O GLOBO - 08/01/12
Desde a Lei 8.429, de 1992, aumentou a cobrança aos gestores públicos brasileiros quanto a responsabilidades por ressarcimento ao erário. Contra eles aplicam-se multas, suspensão de direitos políticos e interdições de direitos, através de ações civis públicas que mais se encaixam no regime jurídico de um direito punitivo do que propriamente no clássico Direito Processual Civil.
Esta lei — conhecida como Lei de Improbidade Administrativa — transformou- se num autêntico Código Geral de Conduta para todos os agentes públicos brasileiros, com eficácia jurídica. As condutas proibidas vão desde a "violação dos princípios da administração pública" até a prática de ato diverso da regra de competência, bem como, por exemplo, negar publicidade aos atos oficiais ou facilitar que terceiro se enriqueça ilicitamente.
A partir dela, especula-se que muitos agentes públicos estariam a transitar num limbo: teriam perdido o direito de errar e ficado temerosos de ousar, ou que os bons gestores estariam assustados, afastando-se do setor público. Outros sim, especula-se, também, que teria havido um aumento substancial no combate às práticas de má gestão pública no Brasil e redução dos níveis históricos de impunidade. O certo é que são muitas as controvérsias acesas em torno da interpretação desta Lei.
Uma das características centrais da Lei de Improbidade é o uso abundante de cláusulas gerais, termos jurídicos indeterminados e princípios como técnicas abertas de enquadramento. Após seu advento, proliferaram ações com enorme impacto midiático, sendo um dos seus efeitos aflitivos mais notáveis o abalo moral causado pelas informações transmitidas através dos meios de comunicação social na imagem dos acusados, muitos deles políticos ou empresários. Tornou-se esta lei instrumento decisivo no próprio palco político- eleitoral e na vida concorrencial das grandes empresas.
Um risco da Lei 8.429/92 é transformar ilegalidades em improbidades, banindo o direito ao erro por parte do administrador público e dos próprios empresários que interagem com o Poder Público. Outro de seus riscos é a instrumentalização política a serviço de interesses subalternos. Daí a importância de se aquilatar cuidadosamente quais as regras vigentes, hoje, no sistema. Nesse sentido, é importante um levantamento estatístico qualitativo sobre a eficácia da Lei no Brasil, nestes quase 20 anos de vigência, tempo suficiente para produção de jurisprudência nos Tribunais Superiores e, sobretudo, para uma sociologia rica no mundo forense.
Em tal direção, sugere-se ao CNJ e ao CNMP um trabalho de campo para uma pesquisa qualitativa e quantitativa sobre todos os processos ajuizados e “cases” suscitados, nos Tribunais ordinários, bem como nas ações propostas, para verificar, entre outros aspectos, se, na praxe das instituições, há uniformidade de critérios no tocante à seleção das condutas proibidas pelo Ministério Público. É imperioso diagnosticar, também, se existe uma fragmentação muito díspare a respeito da tipificação dos atos de improbidade no sistema brasileiro.
A aplicação da Lei de Improbidade Administrativa deve ser aplaudida como ferramenta republicana no estado democrático brasileiro, desde que respeitados os princípios de segurança jurídica, proporcionalidade, razoabilidade e dignidade humana, além dos princípios reitores do Direito Administrativo Sancionador, que absorvem, como se sabe, a dogmática do Direito Penal, com matizes.
O Ministério Público é um ativo protagonista no manejo desta lei, mas, nos últimos anos, também as Advocacias Públicas vêm assumindo seus espaços. Assim sendo, a tendência é fortalecerse o caminho de combate às práticas de má gestão pública, louvável e necessário; mas, simultaneamente, os direitos dos acusados em geral e o devido processo legal punitivo devem igualmente merecer proteção máxima, na medida em que o abrigo de direitos fundamentais, seja na órbita dos direitos coletivos, seja no campo dos direitos individuais, há de harmonizar-se com a tutela de interesses difusos.
O que pode reduzir a impunidade, em nosso país é a boa gestão do sistema punitivo, e não a redução dos direitos fundamentais dos acusados ou investigados, cuja presunção de inocência há de ser salvaguardada.
O incrível advogado-articulista defende que o Direito de Errar é uma garantia constitucional fundamental para nossos políticos. Quando um advogado critica uma lei, algo de bom ela tem. Para eles, lei boa é a que não funciona, como as que regem nosso glorioso código processual penal ou a atual lei do motorista alcoolizado.
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