Foi exatamente o contrário. Intoxicado pelo poder e pela obsessão continuísta, peão dos delírios socialistas e bolivarianos do comandante Chávez, Correa, com suas políticas de curto prazo, irresponsabilidade fiscal e corrupção multiplicada, empobreceu e confundiu a sociedade equatoriana, irritando-a e exasperando-a. Por isso, sua impopularidade foi crescendo de maneira sistemática nos últimos tempos.
Esse é o contexto que explica os golpes desesperados contra a liberdade de expressão nos últimos meses.
Dito isso, ninguém pode negar que o jornalismo, tanto no Equador quanto no restante da América Latina, está longe de ser sempre um exemplo de probidade, moderação e objetividade. Evidentemente, às vezes sucumbe ao sensacionalismo, ao exagero, à injúria e ao libelo, e por outro lado, um sistema judicial probo e independente deveria amparar os cidadãos contra esses excessos. Mas a decapitação não é o remédio mais adequado contra a dor de cabeça.
A sanção a El Universo pela Corte Nacional escandaliza, entre outras coisas, por sua desproporção com a suposta ofensa e o caráter exorbitante com que se destaca. É a melhor demonstração de que sua finalidade não é corrigir os erros de que tenha sido vítima uma pessoa. É um ato político, que pretende acabar de vez com todos os pilares da democracia.
De todo modo, foi uma vitória de Pirro de Rafael Correa. O caso serviu para mostrar, por um lado, como são pouco confiáveis os tribunais equatorianos em matéria de justiça, mancomunados como estão com os que controlam o poder político, e, por outro, a coragem e a coerência dos donos e dos jornalistas do Universo e dos inúmeros colegas equatorianos que se solidarizaram com eles. Os desenfreados esforços do governo para dividi-los e quebrá-los foram inúteis. Todos se uniram à sua luta: empresários, jornalistas, funcionários e gráficos, defendendo com magnífica coerência sua posição independente. Por seu lado, Correa converte-se num vulto indefinido, meio esmaecido, entre o tumulto dos pequenos caudilhos e dos "politicastros" que fazem parte da pior tradição da América Latina. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
Dilma e o 'efeito Crivella' - JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 04/03/12
O jogo bruto da política se apresentou com toda a intensidade para a presidente Dilma Rousseff, rompendo um ciclo em que a capacidade impositiva do governo lhe permitiu demitir sete ministros sem incendiar a base legislativa.
O desgaste cumulativo desse processo, no entanto, somado à proximidade da campanha eleitoral e a falhas do próprio governo na busca de isonomia política entre PT e PMDB e na condução de temas controversos como aborto, homofobia e Comissão da Verdade, emparedou a presidente.
A última semana exibiu a vulnerabilidade de Dilma, pressionada simultaneamente pelo protesto público do PMDB, pela desobediência dos militares da reserva e pelo ingresso do bispo-senador, Marcelo Crivella (PRB-RJ), no ministério - uma imposição da conjuntura eleitoral paulistana.
O recurso ao ex-presidente Lula em busca de orientação exibiu, de quebra, o grau de dependência em relação ao criador, cujo conselho foi o de sempre: agradar a base a qualquer custo, ceder no que for preciso, pois a hora não permite riscos.
O enredo fechou com o choro incontido na posse de Crivella, que agora participa do ministério com a garantia de que não haverá iniciativas de governo em temas sensíveis aos evangélicos, sem prévia consulta ao pescador de almas.
Crivella será o contraponto interno a vozes como a da nova ministra Eleonora Menicucci, que estreou com um discurso pró-aborto, e adversário de causas como a cartilha anti-homofóbica - posições que conflitam com as convicções da própria presidente, adormecidas em favor da estratégia eleitoral.
TV é tudo para PSD
É nesse momento de fragilidade do governo, que tem na crise com o PMDB seu epicentro, que o PSD investe para ser o fiel da balança no Legislativo, onde é a quarta força parlamentar, com vistas a composição com Dilma em 2014. A aliança com o PSDB paulista foi uma inflexão inesperada que produziu reações do partido fora de São Paulo, estimuladas pela oposição tucana à concessão do tempo de TV à nova legenda. "TV é tudo", diz Saulo Queiroz, secretário-geral do PSD.
PDT distante
No contexto em que a presidente Dilma busca reunir todas as forças de sua base, previsões de movimentação ministerial são arriscadas. Mas é voz corrente no governo que o PDT é um aliado cada vez mais distante. Os vetos a nomes do partido que poderiam agradar ao Planalto para o Ministério do Trabalho favorecem o PTB para o lugar de Carlos Lupi. Com o PSC, alinhado na indicação, o bloco tem 40 parlamentares.
Tempo quente
A declaração do secretário-geral da Fifa, Jérome Valcke, propondo um "chute no traseiro" do Brasil chegou num momento em que o governo já se dizia no limite com as imposições da instituição, que não se limitam a questões mais paroquiais, como preços de ingressos ou venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Na área das comunicações, o governo prepara um ultimato à Fifa: seu compromisso é viabilizar a infraestrutura nos estádios, mas não aceitará arcar com os custos dos serviços como quer Valcke.
A vez do MP
A iniciativa do Ministério Público de criar um órgão de controle nos moldes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), terá o estímulo do governo. Sobretudo porque alguns dos privilégios contestados hoje no âmbito do Judiciário, como adicionais de salário e pagamentos antecipados seletivos, tiveram origem no MP.
As famílias - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 04/03/12
Pensei no que seria de minha vida se meu pai não tivesse decidido ir tentar a vida na cidade grande
Hoje é domingo, e penso: e se não existissem os jornais? E se não existisse televisão, nem internet, nem cinema, nem telefone? Nem rádio?
Fico imaginando como era a vida dos nossos avós, que não tinham nada disso. Então, faziam o quê? Conversavam, talvez, mas os assuntos deviam ser poucos. Sobre o vizinho, que tinha saído mais cedo do que de costume, sobre a cozinheira, que não acertava o ponto do bolo, sobre o filho, que não tinha trazido o boletim para assinar.
A vida era diferente; havia tempo para as famílias, um resfriado era um grande assunto, e como os interesses dos homens e das mulheres não eram iguais, os casais não se falavam nem nos aniversários, nem na casa, nem na cama. Mas as mentes trabalhavam, mesmo que ninguém compreendesse muito bem o que estava pensando -até porque não se usava pensar.
Minha família por parte de mãe era grande, e meu avô, italiano; no total, eram 12 filhos vivos, nove mulheres e três homens (sete haviam morrido). Outro dia, revendo "Amarcord", lembrei de um tio, Hugo, que era igual a um dos personagens do filme de Fellini.
Hugo nunca estudou nem trabalhou nem conversou com ninguém; passava os dias jogando sinuca no bar, acordava tarde, chegava depois que todos já haviam jantado, e o melhor pedaço de frango era sempre guardado para ele, que era servido pela mãe. As irmãs morriam de medo dele, que se soubesse que alguma havia sido vista conversando com um rapaz, levava uma surra.
Surra mesmo, e minha avó -de quem nunca ouvi a voz-, já viúva, não dizia nada. Ele nunca namorou, nunca se casou e, puxando pela memória, não me parece que fosse gay. Aliás, em Cachoeiro do Itapemirim, onde moravam, só existia um gay na cidade, que se chamava Nacife. E também uma louca, a Rainha das Flores, sempre de chapéu, exageradamente pintada, com rouge cor de rosa nas faces e muito pó de arroz, que andava pela rua falando e cantando sozinha -puro Fellini.
O que se passava na cabeça de Hugo? E na cabeça de minhas tias, que precisavam se casar -era a única saída-, que apanhavam, mas não se revoltavam, e namoravam escondido?
Uma delas era diferente; por acaso, a mais velha de todas. Ela nasceu em 1900, ficou noiva de um caixeiro viajante que um dia sumiu e foi ser professora primária. Para lecionar -que palavra antiga- no grupo escolar, ia todos os dias, a cavalo, ensinar as crianças a ler.
O tempo passou, minha avó morreu, ela foi morar com uma das irmãs, já casada e com filhos. Ajudava em tudo o que fosse preciso, sem jamais reclamar de nada, sem um tostão de seu.
Quando tinha 90 anos, conseguiu realizar seu sonho: foi aposentada e passou a receber uma pensão que não era nada, mas para quem nunca teve um centavo, era muito. Ela se sentiu, de repente, rica.
Mas por que estou falando dessas coisas? Acho que porque acordei, lembrei desse tempo, sei lá por que, e me veio uma angústia só de pensar que podia não encontrar o jornal na porta; pensei também em Cachoeiro, e no que seria de minha vida se meu pai não tivesse decidido sair de Vitória para tentar a vida na cidade grande, o Rio de Janeiro, capital da República.
E o que teria sido de mim, se não tivesse tido um pai como o meu.
Pensei no que seria de minha vida se meu pai não tivesse decidido ir tentar a vida na cidade grande
Hoje é domingo, e penso: e se não existissem os jornais? E se não existisse televisão, nem internet, nem cinema, nem telefone? Nem rádio?
Fico imaginando como era a vida dos nossos avós, que não tinham nada disso. Então, faziam o quê? Conversavam, talvez, mas os assuntos deviam ser poucos. Sobre o vizinho, que tinha saído mais cedo do que de costume, sobre a cozinheira, que não acertava o ponto do bolo, sobre o filho, que não tinha trazido o boletim para assinar.
A vida era diferente; havia tempo para as famílias, um resfriado era um grande assunto, e como os interesses dos homens e das mulheres não eram iguais, os casais não se falavam nem nos aniversários, nem na casa, nem na cama. Mas as mentes trabalhavam, mesmo que ninguém compreendesse muito bem o que estava pensando -até porque não se usava pensar.
Minha família por parte de mãe era grande, e meu avô, italiano; no total, eram 12 filhos vivos, nove mulheres e três homens (sete haviam morrido). Outro dia, revendo "Amarcord", lembrei de um tio, Hugo, que era igual a um dos personagens do filme de Fellini.
Hugo nunca estudou nem trabalhou nem conversou com ninguém; passava os dias jogando sinuca no bar, acordava tarde, chegava depois que todos já haviam jantado, e o melhor pedaço de frango era sempre guardado para ele, que era servido pela mãe. As irmãs morriam de medo dele, que se soubesse que alguma havia sido vista conversando com um rapaz, levava uma surra.
Surra mesmo, e minha avó -de quem nunca ouvi a voz-, já viúva, não dizia nada. Ele nunca namorou, nunca se casou e, puxando pela memória, não me parece que fosse gay. Aliás, em Cachoeiro do Itapemirim, onde moravam, só existia um gay na cidade, que se chamava Nacife. E também uma louca, a Rainha das Flores, sempre de chapéu, exageradamente pintada, com rouge cor de rosa nas faces e muito pó de arroz, que andava pela rua falando e cantando sozinha -puro Fellini.
O que se passava na cabeça de Hugo? E na cabeça de minhas tias, que precisavam se casar -era a única saída-, que apanhavam, mas não se revoltavam, e namoravam escondido?
Uma delas era diferente; por acaso, a mais velha de todas. Ela nasceu em 1900, ficou noiva de um caixeiro viajante que um dia sumiu e foi ser professora primária. Para lecionar -que palavra antiga- no grupo escolar, ia todos os dias, a cavalo, ensinar as crianças a ler.
O tempo passou, minha avó morreu, ela foi morar com uma das irmãs, já casada e com filhos. Ajudava em tudo o que fosse preciso, sem jamais reclamar de nada, sem um tostão de seu.
Quando tinha 90 anos, conseguiu realizar seu sonho: foi aposentada e passou a receber uma pensão que não era nada, mas para quem nunca teve um centavo, era muito. Ela se sentiu, de repente, rica.
Mas por que estou falando dessas coisas? Acho que porque acordei, lembrei desse tempo, sei lá por que, e me veio uma angústia só de pensar que podia não encontrar o jornal na porta; pensei também em Cachoeiro, e no que seria de minha vida se meu pai não tivesse decidido sair de Vitória para tentar a vida na cidade grande, o Rio de Janeiro, capital da República.
E o que teria sido de mim, se não tivesse tido um pai como o meu.
O futuro da Venezuela - LUIZ FELIPE LAMPREIA
O GLOBO - 04/03/12
Hugo Chávez tomou posse pela primeira vez em 1999, em cerimônia a que compareci, e já então deu o tom do que seria seu governo.Na plateia da Congresso venezuelano, assisti entre constrangido e divertido ao ritual do novo presidente. Iniciou com um teatral sinal da cruz, que completou beijando sonoramente seu próprio anel e jurou "por esta Constituição defunta". Do lado de fora, a multidão em peso envergava boinas vermelhas dos paraquedistas. Aquilo era um mau presságio para a democracia venezuelana.
Giulio Andreotti tem uma máxima segundo a qual o poder desgasta muito a quem não o tem. Mas no caso de Hugo Chávez parece não ser assim. Há vários meses, o presidente pouco apareceu em público, reduziu sua agenda de compromissos e parou de apresentar o programa semanal "Aló Presidente", que durante anos moldou o diálogo nacional e garantiu seguidores. A fragilidade política de Hugo Chávez é agravada pela perda de popularidade, decorrente de um conjunto de crises estruturais, dentre elas: o colapso da segurança (desde 2007, houve 43.792 homicídios na Venezuela) e do sistema carcerário, a escassez de produtos básicos, o racionamento de energia, a inflação, que é hoje a maior da América Latina, alcançando 30%.
Chávez terá agora a mais desafiadora campanha de reeleição. Ele enfrentará uma oposição fortalecida pela inédita união em torno de um único candidato, Henrique Capriles. Sua imagem de invencibilidade, que o fez descrer e mesmo ocultar sua doença, está agora destruída. Chávez tem prognósticos médicos negativos e talvez nem sequer possa concorrer às eleições de outubro. Mas não é meu propósito fazer especulações sobre o resultado das eleições. Importa sobretudo tentar antever como será a Venezuela no futuro próximo.
Como todo ditador, Chávez nunca quis designar claramente um sucessor. Basta dizer que, em doze anos de poder, designou sete diferentes vice-presidentes, sem deixar que nenhum se fixasse como alternativa potencial. O resultado é que, como avalia Pedro Burelli, "não há ninguém aceitável para a sua sucessão, num governo feito à medida para um só homem". Daí resultaria uma crise de governabilidade, no caso de sua morte ou incapacitação, com diversas facções digladiando-se pelo espólio político.
Chávez desorganizou a economia venezuelana a tal ponto que repô-la nos trilhos será muito difícil. Até pouco, ele andava pelas ruas de Caracas com um grupo de assessores e apontava com o dedo para diversas empresas pequenas e médias ordenando sua nacionalização. Há pouco tempo, fez uma ameaça de nacionalização das minas de ouro e dos bancos além da implementação de uma nova política de preços de bens de consumo. Estas medidas são típicas da tática de pressionar empresas privadas para obrigá-las a contribuir com recursos para os programas populistas do governo e não contribuem em nada para gerar um clima de confiança para investimento. A própria PDVSA, a grande estatal petrolífera da Venezuela, detentora das maiores reservas do continente, tem uma capacidade de produção de 4 milhões de barris por dia, mas só consegue gerar em torno de 2,8 milhões, porque é sempre sangrada para atender às pressões governamentais e também porque foi objeto de expurgos que se seguiram a uma grande greve em 2003. Tudo isto representa obstáculos ao crescimento do país, que é igualmente dificultado pela ausência de reformas estruturais e má gestão. Quem quer que ganhe as eleições de outubro deste ano vai encontrar uma economia desequilibrada, uma infraestrutura caótica e uma distribuição inadequada de bens de consumo.
Pela primeira vez desde que Chávez assumiu o poder, a oposição está organizada em torno de Enrique Capriles, cuja escolha foi legitimada por primárias nacionais. Chávez havia subestimado o resultado e, uma vez consumado, tentou invalidá-lo com ameaças. O que reforçou a posição de Capriles porque militares fizeram valer a legitimidade e impediram uma violência governamental.
Os resultados das disputas dos próximos meses é imprevisível, embora seja provável que ocorra algum tipo de transição de poder. Porém, a Venezuela nunca mais será a mesma depois da passagem do furacão Chávez. Em nome de um causa indiscutível - a da justiça social - ele desorganizou a economia e introduziu uma profunda discórdia entre os venezuelanos que só o tempo poderá superar.
Um passo mais longo - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 04/03/12
Decisão do TSE impõe às eleições deste ano um grau de limpeza que as anteriores jamais tiveram
O retoque feito na Lei da Ficha Limpa pelo Tribunal Superior Eleitoral, barrando novas candidaturas de quem teve as contas da campanha de 2010 reprovadas, ainda não elimina o farto enriquecimento criminoso de candidatos com o desvio de contribuições. Mas já impõe às eleições deste ano um grau de limpeza que as anteriores jamais tiveram.
A Ficha Limpa -não esqueçamos jamais: projeto de iniciativa popular- é o primeiro passo pela moralização eleitoral e a apertada decisão do TSE vem lhe dar maior alcance. A decisão por 4 a 3, obtida pelos ministros Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Marco Aurélio e Nancy Andrighi, é mais uma indicação de que a tão citada sintonia entre população eJudiciário não passou dos discursos.
Mas nem por isso os esperados recursos de pré-candidatos atingidos têm motivo para otimismo, no Supremo e, mesmo com as próximas substituições, no TSE.
As "brechas" que alguns dizem haver na decisão sobre as contas não chegam a ser problemas maiores. Para quem ainda não teve as contas de 2010 examinadas pela Justiça Eleitoral, por exemplo, pode haver a antecipação do exame, o que até evitaria complicações futuras. Ou, vamos para a solução complicada, se depois de eleitos, ou empossados, tiverem aquelas contas reprovadas, fazem as malas e dão o lugar ao substituto. No caso de prefeitos, pode exigir nova eleição, mas vale a pena do mesmo jeito.
Outro episódio que manteve as reticências, ou mais, na sintonia população/Judiciário difundiu notícias, digamos, equivocadas. O Supremo não liberou as investigações do Conselho Nacional deJustiça, representado pela corregedora Eliana Calmon, sobre magistrados. Apenas pode ser retomada a verificação das declarações de renda e dos vencimentos globais de magistrados, medida normal.
Nenhum magistrado que venda sentença ou que crie retenção de processos, porém, vai declarar no Imposto de Renda, ou outro documento qualquer, o crescimento ilegal do seu patrimônio. Irá gozá-lo, comprovavelmente, isso sim. Como bens em nome de outros.
Patrimônio e movimentação financeira, no entanto, o ministro Luiz Fux manteve isentos de investigação, havendo a expectativa de que o plenário do Supremo examine em abril a possibilidade, ou não, de que a Corregedoria os verifique. Nesse capítulo de moralização, houve um passo incompleto lá atrás e depois, em vez de um retoque, um borrão enorme.
OUTRAS FICHAS
Já anda por algumas centenas, mas quanto mais assinaturas tenha o manifesto dos militares desativados contra a presidente da República, sua comandante suprema, e contra o ministro da Defesa, melhor para todos. Eles e nós.
Os comandantes do Exército, Enzo Martins Peri, da Aeronáutica, Juniti Saito, e da Marinha, Julio Soares de Moura Neto, transpostos do governo passado ao atual, têm conduta exemplar, profissional e pessoal. Não se sabe que esforço lhes custa, se custa algum, projetar sua conduta sobre a dos comandados. Seja qual for, têm êxito e nisso dão contribuição essencial à árdua construção da democracia -lenta, gradual e, ainda, restrita.
Os que assinam o manifesto, todos da reserva ou reformados, eram a própria ditadura. Foram parte do seu sustentáculo e de tudo o que nela foi feito e eles temem ver exposto plenamente e julgado. Eram a ditadura ontem, são hoje a voz da ditadura. Não é mal que façam o país ouvir a voz roufenha, velada e já trêmula da ditadura.
Também é assim que somos forçados a não perder a consciência de nossa própria história. O mesmo acontece com eles: não se esquecem do que foram -e, logo, são. E nós outros formamos a consciência de que serão necessárias duas, talvez três gerações, se tudo correr como necessário ao processo de democratização, para que não haja mais resquícios venenosos no profissionalismo militar brasileiro.
A história militar no Brasil, desde a conspiração para o golpe da República, é uma história de indisciplina. Muitos dos que viveram em indisciplina não podem compreender outra conduta.
BOCEJO
José Serra noticia que seu sonho de presidente "está adormecido". Se é adormecido, que nem sono mesmo é, Serra antecipa uma informação interessante.
A disputa no BB e o Funpresp - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 04/03/12
Na mesma semana em que a Câmara dos Deputados aprovou o Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais (Funpresp), esquentou a pesada disputa por cargos de direção no Banco do Brasil (BB) e no seu fundo de pensão, a Previ. Oportuna, a coincidência dos dois eventos é uma espécie de trailer do que pode vir a acontecer na gestão dos três fundos de Previdência - do Judiciário, do Executivo e do Legislativo -, caso o Senado deixe frouxas as políticas de investimento e o modelo de gestão do patrimônio financeiro. Os futuros servidores precisam ficar todo o tempo de olhos bem abertos e fiscalizar com lupa a gestão do seu patrimônio, se não quiserem ver seus benefícios encolherem na hora de requerer sua aposentadoria.
No tiroteio entre o presidente do BB, Aldemir Bendine, e o presidente da Previ, Ricardo Flores, ambos lutam por mais poder nas duas instituições públicas e bilionárias. Temendo consequências graves e lesivas para os acionistas do BB e para os cotistas da Previ, a presidente Dilma interveio para tentar acabar com a guerra, até agora sem sucesso. É o que ocorre quando uma instituição pública, que precisa ter gestão técnica e profissional, é partidarizada e sofre interferências políticas em suas ações e decisões. E é o que tem ocorrido amiúde desde 2003, quando o PT assumiu o governo e passou a distribuir cargos para companheiros e partidos aliados.
No caso do Funpresp, disputas políticas podem ser ainda mais lesivas para os funcionários, porque os três fundos - do Executivo, do Legislativo e do Judiciário - têm tudo para acumular, no futuro, um patrimônio financeiro ainda mais bilionário do que tem a Previ hoje. Na verdade, ao contrário dos atuais servidores, os futuros cotistas do Funpresp não podem ignorar a qualidade da gestão dos recursos dos fundos. Se não fiscalizarem, não zelarem pelo patrimônio, não denunciarem fraudes, não se protegerem contra interferências políticas, eventuais prejuízos, déficits ou rombos decorrentes de má gestão serão debitados do valor de sua aposentadoria no futuro.
Como no caso da guerra BB-Previ, o que esperar se ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) divergirem na escolha dos dirigentes do fundo? Ou se houver a mesma disputa entre os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados? Ou se um político poderoso pressionar para socorrer um empresário falido, mas amigo, em aplicações financeiras? Ou, ainda, se quiser favorecer doadores de campanha usando dinheiro e negócios do fundo? A lista de possibilidades é longa e o espírito público dos políticos é curto. A solução, pois, seria adotar o modelo original das agências reguladoras, garantindo profissionalização e autonomia na gestão, e fortalecer os fundos com regras e critérios de aplicação dos recursos capazes de blindá-los contra interferências políticas.
Essa proteção não foi assegurada no projeto que saiu da Câmara e que define três modelos de gestão: o patrimônio é administrado por instituições financeiras especializadas; ou por fundos de investimento; ou, como nas estatais, por um conselho de administração e uma diretoria executiva cujos integrantes são indicados pela empresa ou eleitos pelos funcionários - em geral dirigentes sindicais ligados a partidos e sem preparo técnico para fazer render dinheiro. Como o novo ministro da Pesca, o evangélico Marcelo Crivella, que confessa: "Nem sei colocar minhoca no anzol".
Ex-sindicalista e relator do projeto na Câmara, o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) defende o terceiro modelo com o argumento de que ele já é aplicado com sucesso nos fundos de estatais. Sucesso? Como acionista controlador, o governo sempre interferiu nos negócios dos fundos de estatais. Poucos bem-sucedidos, como a compra da Vale; outros, desastrosos, como os investimentos da Previ na Paranapanema e no complexo turístico de Sauípe, que resultaram em prejuízos milionários. Em 2006 a CPI dos Correios apurou perdas de R$ 730 milhões em fundos de estatais decorrentes de operações fraudulentas para favorecer partidos políticos. É isso que o Congresso quer para o Funpresp?
Plano estratégico - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 04/03/12
Preocupado com os rumos que pode tomar no Congresso a discussão da Estratégia Nacional de Defesa (END), o professor Eduardo Brick, da Universidade Federal Fluminense, criou, a partir de pesquisas do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), um projeto de agenda nacional voltada para reorganizar, fortalecer e sustentar a Base Logística de Defesa Nacional, de modo que ela possa atender ao que está previsto, com cinco pontos principais.
O problema principal a ser enfrentado, diz Brick, é a alocação de um orçamento condizente com o tamanho dos desafios e com os objetivos já definidos.
Com o orçamento atual da defesa, de cerca de 1,6 % do PIB, ele diz que não será possível ter os instrumentos de defesa implícita e explicitamente definidos na END.
Adicionalmente, a aquisição de complexos sistemas de defesa envolve processos de longo prazo, impossíveis de serem gerenciados sem que haja uma garantia de recursos durante esse período.
O segundo aspecto, portanto, alerta Eduardo Brick, é a definição de um orçamento para defesa de longo prazo, de modo que também se possa planejar em longo prazo.
Esse orçamento deveria contemplar as necessidades de aparelhamento de meios e seus custos de operação e manutenção, capacitação industrial e inovação em produtos de defesa e em seus insumos e processos produtivos.
A demanda governamental é que garante a sustentação da indústria. Portanto, os planos de aparelhamento, com orçamentos garantidos, são peça fundamental.
Mas eles não podem estar dissociados da necessidade de capacitação produtiva nem de planos para incentivar e financiar a inovação.
Assim, o segundo ponto da agenda seria preparar um programa integrado de reaparelhamento, capacitação industrial e inovação para defesa.
O planejamento do Ministério da Defesa da Austrália (Defense Capability Plan) é uma boa fonte de inspiração para o plano brasileiro, segundo Eduardo Brick.
Define um orçamento de longo prazo, os sistemas e produtos de defesa que devem ser produzidos, em que quantidades e datas de entrega, e, adicionalmente, quais capacitações industriais são essenciais.
Para planejar, é fundamental possuir informações adequadas e de boa qualidade. Existe uma grande escassez de informações sobre a Base Logística de Defesa.
Os sistemas nacionais de codificação para levantamento de dados estatísticos sobre a economia não identificam as empresas que desenvolvem produtos para a Defesa, com pouquíssimas exceções. Esta situação é uma das consequências da desatenção com que sempre foi tratado esse setor.
É preciso então criar instrumentos para exercer a função de inteligência tecnológica para Defesa e o acompanhamento continuado da situação da BLD. O próximo passo seria a criação de um programa de mobilização, reestruturação e fortalecimento da Base Logística de Defesa Nacional.
A Estratégia Nacional de Defesa define que o setor estatal da indústria de defesa deverá se responsabilizar por produtos no teto da tecnologia. Faz-se, portanto, necessária uma definição mais clara das atribuições dos setores público e privado da BLD.
Da mesma forma, ressalta Brick, existe uma grande deficiência no setor produtivo de defesa brasileiro, com relação a muitos insumos críticos e estratégicos, que normalmente são cerceados pelos países que os produzem, insumos que também são os grandes responsáveis pelo nosso déficit tecnológico.
Na sua fase inicial de criação, a BLD brasileira quase certamente não terá condições de demanda para justificar economicamente a produção desses bens. O Estado, portanto, deveria assumir essa responsabilidade, diz Brick.
A capacitação industrial e de CT&I para defesa envolve uma série de medidas em vários campos, com destaque para a formação e qualificação de recursos humanos, a modernização de laboratórios e instalações produtivas e para inovação, a integração da indústria com os institutos de ciência e tecnologia (ICT) e universidades, e a disponibilização de serviços técnicos tais como certificação, proteção intelectual, metrologia e normatização.
O quinto ponto da agenda envolve programas mobilizadores. Esses programas são, normalmente, compostos por um conjunto articulado de projetos de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental, engenharia e comercialização pioneira, conduzido com a participação de empresas, órgãos governamentais, universidades, centros e institutos de pesquisa e outros atores da área científica e tecnológica.
O programa americano para colocar um homem na Lua e o programa brasileiro para dominar o ciclo completo de processamento de urânio são bons exemplos.
Eles são fundamentais quando a inovação interessa a vários setores, e muitos atores devem participar do esforço para obtê-la.
Nestas condições, é importante a existência de um único responsável pelo programa, com os atributos abaixo descritos. Este comando único garante foco e evita dispersão de esforços.
Esta característica é particularmente importante no caso do Brasil, explica Eduardo Brick, onde existem pelo menos três ministérios com responsabilidades em relação à BLD.
Programas mobilizadores devem ser capazes de arregimentar e aglutinar, de uma forma desburocratizada, o potencial nacional necessário ao desenvolvimento de novos e sofisticados produtos, tecnologias e capacitações industriais para defesa, segurança e competitividade industrial.
Para um país que adia há quatro governos o reaparelhamento das Forças Armadas, especialmente a compra de caças para a Aeronáutica, tudo isso parece um desafio quase impossível de superar.
Poesia é ouro sem valia - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 04/03/12
Com a poesia é assim mesmo. Não só por vender pouco, o poeta sabe que não escreve para vender.
De quando em vez, vem um poeta jovem me pedir que lhe consiga uma editora para publicar seu livro de estreia. Só estando com a cabeça na lua para pretender uma coisa dessas.
Para consolá-lo costumo citar o exemplo de poetas, hoje consagrados, que tiveram que publicar seu primeiro livro a sua própria custa. Mas tem que ser assim mesmo, já que livro de poesia vende pouco e de poeta desconhecido não vende nada. Nenhum editor, em seu juízo perfeito, entra numa fria dessas.
Lembrei-me disso ao escrever um texto sobre Manuel Bandeira e mais uma vez deparei-me com o assunto. A edição de seu primeiro livro de poemas "A Cinza das Horas", foi paga por ele; a do segundo, "Carnaval", a mesma coisa. Só vários anos depois, teve um livro lançado por uma editora.
E Carlos Drummond de Andrade? Seu primeiro livro, "Alguma Poesia", apareceu como lançado pelas Edições Pindorama, que não existia, por ter sido, na verdade, impresso na Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais e pago pelo poeta em suaves prestações, descontadas de seu salário.
O segundo livro, "Brejo das Almas", saiu por uma cooperativa; o terceiro, "Sentimento do Mundo", ele pagou de seu bolso e distribuiu toda a edição (150 exemplares) entre amigos e escritores. Só o quarto livro -aos 40 anos de idade- foi lançado por uma editora, a José Olympio, que passou a editá-lo.
Mas estes são apenas uns poucos exemplos, entre os quais poderia incluir-me, pois não teria editado meu primeiro livro se não fosse a ajuda de minha mãe. O segundo livro, paguei-o de meu bolso. Só tive um livro de poemas lançado por uma editora - que faliu em seguida - 13 anos após minha estreia. Acolhido por uma editora importante, somente 30 anos depois.
Com a poesia é assim mesmo. E não só por vender pouco; também porque, no fundo, o poeta sabe que não escreve para vender. Lembro-me que eu mesmo diagramei "A Luta Corporal", um livro tão fora das normas que provocou um atrito com a gráfica que o imprimiu.
É que poeta não quer apenas escrever os poemas; quer fazer o livro mesmo. Poeta gosta de fazer livros. Por exemplo, João Cabral, quando estava em Barcelona, comprou uma pequena gráfica artesanal em que editou "Psicologia da Composição" mas também livros de outros poetas brasileiros e espanhóis.
Exemplos não faltam. Décio
Victorio, os poucos livros que publicou, ele mesmo os diagramou, escolheu o tipo de letra, o papel, o tamanho, tudo, e pagou uma gráfica para compô-los e imprimi-los. Quando tomei a iniciativa de conseguir uma editora que lançasse seus livros, rejeitou.
Outro exemplo é Cláudia
Ahimsa. Ela bolou todos os seus livros, buscou uma gráfica, pagou e os editou. No último deles, então, "A Vida Agarrada", até a capa foi criação sua, capa que já é, por si só, uma obra de arte: ela se fez fotografar sem a cabeça, num vestido que parece ao mesmo tempo renda e rede de pescar, com vários caranguejos vivos, presos a ele. Para completar, os seus braços, que parecem metidos em luvas, estão na verdade pintados de azul cobalto.
Não se pode esquecer, além do mais, que as novas tecnologias favorecem essa mania dos poetas de produzirem não apenas os poemas mas também os livros.
Foi o caso da Geração Mimeógrafo que, como o próprio nome diz, nasceu com o mimeógrafo e se valeu dele para fazer seus livros. Neste caso, juntaram-se alguns fatores que lhe imprimiram um caráter próprio: a redescoberta do poema-piada de Oswald de Andrade, que inspiraria poetas como Leminski e Chacal. Eles o usaram como um modo de reagir à censura imposta às artes pelo regime militar.
É verdade que a censura prévia -que vinha restringindo a atividade do teatro, do cinema e da música- os milicos não conseguiram impor ao livro, graças à pronta reação de Jorge Amado e Erico Verissimo, que ameaçaram não mais editar seus livros no Brasil.
Fora isso, o mimeógrafo veio facultar aos poetas jovens imprimir seus próprios livros, sem ter de recorrer a editoras. Eles os imprimiam e iam vendê-los nas ruas, nos bares, na porta de teatros e cinemas. É claro que assim ganharam a simpatia dos leitores, tornando-se conhecidos e, graças a isso, despertaram o interesse dos editores.
Com a poesia é assim mesmo. Não só por vender pouco, o poeta sabe que não escreve para vender.
De quando em vez, vem um poeta jovem me pedir que lhe consiga uma editora para publicar seu livro de estreia. Só estando com a cabeça na lua para pretender uma coisa dessas.
Para consolá-lo costumo citar o exemplo de poetas, hoje consagrados, que tiveram que publicar seu primeiro livro a sua própria custa. Mas tem que ser assim mesmo, já que livro de poesia vende pouco e de poeta desconhecido não vende nada. Nenhum editor, em seu juízo perfeito, entra numa fria dessas.
Lembrei-me disso ao escrever um texto sobre Manuel Bandeira e mais uma vez deparei-me com o assunto. A edição de seu primeiro livro de poemas "A Cinza das Horas", foi paga por ele; a do segundo, "Carnaval", a mesma coisa. Só vários anos depois, teve um livro lançado por uma editora.
E Carlos Drummond de Andrade? Seu primeiro livro, "Alguma Poesia", apareceu como lançado pelas Edições Pindorama, que não existia, por ter sido, na verdade, impresso na Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais e pago pelo poeta em suaves prestações, descontadas de seu salário.
O segundo livro, "Brejo das Almas", saiu por uma cooperativa; o terceiro, "Sentimento do Mundo", ele pagou de seu bolso e distribuiu toda a edição (150 exemplares) entre amigos e escritores. Só o quarto livro -aos 40 anos de idade- foi lançado por uma editora, a José Olympio, que passou a editá-lo.
Mas estes são apenas uns poucos exemplos, entre os quais poderia incluir-me, pois não teria editado meu primeiro livro se não fosse a ajuda de minha mãe. O segundo livro, paguei-o de meu bolso. Só tive um livro de poemas lançado por uma editora - que faliu em seguida - 13 anos após minha estreia. Acolhido por uma editora importante, somente 30 anos depois.
Com a poesia é assim mesmo. E não só por vender pouco; também porque, no fundo, o poeta sabe que não escreve para vender. Lembro-me que eu mesmo diagramei "A Luta Corporal", um livro tão fora das normas que provocou um atrito com a gráfica que o imprimiu.
É que poeta não quer apenas escrever os poemas; quer fazer o livro mesmo. Poeta gosta de fazer livros. Por exemplo, João Cabral, quando estava em Barcelona, comprou uma pequena gráfica artesanal em que editou "Psicologia da Composição" mas também livros de outros poetas brasileiros e espanhóis.
Exemplos não faltam. Décio
Victorio, os poucos livros que publicou, ele mesmo os diagramou, escolheu o tipo de letra, o papel, o tamanho, tudo, e pagou uma gráfica para compô-los e imprimi-los. Quando tomei a iniciativa de conseguir uma editora que lançasse seus livros, rejeitou.
Outro exemplo é Cláudia
Ahimsa. Ela bolou todos os seus livros, buscou uma gráfica, pagou e os editou. No último deles, então, "A Vida Agarrada", até a capa foi criação sua, capa que já é, por si só, uma obra de arte: ela se fez fotografar sem a cabeça, num vestido que parece ao mesmo tempo renda e rede de pescar, com vários caranguejos vivos, presos a ele. Para completar, os seus braços, que parecem metidos em luvas, estão na verdade pintados de azul cobalto.
Não se pode esquecer, além do mais, que as novas tecnologias favorecem essa mania dos poetas de produzirem não apenas os poemas mas também os livros.
Foi o caso da Geração Mimeógrafo que, como o próprio nome diz, nasceu com o mimeógrafo e se valeu dele para fazer seus livros. Neste caso, juntaram-se alguns fatores que lhe imprimiram um caráter próprio: a redescoberta do poema-piada de Oswald de Andrade, que inspiraria poetas como Leminski e Chacal. Eles o usaram como um modo de reagir à censura imposta às artes pelo regime militar.
É verdade que a censura prévia -que vinha restringindo a atividade do teatro, do cinema e da música- os milicos não conseguiram impor ao livro, graças à pronta reação de Jorge Amado e Erico Verissimo, que ameaçaram não mais editar seus livros no Brasil.
Fora isso, o mimeógrafo veio facultar aos poetas jovens imprimir seus próprios livros, sem ter de recorrer a editoras. Eles os imprimiam e iam vendê-los nas ruas, nos bares, na porta de teatros e cinemas. É claro que assim ganharam a simpatia dos leitores, tornando-se conhecidos e, graças a isso, despertaram o interesse dos editores.