domingo, janeiro 08, 2012

Chá de formiga - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 08/01/12


A última edição da revista “História, Ciências, Saúde — Manguinhos”, da Fiocruz, traz um artigo sobre o estudo do professor Iranilson Buriti de Oliveira, da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, a respeito dos remédios e rezas usadas no bando de Lampião.

Diz que Dadá, mulher de Corisco, levava “plantas, mezinhas para aliviar perturbações, cachaça para suportar dor, água oxigenada para limpar feridas e produtos com ação antibactericida para evitar o tétano”.

Segue...
Segundo o estudo, a faringite era tratada com chá de formiga. A enterite, com chá de cidreira. A cefaleia, com folhas de algodão aquecidas ou gengibre.

Para piolho, usavam raspa de coco e enxofre. Para epilepsia, chá de pena de garça. Difteria, banho de sândalo e alcaçuz.

Poesia de Dilma
Ivan Junqueira, o imortal, recebeu dias atrás um cartãozinho manuscrito de Dilma, cheio de elogios a seu livro “Poesia reunida”. Escreveu a presidente:

— Meu caro Ivan, a vida, como você escreveu, é pior que a morte; acreditar nisso nos dá força para compartilhar cultura e construir um país melhor...

Brizola, 90 anos
Leonel Brizola (1922-2004), o grande político brasileiro, faria 90 anos dia 22 agora.

O PDT prepara uma pajelança para homenageá-lo.

De volta à planície...
Por falar em PDT, Carlos Lupi, o ex-ministro, deve disputar a eleição para vereador do Rio.

Acabou chorare
Moraes Moreira vai remontar o show “Acabou chorare”, dos Novos Baianos, em comemoração aos 40 anos do lendário LP do mesmo nome, em 2012.

A turnê estreia dia 13 agora, no Studio RJ (o antigo Jazzmania), no Arpoador, no Rio.

TV Globo/ Ique Esteves
O DOMINGO É de Juliana Paes, a linda atriz de 33 anos, mãe de Pedro e musa da coluna. A bela será Janaína no episódio “A justiceira de Olinda”, em “As brasileiras”, que estreia dia 2 de fevereiro na TV Globo. Juliana conta que a personagem é passional, impulsiva e não leva desaforo para casa. Na série, nossa atriz poderá mostrar seu lado cômico. É que a brasileirinha que interpretará, uma pernambucana arretada, vai acordar todo dia, digamos, cheia de amor para dar. Dá amor para eu

Há vagas aqui
A Lafem Engenharia contratou um funcionário iraquiano para uma vaga de engenheiro.

A construtora carioca anunciou o emprego em sites e recebeu currículos de candidatos de Angola, Portugal e até... Iraque.

As voltas que o...
A expansão da nossa economia num mundo em crise atrai estrangeiros para cá, como mostra essa invasão de haitianos.

É o Brasil passando de exportador para importador de mão de obra.

É fantástico
Alavancado pela entrevista à coleguinha Sônia Bridi, no “Fantástico”, da TV Globo, domingo passado, Eike Sempre Ele Batista fechou a semana com a marca de meio milhão de seguidores no Twitter.

Morar na Rocinha
Começa a chamar a atenção na Rocinha uma onda de casas à venda ou para alugar.

Alô, Beltrame!
O toque de recolher imposto por traficantes chegou a duas comunidades fluminenses — o Morro do Preventório, em Niterói, e a Favela Jardim Esperança, em Búzios.

Empada da Cris
O pessoal da Padoca, padaria da Rua Olegário Maciel, na Barra, no Rio, que aparece na novela “Fina estampa”, da TV Globo, gasta um tempão explicando aos curiosos que ali não são vendidas as famosas empadas da personagem vivida pela atriz Cris Vianna.

A culpa não é das chuvas - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 08/01/12


A destruição, pela terceira vez em quatro anos, de um trecho da rodovia federal que tem servido como dique para conter as águas do Rio Muriaé, no município fluminense de Campos - forçando a remoção de 4 mil pessoas da localidade de Três Vendas -, é mais uma dramática comprovação da péssima qualidade da gestão pública no País. O fato comprova o mau planejamento das obras públicas, a incapacidade do poder público de adotar medidas preventivas contra os efeitos dos fenômenos naturais e ao descaso das autoridades com a situação da população afetada por esses problemas. A culpa não é do mau tempo, como muitas autoridades vêm afirmando, mas delas próprias, em todos os níveis de governo.

O fato de um trecho da rodovia federal BR-356 (Itaperuna-Campos) ter se rompido pela terceira vez consecutiva por causa das enchentes do Rio Muriaé demonstra que seu traçado é incorreto ou que sua construção não é adequada, ou as duas coisas. "As inundações na região do Rio Muriaé são recorrentes e a estrada deveria ter sido projetada para que não sofra rompimento", disse ao Estado, com lógica cristalina, o engenheiro geotécnico Alberto Sayão, professor da PUC-Rio e ex-presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos (ABMS). "A estrada não está preparada para cheias e é possível que vá se romper em outros trechos. Deve ser feita uma avaliação para que seja reconstruída em condições adequadas." Como resumiu o engenheiro, "a culpa não é de São Pedro".

Em janeiro de 2007, uma pessoa morreu ao cair com seu carro na cratera aberta na BR-356 pelo Rio Muriaé. Em dezembro de 2008, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela operação da rodovia, cortou parte dela para facilitar o escoamento da água. Situado na margem da rodovia oposta ao rio, e em nível mais baixo, o distrito de Três Vendas, a 15 quilômetros do centro de Campos, foi inundado também nessas ocasiões.

Por incapacidade técnica do Dnit ou por outro motivo não conhecido, o trecho destruído foi reconstruído e recebeu diversas outras obras. O superintendente substituto do Dnit, Celso Crespo, disse ao jornal O Globo que cerca de R$ 100 milhões já foram aplicados na BR-356.

"Em 2007, fizemos a contenção do aterro da margem esquerda do Rio Muriaé", disse o supervisor do Dnit em Campos, Guilherme Fraga Freitas. "Em 2008, a abertura foi feita por máquinas. Depois, ela foi fechada. Nada do que foi feito nos últimos anos foi danificado."

Agora, o custo estimado para a reconstrução da pista é de R$ 1,5 milhão. Mas, daqui a algum tempo, muito provavelmente, tudo terá de ser refeito, sempre a custos adicionais para os contribuintes e de danos à população, pois nada se disse sobre um projeto de um novo traçado ou de obra resistente às águas do rio para resolver o problema.

A prefeita de Campos, Rosinha Garotinho, foi advertida há três anos sobre a necessidade de remoção dos moradores de Três Vendas para uma área mais alta conhecida como Colina, como informou ao Estado o pesquisador Arthur Soffiati, do Núcleo de Estudos Socioambientais da UFF - mas nada fez.

Na região serrana do Rio de Janeiro, as marcas da tragédia que custou mais de 900 vidas no ano passado ainda são visíveis - o que mostra a omissão do governo. O pior é que a situação em Nova Friburgo sugere o risco de repetição do desastre, sem que as autoridades se mobilizem para evitá-lo.

O governo federal gere mal os poucos recursos destinados à prevenção e combate às enchentes e outros desastres naturais. A destinação privilegiada desses recursos para regiões de interesse político-eleitoral, daqueles que tomam as decisões - como ocorreu na gestão do atual ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, de Pernambuco, e ocorrera na de seu antecessor, Geddel Vieira Lima, da Bahia -, é uma das piores características dessa forma de governar. Outra é a incapacidade do governo petista de aplicar com um mínimo de eficiência os recursos disponíveis. No caso de ações de "prevenção e preparação para desastres", entre 2004 e 2011, o governo aplicou apenas um quarto dos recursos autorizados, como mostrou a organização não governamental Contas Abertas.

A Cuba de 2011, 'raulista' ou cidadã? YOANI SÁNCHEZ


O Estado de S.Paulo - 08/01/12


Tivemos um fim de ano sem frio, um Natal de camisa curta e gotas de suor, com árvores repletas de guirlandas por todos os lados. Os 12 meses de 2011 em Cuba se passaram aos tropeços, marcados por ocorridos que, como dois colchetes, encerraram a realidade nacional entre libertações e detenções, controles e flexibilizações.

Em janeiro, ainda estavam sendo libertados - a conta-gotas - os prisioneiros da Primavera Negra de 2003 e, recentemente, receberam indulto 2.900 pessoas presas por diversos delitos. O que começou com a discussão das diretrizes do 6.º Congresso do Partido Comunista, em abril, concluiu-se agora com os preparativos para uma Conferência Nacional na qual muito pouca gente deposita esperança.

Talvez este tenha sido o período em que nossas autoridades adotaram mais mudanças econômicas e, contudo, nunca a impaciência do cidadão chegou a um nível tão alto. Foram dados inúmeros passos, mas o caminho, ao estilo de uma esteira rolante, retrocede e nos deixa a poucos centímetros de onde iniciou.

Reformas. Raúl Castro assumiu a árdua tarefa de desmontar o fidelismo, enterrar em vida o comandante. Sem o confessar, sem nem mesmo fazer a crítica necessária ao governo do irmão, o general presidente acabou com parte dos programas desenvolvidos por seu antecessor.

Eliminou totalmente as chamadas escolas no campo, prosseguiu com a entrega de terras em usufruto para os camponeses e autorizou o trabalho por conta própria.

Também eliminou outros delírios, como a enorme tropa de choque chamada de "trabalhadores sociais", pôs fim à Operação Milagre, que importava pacientes latino-americanos para serem operados em Cuba, e desmantelou o Ministério do Açúcar, cuja safra é cada vez mais ridícula.

Num gesto audacioso e por meio de decreto, autorizou a compra e venda de carros e abriu o mercado imobiliário no país depois de décadas de imobilismo em ambos setores. Chegou até a vestir roupas civis para ir à cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e assinou a declaração final do evento com alguns pontos sobre democracia e respeito aos direitos humanos.

O herdeiro do trono da revolução se empenhou, ao longo de 2011, para ter legitimidade no âmbito regional. Mas o "raulismo" e seus ajustes econômicos não deram os resultados esperados. Um quilo de feijão continua custando o salário de três dias e, em 2012, o país terá de gastar US$ 1,7 bilhão em importação de alimentos. Casos divulgados de corrupção desencadearam rumores populares nos últimos meses, diante do secretismo da imprensa oficial.

Corrupção. No seu discurso na última sessão da Assembleia Nacional, o primeiro secretário do Partido Comunista Cubano chegou a afirmar que "a corrupção é hoje um dos principais inimigos da Revolução, muito mais danosa do que a atividade subversiva". E mencionou o alto nível dos implicados nas fraudes, qualificando os roubos como "crimes do colarinho branco", quando na realidade parecem mais crimes do colarinho verde-oliva. Cada inspeção ou auditoria feita descobriu somas alucinantes de desvios e roubos. Se persistisse nessa direção, Raúl Castro poderia granjear muitos inimigos na própria tropa. Como se já não fosse o bastante com a ebulição e o crescimento que se observa entre as fileiras dos dissidentes e outros movimentos cívicos críticos da sua gestão.

Outubro foi uma prova difícil, para perseguidos e perseguidores, com a morte de Laura Pollán, líder das Damas de Branco, e a agitação que ela provocou. A polícia política ajustou por esses dias o que tem sido o marco distintivo no campo da repressão do atual governo: prisões breves e ameaças sem base legal, diferentes dos grandes espetáculos judiciais que Fidel Castro tanto apreciava.

Os ativistas têm precisado lidar também com o aumento das campanhas contrárias na mídia e a transformação dos órgãos de segurança do Estado em entidades paramilitares.

À noite três desconhecidos lançam-se contra um oponente e o colocam à força num carro, sem mostrar sua identidade nem esclarecer que delito cometeu o detido. Mas a Cuba de Raúl Castro é mais imprevisível quanto a castigos, pois a incerteza da represália foi erigida como seu método mais aperfeiçoado de coação.

A insegurança também é criada pela lentidão e a indecisão para se aplicar determinadas reformas sociais e políticas. A eliminação das restrições para emigração ficaram fora do balanço anual, com a consequente frustração de todos os que esperavam por isso. O general também não se atreveu a autorizar a criação de outros partidos e, em vez de ampliar o debate nacional, continua repetindo que se trata de um tema "entre revolucionários".

Foi uma dura prova para ele em 2011 quando precisou fazer mudanças que irremediavelmente vão reduzir seu poder e percebeu como sua popularidade decresce a cada dia. Este que terminou não foi o ano de Raúl Castro, de maneira nenhuma. Sua teimosia e a própria vida fizeram com que 2011 malograsse. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

A ordem espontânea - MARIO VARGAS LLOSA


O Estado de S.Paulo - 08/01/12


O Negro Cucaracha foi um dos líderes indiscutíveis de uma das prisões de Lima durante muitos anos e, contam, seu corpo parece uma verdadeira grade de cicatrizes das facadas recebidas naqueles tempos turbulentos. É um moreno alto, robusto, de idade indefinível e, à sua passagem, a gente de Gamarra se separa como diante de um rio impossível de conter.

Ele me foi mandado como guarda-costas e não sei por que, nesta parte de La Victoria, eu me sinto mais seguro do que no bairro onde moro em Lima, Barranco, onde não raro ocorrem assaltos à mão armada. O Negro Cucaracha agora é um homem religioso. Virou evangélico, anda com a Bíblia na mão. Durante o longo passeio recita para mim versículos sagrados e me fala em redenção, arrependimento e salvação com a segurança do crente radical que sempre me deixa nervoso.

Gamarra começa onde termina Mendocita, hoje um setor de La Victoria de classe média modesta, onde, no primeiro ano de faculdade, em 1953, participei de uma pesquisa para fazer um levantamento da composição social do que era então o bairro mais pobre e violento de Lima, formado por migrantes que baixavam da serra em busca de trabalho.

Mendocita progrediu muito desde então, mas o que constitui um prodígio de desenvolvimento é Gamarra, paraíso da informalidade e do capitalismo popular, fantástico exemplo do que Friedrich A. Hayek chamou de ordem espontânea. Neste punhado de quadras em que a densidade demográfica a esta hora da manhã é a de um formigueiro, produz-se mais riqueza e realizam-se indubitavelmente mais transações comerciais do que em qualquer outro lugar do Peru. Por aqui não passou o Estado nem nenhum governo, nem as instituições financeiras formais, os créditos bancários ou as regulamentações oficiais. Tudo isso que fermenta ao meu redor com um dinamismo enlouquecido é uma criação de pobres provincianos miseráveis que, fugindo da fome e da violência, deixaram suas aldeias andinas e, como não encontraram na capital o trabalho que buscavam, tiveram de inventá-lo.

Progresso. Decidi vir até aqui porque um amigo empresário que conhece bem Gamarra contou-me histórias que me deixaram estupefato. Ele me falou de um sujeito de Puno, que chamaremos Tibúrcio, que viu chegar a Lima muito jovem, de poncho e chinelas, que sobreviveu vendendo chupetas pelas ruas e agora aluga lojas e oficinas de produção aqui por um total de US$ 2 milhões ao mês. Não exagerava. Tibúrcio é um dos ícones do bairro. Tem 11 prédios, incontáveis lojas e oficinas e há pouco tempo comprou uma fábrica de etiquetas no México.

Ele me recebe no seu edifício mais moderno e me mostra todo orgulhoso uma foto do minúsculo povoado, às margens do Lago Titicaca, onde nasceu. Fala um espanhol correto, com a musicalidade da língua aimara e transpira energia e otimismo por todos os poros. Como conseguiu isso? Trabalhando dia e noite, economizando o que podia e, no começo, dormindo pelas ruas. Recebeu a ajuda de cidadãos de Puno que migraram antes dele e foram bem-sucedidos; por isso, ajuda os outros que vêm para Lima desprovidos de todo capital, a não ser a vontade de vencer. Garante que em 99% dos casos recebe de volta o que emprestou. Tibúrcio cresceu a tal ponto que agora procura formalizar pelo menos uma parte de seus negócios.

São poucas as transações realizadas em Gamarra registradas em contratos regulares. O que vale é a palavra dada, que é sagrada, e quem não a cumpre tem de pagar: todas as portas se fecham para esta pessoa. Em todo lugar afirmam que aqui a delinquência é menor do que em outros bairros. O preço dos imóveis chega a cifras vertiginosas. Meu amigo jura que, embora pareça impossível, há pouco tempo foi vendido um imóvel no centro de Gamarra por US$ 28 mil o metro quadrado. Ou seja, mais caro do que os bairros mais caros de Nova York, Frankfurt ou Tóquio.

As lojas vendem de tudo, principalmente tecidos e roupas confeccionadas nas oficinas do próprio bairro. Há centenas delas. Algumas ficam no alto, com uma vista panorâmica do centro da cidade e das colinas vizinhas, e outras em sótãos abarrotados que ocupam quatro ou cinco andares no subsolo limenho. De manhã e de tarde, uma verdadeira maré de caminhões, caminhonetes, carros e até carrinhos de mão e motos transporta a mercadoria para todos os cantos do Peru e também para o exterior.

Uma das lojas mais sortidas é a de Don Moisés, um dos mais antigos e respeitados comerciantes do bairro. Todos falam dele com reverência e gratidão. Ele não veio do interior, nasceu ali mesmo, é um dos poucos habitantes que representam Lima neste Peru em miniatura que é Gamarra. Segundo ele, este empório abriu as portas nos anos 60, quando alguns migrantes deram-se conta de que os caminhões que traziam animais e produtos variados para o mercado atacadista regressavam vazios para o interior do país. Ocorreu-lhes, então, utilizar este meio de transporte para despachar mercadorias para seus povoados. Começou assim a bola de neve que transformaria este pedaço da antiga Lima no redemoinho de trabalho e riqueza que é agora.

Perfil. Os empresários e comerciantes de Gamarra são pessoas liberais que desconfiam do Estado e do governo. Agora eles se queixam da lei que proibiu temporariamente e ainda mantém certas restrições à importação de fios da Índia, medida que, afirmam, foi uma vitória do lobby dos produtores de fios nacionais, mais caros e menos variados do que os que vinham de Mumbai. Isso encarece seus custos e favorece os fabricantes colombianos, seus grandes concorrentes no mercado manufatureiro nacional e americano. O que eles querem é a abertura das fronteiras, que a globalização, da qual tanto se fala, se torne uma realidade também no Peru.

Minha visita a Gamarra acaba me mostrando, melhor do que muitos estudos, o que acontece no Peru de hoje. Nas eleições de 2011, ao alertar que os pobres do Peru votariam em Ollanta Humala, as classes dirigentes entraram em pânico e, acreditando que ele se revelaria outro Hugo Chávez, concentraram todo seu poder em Keiko Fujimori. No entanto, ela perdeu as eleições. Humala vem respeitando escrupulosamente o programa que prometeu seguir, ou seja, manter a democracia e a política de mercado, que nos últimos 11 anos proporcionaram ao Peru um desenvolvimento sem precedentes ao longo de sua história.

Por que Humala distanciou-se de Chávez e adotou a política do Brasil, Uruguai ou Colômbia? Mais por uma percepção clara da realidade do que por uma conversão ideológica: pois, para que seja possível a inclusão social, que é seu objetivo fundamental, é indispensável que haja riqueza e emprego, e para tanto não existe outro caminho senão o seguido pelos homens e pelas mulheres de Gamarra. Eles descobriram algo que muitos líderes de esquerda, que não conseguem enxergar por causa da ideologia, negam-se a aceitar: que o verdadeiro progresso social não passa pelo estatismo nem pelo coletivismo - inseparáveis, de uma maneira ou de outra, da ditadura -, mas pela democracia política, a propriedade privada, a iniciativa individual, o livre comércio e os mercados abertos.

O Peru está no caminho certo. Nem a direita fujimorista nem a esquerda obtusa e anacrônica conseguirão, por enquanto, impedir que dele se afaste. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

Sistema de impunidade - FÁBIO MEDINA OSÓRIO


O GLOBO - 08/01/12

Desde a Lei 8.429, de 1992, aumentou a cobrança aos gestores públicos brasileiros quanto a responsabilidades por ressarcimento ao erário. Contra eles aplicam-se multas, suspensão de direitos políticos e interdições de direitos, através de ações civis públicas que mais se encaixam no regime jurídico de um direito punitivo do que propriamente no clássico Direito Processual Civil.

Esta lei — conhecida como Lei de Improbidade Administrativa — transformou- se num autêntico Código Geral de Conduta para todos os agentes públicos brasileiros, com eficácia jurídica. As condutas proibidas vão desde a "violação dos princípios da administração pública" até a prática de ato diverso da regra de competência, bem como, por exemplo, negar publicidade aos atos oficiais ou facilitar que terceiro se enriqueça ilicitamente.

A partir dela, especula-se que muitos agentes públicos estariam a transitar num limbo: teriam perdido o direito de errar e ficado temerosos de ousar, ou que os bons gestores estariam assustados, afastando-se do setor público. Outros sim, especula-se, também, que teria havido um aumento substancial no combate às práticas de má gestão pública no Brasil e redução dos níveis históricos de impunidade. O certo é que são muitas as controvérsias acesas em torno da interpretação desta Lei.

Uma das características centrais da Lei de Improbidade é o uso abundante de cláusulas gerais, termos jurídicos indeterminados e princípios como técnicas abertas de enquadramento. Após seu advento, proliferaram ações com enorme impacto midiático, sendo um dos seus efeitos aflitivos mais notáveis o abalo moral causado pelas informações transmitidas através dos meios de comunicação social na imagem dos acusados, muitos deles políticos ou empresários. Tornou-se esta lei instrumento decisivo no próprio palco político- eleitoral e na vida concorrencial das grandes empresas.

Um risco da Lei 8.429/92 é transformar ilegalidades em improbidades, banindo o direito ao erro por parte do administrador público e dos próprios empresários que interagem com o Poder Público. Outro de seus riscos é a instrumentalização política a serviço de interesses subalternos. Daí a importância de se aquilatar cuidadosamente quais as regras vigentes, hoje, no sistema. Nesse sentido, é importante um levantamento estatístico qualitativo sobre a eficácia da Lei no Brasil, nestes quase 20 anos de vigência, tempo suficiente para produção de jurisprudência nos Tribunais Superiores e, sobretudo, para uma sociologia rica no mundo forense.

Em tal direção, sugere-se ao CNJ e ao CNMP um trabalho de campo para uma pesquisa qualitativa e quantitativa sobre todos os processos ajuizados e “cases” suscitados, nos Tribunais ordinários, bem como nas ações propostas, para verificar, entre outros aspectos, se, na praxe das instituições, há uniformidade de critérios no tocante à seleção das condutas proibidas pelo Ministério Público. É imperioso diagnosticar, também, se existe uma fragmentação muito díspare a respeito da tipificação dos atos de improbidade no sistema brasileiro.

A aplicação da Lei de Improbidade Administrativa deve ser aplaudida como ferramenta republicana no estado democrático brasileiro, desde que respeitados os princípios de segurança jurídica, proporcionalidade, razoabilidade e dignidade humana, além dos princípios reitores do Direito Administrativo Sancionador, que absorvem, como se sabe, a dogmática do Direito Penal, com matizes.

O Ministério Público é um ativo protagonista no manejo desta lei, mas, nos últimos anos, também as Advocacias Públicas vêm assumindo seus espaços. Assim sendo, a tendência é fortalecerse o caminho de combate às práticas de má gestão pública, louvável e necessário; mas, simultaneamente, os direitos dos acusados em geral e o devido processo legal punitivo devem igualmente merecer proteção máxima, na medida em que o abrigo de direitos fundamentais, seja na órbita dos direitos coletivos, seja no campo dos direitos individuais, há de harmonizar-se com a tutela de interesses difusos.

O que pode reduzir a impunidade, em nosso país é a boa gestão do sistema punitivo, e não a redução dos direitos fundamentais dos acusados ou investigados, cuja presunção de inocência há de ser salvaguardada. 

2012 e os sinais de mudança - GAUDÊNCIO TORQUATO


O Estado de S.Paulo - 08/01/12


Apolítica, costuma lembrar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é a arte de criar condições para tornar possível o necessário. Para outros, como a escritora chilena radicada em Cuba Marta Harnecker, é a arte de construir forças capazes de modificar a realidade, tornando possível um amanhã que hoje parece impossível. Entre esses dois pensamentos e o pragmatismo que faz parte de nossa cultura política, deve ser recebida a recente manifestação de próceres do PMDB e do DEM, hoje jogando no tabuleiro dos contrários, a respeito de eventual fusão dos dois entes partidários.

Essa possibilidade, que gera surpresa na esfera política pela condição ímpar dos contendores - de um lado, o principal parceiro do PT na aliança governista e, de outro, o aliado incondicional do PSDB na frente federal da oposição -, seria efetivada antes das eleições de 2014, alicerçando-se na hipótese de parceria bem-sucedida no pleito municipal de outubro deste ano. Feitas as contas das planilhas, peemedebistas e democratas analisariam o seu desempenho municipal para tomar uma decisão que, seguramente, alteraria profundamente as regras do jogo ora vigentes.

O que motiva a cúpula dos dois partidos? A vontade comum de abrir um novo capítulo na política, na crença de que o atual sistema se encontra engessado ou, em termos claros, aprisionado aos tabuleiros do PT e do PSDB, que há praticamente duas décadas compõem a dualidade mandonista da Nação.

Se ninguém furar o bloqueio o modelo continuará intocável. O fato é que o Brasil vai bem na economia e mal na política. Os avanços econômicos decorrem de políticas adequadas e corajosas e das riquezas do nosso imenso território. O atraso político deriva da manutenção de um sistema institucional defasado, em que sobressaem um Parlamento apequenado ante o Executivo, um presidencialismo de cunho imperial e um Judiciário com propensão legislativa. Se o PIB econômico se move pelo piloto automático, o PIB político é puxado por muitos pilotos que não sabem para onde seguir. Não é de surpreender que a política gire em círculos. Portanto, na política está o maior desafio nacional. Dela dependem a modernização das estruturas, os padrões da administração pública, os costumes e métodos. Por onde e como começar um processo de mudança? A resposta aponta invariavelmente para a reforma político-eleitoral, abrangendo sistemas de voto, normas partidárias e estatutos como cláusula de barreira, financiamento de campanhas, formação de coligações, etc. E por que tal escopo não é implantado? Ora, por falta de vontade política. A iniciante interlocução entre PMDB e DEM visa a criar as condições para tornar possível o necessário, ou seja, aperfeiçoar a forma governativa. A manutenção do status quo interessa, sobretudo, ao PT e ao PSDB.

Esses dois partidos se têm revezado desde 1994 no comando do País. Ambos usaram (e usam) as bengalas de outras legendas para ganhar apoio no Parlamento e, assim, garantir a governabilidade. Com ofertas no balcão de recompensas - ministérios, autarquias, um quadro com 20 mil postos na administração federal - as duas forças conseguiram registrar boas marcas em seus períodos. Aduz-se, portanto, que interessa a ambas manter a modelagem que lhes proporciona seguir ocupando o Palácio do Planalto - ao PT vale tudo para expandir o domínio e o PSDB se esforça para voltar a ser o figurante principal. A polarização está em seu DNA. Para encobrir essa posição e atenuar a desconfiança de parceiros dos dois contendores se passou a falar em presidencialismo de coalizão. A expressão, inicialmente chancelada por Sérgio Abranches, tem sido empregada desde os tempos de FHC para designar uma administração compartilhada. Ou seja, serve ao propósito de transferir aos aliados o sentimento de pertinência, de corresponsabilidade governativa.

Ao dar guarida ao conceito, o PMDB, com a estrutura partidária mais capilar, assumiu a defesa da administração colegiada. Os programas dos ministérios estariam sob a responsabilidade dos partidos, que deveriam ser cobrados por seu desempenho. Mas se tornou evidente que a coalizão jamais ultrapassou o limite da retórica, nunca se concretizou. O tucanato não repartiu com ninguém as glórias do Plano Real - lembre-se que o partido tem sido acusado de isolamento. No caso do PT, fica evidente que o partido se apropriou de todos os méritos da era Lula, puxando também para si este ensaio do ciclo Dilma. Ademais, o PT opera como religião: pratica liturgia exclusivista e se distancia de outros, fazendo ouvidos moucos ao tal presidencialismo de coalizão. Dessa forma, o conceito perde substância, servindo apenas como enfeite. A alternativa aventada por PMDB e DEM, então, objetivaria adicionar novos eixos à roda política, sair do corredor polonês em que se encontra o quadro partidário. A fusão das siglas formaria o maior aglomerado político do País, servindo como aríete para quebrar a polarização entre petistas e tucanos.

Para conferir credibilidade ao processo a nova agremiação haveria de produzir alentado projeto para a Nação, abrigando ideários, programas e um compromisso: a implantação efetiva do presidencialismo de coalizão. Essa proposta teria o condão de atrair levas de parceiros, agregando condições para fazer avançar o sistema político. Não significaria, como se pode imaginar, uma opção pela oposição. A nova agremiação poderia continuar a integrar a estrutura governista, mas imporia a mitigação do sistema presidencialista e a entronização da administração compartilhada. Apesar de não conter todas as características do parlamentarismo, o presidencialismo de coalizão dele se aproximaria pela responsabilidade dos partidos na formulação e execução das políticas.

O pleito deste ano se prestaria, assim, a ser a base de lançamento de uma reforma político-eleitoral mais substantiva. Operação complexa, mas não impossível.

Fair play? - SONIA RACY

O ESTADÃO - 08/01/12


A briga entre SporTV e Fox Sports pode deixar o s assinantes de TV paga sem Libertadores da América em 2012.

É que o novo canal comprou os direitos de transmissão do torneio, e fonte da coluna confirma que a Globosat pretende usar todos os recursos à disposição para manter o concorrente fora da grade de Sky e Net.

Como na TV aberta a Libertadores é da Globo até 2018...

Novidade
A Rocco adquiriu, em disputado leilão, o novo título de David Eagleman, neurocientista americano. SeuIncógnito,bestseller do The New York Times, deve sair por aqui em março.

Olympic beauty
Há seis meses dos Jogos Olímpicos, empresas de moda ebeleza se mobilizam. A Stella McCartney usou o evento como mote para sua coleção da Adidas. Nome? My 2012.

Já a Olay elegeu a atleta britânica Jessica Ennis como new face. E a Max Factor contratou a nadadora sul-africana Keri-Anne Payne.

Das artes
A Funarte prepara, para o segundo semestre, Iconografia Teatral, livro de Filomena Chiaradia. A obra une fotografia e teatro – por meio de imagens capturadas durante peças das companhias de Walter Pinto, no Brasil, e Eugénio Salvador, em Portugal.

Vigilância on-line
Alexandre Padilha tem apostado na força das redes sociais para se antecipar a epidemias.
O Ministério da Saúde monitora Twitter e Facebook em busca de informações nos quatro cantos do Brasil.

Responsabilidade social
•O Itaú inova. Comercial de sua mais recente campanha sobre uso consciente de papel mostra vídeo do YouTube que fez sucesso mundial. Trata-se de um bebê que gargalha ao ver uma pessoa picotar um pedaço de papel. Quarta, na TV.
•O Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Abreu Sodré, ligado à AACD, comemora. Com apoio da Johnson & Johnson Foundation, vai identificar e estudar pacientes portadores de artrite associada à psoríase, tipo de doença de pele autoimune.
•Mudança na presidência da ADJ Diabetes Brasil. Sai Ione Taiar Fucs, entra Carlos José Augusto da Costa.
•O Instituto Movere avisa: promove, no fim do mês, curso de aperfeiçoamento em obesidade infantil para profissionais de saúde. Gratuito.
•Sugata Mitra, cientista educacional e professor da Newcastle University, desembarca no Brasil, a convite da Fundação Telefônica. Vem participar da Campus Party 2012, em fevereiro. O indiano aproveita para ir ao Parque Santo Antônio, zona sul de SP, onde realizará experimentos de aprendizado via computador com crianças da comunidade.
•A campanha de fim de ano da White Martins bateu recorde. Arrecadou 80 toneladas de alimentos entre funcionários do Brasil e de oito países da América do Sul. A quantidade foi dobrada pela própria companhia, para beneficiar 140 instituições.
•Os empreendimentos populares assessorados pelo Instituto Consulado da Mulher, da Consul, alcançaram faturamento de R$ 5,8 milhões em 2011.

O vexame sem fim do FMI - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 08/01/12


Fundo Monetário faz alerta com argumentos sem fundo a respeito de crise nos bancos da América Latina



O RIDÍCULO moral e intelectual do FMI parece infinito. O diretor do Departamento de Hemisfério Ocidental do Fundo "alertou" na semana passada que a baderna europeia pode afetar a América Latina porque, "na média", os bancos da eurozona detêm 25% dos ativos bancários nos maiores países da região. Uhm.

Para quase todos os efeitos, o conceito de "América Latina" é besteira. Mas passemos, e entremos pelas bobagens ainda piores.

1) Qual a relevância de se tratar de "média" quando o assunto em questão é o peso dos bancos da eurozona em cada economia (na média, um país pode ter zero de ativos na mão de bancos europeus e outro pode ter 50%)? Crises não acontecem "na média": são específicas;

2) A "média" não dá conta do peso de cada economia na região. Crise no Brasil é uma coisa, outra na Argentina, uma terceira na Colômbia, para nem falar do Uruguai;

3) A "média" não dá conta do fato de que o México vive num universo econômico e o Brasil em outro;

4) Mais importante, a "média" nada diz sobre as diferenças regulatórias, de financiamento dos bancos e da concorrência dos mercados bancários de cada país. No Brasil, a regulação é razoavelmente sólida; 42,8% do estoque de crédito é de banco estatal. Para o bem ou para o mal, isso inexiste "na média" da "América Latina".

Para fazer "hedge", esse diretor do Fundo, Nicolás Eyzaguirre, ex-ministro da Economia do Chile, toma a cautela pífia de dizer no seu comentário que os bancos europeus na "América Latina" têm a prudência de se financiar com depósitos em moeda local. Logo, do que trata esse "alerta" do Fundo? De nada.
Quando se considera o caso brasileiro, a coisa fica ainda mais tola.
Os bancos estrangeiros, nem todos da eurozona, têm 17,3% do estoque de crédito (dinheiro emprestado), o grosso no Santander.

Quanto a ativos totais, o Santander é o maior banco da eurozona no Brasil. Tem 8,4% do bolo brasileiro. A seguir, vem o Deutsche Bank, com diminutos 0,66%. Itaú, BB (mais Votorantim), Bradesco, CEF e BNDES têm 70% dos ativos.

Se os bancos estrangeiros tivessem sido abduzidos por aliens em novembro de 2010, a expansão do estoque de crédito no país em 12 meses teria caído de 18,2% para 15,2%.

Nem essa hipótese ufológica daria em tragédia, mas o argumento é ainda mais absurdo porque o Brasil é a galinha dos ovos dourados do Santander. Se o banco para de emprestar e lucrar aqui, a matriz vai à breca. Além do mais, se os bancos estrangeiros jogarem na retranca, vão é perder mercado no Brasil.
Enfim, é óbvio que um desastre europeu nos causará problema gravíssimo, mas não devido ao peso dos bancos eurozoneados no Brasil.

O "alerta" do FMI é mais besteirol dessa instituição fracassada e inepta, capitã-do-mato dos donos do dinheiro grosso. Uma instituição para a qual a crise já visível em 2007 era fragilidade "circunscrita a certas áreas do mercado 'subprime' (...) e provavelmente não constitui séria ameaça sistêmica. Testes de estresse feitos por bancos de investimento mostram que, mesmo em cenários de queda nacional e sem precedentes dos preços de imóveis, a maioria dos investidores expostos às hipotecas 'subprime' por meio de derivativos não sofrerá perdas". Um vexame terminal, mas sem fim.

Uma bolha no tempo - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 08/01/12


Cientistas criaram um intervalo de tempo em que as coisas ocorrem sem serem vistas


Os melhores mágicos são aqueles que conseguem realizar os feitos mais improváveis, que parecem violar as leis da natureza: o truque do desaparecimento, de serrar alguém ao meio, de parecer adivinhar que carta você escolhe, de tirar um coelho da cartola... A mágica da mágica está justamente em ludibriar a nossa percepção do real, fazendo o impossível parecer possível.

Pois bem, nesta semana, cientistas da Universidade de Cornell, nos EUA, anunciaram um feito que parece ludibriar as leis da natureza: criaram uma "bolha no tempo", um intervalo de tempo em que coisas ocorrem sem que sejam detectadas por um observador externo.

Como diz o ditado, "ver para crer" forma a base da nossa percepção. Recebemos informação através de pulsos de luz que chegam aos nossos olhos, refletidos do objeto que observamos. Se o objeto está em movimento, esses pulsos vão mudando com o tempo. Para não vermos que algo ocorreu, "basta" não recebermos luz vinda do objeto.

A experiência envolve pulsos de luz viajando em fibras óticas modificadas. Fibras óticas são essencialmente tubos de vidro por onde a luz, por exemplo na forma de raios laser, pode viajar. Como sabemos, essas fibras revolucionaram as telecomunicações pois têm perdas muito menor de sinal do que meios mais comuns, como cabos de cobre.

Os cientistas enviaram um pulso de laser por uma fibra desenhada para dispersar ou colimar luz de forma controlada. Um pulso de laser é uma onda de luz pura, com apenas uma frequência. A certa altura na fibra, o pulso de laser sofre interferência de outro pulso que muda a luz de uma para várias frequências.
Esse pulso combinado entra então numa parte da fibra onde pulsos com frequências diferentes viajam com velocidades diferentes, com o azul indo mais rápido do que o vermelho. Com isso, as duas cores são separadas até que, entre elas, existe um espaço onde não há luz alguma. Esse intervalo de escuridão total, com um centímetro de comprimento e duração de 50 trilionésimos de segundo, é interpretado como uma bolha no tempo. O que ocorre nela não pode ser visto.

Para se certificar de que a bolha era real, os cientistas fizeram um pulso de luz passar pelo local onde a bolha foi criada. Em geral, a interferência entre os dois pulsos acusaria a existência do pulso dentro da bolha. Mas quando o pulso enviado foi examinado após passar pela região da bolha, nada havia mudado.
Mesmo que o intervalo de tempo tenha sido muito curto, "curto demais para alguém roubar um quadro num museu", brincou Moti Fridman, que trabalhou no experimento, o feito demonstra que "invisibilidade" pode ocorrer tanto no espaço quanto no tempo.

Uma analogia seria a seguinte: um trem com 40 carros viaja na sua direção. Você vê um motociclista querendo atravessar os trilhos do trem. Sem que você saiba, os carros de número 20 e 21 se soltam, criando um espaço entre eles. O motociclista aproveita a brecha e atravessa antes dos carros se juntarem novamente. Você vê apenas o motociclista já do outro lado do trem. "Será que vi um fantasma?", você poderia se perguntar. Não... Foi apenas uma manipulação sensacional das propriedades da luz, um exemplo da mágica da ciência.

Esquecimento e memória - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 08/01/12

Outro dia li um ensaio interessante sobre a arte de esquecer. Dizia que a memória até pode ajudar a conservar nossa história, mas que o esquecimento é fundamental para a regeneração da vida, que só esquecendo o passado podemos nos dedicar a planejar o futuro, algo assim.

É uma tese controversa. Avanços históricos, sociais e tecnológicos estão intimamente ligados ao conhecimento do que já se fez antes. Já nas questões pessoais, um pouquinho de esquecimento pode, realmente, ajudar a desatar nós e a seguir em frente, mas isso em se tratando de pessoas que possuam mesmo um futuro.

Para pessoas mais idosas, não pode haver velhice pior do que aquela em que se está mergulhado no breu.

Inúmeras doenças degenerativas corroem a memória, deixando a pessoa enredada no presente instante. Ela esquece o que comeu no almoço, esquece com quem estava conversando há meia hora e sobre o quê. Menos mal que, mesmo com esse esquecimento de fatos imediatos, consegue produzir flashbacks, lembrar da infância, de acontecimentos remotos. Mas se a memória for inteirinha para o brejo, de que adiantou ter vivido?

Não consigo imaginar chegar lá adiante, velhinha, depois de ter atravessado tantos conflitos, tantos amores, cometido tantos erros e tantos acertos, e não poder comemorá-los, todos.

O que justifica uma vida não são nossas boas intenções, nossas ideias jogadas ao vento, nossos quases: vida é a coisa realizada. O que se fez e o que se sentiu. Se elas forem esquecidas, esvaziam-se nossos 80 anos, nossos 90 ou cem anos. Qualquer longevidade passará a valer um segundo.

Quero olhar para as fotos e me reconhecer no sentido mais amplo, enxergar o que eu sentia naquele momento do clique, dizer “parece que foi ontem” sem sofrimento. Quero lembrar de sabores, de sorrisos, de gestos, esses flashes que vêm e povoam a estrada atrás de nós. Quero inclusive lembrar dos arrependimentos e das dores, que vistos de longe parecerão menores, e essenciais. Quero rir muito do meu passado. Rir muito de mim, me recordando de trás pra frente.

Porque se não for assim, nossa vida terá valido para os outros, os que nos lembram, mas não terá valido para nós mesmos. Seremos uns desmemoriados sem alicerces, vagando num presente ilusório, desaparecendo a cada minuto que passa.

O esquecimento é um anestésico que não me tenta. Se temos que morrer um dia (que jeito), que seja abraçados às nossas recordações. A integridade de uma vida está em seu reconhecimento, mesmo que se reconheça, junto às boas lembranças, a proximidade do fim. É o preço. Pior é morrer com a bênção de não se dar conta da morte iminente, mas com o destino cruel de não poder avaliar, através da memória, se valeu ou não a pena.

Saindo de férias - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 08/01/12


Este ano, como sempre, vou viajar nas férias. Mas desta vez acho que lamentarei um pouco o afastamento daqui do terraço. Há muito tempo não lhes conto os acontecimentos no terraço, há novidades. Herculano, o gavião que volta e meia fazia ponto na esquina do alambrado, sumiu de vez. Em compensação, estabeleceu-se nas redondezas o casal de sabiás Wanderley e Ademilde, que deve ter ninho aqui perto e apresenta alguns duetos admiráveis, de manhã cedo e ao entardecer. Instalou-se também um clã de bem-te-vis, chefiado por Arnaldão, bem-te-vizão parrudíssimo, maior que certos pombos, e por Hildete, sua esposa, igualmente fortezinha e disposta.

Pensando bem, Herculano pode ter sido escorraçado daqui por Arnaldão e Hildete e talvez mais alguém da turma de bem-te-vis. Bem-te-vi é jogo duro para qualquer um, inclusive gavião pequeno. Quem conseguir pegar num bem-te-vi tem que ter muito cuidado, porque ele vira o pescoço e dá umas bicadinhas poderosas, que furam a mão. Muitos gaviões do porte de Herculano se dão mal, quando se metem a besta com um bem-te-vi. O gavião localiza o bem-te-vi lá de cima, do meio das nuvens, assenta a mira, recolhe as asas para trás e mergulha em alta velocidade, na direção do que ele imagina ser sua presa. Enquanto isso, o bem-te-vi, cuja visão permite que ele enxergue quem vem lá de qualquer lado, fica na dele, como se não estivesse notando nada. Mas, quando o gavião chega quase a tocá-lo, ele faz uma manobra que o atacante, caça a jato e não helicóptero, não tem tempo nem equipamento para acompanhar. Aí o bem-te-vi fica por cima e desce a lenha no cocuruto do gavião, que chega a babatar no ar, meio desgovernado, para depois recuperar-se e se mandar de volta a seu hangar, certamente decidido a pensar melhor, da próxima vez em que topar com um bem-te-vi.

Mas a novidade interessante mesmo, cá no terraço, não é com o reino animal e, sim, com o vegetal. Receio ter de confessar que o ambiente criado aqui pelas plantas não condiz com a moral e os bons costumes. Admito que salacidade sempre foi geral, com a colaboração diuturna de um exército de polinizadores sem senso de propriedade e sem qualquer pudor, mas agora está passando dos limites. Me lembra uma árvore da casa de finado Jugurta, em Itaparica. Nunca vi essa árvore, não sei nem qual a espécie dela, mas era famosa. Segundo contavam, ela promovia tamanha safadagem que Jugurta e sua dele santa esposa, d. Nadinha, chegaram a pensar em derrubá-la, não o fazendo somente pelo pecado que é derrubar uma árvore. Quando ela florava, mais exibida que 200 rumbeiras de circo, cada flor mais indecentíssima que a outra, se oferecendo a beija-flores, morcegos, borboletas, mamangavas, abelhas, mosquinhas e toda a malta sem-vergonha que se acumplicia nessas horas, eles mandavam cobrir o quadro oval do Sagrado Coração de Jesus que ficava na sala, e não deixavam as crianças ver a descaração transcorrendo no jardim.

Aqui no terraço está assim. Assim, não, pior. Num dos vasos maiores, reside uma fruteira cítrica com problemas sérios de identidade, que resultaram numa situação constrangedora. Ela chegou ainda mocinha, como laranja-lima, mas nunca deu laranja-lima nenhuma. Sua primeira fruta era uma laranja sem caroço, insuportavelmente azeda. Da segunda vez, era uma laranja com caroço, bastante docinha. Mas, de repente, um lado dela começou a produzir, em ritmo industrial, limões galegos. Suspeitei que se tratava de enxertos, mas temo que seja a manifestação mais explícita do clima de promiscuidade reinante. A razão da suspeita é o surgimento, no mesmo vaso, de uma outra arvorezinha, cujos tronco e raízes já se entrelaçam com a tal cítrica que não resolve o quer ser na vida. Não tenho certeza, mas creio que é uma goiabeira e isso poderá não definir-se ainda durante minhas férias. Uma conclusão, porém, já se impõe. A verdade dói, mas tem que ser dita: é uma deslavada suruba vegetal e acho que publicar uma fotografia dela seria proibido em países recatados.

Melhor mesmo, pensando bem, é viajar, escapar um pouco deste ambiente carregado. Embora não seja fácil como pode parecer e requeira prática, minha intenção é não fazer nada. Somado a fortes traços genético-antropológicos, tenho um certo traquejo. Quando Caymmi e eu morávamos na Bahia, de vez em quando não fazíamos nada juntos, na casa dele. Um dia resolvemos dar uma pausa e compor um samba, mas só passamos um tantinho mais que 30 anos nesse trabalho. O tempo foi curto e aí ficamos apenas no estribilho que, aqui no Rio, cantávamos sempre que nos víamos.

Mas nem sempre as coisas se passam como a gente quer e tudo indica que, na minha condição de saltimbanco das letras, vou ser chamado a trabalhar durante as férias. Em telefonema da ilha, Zecamunista me comunicou que está criando o Comitê Proletário de Defesa do Vernáculo e eu, que, apesar de intelectual pequeno-burguês e alienado, pelo menos sei conjugar a maior parte dos verbos e não costumo errar os plurais, serei convocado para a luta.

- Eu não aguento mais! - disse ele. - Você sabe o que outro dia eu ouvi, lá em Espanha? Um xibungueta me disse "eu tinha trago o jornal do senhor, mas o senhor não estava". Eu tinha trago! Não é mais "trazido"! Isso é caso de paredão! Você tem que me ajudar nesse combate!

É, acho que o dever me chama, a situação se agrava. Num segundo telefonema, Zeca relatou o mais recente exemplo da língua atual, um novo particípio passado de "falar", que ele colheu numa roda de pôquer em Salvador.

- Eu tinha falo! - reclamou, a certa altura, um parceiro.

- Pois eu ainda tenho - respondeu Zeca. - Não muito fanático, mas tenho.

***

Devo voltar no dia 19 de fevereiro.

A briga do ano - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 08/01/12


Na esteira da redefinição dos critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados, deputados já falam em aumentar o aporte da União, hoje de 21,5% do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Um dos argumentos é que, a cada redução de IPI feita pelo governo para estimular o consumo, quem paga são os estados. O Congresso tem até o final do ano para redefinir a regra de distribuição dos recursos do FPE, considerada inconstitucional pelo STF.

Puxando a brasa para sua sardinha
O Rio quer vincular essa discussão com a da redistribuição dos royalties do petróleo. Quer ser compensado por eventuais perdas com os royalties. Uma fórmula defendida pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) é que cada estado receba, pelo menos, 20% do que a União arrecada em seu território. “Hoje a União arrecada R$ 117 bi no Rio, e nós só recebemos de volta R$ 2 bi”, disse Dornelles. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), apresentou proposta estabelecendo, como um dos critérios, a proporção de terras indígenas em relação à superfície territorial. Seu estado, Roraima, abriga a reserva Raposa Serra do Sol.

POR ONDE ANDAM? Apeado do governo, o ex-ministro Antonio Palocci, na foto, voltou a prestar consultorias. Já Nelson Jobim abriu um escritório de advocacia. Alfredo Nascimento voltou para o Senado, de onde inferniza a presidente Dilma, e Pedro Novais regressou para a Câmara dos Deputados. Wagner Rossi está se dedicando à sua fazenda, e Orlando Silva vai disputar uma vaga de vereador em São Paulo.

Ah, tá
O ministro Fernando Bezerra disse que saiu de férias na época das chuvas porque achou que as medidas de prevenção de enchentes eram suficientes. “A gente não pode se apresentar como salvador da pátria”, justificou-se.

Tipo exportação
A Polícia Federal está dando treinamento de investigação para polícias de dez países da América Latina e da África. Entre esses países estão Cuba e Angola. A PF brasileira atende os países que são refratários aos cursos do FBI.

Energia limpa na Antártica brasileira
O Brasil será o primeiro país a gerar energia a partir de fontes renováveis na Antártica. A Estação Comandante Ferraz, da Marinha, será abastecida por um motogerador a etanol. Um evento, quarta-feira, com o ministro Celso Amorim (Defesa) dará início ao programa científico de geração de energia com biocombustível em baixas temperaturas. Os parceiros da Marinha no projeto são a Vale Soluções em Energia e a Petrobras.

Uma a menos
Com uma política de reajuste do salário mínimo fixada até 2015, a presidente Dilma terá uma briga a menos no Congresso. Mas a bancada dos sindicalistas vai redobrar a campanha pelo aumento para aposentados e pensionistas.

É ver para crer
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) tem dito que, em 2013, ele vai ter 25% nas pesquisas para o governo do Rio, e, diante disso, sua candidatura seria um fato consumado. Ele quer o apoio do governador Sérgio Cabral (PMDB).

180º. Ao longo deste primeiro ano de governo Dilma houve uma mudança radical de estilo na Casa Civil. A ministra Gleisi Hoffmann estabeleceu uma gestão voltada para dentro, de perfil mais técnico. Seu antecessor, Antonio Palocci, exercia um papel mais político.

EDIÇÃO. 
Nas fotos de sua posse postadas pelo senador Jader Barbalho (PMDB-PA), seu filho não aparece em nenhuma. No dia da solenidade, o menino se destacou fazendo caretas para a imprensa.

CONTINUIDADE. 
Os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO) e Álvaro Dias (PSDB-PR) vão ser mantidos nas lideranças do DEM e do PSDB no Senado.

Quem tem medo da arbitragem? - MODESTO CARVALHOSA


FOLHA DE SP - 08/01/12

Não é papel do Judiciário julgar litígios entre empresas e sócios; a arbitragem avança no Brasil, mas é necessário evitar que as partes tentem burlar contratos

A arbitragem no Brasil está completando 15 anos e, no entanto, o tema nunca foi tão atual.

Se, no passado, a sentença arbitral era recebida com desconfiança por magistrados e advogados, hoje a Lei da Arbitragem tornou-se opção real e preferencial das grandes empresas nacionais.

Aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2001, a decisão dos árbitros passou a ser reconhecida como vinculante e definitiva, sem a necessidade de aprovação do Judiciário. Hoje, o Poder Judiciárionão só respeita como incentiva a utilização da arbitragem para dirimir conflitos, especialmente os de ordem societária.

No mundo todo, a arbitragem é elemento basilar da segurança jurídica. Não é diferente no Brasil.

A cláusula arbitral nos contratos e seu respeito pelas partes garantem a segurança e a previsibilidade jurídica dos negócios, além de incentivar cada vez mais investimentos estrangeiros no Brasil. A análise de investimentos em países emergentes tem como um dos itens primordiais a verificação do grau de respeito a contratos e de segurança jurídica interna.

Em 1995, eram quatro representantes brasileiros em arbitragens promovidas pela Câmara de Comércio Internacional (CCI), na França; em 2009, o número saltou para 86.

O caminho natural é que as adesões à arbitragem cresçam ainda mais, uma vez que não é papel do Judiciário julgar litígios entre empresas e seus sócios.

No entanto, há um ponto de atenção fundamental, que pode colocar em xeque o sistema e, consequentemente, a força vinculante dos contratos e a segurança jurídica no Brasil. Trata-se do desrespeito de uma das partes societárias ao tentar burlar o contrato e desmoralizar o instituto da arbitragem.

Esses casos ocorrem quando uma das partes se nega a instalar o tribunal arbitral ou não se conforma com as obrigações assumidas e recorre à Justiça. Esse comportamento cria descrédito sobre o sistema e pode influenciar diretamente a análise da segurança jurídica do Brasil no mundo de negócios, em geral.

No país, há dois exemplos negativos em curso, que envolvem grandes empresas e que estão dentre os casos de maior relevo.

Em um caso, a parte alega não estar vinculada à cláusula arbitral expressamente contratada, enquanto no outro questiona-se um laudo arbitral já proferido. Ambos prestam um desserviço às empresas envolvidas e, sobretudo, à nação, abalando a segurança jurídica e com possibilidade de causar prejuízo à imagem do Brasil no exterior. Os dois casos ferem os princípios basilares da arbitragem.

Atualmente, estima-se que existam 80 milhões de processos correndo na Justiça. Seria um retrocesso e um contrassenso desconsiderar a arbitragem expressamente pactuada num momento em que até o Judiciário aplaude a iniciativa das empresas e respeita a decisão arbitral.

É uma mudança de cultura, um momento histórico para o Brasil. O Judiciário se coloca como um aliado fundamental da arbitragem e, certamente, como o seu maior apoiador, contribuindo de modo decisivo para uma ainda maior solidificação e disseminação desse importante meio alternativo de solução de litígios, fundamental ao desenlace de litígios societários.

Avoíce, avoidade - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 08/01/12


Pode ser que eu mais uma vez esteja mal informado, mas o fato é que não encontro na língua portuguesa uma palavra para designar a condição de avô. Para o pai e a mãe, existem paternidade e maternidade; para o avô e a avó, nada. Ou estou enganado? Cartas à redação.

Você por certo já notou quão vasta e abrangente é a minha ignorância, espraiada pelos mais diversos ramos do saber. Ignorância não especializada, sim - por que haveria eu, sempre equânime, de privilegiar esse ou aquele campo do conhecimento, em detrimento dos demais? Já pensava assim nos tempos da faculdade (peço que não espalhe, mas me formei em Direito, embora hoje, se os encontrar por aí, não saiba distinguir um Código Civil de um Código Penal). Manuel Bandeira disse ao Otto Lara Resende que cada um de nós precisa escolher as próprias ignorâncias. Digamos que eu, para evitar discriminações, escolhi todas.

Tenho aqui, é claro, uns tantos recursos que me permitem caminhar, ainda que às apalpadelas, pelas sendas de tamanhas trevas. No terreno da ignorância lexicográfica, escalei em minha defesa um luzidio dream team: Houaiss, Aurélio, Michaelis, Antenor Nascentes, Caldas Aulete e Laudelino Freire. Graças a eles, ainda não fui obrigado a admitir, como certos oradores, que não tenho palavras. Como Jânio, as tenho, e as uso, o que me permite ser, não digo brilhante, mas eventualmente lustroso.

Neste momento, porém, nenhum dos grandes vocacionados do vocábulo vem em meu socorro. O Houaiss afirmava que o português, como outras línguas de cultura, compreende cerca de 400 mil palavras. E nenhuma delas, descubro agora, corresponde à condição do avô ou da avó. O mesmo Houaiss dizia também que um brasileiro comum (eu, certamente) atravessa a vida com apenas 3 mil palavras. Machado de Assis, garantia ele, não precisou de mais do que 8 mil para erguer sua catedral literária. (Esse "catedral", convém creditar, é do Houaiss, de cujos lábios finos e refinados vi sair também, e amiúde, o adjetivo "catedralesco".). Pois bem, até aceito que as minhas e as vossas 3 mil palavras não incluam algo como "avoíce" ou "avoidade" - mas, e entre as demais 397 mil da nossa tão culta língua?

Não me conformo. E sinto inveja dos usuários do espanhol, que para referir-se à condição dos abuelos e abuelas teriam à disposição não uma, mas duas palavras: abuelazgo e abuelidad. Nenhuma delas, é verdade, dicionarizada, que eu saiba. Talvez para não assanhar rivalidades não exclusivamente futebolísticas, argentinos das minhas relações disseram desconhecer abuelazgo e abuelidad. Minha amiga Ana Maria, porém, que é espanhola, já ouviu quem empregasse a primeira.

Levei minha perplexidade a outra amiga, sábia senhora que, sendo também discreta, talvez não gostasse de ver seu nome engastado nesta prosa chinfrim. "Você me colocou frente a um problema que eu jamais encarara nestes trinta e tantos anos de 'avoíce'...", escreveu-me ela, apanhando uma das alternativas de neologismo que eu lhe apresentara. "E se apelássemos para línguas estrangeiras?" - propôs. "Fugindo do inglês, já tão banalizado", ela sugeriu que nos aventurássemos, por exemplo, pelo italiano, idioma no qual nonna e nonno nos permitiram criar para o português uma simpática "nonice". O mesmo me propôs também, aliás, outro sábio, o Sérgio Augusto: "Ao menos para a praça de São Paulo, você pode apelar pro italiano e lançar 'nonismo' ou 'nonidade'."

No francês, prosseguiu a minha amiga, grand-père nos daria "grand-perdade". Mas o que fazer no feminino, se grand-mère nos conduziria a "grand-merdade"? "Ih! Foi mal!" - admitiu a minha amiga, a quem involuntariamente acabei levando uma aflição vocabular adicional. "Meu problema", explicou, "pode se tornar infinitamente mais sério, pois no ano passado casei duas netas: 'bisavoíce'?" Divertida, desconfia que "bisavoada" lhe seria mais adequado. Ela não vê motivo, em todo caso, para que nos desesperemos, e busca me tranquilizar: "Temos os 366 dias deste ano bissexto para achar uma resposta para tão grave questão..."

Sei não, minha amiga. Um ano parece tempo demais ante as urgências amorosas de um senhor para quem, faz pouco mais de dois meses, a pequena Gloria veio descortinar os encantos, para ele inéditos, disso que precisamos batizar de avoíce, avoidade, alguma coisa assim, urgentemente.

Rabanada - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 08/01/12
Sobrou uma rabanada. Huguinho viu que tinha sobrado uma rabanada e começou sua progressão em direção à mesa. Lentamente, a princípio, para não atrair atenções. Depois acelerando um pouco até ter a rabanada ao alcance da sua mão.

Estendeu a mão e...

– Huguinho!

– Quié, mãe?

– Não toque nessa rabanada.

– Mas, mãe.

– Ofereça para a dona Anita.

– A dona Anita já se encheu de rabanadas.

– E você, quantas comeu?

Huguinho tinha comido 10, mas não era hora de dar munição ao inimigo.

– Duas.

– Não minta. Vá oferecer pra dona Anita.

– Por quê?

– Porque ela é visita. Porque não fica bem alguém da casa comer o último pedaço, seja do que for. Porque a boa educação manda que a pessoa mais velha seja sempre melhor tratada.

– Quantos anos tem a dona Anita?

– Não interessa. Acho que uns 68.

– A dona Anita está comendo rabanadas há 68 anos. Eu, só há 12.

– Pois então? Ela está mais perto da morte. Tem menos tempo do que você para comer rabanadas.

– Mas já comeu muitas mais do que eu.

– Huguinho, pare de embromar e ofereça esta rabanada à dona Anita.

– Não, é sério. E se eu morrer nos próximos dois minutos?

– Só se for de comer tanta rabanada.

– Eu posso muito bem cair morto neste instante. Ou daqui a 20 anos. De qualquer jeito, não terei a oportunidade de me igualar à dona Anita na quantidade de rabanadas consumidas em toda a sua vida.

– Huguinho...

– Eu só quero deixar claro que a proximidade da morte não pode ser critério. Teoricamente, todos aqui podem estar perto da morte. Mas há só uma rabanada.

– Ai, meu Deus. Por que nós fomos botar você numa escola experimental? Qual deveria ser o critério, então?

– Quem chegar à rabanada primeiro. E eu estava chegando.

– Ah é, Huguinho? A lei do mais forte, do mais rápido, do mais oportunista? Onde é que ficam a consideração pelos outros, as boas maneiras, a moral e a ética? Enfim, a civilização?

– Acho que nenhuma forma de civilização resiste a uma última rabanada.

– Você não aprendeu isto nesta casa, Huguinho, e espero que não tenha aprendido na escola. Agora chega de conversa e leve esta... Rabanada! Onde está a rabanada?!

O prato está vazio. Enquanto mãe e filho discutiam, alguém pegou a última rabanada sem ser visto. Fim de conversa.

O mundo e a glória - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 08/01/12
RIO DE JANEIRO - Nunca vi nada igual. Ao descer no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, para cobrir a Copa do Mundo de 1998, fiquei pasmo diante de um enorme pôster de Ronaldo Fenômeno.

Cobria praticamente toda a largura do aeroporto. Mais tarde, vi o mesmo pôster na Galeria Lafayette, não naquela loja atrás da Ópera, mas em Mont-parnasse, onde há uma filial do mesmo grupo. Era um anúncio da Nike, que patrocinava aquela Copa.

Nesta semana que acabou, vi a foto do mesmo Ronaldo nas folhas. Sentado numa cama exausta de ser cama, gordo, tendo contraído dengue, estava segurando aquela haste metálica onde os enfermeiros colocam as ampolas de soro e de outros medicamentos. Nos pés, uma sandália de dedo, sem identificação do fabricante, comprada em qualquer camelô.

Antes do deslumbramento do aeroporto, o maior pôster que havia visto era o de Che Guevara, na praça da Revolução, em Havana, mais ou menos no mesmo tamanho das fotos de Mao Tse-tung em Pequim e de Lênin na praça Vermelha, em Moscou. O pôster de Ronaldo era cinco vezes maior do que os três juntos. Bem verdade que, com a vitória da França naquele ano, Zidane substituiu o craque brasileiro. Mas quero repetir: nunca vira nada igual.

Muita água correu sob a ponte, Ronaldo engordou,foi picado pelo Aedes aegypti, ainda impõe baita respeito em campo, foi um dos maiores jogadores de todos os tempos. Os pés que lhe deram tamanha glória, que fizeram marketing para uma fábrica internacional, estavam à vontade nas sandálias de dedo.

Evidente que lhe desejo pronto restabelecimento, mas olhar a sua foto sentado na cama, cara meio desolada, me fez meditar mais uma vez sobre o efêmero da glória. Ia citar aquele clichê latino, "sic transit gloria mundi". Faz de conta que não citei, mas citado está.

Corrida à Casa Branca - SERGIO FAUSTO


O Estado de S.Paulo - 08/01/12


Pela incrível diferença de apenas 8 votos, num total de quase 140 mil, Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts, venceu as primárias do Partido Republicano no Estado de Iowa, na noite da última terça-feira. Deu-se, assim, a largada para a corrida presidencial à Casa Branca, na raia do Partido Republicano. Na outra, o presidente Barack Obama espera a definição do seu adversário. Em novembro haverá eleições gerais para a Presidência e grande parte do Congresso e dos governos estaduais.

Nenhum dos principais aspirantes republicanos à Casa Branca parece ter compreendido que na nova ordem internacional não existe mais espaço para uma "atitude imperial" dos Estados Unidos. Nem mesmo o mais moderado, Mitt Romney, para não falar em Newt Gingrich, até Iowa considerado o mais difícil adversário do ex-governador de Massachusetts. As credenciais conservadoras do ex-líder da bancada republicana na Câmara datam do período em que moveu oposição sem trégua a Bill Clinton.

Em novembro Gingrich declarou que os Estados Unidos deveriam contemplar a possibilidade de atacar o Irã não apenas para deter o desenvolvimento do programa nuclear daquele país, mas também para promover a mudança do regime dos aiatolás. Pelo visto, nada aprendeu sobre os limites das intervenções militares dos Estados Unidos, mais uma vez demonstrados no Iraque e no Afeganistão. Como se não bastasse, afirmou que convidaria para o cargo de secretário de Estado (equivalente ao ministro das Relações Exteriores no Brasil) o ex-embaixador de George W. Bush na ONU John Bolton, uma espécie de "cão raivoso" do unilateralismo norte-americano.

A magra vitória de Romney em Iowa sugere que ele ainda vai suar a camisa para assegurar sua indicação (somados, os outros candidatos tiveram mais do que o triplo dos seus votos). Haverá de provar que não é um "falso", mas um "verdadeiro conservador", como se declaram os seus oponentes. Ou seja, precisará mostrar-se mais arrogante em política externa, mais "família" no campo dos valores e mais radicalmente anti-imposto e antiestatal na área econômica. Além de evitar que o tema religioso cresça sub-repticiamente: Romney é mórmon e a base do Partido Republicano, predominantemente evangélica, parte dela "fundamentalista".

O programa de Romney para a política externa não contém as temeridades ditas por Gingrich. Entre os princípios ali declarados está a preferência pela ação multilateral e pelo uso da força militar apenas depois de esgotados todos os meios diplomáticos pacíficos. A mensagem política do documento, porém, vai na direção oposta. Ela está estampada no próprio título dado ao programa: The New American Century.

O slogan remete a uma instituição de mesmo nome que formulou as principais teses do pensamento neoconservador entre o final dos anos 90 e a metade da primeira década deste século. O governo de George W. Bush bebeu muita água dessa fonte, principalmente em seu primeiro mandato, quando enfiou o país em duas guerras, desconsiderou solenemente instituições e acordos internacionais e estremeceu, com essas atitudes, as relações dos Estados Unidos com alguns dos seus principais aliados. Aliás, nada menos que 15 dos 22 assessores de política externa de Romney trabalharam no governo de Bush, o filho.

Se o principal candidato dos republicanos recorre novamente ao imaginário do "Novo Século Americano" é porque ele está vivo. Parte da sociedade americana recusa-se a aceitar o declínio relativo do poder norte-americano na ordem internacional. Hoje os Estados Unidos se defrontam não apenas com novos polos de poder no exterior, mas também com limitações financeiras internas que impedem o país de "pagar qualquer preço, carregar qualquer fardo" - como disse John F. Kennedy no auge do poder norte-americano - para fazer valer os seus interesses no mundo. Aliás, reduziu-se muito o prestígio da ideia de que esses interesses, porque amparados em valores universais, coincidiriam, em última instância, com os melhores interesses da "comunidade internacional". Um presidente que ignore essas limitações é um perigo para os Estados Unidos e para o mundo, principalmente se respaldado por uma maioria nas duas Casas do Congresso.

Republicanos realistas, como Henry Kissinger, sabem disso muito bem. Na introdução ao seu livro Diplomacy, o ex-secretário de Estado do presidente Richard Nixon escreve que os Estados Unidos vivem, pela primeira vez na História, dentro de uma ordem internacional da qual não se podem retirar e que tampouco podem dominar. O isolacionismo foi a atitude predominante dos Estados Unidos na primeira metade do século 20, com a exceção marcante da participação na 1.ª Guerra Mundial. A propósito, o isolacionismo radical é parte do programa de Ron Paul, o mais excêntrico dos aspirantes republicanos à Casa Branca. Já o domínio norte-americano, ao menos no mundo não comunista, foi a marca da segunda metade do século 20, que culminou com o colapso do socialismo real e da União Soviética. Kissinger previu que essa situação de incontrastável hegemonia norte-americana seria de curta duração. Para ele, os norte-americanos têm de incorporar a noção de equilíbrio de poderes à sua política externa, no pressuposto de que os diferenciais de poder entre os Estados Unidos e um conjunto de outras nações serão decrescentes no longo prazo. Em tempo: Kissinger escreveu isso em 1994.

Curiosamente, quem melhor entendeu esse diagnóstico não foram os republicanos, mas Barack Obama. Desde que assumiu a Presidência, o democrata outra coisa não fez, na política externa, senão tentar concertar os estragos do surto de prepotência unilateral do governo George W. Bush e ajustar a política externa americana à nova realidade do mundo. Por isso, o melhor que pode acontecer é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos continuar a morar na Casa Branca nos próximos quatro anos.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 08/01/12
Resorts brasileiros voltam a apresentar taxa de ocupação registrada pré-2008
A taxa de ocupação dos resorts brasileiros voltou ao patamar registrado antes do início da crise de 2008.

Em 2011, o índice foi de 52%, segundo estudo da Associação Brasileira de Resorts. Nos últimos três anos, foi a primeira vez que a ocupação foi superior à metade das diárias oferecidas.

"O crescimento ocorreu graças à demanda do mercado interno", diz o presidente da entidade, Dilson Jatahy.

No Costão do Santinho (SC), a taxa de ocupação no ano passado foi de 53%.

"Não é um resultado brilhante. Precisamos chegar ao menos em 55% para rentabilizar nosso negócio", diz o diretor do hotel, Rubens Régis.

Para apresentar melhores resultados nos próximos anos, o setor pretende voltar a atrair turistas do exterior.

Em 2011, apenas 19% dos hóspedes de resorts brasileiros eram estrangeiros. Três anos antes, eram 43%.

"Além do real valorizado, também temos problemas com a alta tributação. Pagamos 20% mais impostos que nossos concorrentes do setor de cruzeiros", afirma Jatahy.

A associação pretende reivindicar que o governo federal desonere a folha de pagamento do setor. "Temos dificuldade para disputar o mercado, pois nosso custo fixo para manutenção é muito alto. Pretendemos ser incluídos no programa Brasil Maior", diz o presidente da entidade.

Para o diretor do Costão do Santinho, a demanda interna também pode ajudar a elevar mais a taxa de ocupação.

"Nas últimas férias, houve uma invasão de brasileiros no exterior", diz Régis.

Resort Domestico
A retomada do setor veio acompanhada de uma "adaptação para o mercado doméstico" no novo cenário pós-crise, segundo José Romeu Ferraz Neto, presidente do Txai Resorts.

"Antes, as unidades eram muito maiores. Mas os novos produtos diminuíram para ter valor mais baixo", afirma.

As casas de cerca de mil m² eram compradas por estrangeiros por até R$ 6 milhões. Hoje é mais comum encontrar projetos menores, em torno de R$ 1,5 milhão em Itacaré e Trancoso.

"Até 2008, nosso mercado era suportado pelos estrangeiros, sendo 80% europeus. Eles ficaram mais restritivos, deixaram de viajar e de comprar tantas unidades", diz.

"Enquanto isso, a economia brasileira cresceu e nos adaptamos à demanda interna", afirma Neto.

Para este ano, a empresa tem investimentos de aproximadamente R$ 20 milhões em seus bangalôs, de acordo com o presidente.

O recurso será usado para construção de novas unidades e reforma, tanto em bangalôs do hotel quanto nos que serão vendidos

EM ESTOQUE
O estoque de condomínios logísticos na região metropolitana do Rio de Janeiro dobrará nos próximos dois anos, segundo estudo da consultoria CB Richard Ellis.

Ao final de 2013, os empreendimentos desse tipo representarão 1,5 milhão de metros quadrados. Hoje são 700 mil metros quadrados.

Mesmo com as inaugurações, a taxa de vacância, que hoje está em 3,2%, não deve subir muito, de acordo com Alberto Robalinho, diretor da consultoria imobiliária.

"Esse índice deve flutuar entre 1% e 5% nos próximos anos, o que é muito baixo. Os imóveis ficam vazios apenas na época das mudanças de uma empresa para outra."

Os lançamentos ficarão a até 40 quilômetros da capital, principalmente nas rodovias Dutra e Washington Luiz e na região dos Lagos.

"Pelo tamanho que é necessário para construir esses empreendimentos, não há mais espaço na capital."

MERCADO FUTURO
O ritmo de crescimento da população economicamente ativa mundial irá acompanhar o da população nos próximos 20 anos.

Ambos devem ter expansão de cerca de 20%, segundo estudo das empresas Oxford Economics e Hays.

O desajuste ficará por conta da distribuição desses trabalhadores. Mais da metade deles (534 milhões) será de países emergentes.

Enquanto isso, a população economicamente ativa dos países ricos deverá diminuir em um milhão de pessoas.

Rússia, Japão e Alemanha serão os que terão maior retração. Juntos, perderão 38,1 milhões de pessoas em idade de trabalho. Na outra ponta, ficarão Índia e Paquistão (com 241 milhões e 63 milhões trabalhadores a mais).

Essas mudanças tornarão os emergentes mais importantes no cenário econômico de 2030, diz o estudo.

ARTISTA PELA TELA
Selmo Nissenbaum, ex-Ágora corretora e principal sócio da distribuidora de fundos Órama, é o novo investidor da VIP Art Fair, feira virtual criada nos EUA em 2010.

A feira, que terá sua segunda edição em fevereiro, reúne mais de cem galerias. Do Brasil serão sete, incluindo Fortes Vilaça, Raquel Arnaud e Luisa Strina.

Colecionador de arte contemporânea, Nissenbaum afirma que foram feitos investimentos em tecnologia para evitar os problemas da primeira edição, quando servidores ficaram fora do ar devido à forte demanda.

"Foi um bom problema. Passei por isso no começo da Ágora. Mas a parte tecnológica foi toda restruturada", diz.

Nissenbaum fez um aporte de US$ 500 mil, que se soma ao de igual valor feito pelo australiano Philip Keir.

com JOANA CUNHA, VITOR SION, LUCIANA DYNIEWICZ e MARIANA BARBOSA

ARRASA, bii! - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 08/01/12

De volta à TV Globo, o ator Marcelo Serrado encarna o homossexual Crô na novela "Fina Estampa", mas diz que não quer que sua filha veja beijo gay no horário nobre
"Olha o Crô! Crôôôôô! Crôôôôô!", grita uma criança que está no Projac, o complexo de estúdios da TV Globo, no Rio. Crô acena e pega carona em um carrinho de golfe que o leva até um camarim.

Há quase cinco meses o ator Marcelo Serrado, 44, é chamado de Crô por onde passa. Tudo por causa de seu personagem na novela "Fina Estampa", o mordomo gay Crodoaldo Valério. Aquele que chama sua patroa, Tereza Cristina ( interpretada por Christiane Torloni), de "rainha do Nilo" e "divina Ísis".

"Oi, amor, tudo bem? Quais são minhas cenas hoje?", pergunta à produtora da trama ao chegar ao camarim de jeans, camiseta azul-marinho e tênis de couro. Logo, vai para a sala de maquiagem fazer o cabelo. O cabeleireiro passa uma musse nos fios e usa o secador para criar o característico topete de Crô.

O ritual de beleza já faz parte de sua rotina de gravações. Ir à manicure também. "Brinco que achei o [tom do]Crô fazendo a unha pela primeira vez na vida", diz à repórter Lígia Mesquita.

O sucesso do personagem, afirma, se deve muito ao fato de Crô não levantar bandeiras -característica que o ator, como telespectador, acha "chato" de assistir nas tramas. "Ele é um gay solar. É um folhetim", diz.

Sobre a exibição de um beijo gay na TV, tende a concordar com o autor Aguinaldo Silva, que afirmou que isso só poderia acontecer "lá em casa". "Isso é algo que tem que ir quebrando aos poucos. Não quero que minha filha [Catarina, 7] esteja em casa vendo beijo gay às nove da noite [na TV]. Que passe às 23h30."

Afirma ser a favor da união estável entre pessoas do mesmo sexo. "Isso é fundamental. Estamos em 2011. Acho um absurdo quando vejo cenas de homofobia como aquela em que pai e filho foram espancados [ no interior de São Paulo]. E se eu der um beijo no meu irmão? Vou ser agredido?"

Quando o topete
 fica pronto, ele pede licença para fazer a barba no banheiro. Em dois minutos acaba e vai para a sala do figurino, onde encontra seu colega de elenco Alexandre Nero, o motorista Baltazar. "Eu acabo fazendo a escada. A graça tá com ele", diz Nero.

Serrado pega
 uma meia cor de pele, usada normalmente por mulheres, e coloca no pé antes de calçar um mocassim. Veste calça jeans branca, gravata borboleta azul sobre uma camisa de mesmo tom, os óculos escuros e sai para gravar.

No carrinho de golfe rumo à cidade cenográfica, diz que trabalhou muito para criar o personagem. Por indicação do amigo Rodrigo Santoro, procurou Sérgio Penna, preparador de atores, para ajudá-lo na missão. "Não tem milagre. Hoje em dia tem muito ator, a competição é grande. Tem que se preparar. O mercado é cruel. Você tem que estar sempre bem, fazendo seu melhor trabalho."

A gravação com Christiane Torloni começa. Na cena, ele ajuda a patroa a destruir cartazes em que ela aparece sendo procurada como uma criminosa. Duas funcionárias da limpeza dão risadas quando Crô entra em cena.

O ator carioca ficou seis anos fora da TV Globo. Retornou no ano passado, a convite do autor Aguinaldo Silva, para interpretar Crô.

"Saí porque meu contrato acabou. Hoje em dia concordo com essa política. A Globo tem muito ator, às vezes o cara pode ficar subaproveitado. Eu sou um operário, me formei no teatro, dei aula, sempre trabalhei muito e corri atrás. Não acredito nessa coisa do ator que reclama muito", diz.

No período longe da emissora global, participou da série "Mandrake", da HBO, e atuou em três novelas na Record. Também produziu e estrelou o musical "Tom & Vinicius". E fez o filme "Malu de Bicicleta", que lhe rendeu o prêmio de melhor ator no Festival de Paulínia, em 2010.

Foi convidado
 a retornar à TV Globo, mas só aceitou para fazer Crô. "Eu ia voltar fazendo o quê? Pra quê? Em que termos? Eu vou atrás de bons personagens, de um bom trabalho."

A principal diferença entre as duas emissoras, segundo ele, "era a coisa do Ibope". "Foi importante ter ido para a Record. Porque, de uma certa maneira, vi aquela emissora crescer. É sempre bacana quando o Aguinaldo [Silva] fala que me pegou lá. Ele me viu fazendo dois vilões e por isso me chamou pra fazer um gay. Ou seja, tudo tem um porquê. É o budismo", diz ele, adepto da filosofia.

Sua cena chega ao fim e ele volta ao camarim para lavar o cabelo. "Nossa, hoje tava um trânsito, né?", comenta. E diz que o "Rio está um canteiro de obras". Afirma se interessar por política, "mas tô muito descrente com toda essa roubalheira". Revela que votou em Dilma Rousseff para presidente em 2010. "E votei no Lula. Sempre no PT."

Tira a maquiagem com lenços umedecidos e vê uma espinha na testa. "Já passei vários cremes e ela não sai." Diz que é "metrossexual" no sentido de se cuidar. "Passo filtro solar, cremes. Mas não faria plástica." A idade, segundo ele, é algo que vai limitar o seu trabalho "lá na frente". "Acho que com mulher [a cobrança de juventude] é mais cruel. O homem envelhece e ainda consegue ter papéis bons", diz.

Ele conta que pretende fazer outro musical. "Tô estudando canto e violão, quero me aprofundar nisso". Quer também fazer dois novos filmes: "No Retrovisor", inspirado em obra de Marcelo Rubens Paiva, e "Mesmo Que Seja Eu", de Evaldo Mocarzel, em que interpretará um autista. Neste mês, fica em cartaz no Rio com o espetáculo "Não Existe Mulher Difícil".

"Já estive aqui
 em cima e lá embaixo e minha essência não mudou. Continuo a mesma pessoa. Mas acho que talvez hoje eu seja um ator mais inteligente", afirma. Acha "chato" ficar falando de si. "No nosso trabalho tem ego demais. A gente tem sempre que baixar a bola."

"Passo filtro solar, cremes. Sou metrossexual com isso"

"Acho que com a mulher é mais cruel. O homem envelhece e ainda consegue ter papéis bons"