domingo, março 04, 2012

Um passo mais longo - JANIO DE FREITAS


FOLHA DE SP - 04/03/12

Decisão do TSE impõe às eleições deste ano um grau de limpeza que as anteriores jamais tiveram


O retoque feito na Lei da Ficha Limpa pelo Tribunal Superior Eleitoral, barrando novas candidaturas de quem teve as contas da campanha de 2010 reprovadas, ainda não elimina o farto enriquecimento criminoso de candidatos com o desvio de contribuições. Mas já impõe às eleições deste ano um grau de limpeza que as anteriores jamais tiveram.

A Ficha Limpa -não esqueçamos jamais: projeto de iniciativa popular- é o primeiro passo pela moralização eleitoral e a apertada decisão do TSE vem lhe dar maior alcance. A decisão por 4 a 3, obtida pelos ministros Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Marco Aurélio e Nancy Andrighi, é mais uma indicação de que a tão citada sintonia entre população eJudiciário não passou dos discursos.

Mas nem por isso os esperados recursos de pré-candidatos atingidos têm motivo para otimismo, no Supremo e, mesmo com as próximas substituições, no TSE.

As "brechas" que alguns dizem haver na decisão sobre as contas não chegam a ser problemas maiores. Para quem ainda não teve as contas de 2010 examinadas pela Justiça Eleitoral, por exemplo, pode haver a antecipação do exame, o que até evitaria complicações futuras. Ou, vamos para a solução complicada, se depois de eleitos, ou empossados, tiverem aquelas contas reprovadas, fazem as malas e dão o lugar ao substituto. No caso de prefeitos, pode exigir nova eleição, mas vale a pena do mesmo jeito.

Outro episódio que manteve as reticências, ou mais, na sintonia população/Judiciário difundiu notícias, digamos, equivocadas. O Supremo não liberou as investigações do Conselho Nacional deJustiça, representado pela corregedora Eliana Calmon, sobre magistrados. Apenas pode ser retomada a verificação das declarações de renda e dos vencimentos globais de magistrados, medida normal.

Nenhum magistrado que venda sentença ou que crie retenção de processos, porém, vai declarar no Imposto de Renda, ou outro documento qualquer, o crescimento ilegal do seu patrimônio. Irá gozá-lo, comprovavelmente, isso sim. Como bens em nome de outros.

Patrimônio e movimentação financeira, no entanto, o ministro Luiz Fux manteve isentos de investigação, havendo a expectativa de que o plenário do Supremo examine em abril a possibilidade, ou não, de que a Corregedoria os verifique. Nesse capítulo de moralização, houve um passo incompleto lá atrás e depois, em vez de um retoque, um borrão enorme.

OUTRAS FICHAS

Já anda por algumas centenas, mas quanto mais assinaturas tenha o manifesto dos militares desativados contra a presidente da República, sua comandante suprema, e contra o ministro da Defesa, melhor para todos. Eles e nós.

Os comandantes do Exército, Enzo Martins Peri, da Aeronáutica, Juniti Saito, e da Marinha, Julio Soares de Moura Neto, transpostos do governo passado ao atual, têm conduta exemplar, profissional e pessoal. Não se sabe que esforço lhes custa, se custa algum, projetar sua conduta sobre a dos comandados. Seja qual for, têm êxito e nisso dão contribuição essencial à árdua construção da democracia -lenta, gradual e, ainda, restrita.

Os que assinam o manifesto, todos da reserva ou reformados, eram a própria ditadura. Foram parte do seu sustentáculo e de tudo o que nela foi feito e eles temem ver exposto plenamente e julgado. Eram a ditadura ontem, são hoje a voz da ditadura. Não é mal que façam o país ouvir a voz roufenha, velada e já trêmula da ditadura.

Também é assim que somos forçados a não perder a consciência de nossa própria história. O mesmo acontece com eles: não se esquecem do que foram -e, logo, são. E nós outros formamos a consciência de que serão necessárias duas, talvez três gerações, se tudo correr como necessário ao processo de democratização, para que não haja mais resquícios venenosos no profissionalismo militar brasileiro.

A história militar no Brasil, desde a conspiração para o golpe da República, é uma história de indisciplina. Muitos dos que viveram em indisciplina não podem compreender outra conduta.

BOCEJO
José Serra noticia que seu sonho de presidente "está adormecido". Se é adormecido, que nem sono mesmo é, Serra antecipa uma informação interessante.

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