sexta-feira, dezembro 07, 2012

Pompadour - Rainha de um Rei - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 07/12


Subproduto emocionante da Operação Porto Seguro, surgiu no noticiário nacional uma questão delicada, que envolve vidas particulares de personagens públicos, mas que de certa forma violentam a privacidade a que todos temos direito. Ao longo da história universal tivemos casos idênticos ou análogos, sendo talvez o mais famoso o que ligava cortesãs a um rei pouco antes da revolução francesa. Madame Pompadour (Rainha de um Rei) por um lado, e madame Du Barry por outro, de certa forma influíram perifericamente na revolta do povo contra a monarquia absolutista de Luís 15.

Num polo oposto, a influência do monge Rasputin junto a czarina Romanov também pesou nos antecedentes imediatos da revolução russa. A rainha de Sabá também complicou a história do povo de Israel. E no mundo estritamente oriental, foram várias e formosas as mulheres que exerceram junto a reis, imperadores e sultões um poder que transcendia os limites dos tálamos, que geralmente eram adamascados.

O Brasil não podia ficar fora desta tradição de alcova. Nossos dois imperadores pagaram o tributo da carne, Dom Pedro 1º com diversas damas de sua corte, onde reinava a marquesa de Santos, mas sem direito à exclusividade. O segundo imperador, apesar de sua austeridade, também encontrou uma condessa. Não consta que tenham exercido influência nos negócios de Estado mas não deixa de ser curioso: Dom Pedro 2º com seu manto imperial enfeitado de papos de tucano, reinando absoluto em Petrópolis, cidade de Pedro, e uma vez por mês indo a uma pequena vila próxima, onde morava um cidadão de chapelão e barbas brancas ao lado da condessa de Barral. O povo chamava o dono da vila de "Pedro do Rio". Até hoje se chama assim.

Na república, a tradição continuou. Só para citar alguns casos. Dona Santinha, mulher legítima e carola do presidente Dutra, forçou o fechamento dos cassinos e o rompimento com a União Soviética. Dona Yolanda, mulher do marechal Costa e Silva, é tida como responsável pelo uso obrigatório dos cintos de segurança (medida mais que necessária mas correu a notícia que ela teria comissão dos fabricantes dos tais cintos).

Ademar de Barros tinha uma esposa de grande dignidade, Dona Leonor, mas guardava seus dólares e joias no cofre de um tal "Dr. Raul", que aliás foi roubado por ativistas contra a ditadura de 64. Quanto aos filhos bastardos, a lista é grande e divertida. Os presidentes João Goulart, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso tiveram a dignidade de reconhecer os filhos fora do tálamo oficial. Paulo Maluf também foi acusado, mas inocentado.

Muitos outros poderiam ser citados, mas a verdade obriga que se considere inofensivos esses casos, que não tiveram influência na administração pública e nos cofres da nação.

O caso atual é diferente. Como candidato presidencial, e graças a uma jogada iníqua do partido contrário, Lula saiu chamuscado quando subornaram com dinheiro a mãe de uma filha bastarda. Evidente que o fato teve consequência na eleição daquele ano. Esperou um novo período para então exercer a presidência por dois mandatos e saiu glorificado, nacional e internacionalmente. E aqui entre nós, o episódio de sua filha Lurian em nada prejudicou o muito de bom que ele fez e deixou para a sua sucessora.

Contudo, o barco de seu incontestável prestígio parece que errou de porto, embora tenha encalhado num Porto dito Seguro. Suas relações íntimas e antigas com uma funcionária do gabinete presidencial em São Paulo, escapam da simples natureza humana e estão sendo julgadas como interferências exorbitantes na máquina do estado.

Nem o ex-presidente nem a funcionária em questão podem apelar para a privacidade a que todos temos direito. Os oito anos de sucesso da gestão Lula tiveram um ramal auxiliar cujas atividades estão sendo investigadas pelos órgãos responsáveis. Por essas e outras, é lícito supor que a corrupção política e administrativa não é mais artesanal, mas organizou-se nas cavernas do centro do poder.

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