domingo, dezembro 23, 2012
O dia em que tudo não terminou - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 23/12
É, pelo visto o mundo não acabou (pelo menos não aqui em Perdizes, onde vivo). Não é a primeira vez que isto não acontece. Você se lembra daquele 11 de agosto em que, sob a forma de um bólido sideral, que nem no filme Melancolia, a pata justiceira de Jeová viria nos aplastrar, pondo fim a nossas pecaminosas existências? Até que a gente merecia, mas dava para desconfiar de que se tratava de rebate falso: já se viu alguma coisa acabar num 11 de agosto? Que eu saiba, é o contrário, é data de começar. Foi num 11 de agosto, aliás, no ano 3.114 a.C., que entrou em vigência o calendário maia - o mesmo que anunciou para este 21 de dezembro o aniquilamento de tudo e todos.
Estava meio na cara que aquela predição ia gorar, mas o Samuel e a mulher dele, a Suely, acreditaram que era pra valer. (Já contei isso, mas conto de novo, pois não tenho a pretensão de achar que você me lê). Levaram a coisa a sério e, uns meses antes do global deadline, na maior moita, pararam de pegar encomendas na marcenaria deles. Corretíssimos, quitaram as dívidas. Não renovaram a matrícula dos filhos na escola. Por fim, trajados para a ocasião, sentaram-se à espera de que o Criador os viesse descriar. Quando viram, já era 12 de agosto e o mundo aí, firme. O que acabou foi o casamento deles, porque a Suely, decepcionada com o não-apocalipse, surtou feio, por pouco não levando com ela o Samuel. Ainda bem que não, pois conto com ele para que me faça umas prateleiras.
O fiasco de 21 de dezembro deixa claro que já não se pode confiar em ninguém. Nem nos maias, com sua milenar sabedoria; que dirá nos astecas, sumérios, godos, visigodos e outros engodos. Imagino que muita gente, sem chegar ao extremo da Suely, deve se sentir frustrada. A começar pelo Papai Noel: se dispensou os cervídeos que puxam seu trenó, dando por cancelado o delivery, o rubicundo estafeta pode estar agora às voltas com, perdoe, problemas renais. O tal bando de loucos terá tempo para esticar as comemorações, mas precisará se conformar com o fato de que seu time é apenas o mais recente, não o último campeão do mundo. Empoleiradas na oposição, aves de bico longo terão que admitir: ainda não foi desta vez que se traçou, en su tinta ou não, o adversário capaz de eleger postes.
Desapontamento, também, de quem apostou no fim do mundo como único recurso para escanhoar na face da República o mais renitente dos bigodes, o de Sarney, claro. Paulo Maluf talvez tenha sentido alívio - nunca mais essa conversa desagradável de supostos milhões exilados em ilhas remotas! -, até que o alvorecer de 22 de dezembro lhe devolvesse motivos para franzir outra vez o reflorestado couro cabeludo. Idem o pessoal que passou cheques pré-datados para o pós-21. Para não falar nos condenados do mensalão, se, confiantes nos maias, chegaram a antever suas penas diluídas numa condenação de todos, Joaquim Barbosa inclusive, por força da insondável dosimetria do Senhor.
Mas certamente houve também quem se rejubilasse ao constatar que a hecatombe não se produziu. Minha amiga Denize, por exemplo, que já dera cabo de várias dezenas de tons de cinza, só interrompendo a leitura quando fora do livro a coisa ameaçou ficar preta, poderá deleitar-se com quantos mais houver. Feliz está também o moço que, tendo pedido a mão da moça, chegou a crer que não teria a chance de levar o resto.
Eu próprio respirei ao saber que, ao menos por ora, está mantido meu april in Paris. Confesso, porém, que lamentei ver adiado uma vez mais o espetáculo da Ressurreição dos Mortos - que ainda espero poder presenciar, de preferência vivo, no Cemitério da Consolação: já pensou aquela profusão de ex-grã-finos emergindo de seus mausoléus com trajes de época, para engrossar um multitudinário desfile Walking Dead? Avôs de 32 anos sendo apresentados a netos de quase 100. Mário e Oswald de Andrade, rompidos desde 1929, finalmente reconciliados, sem verborragia nem antropofagia.
E agora, pessoal, já pro shopping! Vocês acharam que iam escapar do inferno das compras natalinas?
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